XXXIV - A lutar contra reflexos e medos
O local escolhido era um ermo plano e pedregoso, ideal para um combate à rédea solta. Ao fundo, antes de começar o céu, a parede de montanhas distantes cobertas de verde-escuro, de onde tinham vindo. Iria haver estragos consideráveis e sem grandes argumentos os dois rapazes tinham conseguido convencer o príncipe a segui-los e sem qualquer entrave conduziram a viagem até ao sítio que julgaram mais apropriado.
Lado a lado, suspensos no vazio, encaravam a versão maléfica de Vegeta, mais jovem, mais pretensioso, mais perigoso, cheio de segredos. A começar pelo mistério do que estivera a fazer e onde, para se preparar para aquele confronto. O desafio cabia a Goten, mas Trunks acompanhava-o, determinado em participar também.
O vento soprava, agitando devagar a melena espetada do príncipe, que esperava com uma paciência que não lhe era característica. Analisava os seus adversários imediatos, medindo de alguma forma o seu poder, pois o scouter estava desligado. Goten começou a sentir um formigueiro a nascer-lhe da ponta dos pés que se espalhava gradualmente pelas pernas acima e pelo corpo. Ficava nervoso. Trunks sentiu a apreensão do amigo e sussurrou-lhe:
- Se quiseres, posso começar eu.
- Nem penses! – protestou Goten, voltando-se para ele repentinamente, como se tivesse apanhado uma bofetada. – Eu é que o vou fazer... Vou derrotá-lo e eliminá-lo. Ou nunca mais verei a Maron.
A motivação de Goten foi, assim, revelada. Era uma excelente razão, pensou Trunks. Goten acrescentou, a fixar o príncipe que lhes sorria com desdém:
- Tu nunca o poderás fazer. Ele é... o teu pai.
- Não é, Goten.
- Mas é estranho atacá-lo. Admite, Trunks-kun.
A imagem era imperfeita, como se devolvida por um espelho retorcido, mas ainda assim, um reflexo de alguém que lhe era próximo e querido. A dúvida roeu Trunks. Endureceu o rosto, sentindo o mesmo acontecer com os músculos do seu corpo enquanto os carregava de energia. Antes já o tinha avisado e disse, para lho recordar:
- Não podes vacilar, Goten. – Amaciou a voz, as dúvidas de menino embebendo-lhe as palavras e completou: – Eu não irei vacilar.
- Hai.
Agora, Goten parecia mais determinado do que ele. Uma estratégia para camuflar o nervosismo.
O príncipe lançou a cabeça para trás numa gargalhada mesquinha.
- Enviam miúdos para combater comigo.
- Estes miúdos vão dar-te uma lição! – avisou Goten espetando o dedo indicador na direção dele.
- Ah, sim? Quero ver isso...
Os olhos negros do príncipe viajaram entre Goten e Trunks várias vezes antes de dizer:
- Vou desembaraçar-me depressa de vocês. O que pretendo é lutar contra Kakaroto! Ele é que é o verdadeiro desafio. O meu prémio.
- Não vai ser assim tão fácil – avisou Trunks. – Temos uma missão e devemos terminar com isto hoje.
- Terminar?
- Hai, terminar! – gritou Trunks com uma enorme pena a pesar-lhe no peito.
E que motivação tinha ele para regressar à sua dimensão, reordenar o universo? Quando isso acontecesse, o mais provável era despedir-se mais uma vez daquilo que lhe era mais precioso, o seu filho que também era filho da Ana. Haveria outra separação e ele não sabia como iria reagir. Nem sabia se Tiago iria aceitar bem o facto. Ou com Tiago seria diferente, já que vivera a vida toda longe daquele mundo de guerreiros e de lutas onde, afinal, pertencia por direito?
Limpou a mente dessas preocupações.
Goten dobrou os braços pelos cotovelos, punhos cerrados, a preparar-se para o embate. Adiantou-se um pouco, como que a marcar o território e o adversário como seus. Agradecia a presença do amigo, mas desejava realmente levar a empresa a cabo sem qualquer ajuda.
Vegeta descruzou os braços.
- Muito bem. Comecemos o espetáculo!
As nuvens no céu começaram a girar por cima do príncipe dos saiyajin, à medida que ele convocava as forças que encerrava dentro dele e que conciliara no seu último treino secreto. O seu corpo cintilava e soltava faíscas azuis que crepitavam em seu redor. Os dois rapazes começaram a ficar preocupados.
A terra tremia. Primeiro, um ligeiro tremor, acompanhado por um som surdo que vibrava nos tímpanos. Depois, o tremor cresceu de intensidade até se transformar num sismo interminável que desfazia rochas e pedregulhos, fendas rasgavam-se na superfície e o chão criava desníveis. O ruído passou a ser um ronco constante que abafava todos os outros sons.
O príncipe dobrou-se, franzido e encolhido, como se arrancasse as derradeiras reservas de energia das entranhas. A expressão era dura, de raiva e, num clique, transformou-se em super saiyajin.
A pergunta formou-se em simultâneo no cérebro de Goten e de Trunks. Aquele Vegeta não conhecia o poder dos super saiyajin... Mas, aparentemente, após poucos dias em paradeiro incerto, tinha alcançado o desconhecido.
A energia do príncipe era inesgotável. Nascia de uma fonte misteriosa no seu interior, o seu ki era monstruoso, crescendo infinitamente e num desassossego brutal que o fazia gritar num único fôlego.
Aquilo não parecia bom. Os rapazes ficaram muito preocupados.
Quando o príncipe alcançou o nível dois dos super saiyajin, Goten e Trunks sustiveram a respiração, o suor em gotas geladas a deslizar pelas têmporas.
O vento soprava em rajadas assombrosas, acicatado pela demonstração de poder ilimitado do príncipe. O esgar que lhe torcia o rosto numa caricatura era de pura sanha, força contida, satisfação, orgulho, vitória – uma espécie de glória eterna a correr-lhe no sangue. Um guerreiro fantástico num momento supremo.
O cabelo alaranjado do príncipe agitava-se, ganhando volume e comprimento. Atirou o pescoço para trás, fechando os olhos, cerrando os dentes, como se lhe estivessem a arrancar o coração. As faíscas eram grossas e, quando estalavam no chão, soltavam enormes novelos de pó. Num reflexo, mas sem deixar de o fixar, Trunks tapou a cara com o braço.
Ao fim de uns segundos, o berro calou-se e a magia deu-se.
O queixo de Goten caiu.
- Ele está transformado em super saiyajin, nível três – balbuciou.
O príncipe brilhava como uma tocha viva. O seu rosto tinha ficado liso, sem sobrolhos e sem expressão, impassível como uma estátua desprovida de alma. Os cabelos, em longos cachos dourados, caíam-lhe pelas costas. Era assustador contemplar aquele espetáculo, porque encaravam um perfeito desconhecido.
- Goten, ele escolheu por nós. Nunca o conseguirás fazer sozinho. Eu vou mesmo participar neste combate.
- Eu sei! Eu sei, Trunks-kun!
- Temos de utilizar a nossa técnica...
Goten levantou um braço.
- Tens a certeza?
- Nunca tive tanta certeza na minha vida.
Trunks sorriu cheio de bazófia, apoiando os punhos na cintura.
- Vai ser como nos velhos tempos – acrescentou.
O terramoto tinha cessado. A poeira assentava, as pedras desfeitas rebolavam, tamborilando pelo solo desértico. O príncipe aguardava.
Goten foi o primeiro a descer, a ponta das botas de Trunks tocou no chão um instante depois. O príncipe olhava para baixo. Julgava a sua superioridade tão esmagadora e impossível de contrariar que lhes concedia todo o espaço e toda a iniciativa. Trunks perguntou divertido:
- Vamos dançar?
Os olhos negros de Goten observavam cuidadosamente o adversário.
- O ki... O ki dele está... mais negro.
- Negro?
- Hai, como se não fosse o Vegeta-san desta dimensão, mas alguém que se apoderou do seu espírito e que usa o seu corpo.
- Estás a querer insinuar que... - Trunks sentiu a boca secar – que ele está a usar magia?
- Não tenho a certeza, mas... É o que sinto.
Um momento de pânico e de dúvida e os dois rapazes olharam para o saiyajin que se sustinha no ar tão controlado, frio e indiferente que era como um pedaço de gelo voador. Contudo, por detrás das arestas geladas, a lava fluía fervente, borbulhando, ameaçando derreter tudo, destruir, eliminar, explodir como uma estrela moribunda. Trunks apertou os punhos com força, encurvando as costas, aumentando o seu poder.
- Não podemos perder mais tempo. Prepara-te, Goten!
- Hai!
Afastou-se do amigo e quando distendeu os músculos, preparando os próximos movimentos que deveria coordenar com ele, um golpe de ar quente paralisou-o. O rosto do príncipe sorria-lhe próximo. Trunks arquejou. Um soco afundou-se-lhe no abdómen, o sabor do sangue invadiu-lhe o palato repentinamente. Fechou os olhos, agoniado, agarrado à barriga. Assentou um joelho no chão. Com esforço entreabriu uma das pálpebras e viu Goten ser derrubado com um potente pontapé.
O príncipe atacava-os.
Pôs-se de pé, no preciso instante em que novo golpe vinha na sua direção, desta feita um murro dirigido à cabeça. Trunks defendeu-o com um braço levantado, os ossos estalaram. Transformou-se em super saiyajin por instinto e aparou o segundo murro, agarrando-o com a mão esquerda. A potência do ataque era gigantesca e o príncipe, percebendo-lhe o esforço, sorriu com arrogância. Trunks saltou para trás, à procura de uma distância confortável que lhe permitisse defender-se melhor. Ousou dizer, quando Vegeta rodava o pescoço à procura de Goten:
- Espera!
O filho de Goku levantava-se a tossir, tão zonzo que mal se conseguia endireitar. O príncipe olhou para Trunks que insistiu na ousadia:
- Espera! Não queres lutar com um adversário que esteja à tua altura? Um verdadeiro desafio aos teus novos poderes...
O orgulho daquele príncipe era tão grande quanto o do seu pai e Trunks percebeu que alcançara o seu ponto fraco. Era uma vantagem deles, conhecerem a fundo quem enfrentavam.
- Vocês são demasiado fracos – rosnou o príncipe desdenhoso.
A capa de energia brilhante diluiu-se e Trunks voltou ao estado normal. Abriu os braços com um sorriso torto, fingindo uma confiança que não tinha:
- Assim, seremos fracos. Mas nós temos uma técnica que nos aumenta o poder e depois seremos um adversário que merece este combate. Estás disposto a arriscar... Vegeta?
Ao pronunciar o nome do pai, a voz tremeu-se-lhe ao de leve. Acentuou o sorriso, afivelando-o à cara, como se o garatujasse sobre a pele com tinta indelével. Goten olhava para os dois, tenso e expectante.
O príncipe soltou uma gargalhada, cruzando os braços. Os longos cachos cor-de-laranja pareciam que lhe tinham puxado a cabeça, que se inclinou para trás, naquele riso trovejante e trocista.
- Impossível! Tenho comigo a força do lendário super saiyajin!
- A tua glória será maior se o teu adversário for digno.
- Está bem! – aquiesceu o príncipe num repente selvagem. – Está bem! Mostrem-me do que são capazes.
Trunks voltou-se para o amigo.
- Goten! Prepara-te!!
- H-hai...
- Não podemos falhar agora.
Mas Trunks estava cheio de receio de falharem e de perderem aquela oportunidade. Havia tanto tempo que não usavam aquela técnica. Havia muito tempo também que não lutavam. Eles não deveriam estar ali, não o mereciam – eram guerreiros descansados, afogados num ócio inevitável, mas desejado, vergados à evidência de que a paz conquistada seria eterna. As suas habilidades não seriam mais requisitadas, tempo de renascer e de esquecer a herança que lhes corria no sangue. Contudo, a curiosidade empurrara-os para mais um momento decisivo e eles estavam naquele lugar e momento decisivos, dispostos a vencer a todo o custo. Trunks respirou fundo. Alinhou o corpo com o de Goten, nivelou a sua energia, sentindo que o amigo fazia o mesmo, igualando os ki com precisão. Estendeu os braços, concentrando-se nos movimentos que deveria coordenar com o seu companheiro.
A voz dos dois soou em uníssono:
- Fu...
Três passos, convergindo um para o outro, os braços desenhando um largo arco, mãos com os dedos unidos.
- ...sion!
Um último passo de dança, os dedos indicadores de Trunks e de Goten uniram-se, uma explosão de luz muito branca engoliu-os. Vegeta protegeu os olhos com o punho. Estava perplexo com a cena ridícula que acabara de presenciar, que lhe fez recordar os bailados das Forças Especiais que Kilm inventava para promover a união entre os membros dessa elite lutadora.
Quando o nevoeiro brilhante se dissipou com uma rajada de vento, o que estava diante dele fê-lo suster a respiração de espanto. Um novo guerreiro erguia-se desafiante, punhos apoiados na cintura. A indumentária era fantasista. Umas calças largas, um grande cinto de pontas esvoaçantes, um colete que mostrava os peitorais. No rosto misturavam-se as feições dos dois rapazes, um cabelo rebelde espetado para cima, com faixas lilás de lado.
- Ah! Ah! – exclamou o novo ser, com uma voz duplicada, mescla das duas vozes originais. – Ah! Contempla a maravilha!
A técnica da fusão tinha corrido bem, o que era de louvar, dadas as limitações recentes e Gotenks fazia a sua aparição triunfante diante do admirado Vegeta que pestanejava rapidamente como que a querer limpar a visão e acreditar no que estava a ver. Passou um dedo pelo nariz e completou com desfaçatez:
- Contempla também a tua derrota!
O príncipe sacudiu os ombros, atirando nova gargalhada boçal.
- Com essa força de combate? Não vão aguentar nem dez segundos contra mim.
O mesmo dedo foi espetado no ar, abanado a dizer que não. Gotenks fez estalar a língua.
- Tsst, tsst. A transformação ainda não terminou.
E soltando um berro gigantesco a duas vozes, que fez tremer a terra e ribombar o céu, que escureceu o dia e abalou a galáxia, Gotenks também se transformou em super saiyajin, nível três. A seguir, sorriu.
O príncipe arqueou as costas, crispando o corpo, preparando a posição de combate.
- Boa tentativa, rapazes! Mas, como já vos disse, tenho em mim o poder do lendário super saiyajin. Agora, já não sou Vegeta. Agora... sou Keilo!
- Muito bem. E também podes tratar-nos pelo nosso novo nome. Nós somos Gotenks!
- Não preciso de saber o vosso nome... Vou apagar-vos da face do planeta dentro em breve e ninguém saberá que existiram.
A terra continuava a tremer debaixo dos dois adversários que conciliavam todas as suas energias para um primeiro embate que se adivinhava de uma ferocidade épica. Gotenks, que nunca deixava nada por dizer, afirmou trocista:
- Nós já lutámos contra Keilo.
O sobrolho direito do príncipe carregou-se. Ficara intrigado e zangado, ao mesmo tempo.
- Foi um combate interessante. – Tinham perdido escandalosamente contra Keilo, quando esse saiyajin, conjurado pelos feitiços do malvado Zephir, atormentara a Dimensão Z. Não iria revelar esse detalhe mesquinho e mentiu de seguida: – E ganhámos!
- Então, a desforra será diferente!
Os relâmpagos estalaram à volta deles, levantando pó e cascalho.
Gotenks atacou e o combate começou.
***
Tiago começava a pensar que Yamcha era um idiota chapado. Decidiu ignorá-lo. Para além de os estar a receber sem qualquer cordialidade, tivera o desplante de escarnecer do estado de Vegeta quando o vira chegar, amparado por Goku. Yamura cirandava por ali, curioso, querendo ser prestável, mas Chichi enxotara o miúdo na raia da histeria. Recebera os ramos com os seis peixes, pescados do lago naquela manhã, com alguma impaciência e de seguida, tal como fizera com o filho, enxotara-os a todos, dizendo-lhes que não os queria ao pé do miúdo pois eles significavam problemas e eram uma má influência. Goku arrastara Vegeta para a pequena casa do teto azul pontiagudo e ondulado, como um templo, que se situava ao lado da casa grande, depois do poço. Bulma foi atrás deles. Tiago descobrira, depois de terminada a cena, que aquela fora a casa onde Son Goku crescera – naquela dimensão e na verdadeira Dimensão Z.
Goku estendera Vegeta numa esteira e sentara-se encostando-se à parede, à espera. Tiago sentara-se também, a dividir a atenção entre o primeiro e o moribundo, que gemia em franco sofrimento e perguntava-se, pasmado, como conseguia Goku manter-se tão calmo. Bulma assistia Vegeta, humedecendo-lhe a testa e este estava tão débil e inconsciente que nem se apercebia dos cuidados dela ou, desconfiava Tiago, já a teria afastado com a sua usual secura.
Yamura assomou-se à porta. Tiago foi ter com ele e disse-lhe:
- Vai-te embora. A tua mãe não te quer aqui connosco.
- Ele vai morrer?
- Não. Nós temos um remédio mágico que o vai curar. Mas só o podemos usar no momento certo.
- Como é que sabes?
- Eu... - Tiago apalpou inadvertidamente a barriga. – Eu já tomei esse remédio.
- Tu também sabes lutar?
- Hai.
- Eu também queria lutar como um grande guerreiro. O meu pai diz que me ensina, mas a minha mãe quer que eu estude. O meu pai faz a vontade à minha mãe e está sempre a adiar as lições de luta.
Tiago espreitou Goku.
- Talvez se tivéssemos mais tempo... Ele poderia ensinar-te.
- Goku-san?
- Hum-hum.
Yamura encostou-se à ombreira.
- Ele e a minha mãe...
- Não era ele – apressou-se Tiago a explicar. – Era o outro, o desta dimensão.
- Achas que Goku-san gosta de mim? Esse Goku-san?
- Acho que sim. Porque é que fazes essa pergunta?
Yamura sorriu tristemente.
- Afinal, eu não sou o filho dele. Mas sou o filho... da mulher dele.
A terra começou a tremer e foi a desculpa perfeita para terminarem aquela conversa incómoda. Tiago focou os sentidos no espaço longínquo onde Trunks e Goten – que já não pareciam Trunks e Goten, mas uma amálgama dos seus espíritos, como se misturados num cadinho – atacavam o príncipe, cuja aura era imensa e assustadora.
- Que força! Nunca tinha sentido nada igual.
- Também consegues sentir os seus ki, Yamura-kun?
- Hai.
- Tu tens um dom. Serás um excelente lutador, quando cresceres.
Desta feita, o sorriso do menino foi de contentamento inocente. Do interior da casa, soou um grito de agonia. Tiago arrepiou-se.
- É Vegeta-san?
- Yamura-kun, vai-te embora. Onegai shimass. Isto não vai ficar bonito.
- Espero que o curem a tempo.
- Também eu...
O menino desceu a pequena colina num passo saltitante e Tiago entrou na casa que lhe pareceu, subitamente, demasiado quente. Para se distrair, começou a brincar com a sua metade do medalhão de Mu, olhando, de vez em quando, para a outra metade que Goku usava. Trunks tivera o cuidado de lha entregar, antes de partir com Goten para o combate com o príncipe inimigo.
Desde que unira as duas metades, que Tiago sentia agora um desejo irreprimível de as voltas a unir, espreitar aquele mundo das trevas, embrenhar-se a fundo nas suas veredas malditas, explorar os seus caminhos tenebrosos, encontrar o dono do medalhão, aquele que lhe falara e que, sem ele se aperceber, o enfeitiçara. Era um anseio que o fragilizava e que o envergonhava. Sabia que a resposta residia no medalhão – não fora por causa daquele triângulo dourado que tudo começara? Acalmou-se, passando os dedos pelos desenhos gravados no metal. Diziam-lhe que... E ele conseguia ler o que diziam? Soltou o triângulo, desconfiado.
O tempo passou. Provavelmente não foram mais do que alguns minutos, mas Tiago sentiu que tivessem sido horas. Infinitas e modorrentas horas. Embalado no tédio, dormitou. A sua cabeça pendeu e quando sentiu o esticão no pescoço, endireitou-se abrindo muito os olhos.
Vegeta sentou-se na esteira, pálido como a farinha. Tiago reagiu primeiro, saltando para junto dele. Goku travou Bulma com um braço.
- Não vás...
- Son-kun, deixa-me! Ele parece que...
Uma golfada de sangue saiu-lhe da boca e, de seguida, Vegeta dobrou-se para a frente num espasmo doloroso. Tiago ajoelhou-se, tentando ver-lhe o rosto.
- Ojiisan? Ojiisan, o que...?
Os olhos do saiyajin rebrilharam de ira e de dor.
- Afasta-te! Baka!!
O sangue escorria-lhe pelo queixo em grande quantidade. Elevou um braço inseguro, a tentar arranjar maneira de atingir Tiago com um murro, mas o esforço era demasiado para o estado débil em que se encontrava e a mão caiu-lhe pesada. Tiago olhava-o pasmado. Como ousara bater-lhe às portas da morte, o corpo a vacilar mole e sem controlo? Goku acercou-se, com o feijão senzu na mão. Agachou-se ao lado de Tiago. Vegeta olhou para ele e riu-se.
- O teu filho Goten... conseguiu... Tem mais estofo do que tu!
- Sabes tão bem quanto eu que Trunks está com ele e que foi Gotenks quem o conseguiu.
Vegeta caiu para trás, o sangue a brotar-lhe da boca, o corpo pequeno em convulsões. Resvalava lentamente para a inconsciência, as pupilas negras a minguarem. Bulma continha os gritos, tapando a boca com as mãos, pressionando-as contra os lábios. Tiago passou-lhe um braço pelos ombros. Confortaram-se assim e os dois viram como Goku introduziu na boca de Vegeta o feijão senzu, como agarrou no maxilar do príncipe e fê-lo mastigar, como tudo foi rápido.
Goku ergueu-se. Vegeta sentou-se, inspirando uma enorme golfada de ar, mantendo os olhos fechados. Lágrimas silenciosas de alívio escorriam pelas faces de Bulma. Tiago não lhe largava os ombros, também aliviado e com um nó no estômago. Sentia-se agradecido por tudo ter terminado bem, mas também incrivelmente estúpido por se deixar emocionar daquela maneira, porque já devia ter aprendido que tudo ali era intenso e mágico e que ele era um saiyajin, que devia ser uma besta insensível como Goku, ou Vegeta, ou Trunks, ou Goten. Continuava a aprender, continuava a deslumbrar-se.
- Vou buscar os rapazes – disse Goku.
Dito isto, uniu dois dedos na testa e desapareceu.
Quando as pálpebras de Vegeta se abriram, Tiago sobressaltou-se. Tinha um olhar vazio e intenso. Soprou o nome por entre os dentes:
- Freeza...
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