Capítulo 33
"A noite levará toda a dor, amanhã será um novo dia."
Quando um déjà vu acontece você fica meio paralisado, tentando encontrar em que outro dia da sua vida aquela cena diante dos seus olhos fora vista. Eu fiquei assim ao reconhecer meus irmãos discutindo com as duas recepcionistas, tentei de toda forma lembrar em que momento da minha vida eu vi uma cena parecida, porém não encontrei. Talvez ela nem tivesse existido, aquele déjà vu era mesmo só para me deixar estarrecida.
- Senhores, se vocês não se retirarem eu terei que chamar os seguranças. - A recepcionista loira anunciou.
- Ellie não deixou ao menos o endereço? - Ouvi Mike insistir. - Eu sou médico!
- Não podemos, senhor. - Respondeu a morena já ficando irritada com a situação.
- Ellie, quem são eles e por que estão atrás de você? - Jenny perguntou puxando meu braço, porém, antes que eu pudesse respondê-la meus irmãos se viraram e os dois pares idênticos de olhos cor de mel deles me encararam com remorso.
Déjà vu. Déjà vu. Déjà vu. Foram três seguidos, todos do dia em que voltei para casa quando nossos pais morreram, aqueles mesmos olhos me olhando como se eu fosse algum tipo de criminosa, culpada de algo, culpada pela morte dos nossos pais.
Dei alguns passos na direção deles e eles fizeram o mesmo.
- Mike, Kile. - Cumprimentei sem sentimentos na voz. Não havia algum. Nem na voz, nem em todo o resto, eles eram como desconhecidos para mim.
Kile alto, cabelo bem aparados, olhos cor de mel, tal como Mike, no entanto, esse baixo e que ainda mantinha o cabelo maior.
- Ellie. - Responderam juntos e, para minha total surpresa, me abraçaram. Braços frios, homens frios e infelizes até onde sei.
Me afastei rápido, dando algumas passos "mancados" para trás. De soslaio vi Jenny se aproximar com um olhar feroz, colocando Carl atrás de si e posicionando-se ao meu lado.
- Quem são vocês?
- Os irmãos dela. - Kile respondeu.
Jenny ficou boquiaberta e olhou para mim a procurar de uma confirmação. Eu assenti minimamente. - O que fazem aqui depois de tanto tempo? Querem colocar minha amiga no chão novamente? Pois saibam que agora estou aqui e vocês não vão fazer nada com ela!
Jennifer não esperou nada para pegar minha mão e me puxar para a saída em que seguiamos outrora, junto com Carl que estava perdido em meio àquela situação.
- Ellie! - Mike berrou, mas eu já estava do lado de fora.
Entrei correndo no carro de Jenny, enquanto ela dava a volta e Carl se ajeitava na elevação do banco. Jennifer não comentou nada enquanto íamos para sua casa. Ligou a rádio quando paramos em um semáforo e o silêncio já estava insuportável.
Porém foi ainda pior, era uma rádio de notícias e falava exatamente sobre o Arakluz:
- Na noite de ontem, 12, houve um incêndio no maior circo do país, Arakluz, nos arredores da capital Kennet. Próximo das 22 horas o fogo já era visto pela extensão da região nordeste da cidade. O Corpo de Bombeiros foi acionado para combater as chamas. Até agora não se tem o número de feridos, o circo passava por uma série de apresentações em especial ao dia das crianças, e ontem fora o dia em que os ingressos bateram recorde de vendas. Espera-se que não tenha nenhum ferido mais grave.
Como eles estão enganados... Pensei em lamento. Jenny mudou de sintonia assim que o âncora terminou a frase, colocando em uma rádio de músicas antigas. Deixei minha cabeça tombar na janela e fiquei assim por todo o caminho. Naquela melancolia de que eu poderia ter feito algo, porém meu estado emocional não deixou.
Eu estava perdendo Susan, e, pior que isso, Thomas parecia estar perdendo sua razão para continuar de pé.
Ao chegar na casa de Jenny, sua mãe veio me abraçar e foi um bálsamo para mim.
Patricia era tão compreensiva quanto a filha, mesmo que Jenny fosse um tanto mais louca, ambas sabiam como confortar alguém quando precisavam e tornar o dia de qualquer um melhor com simples abraços ou palavras de incentivo. Patricia não tinha aquele cheirinho de infância, até porque não era tão velha assim, porém ela tinha muito conhecimento sendo assistente social e professora particular no tempo vago, eu e Jenny costumávamos dizer que ela entendia de cabeça.
Passei por cima do afã de me isolar, e fiquei com Patrícia, Carl e Jenny na sala, evitamos a TV para que eu não visse mais notícias sobre o incêndio.
Também não queria pensar em Mike e Kile ou no abraço deles. Não queria saber porque estavam na capital ou porque estavam me procurando. Eles haviam se tornado estranhos para mim, perderam qualquer afeto que eu um dia tive.
No cair da noite, Patrícia preparou o jantar enquanto Jenny ia buscar alguma roupas na minha casa. Fiquei com Carl, me distraindo com um jogo de vídeo game e até contei para ele que o meu cabeleireiro tinha o nome de um dos personagens do Street fighter.
Estávamos em uma rodada de jogos de aventura quando meu celular tocou.
Corri para atender, torcendo para que fosse Thomas para dizer algo sobre a pequena e frágil Susan, porém não era.
- Oi, tia Irina. - Cumprimentei e então me lembrei que ela havia estado no circo ontem com George, e eu não tinha noção se eles estavam bem. - A senhora está bem?
- Estou, querida. - Falou docemente. - Mas quero saber de você, como está?
- Eu estou bem, apenas no modo automático, mas bem. O senhor George se machucou?
- Ih vaso ruim quebra, minha filha? - Nós duas rimos um pouco. - Está aqui me perturbando como sempre. Diz que queimou-se um pouco, porém não tem nada.
- Ele gosta da sua atenção. - Ponderei.
- Ellie, eu fiquei sabendo do que aconteceu com a Susan e sei do seu apreço por ela, se no domingo você não quiser ir, eu entenderei, George também. - Ela disse e eu me levantei da cama de Carl, pedindo para ele ir jogando. Saí do quarto e vi Patrícia na sala, sabendo o que viria depois e que Jenny poderia chegar em breve, eu segui para o banheiro.
- Eu... Eu vou. Não posso te deixar em falta, você fez muito por mim nesse último mês. - Peguei a toalhinha de rosto e deixei por perto enquanto sentava sobre a tampa do vaso.
- Você sabe que não precisa. - Ela insistiu. - Poderá ajudar o circo de outra forma.
Alguns dias depois que aceitei a proposta de dançar com as meninas no evento do Instituto, Irina me contou que, como a escola tem muitos bailarinos preparados para irem para grandes universidades em outros países, tinham muitos olheiros nesses eventos. E que, se de alguma maneira, eu me destacasse, poderia conseguir um contrato melhor para dar aula em outro lugar, quem sabe na Universidade em que estudei. Era meu sonho, eu ganharia mais, melhoraria de vida, porém, também, não deixaria o circo, ajudaria enquanto pudesse. No entanto, com o incêndio, tinha que ajudar muito mais. Não deixaria Dalton numa dificuldade. Mas eu não iria só pelo Arakluz...
- Eu vou por ela. - Proferi e o silêncio de Irina me mostrou que ela tinha entendido que eu me referia à Susan. - Aliás, quero vê-la logo cedo amanhã e tenho a impressão que o dia também será cheio. Eu poderia ir para o ensaio somente no sábado?
- Claro, querida. - Irina respondeu. - Se quiser peço a George para buscá-la, ou lhe enviar o cronograma de domingo.
- Não quero abusar da generosidade do meu chefe e seu eterno amor. - Balbuciei escondendo um riso. Ouvi Irina bufar.
- Estarei te esperando para o ensaio geral no anfiteatro, no sábado. Se precisar de algo é só me ligar. - Garantiu.
- Obrigada, tia. - Ela me desejou melhoras, mandei um "oi" para George e então desligamos.
Olhei para o celular em minha mão, decidindo para quem ligar primeiro. Alex ou Thomas? Thomas ou Alex?
Ellie: Obrigada por...
Descartada.
Ellie: "Não tenho frases de Hermógenes para consolar um coração de um pai apreensivo, mas vai palavras de um homem que foi um pai para mim..."
- Minha pequena flor sem pólen... Perdão, ele dizia assim. Enfim. Thomas, a vida é apenas uma, por isso não há repeteco. Viva intensamente e ame da mesma forma, a dor, por sua vez, precisa ser sentida para mostrar que ainda estamos vivos. Sentimos culpa pelo que fizemos, mas se não há feito, por esse sentimento? Porque, dependendo do tipo de culpa que sentimos - por que sim, há muitos -, nossa culpa justifica o sofrimento de quem amamos. E por esse nós fazemos tudo." De Robert Laurent para uma garotinha que usava meias coloridas aos 9 anos, e agora uma pessoa que talvez ela ame mais do que deve.
Enviei e só então soltei o ar que não sabia que tinha prendido.
Capítulo curtinho, mas importante para vocês notarem que algumas decisões já estão sendo tomadas. Se o 34 tem treta? Tem muitaaaaaaa. Prontos para conhecerem a Amanda? XD
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro