XXXIII - Recuperar forças e ânimo para uma nova etapa
Apareceram juntos vindos do nada com a ajuda da Shunkan Idou, agarrados a Goku. Bulma continuava a chorar, mas baixinho, a limpar o ranho com as costas da mão. Fazia um esforço para terminar com as lágrimas e cada uma parecia realmente a última. Vegeta olhou-a de lado a soltar o braço de Goku. As unhas dela, que viera agarrado a ele, começavam a magoá-lo, mas ali, com tanta assistência, era incapaz de lhe dirigir a palavra, nem que fosse um simples murmúrio para que ela parasse com aquela choradeira. Poderia denunciar aquilo que ele não queria.
- Chegámos – anunciou Goku.
O anúncio era francamente desnecessário, pensou Vegeta, pois se a viagem tinha notoriamente terminado com uma mudança súbita da paisagem... Mas Goku gostava de acrescentar uma frase sua, como se fosse ele que chefiasse sempre todas as empresas. Um dos aspetos que detestava nele e que aprendera a aceitar, com o tempo.
Ali, entravam noutro mundo. Os pássaros cantavam nos ramos de árvores frondosas, a luz do sol coava-se através das ramagens, no chão estendia-se um tapete orvalhado de erva verde, o regato corria fresco. A casa mais antiga, pequena, com o telhado curvo pintado de azul, mantinha-se bem cuidada. A casa mais moderna, arredondada como as casas da cidade, estava em silêncio, os seus habitantes recolhidos no interior aprazível das suas paredes. Havia roupa estendida a secar numa varanda superior. Goku sentiu uma pontada no peito – era a sua casa, pelo menos, por fora.
Bulma engoliu finalmente o choro com uma grande fungadela e soltou o braço de Vegeta. Tiago, entre Trunks e Goten, parecia recomposto do choque súbito que o seu corpo sofrera por se ter transformado num super saiyajin. Vegeta estava ligeiramente atrás de Goku e abandonara definitivamente o personagem de príncipe dos saiyajin que havia representado diante de Nappa e de Radditz, o que era francamente mais agradável. Goku fixou a casa. Havia movimento lá dentro, tinham sentido a presença deles ali defronte. Deu-se conta de que estava nervoso.
A porta abriu-se com um safanão.
Um instante de pausa, espanto, alegria.
- Goku-san!!
A mulher, de cabelo negro apanhado num carrapito no alto da cabeça, cara redonda, vestida com um traje tradicional amarelo, correu para ele de braços abertos, a deixar no ar um fino rasto de lágrimas. Abraçou-o, enterrou a cara no peito dele.
- Chichi...
- Goku-san! Goku-san!
Ele abraçou-a de volta, atrapalhado. As demonstrações de afeto em público não eram um dos seus fortes. Sentia a pele toda arrepiada e os cabelos da nuca em pé. Tinha os olhos de todos em cima dele. Na porta, surgiu um menino. O pretexto perfeito para terminar aquele abraço. Goku perguntou inocente:
- E quem é aquele?
Chichi corou, desviando o olhar dele, encolhendo-se, as mãos unidas junto ao peito.
- É o meu filho.
- Ah, sim? – sorriu ele, como um idiota.
- E de... Yamcha – completou ela embaraçada.
- Ah, bom...
Uma forma crua e fria de lhe recordar que aquela não era a sua Chichi, nem aquela era a sua casa ou a sua dimensão. Tinham uma missão a cumprir. Depois do menino, apareceu Yamcha, cauteloso. Estava diferente – o cabelo longo e apanhado numa trança que se estendia pelas costas, usava trajes tradicionais, uma comprida túnica azul sobre umas calças largas, sapatos de pano e meias brancas, à semelhança da esposa, fazendo par com ela. Goku estranhou-o – não se parecia nada ao Yamcha citadino e vaidoso, sempre a usar as roupas mais modernas e da última moda, que conhecia. Outra forma crua e fria de lhe recordar qual o seu lugar... e dos seus companheiros.
E foi Vegeta que Yamcha viu primeiro. Gritou:
- Chichi, afasta-te!
- Hum?
- Afasta-te! Não vês que ele não é quem tu pensas que é! Já não é o Goku que nós conhecemos.
Yamcha empurrou o menino para dentro da casa e avançou em grandes passadas. Não era bem uma corrida, hesitava correr e assim chegar depressa demais junto deles e enfrentá-los, mas movimentava-se com urgência, para diminuir a distância e mostrar que não tinha receio de um confronto. Goku não se mexeu e os que vinham com ele, especialmente Vegeta, também não. Não adiantava piorar as coisas e não queriam assustá-lo mais do que já estava assustado.
- O que querem daqui... malditos saiyajin? – perguntou Yamcha entredentes. O suor cobria-lhe a testa.
- Yamcha-san... Calma. Não somos quem tu pensas.
A voz de Goku era pausada, amigável, mas Yamcha adotou uma posição de ataque. Tremia sem parar, tentando aguentar-se o melhor possível, conhecendo as suas limitações, sabendo que não era páreo para eles. Mas defendia o seu lar com ganas. Goku carregou o sobrolho. O lar dele?... Chichi disse:
- Yamcha-san, se eles nos quisessem fazer mal já o tinham feito. Não vês que é o meu Son Goku? Ele regressou a casa!
Yamcha, contudo, não estava convencido.
O menino saiu de casa e correu para a mãe.
- Yamura-kun! Volta para dentro! – gritou Yamcha em pânico.
Chichi estendeu um braço e o menino deu-lhe a mão. Goku sorriu-lhe. Com um nó na garganta, perguntou:
- Quantos anos tens, pequeno?
- Sete.
- Lembras-te, Goten? – perguntou Goku voltando-se para trás. – Quando tinhas sete anos? Foi quando te vi, pela primeira vez. Ia acontecer um torneio de artes marciais e estávamos todos juntos, na ilha Papaya.
- Hai, 'tousan.
Os olhos de Chichi colaram-se em Goten. O rosto do jovem perturbou-a, de algum modo. Empalideceu. Os dedos afrouxaram, soltaram a mão do menino e caiu desmaiada no chão. Bulma ajoelhou-se junto a ela, amparou-lhe a cabeça.
- Chichi? Chichi, responde! – Voltou-se para Yamcha e interpelou-o: – E tu, para com isso! Não vês que eu estou com eles, baka?!
Yamcha olhou confuso para Bulma.
- E que fazes com eles?
- Eles não são os saiyajin deste planeta. Aliás, já devias ter percebido, com a tua técnica de lutador, que o espírito de Goku... do nosso Goku já não existe.
- Não... Não senti isso.
- Devias ter percebido outras coisas, como os combates que têm acontecido ultimamente. Krilin sentiu-os.
- Estiveste com Krilin?
- Ajuda-me a carregá-la para dentro.
Yamcha ajoelhou-se ao lado de Bulma. Esta disse-lhe, pondo-se de pé:
- Precisamos de guarida. Todos nós. Vais receber-nos em tua casa, Yamcha. Contamos-te tudo o que precisas de saber. É uma grande história.
Ele não respondeu. Levou Chichi ao colo e franqueou a porta, deixando-a aberta. O menino perguntou:
- Tu é que és o Son Goku das fotografias?
- Bem... Sim e não – respondeu ele. – Chamas-te Yamura, não é assim?
- Hai, ojiisan.
Goku riu-se atrapalhado.
- Bom... Trata-me por Goku, onegai shimass. Essa do ojiisan faz-me sentir mais velho.
- Mas tu és velho.
- Acho que não sou assim tão velho... Sabes lutar?
- Mais ou menos. O meu pai ensina-me, à tarde, depois de fazer os deveres.
- Estudas em casa?
- Hai. A okaasan chamou um tutor para me vir ensinar, quatro vezes por semana. Diz que sou muito inteligente. Diz que devo estudar, para me tornar num homem muito importante.
- A tua mãe... tem razão – disse Goku, sentindo a boca amargar.
- Já chega de conversa, Kakaroto.
Vegeta foi o primeiro a entrar. Bulma agarrou na mão do menino e levou-o consigo, Goku seguiu-os. Trunks disse a Goten:
- É estranho ver a tua mãe com outro filho...
- Hai. Ao menos o teu pai continua com as mesmas preferências.
- O que queres dizer? – estranhou Trunks.
- Ora... Ele e Bulma-san...
Goten tentou sorrir, mas não conseguiu. Trunks ainda não se tinha apercebido, o que era estranho. O despistado era ele, não o amigo. Tiago acercava-se da casa a coxear.
- Aquela Bulma não é a minha mãe. O que queres dizer?
- Ora, Trunks. Vegeta e... Bem, o teu pai e ela andam muito juntos. Repara como Vegeta-san se aproximou dela, desde que a Capsule Corporation foi destruída. Está a protegê-la... E ela olha para ele de uma maneira que...
- Estás a imaginar coisas! Se assim fosse, por que razão o meu pai não a protegeu do disparo de Nappa? Foi Tiago quem o fez.
- Tu também não a protegeste.
- Ela não é a minha mãe.
- Mas é a Bulma-san desta dimensão. E aquela Chichi, mesmo não sendo a minha mãe, é... - desviou o olhar atrapalhado – é a minha mãe desta dimensão.
- Não é, não. Assim, o Vegeta desta dimensão também seria o meu pai. E quando o fores matar? Não podes vacilar, Goten.
O filho de Goku suspirou alto.
- Isto é tudo demasiado estranho.
Trunks deu um pontapé numa pedra. Enfiou as mãos nos bolsos, resmungou e dirigiu-se para a casa, com a cabeça enfiada entre os ombros, atrás de Tiago. Goten suspirou novamente e ganhou coragem para entrar numa casa que lhe era familiar e que, naquele cenário, não lhe pertencia. Pensou no pai e percebeu que para ele deveria ser muito mais difícil, mas ele até metera conversa com aquele menino. Seria Yamura o seu meio-irmão? Não sabia se devia pensar assim, pois quando enfrentasse o Vegeta daquela dimensão encheria a mente de dúvidas insanáveis e despropositadas.
O amigo tinha razão – não podia vacilar no seu combate contra o príncipe dos saiyajin.
Dava tudo para regressar a casa, naquele preciso momento. Abrir os olhos e descobrir que fora tudo um pesadelo e encontrar, a dormir ao seu lado, a sua querida mulher.
Sentia umas saudades terríveis de Maron!
***
A curiosidade de Yamura fazia-o olhar fixamente para Goku, quase como se não pestanejasse. Assentava o queixo nos braços pequenos que tinha sobre o tampo de madeira da mesa.
A casa estava como ele esperava que estivesse – humilde, mas muito bem arranjada e asseada. Goku não reconheceu a decoração e a mobília, mas o essencial do toque laborioso de Chichi respirava em cada canto, em cada pormenor. Sabia que não passara muito tempo em casa com ela, circunstâncias variadas tinham-no empurrado para longe daquele lar acolhedor, mas adorava regressar para um lugar assim tão confortável, onde sepultava qualquer preocupação, onde era um homem normal e não um saiyajin vindo das estrelas.
Mas não era aquela casa... Ao ver Yamcha mover-se ali dentro, conhecendo o lugar de cada coisa sem hesitações quando ele nem saberia onde ir buscar uma tigela, ou um copo, ou uma almofada, causava-lhe uma dor funda e esquisita no peito. Chichi não o conseguia encarar, depois de ter recuperado os sentidos. Sentava-se ao lado de Yamura acabrunhada, como se o seu pecado fosse demasiado grande para que mantivesse o pescoço direito. Mas ele perdoava-a. Ela reconstruía a vida da melhor maneira possível, ele só tinha aparecido para concertar o resto e deixá-la, mais Bulma, Krilin e todos os seus amigos sobreviventes, finalmente num mundo em paz.
Fora Bulma quem contara o que estava a acontecer. Fizera um relato impressionante, acertado, com os detalhes mais importantes, não omitindo nenhum acontecimento, mas num discurso objetivo, claro e conciso. Yamcha escutara-a com atenção, fizera algumas perguntas pelo meio e silenciara-se quando ela terminou. Ficaram todos em silêncio. Vegeta sentava-se afastado deles, junto à janela, a olhar para o exterior. O tempo tinha passado e chegara a hora do almoço. O estômago de Goku roncou. Chichi despertou da sua letargia. Ergueu-se como se tivesse apanhado um choque elétrico.
- Vou preparar alguma coisa para comermos!
Yamcha viu-a desaparecer na cozinha. Goten disse:
- Nós não queremos ser um peso para vocês. Precisam de reforçar a despensa, connosco aqui. Somos mais seis bocas para alimentar. Eu e Trunks podemos continuar a trazer comida, todas as manhãs. Os camponeses que nos abastecem já nos conhecem e são nossos amigos.
- Arigato – agradeceu Yamcha.
Goku foi atrás de Chichi. Yamcha fez menção de segui-lo, mas Bulma agarrou-lhe num pulso.
- Espera. Deixa-o...
- Mas ela pode voltar a sentir-se mal.
Bulma sorriu ante a desculpa que ele arranjara.
- Não sintas ciúmes. Isto é difícil de entender, mas acho que eles precisam de conversar. Para sossegar Chichi e para sossegá-lo a ele também. Mesmo sendo um saiyajin, Goku também tem sentimentos.
- Pois... E eu fico aqui.
- E o que queres fazer, Yamcha?
Ele olhou para o filho. Lançou a cabeça para trás com arrogância, apoiou um pé na mesa e pôs-se a fazer balançar a cadeira onde se sentava. Não queria mais conversa. Bulma, sem querer, olhou para Vegeta. Descobriu-o a olhar para ela e corou como uma adolescente. Trunks reparou e franziu a testa. Mas o que raios se passava ali?
Na cozinha, Chichi cortava legumes na bancada. No fogão fumegavam duas enormes panelas e o forno estava ligado. Se Goku bem a conhecia, iria preparar um banquete. Fazia questão de apresentar uma refeição digna de um rei, pois considerava que se o fizesse por menos, estaria a recebê-los mal. Observou-a por alguns minutos, calado.
- Onde está Gyumao-san? Bulma disse que continuava a morar aqui, contigo.
Ela parou de cortar, suspendendo a faca a poucos centímetros da cenoura que transformava em rodelas finas. Suspirou.
- Morreu, há um par de anos.
- Oh... É uma pena!
- Toda a gente boa deste mundo tem morrido – completou ela ressentida.
- Chichi...
- Não te aproximes! – avisou ela mostrando a faca, continuando de costas.
Goku hesitou. Nunca fora bom com as palavras, mas iria tentar dizer o que pensava ser o mais acertado.
- Chichi, gomen né. Não queria que as coisas fossem assim. Mas existe um mundo em que somos felizes e gostaria que te sentisses feliz aqui... Não te censuro por estares com Yamcha.
Ela começou a chorar.
- Tu, Goku-san... Tu não devias ter deixado que matassem o nosso filho. Nunca te perdoarei.
- Lamento, mas não consigo mudar o passado. Contudo, tentarei com todo o meu empenho, mudar o futuro. Sabes que o conseguirei.
- Sei?
Goku assustou-se quando ela se voltou com a faca em riste. Já não chorava, mas o rasto seco das lágrimas riscava-lhe as faces.
- Sei? – tornou ameaçadora. – Pois, sei. Sei que és um saiyajin cobarde que se mudou para o lado errado e que deixou de reconhecer aqueles que lhe queriam bem. Desiludiste-me como eu nunca julguei possível, Son Goku!
O abraço de há pouco não condizia com o embaraço que ele vira nela durante o relato de Bulma e com aquela animosidade. Chichi dizia-lhe tudo o que sempre quisera dizer, depois da alegria do reencontro e da timidez da realidade. Goku não a censurava. Ela era uma mulher forte que não gostava de guardar ressentimentos. Apenas procurava a situação ideal para o fazer e era aquele o momento certo, na cozinha, a cortar legumes, com as panelas cheias de água a ferver e o forno a aquecer o espaço.
- Gomen né – repetiu ele.
De repente, ela apercebeu-se da injustiça. Os ombros descaíram e parecia que ia recomeçar a chorar.
- Não, eu é que tenho que te pedir desculpa... Tu não és o meu Son Goku.
Voltou-se para a cenoura.
- Poderemos... tentar...
- O quê, Son Goku?
Ele gaguejou:
- Tentar... não ser inimigos.
Pois tentar ser amigos parecera-lhe, subitamente, incongruente.
- Podemos – concordou ela com tristeza.
O almoço decorreu em silêncio. Apesar de nenhuma palavra ter sido pronunciada, os convidados sentiam claramente que não eram muito bem-vindos. Até Bulma que, no final de contas, pertencia àquela dimensão. Goku conseguia concordar. Não era capaz de estar ali com Chichi e fazer de conta que eram estranhos. Não estava certo. Mas também não estava certo provocar uma situação que não teria consequência. Não se iriam demorar ali, iria fazer os possíveis para que partissem em breve.
Yamura continuava cheio de curiosidade e Goku sorriu-lhe.
Ao menos, para o menino estava tudo bem.
***
O garrote apertava-se no seu pescoço e o ar faltava-lhe aos poucos. Compreendeu que não teria duas vezes a mesma sorte, no mesmo dia. Não seria poupado, o erro fora imperdoável e ele agora pensava, para se distrair da evidência horrorosa de que iria morrer, que merecia estar naquela situação – um saiyajin não abandona a luta e se escapa rapidamente, sem olhar para trás, para salvar a pele.
O mestre não gostara de o ver, num estado miserável, um joelho no chão duro, a explicar aos soluços e com a voz embrulhada em medo o que tinha acontecido em West City. Nappa morto, ele fugira. Freeza ouvira-o até ao fim, sem tecer qualquer comentário. Depois, aproximara-se e dissera-lhe simplesmente:
- Falhaste.
E ele sabia que estava condenado.
Freeza apertava-lhe o pescoço devagar, com apenas uma mão e apreciava o que lhe estava a fazer, com uma frieza cruel. Radditz agarrou-se ao braço de Freeza, um derradeiro instinto de sobrevivência. Mas nada conseguiu fazer e no último momento da sua vida sentiu raiva por não poder regressar ao lugar de onde fugira e retomar o combate. Preferia mil vezes morrer a lutar contra o filho de Kakaroto, mesmo sabendo-o um adversário formidável e imbatível, do que morrer naquela sala de comando, como um animal.
Mas o seu destino estava traçado. Fechou os olhos, a lutar para respirar. Ainda conseguiu escutar o som do seu próprio pescoço a partir-se e depois entrou num vazio gelado que apagou de um golpe só a sua existência.
Radditz estava morto.
***
Dois guardas arrastavam o corpo sem vida do saiyajin para fora da sala de comando, puxando-lhe pelas pernas. Freeza voltou-se para a criatura.
- Mais um revés. E não me agradam os reveses.
- Podíamos encontrar obstáculos...
- E odeio obstáculos! O que é que se passa? Garantiste-me uma vitória total. Eu sou o mais forte do universo. Reino sobre qualquer planeta, sem qualquer contestação... Faço o que bem entender. Sou Freeza, filho do rei Cold!
- A vitória total será sempre um enorme repto, até para o mais forte do universo.
A calma da criatura irritava-o. Olhou por cima do ombro. O corpo do saiyajin já tinha sido levado, mas o seu fedor permanecia. Como odiava aquela raça! E agora enfrentava uma têmpera diferente de saiyajin, vindos de outra dimensão, que ousavam desafiá-lo para além daquilo que julgava minimamente aceitável.
- E o príncipe? Quando estará pronto?
- Em breve...
Freeza espetou um dedo na direção da cara da criatura.
- Eu continuo ao comando. Nunca te esqueças disso! Não gostei dessa resposta.
- O teu príncipe será muito poderoso e conseguirá enfrentá-los.
O cansaço provocado por uma situação fora de controlo entediava-o e detestava sentir-se entediado. Voltou costas à criatura, fechando os olhos e procurando arranjar paciência, que já se tinha esgotado.
- Mas lembra-te: a ambição irá custar-lhe a vida.
Freeza escarneceu:
- Ainda bem! Não quero competição direta. Mas quando?
- Em breve...
Não queria, de facto, competição direta e já magicava, secretamente, uma maneira de se livrar daquela criatura que dominava uma área que lhe era estranha e que geraria um potencial rival para além do seu poder. A criatura deveria morrer. Se não lhe podia partir o pescoço, como fizera com o imbecil do saiyajin, haveria de arranjar uma maneira simples e expedita de se livrar dela. Pensou no medalhão, talvez fosse esse o seu ponto fraco. Utilizaria o medalhão.
Freeza gritou e logo apareceu um dos seus guardas. Ordenou que limpassem a sala, não aguentava aquele fedor. Como odiava os saiyajin!
***
Tiago seguiu Goten e Trunks pela montanha acima. Goku ia mais à frente, saltando com agilidade por entre as árvores, escalando penedos. Decidiram não ir a voar para não gastarem demasiada energia e denunciar a sua localização. Tiago não se queixava, apesar de o passeio estar a ser demasiado puxado para ele. Aos poucos, ficava para trás, mas não desistiu e nunca considerou regressar. Haveria de chegar onde quer que eles se dirigiam.
As montanhas estavam pejadas de animais – lagartos de todos os tamanhos, pássaros coloridos e, sobretudo, macacos brincalhões. De vez em quando, escutavam-se uivos estridentes e grandes sombras surgiam das alturas, escurecendo as copas das árvores. Tiago espantara-se ao descobrir enormes pterodáctilos a sobrevoar os picos, às voltas no céu, agitando as suas gigantescas asas de pele translúcida. Era um sítio de uma beleza inigualável, a natureza em estado puro, com pormenores estranhos acrescentados por um criador brincalhão.
- Tori-Sama... Como estarás? – disse ele, de si para si, sorrindo. Porque ele sentia-se maravilhosamente bem.
O poder que ganhava por cada nova experiência entusiasmava-o. Aquela dimensão acelerava o processo de desenvolvimento das capacidades que possuía adormecidas no seu espírito. Estava plenamente convencido de que era tudo uma questão mais mental, do que física. Primeiro, acreditava. Depois, explorava a crença. A mente empurrava-o a testar os limites do corpo.
O resto do dia anterior não tivera muita história. Yamcha afastara-se deles e levara Yamura. Chichi ficara a conversar com Bulma e eles sentaram-se no exterior, à espera do tempo passar. A refeição do final da tarde fora menos exuberante que a oferecida no almoço e deitaram-se cedo. Todos dormiram sonos pesados e despertaram de manhã cedo, com o sol a nascer. Confirmaram que tinham os feijões senzu, Goten mostrara-os ao pai e dissera-lhe que estavam sempre com ele, o que fora um alívio, pois Goku julgara que estes tinham ficado na Capsule Corporation. A seguir, resolveram sair para arranjar comida para aquele dia. Não encontraram Vegeta e foram sem ele. Tiago não fora oficialmente convidado, mas não iria ficar para trás, naquela casa que estava a ser-lhes hostil.
A caminhada foi longa. Tiago afastou uma parede de vegetação e descobriu uma paisagem de cortar o fôlego. Ao fundo, montanhas redondas, coroadas de verde, em contraste com um céu azul intenso. As árvores de uma floresta viva de sons e de odores erguiam-se em redor de um lago de águas calmas e cristalinas. Na margem, Goku tirava as roupas. Goten e Trunks falavam alegremente a arrancar as respetivas blusas. Tiago perguntou, aproximando-se:
- O que estão a fazer?
- Vamos pescar – anunciou Goku com um sorriso jovial.
- Pescar? E como o vão fazer? Não vejo canas, nem linhas, nem isco...
Goten sentava-se na margem, a descalçar as botas. Goku ficou nu e respondeu, antes de mergulhar:
- Vem connosco e verás.
Hesitante, Tiago começou a tirar a blusa. Goten mergulhou atrás do pai. Trunks acabou de se despir e comentou, a olhar divertido para o espelho agitado das águas do lago:
- Estes rapazes do campo...
- Espera, Trunks. Vais mergulhar também?
- Hai. Despacha-te! Segue-me.
Trunks desapareceu na água. Tiago despiu as calças e os boxers à pressa, a tropeçar nestes e deu um salto para o lago, de pés juntos, a apertar o nariz. A primeira sensação foi desagradável, a água estava gelada. A cabeça estalou e um conjunto generoso de bolhas de ar saiu-lhe da boca. Depois, abriu os olhos, sentiu-os picar e tentou ver, naquele mundo azul líquido, onde estavam Goku e os outros dois rapazes. Como não os encontrou à primeira, nadou para o fundo.
Um enorme peixe passou junto aos seus pés. Tiago assustou-se, agitou as pernas, fez sair mais bolhas de ar. O fôlego escasseava-lhe nos pulmões e subiu até à superfície. Tinha perdido os companheiros... Estava a inspirar uma grande quantidade de ar para tornar a mergulhar, quando um peixe foi cuspido do lago e caiu na margem.
- Mas o que...?
A cabeça de Goten apareceu pouco depois.
- Tiago-kun! O que estás a fazer aí? Anda pescar connosco!
- São estes os peixes que...?
Goten desapareceu e Tiago mergulhou logo atrás.
O que se seguiu foram momentos de pura diversão. Os peixes daquele lago eram monstruosos, enormes bestas gordas com dentes finos e afiados, cujas barbatanas agitavam furiosamente a água e empurravam Tiago, como se fosse tragado por um remoinho. Goten e o pai perseguiam-nos, nadando tão velozmente quanto eles. Trunks atrapalhava-se mais, não tinha a técnica tão apurada, mas também conseguia apanhá-los. Davam-lhes pontapés e os bichos saiam disparados do lago. Tiago tentava fazer o mesmo, mas eram os peixes que levavam sempre a melhor, escapando-se das suas mãos.
- Usa os pés! Com as mãos não consegues, eles são escorregadios – explicava Goku, quando Tiago vinha acima respirar.
- Como é que vocês fazem, para aguentar tanto tempo debaixo de água?
- Prática!
No fim da pescaria, deitaram-se à beira do lago entre os juncos, a rir sem parar. Todos nus, em cima da lama, a olhar as nuvens, em risadas contínuas. Tiago nunca se sentira tão bem.
Depois de se vestirem, confortáveis por causa das roupas secas sobre a pele molhada, Goten fora à floresta, arranjara alguns ramos e enfiara nestes os seis peixes que tinham capturado para melhor os transportarem montanha abaixo. Tiago estava orgulhoso, também tinha conseguido pescar um dos peixes, o mais pequeno, mas, mesmo assim, era um peixe. Trunks deu-lhe os parabéns, pois não se tinha saído nada mal e contou-lhe que quando fora pescar pela primeira vez com Goten, não tinha conseguido apanhar nada. Tinha-se irritado, transformara-se em super saiyajin, lançara um raio de energia e rebentara com uma parte do lago. Continuara sem apanhar qualquer peixe e Goten levara-o dali, alegando que não queria que lhe destruíssem o lago. Só ocultou o facto de que, nessa época, tinha cinco anos.
- Ainda bem que o Tiago-kun conseguiu pescar alguma coisa – comentou Goku, que também escutara a história. – Não o queríamos irritado e em super saiyajin, a disparar raios de energia.
Tiago corou.
- E também te devemos dar os parabéns por isso – acrescentou jovial. – Tu já és um super saiyajin.
- Consegues transformar-te agora? – perguntou Goten.
- Ele não se pode transformar – disse Trunks. – Vai utilizar demasiada energia e denuncia o nosso novo esconderijo.
- Estamos suficientemente longe...
- Longe? Uma manhã de caminho?
- Vá lá, não sejas desmancha-prazeres, Trunks-kun... Não o queres ver novamente em super saiyajin?
- Queria, mas...
- Então, deixa-o transformar-se.
- Nem pensar! O meu pai haveria de me comer vivo se eu deixasse acontecer uma coisa dessas.
- Tens medo de Vegeta? – brincou Goku.
- Tenho! – respondeu Trunks.
- Ora, ora... Depois, conversamos os dois, Vegeta e eu.
- Também queres que ele se transforme em super saiyajin?
- Estou curioso. Percebo o que Goten quer...
- Sabem...
Todos olharam para Tiago que continuou:
- Mesmo que eu quisesse, não sei se conseguiria transformar-me em super saiyajin outra vez. Não sei o que fiz para isso acontecer.
- Não? – estranhou Goten.
- Tiago-kun – chamou Goku.
Tiago encarou-o.
- Tu já alcançaste esse nível. Dentro de ti existe um super saiyajin e nunca mais te abandonará. Apenas tens de aprender a controlar esse poder e a servir-te dele quando precisares. Mas, antes temos de tratar de outro detalhe.
- Que detalhe?
- Um super saiyajin que ainda não sabe voar é um pouco estranho.
- Eu também me conseguia transformar em super saiyajin e não sabia voar, 'tousan. Só aprendi a voar depois.
- Ah, sim... Pois era, Goten...
Goku acariciou o queixo, olhando tão fixamente para Tiago que este voltou a cara. Trunks e Goten, por sua vez, olhavam para Goku, sem perceber o que estaria a pensar e porque é que se calara.
Nisto, Goku desferiu um soco e Tiago caiu estatelado no chão.
- 'Tousan!
Goku ignorou o grito indignado do filho e, crispando o rosto, exigiu:
- Vamos, levanta-te e defende-te!
A limpar o fio de sangue que lhe nascia do canto da boca, sem desfitar Goku, mais zangado que espantado, Tiago pôs-se de pé, em posição de defesa. Não conseguiu ver o segundo soco e voltou a cair. Após uma pirueta, aterrou de cara na lama da margem do lago. Goku perguntou:
- O que é que se passa?
- És demasiado rápido! – protestou Tiago a sentir as pernas a tremer enquanto se levantava.
- Tretas! Tu és um super saiyajin.
- E tu estás a lutar no teu estado normal.
- Mesmo assim, achas que sou demasiado rápido?
Lançou um pontapé que Tiago conseguiu esquivar baixando-se, a bota de Goku a roçar-lhe os cabelos.
- Nunca vires as costas ao teu inimigo! – avisou Goku.
Tiago tentou equilibrar-se, mas enquanto o fazia Goku atacou-o com uma série de golpes que o deixaram dormente só de os defender. Arquejou, ao ver o punho do saiyajin a milímetros do nariz. Esqueceu tudo o resto, contente por não ter sido atingido, não viu o outro punho que o apanhou em cheio na face esquerda. Caiu, pela terceira vez. Olhou para Goku que lhe sorria, com um ar prazenteiro e estranhou aquela súbita mudança de humor.
- Tiago-kun, eu ajudo-te.
Goku estendeu uma mão e Tiago agarrou-a, mas o propósito era conseguir o contacto, apanhá-lo e percebeu isso tarde demais. Goku lançou-o pelos ares com tanta força que o fez sumir-se entre as nuvens.
- Goku-san, o que estás a fazer? – perguntou Trunks alarmado.
- A ensinar o nosso amigo a voar.
- Nani?
- Foi assim que Ubo aprendeu a voar. Repara...
Passou-se um tempo que pareceu interminável, sem que nada acontecesse. Tiago não aparecia no céu. Trunks apertou os maxilares, engoliu em seco. Dobrou o corpo para ganhar balanço para o salto.
- Vou ver o que se passa...
- Espera, Trunks.
- Ele não sabe voar!
- Espera. Fecha os olhos... Sente o seu ki.
Trunks olhava boquiaberto para o céu.
- Sinto... o quê?
- Sente o ki do Tiago... A tua preocupação está a impedir-te de raciocinar friamente. Lembra-te de quem ele é filho.
- Ele é o meu... - Trunks corou.
- E filho da Ana-san. Que mulher destemida, não concordas?
A lembrança dela embaraçou o filho de Vegeta que corou ainda mais. As emoções eram demasiado fortes e tinha a mente embrulhada num nó que o impedia de ver o que estava realmente a acontecer. Estava preocupado com o rapaz, muito preocupado. Como só um pai podia estar pelo filho que começava a dar os primeiros passos. Quando passou tempo suficiente, Goku saltou dizendo:
- Vamos lá ver os progressos do nosso amigo.
Irritado, mas não com a raiva suficiente para ter despoletado o poder especial dos super saiyajin, Tiago mergulhava na direção deles. Goku travou-o a meio do caminho, surgindo diante dele. Esticou um braço, impedindo-o de avançar.
- Calma! Onde vais, Tiago-kun?
Rangendo os dentes, este disse:
- Por que é que me estás a atacar?
- Ora... Um saiyajin deve estar sempre preparado para ser atacado.
- Pensei que estivéssemos a pescar.
Suspenso no vazio, Goku concentrou energia nos músculos, libertando uma vaga quente que agitou as copas das árvores debaixo dele. A mesma vaga despenteou os cabelos de Tiago, alguns fios colaram-se à testa, foram para os olhos. Goku atacou-o e enfrentaram-se numa sessão curta de golpes e contra golpes. O rapaz estava mais alerta. Munindo-se do instinto e também das curtas lições que tivera com Trunks, defendeu-se razoavelmente bem. Apanhou um punho do oponente com a esquerda e lançou a direita num gancho que roçou a cara do adversário e lhe abriu um pequeno rasgão na face. Excitou-se com o sangue, tentou novo gancho. Goku empurrou-o com uma cabeçada. Separaram-se. Tiago gemeu, agarrado à cabeça. Sentiu as mãos empapadas no próprio suor. Menos mal, podia estar a sangrar, era apenas transpiração.
- Estou muito contente contigo, Tiago-kun. Muito bem... Superaste a prova.
- Que dizes? Não me transformei em super saiyajin... Se, ao atacares à traição esperavas que o fizesse...
- Não, não é isso.
Apareceram Trunks e Goten. Goku apontou-lhe para os pés com um ar divertido, quase a rebentar em gargalhadas.
- Já viste onde estás?
- Nani? Onde?
Tiago olhou em volta, olhou para baixo, para os pés. Viu a ponta das sapatilhas, reparou que não tinha chão onde as suas pernas terminavam. Em pânico, olhou para Goku, depois para Goten e só no fim para Trunks.
- O que é que...?
Começou a tremer e não sabia dizer se de medo, se de entusiasmo. Tal como quando defendera Bulma daquela gigantesca bola de fogo. Bastou olhar para a ameaça, soube imediatamente o que tinha de fazer. Atirou-se sem pensar para a frente do comboio desgovernado que vinha para o esmagar, mas fora ele que acabara por destruir o comboio. Naquele momento era a mesma coisa – não sabia como o fazia, mas fazia-o. Tinha a sua energia vital a rodeá-lo e a ampará-lo no meio do ar, sustendo-o como uma rede invisível. Em suma, estava a voar.
Abriu um sorriso rasgado, os olhos rebrilharam de contentamento.
- Estou a voar! – exclamou em êxtase.
- Hai, Tiago-kun! Estás a voar – concordou Goten.
- Espero que percebas agora os meus motivos – explicou Goku. – Ataquei-te para te encurralar e levar-te a um tal extremo que não terias outra solução senão utilizar a tua energia para ripostar e utilizar a melhor defesa. Voar foi uma das respostas que eu esperava.
- Ensinaste-me a voar, Goku-san! – prosseguiu Tiago num tom de voz esganiçado. – Ensinaste-me a voar! Arigato!!
- Grande parte do mérito é teu.
- Mas podia ter feito de forma diferente e não ter voado.
- Fá-lo-ias. O meu pupilo Ubo teve a mesma reação e foi assim que o ensinei a voar. Tu fizeste mais: combateste no ar. Foste perfeito!
Tiago olhou para Trunks que lhe sorriu de volta, acabrunhado por não saber se devia dizer qualquer coisa ou se o devia abraçar. Estavam os dois congelados, a apreciar a descoberta, a ocultar sentimentos. Tinham assistência, não deviam ser piegas – não havia assim tanto tempo que se conheciam, tinham barreiras ainda por derrubar.
Era uma sensação nova e agradável. Tiago olhou para os braços, para as mãos, apoiou-as no torso, tentando interiorizar as conquistas recentes, perceber as nuances que o faziam numa outra pessoa, compreender que se estava a transformar irremediavelmente e para sempre. Sentia-se bem no seu corpo, pela primeira vez em muito tempo. Tornou a olhar para Trunks.
Mas fora Goku que lhe ensinara a voar. Fora também Goku que o fora buscar e o arrancara do seu mundo confuso e sem saída. Fora Goku que, afinal, o conduzira até ali, àquele momento ímpar de uma glória pessoal e egoísta. Ele era mais do que sempre sonhara ser.
Contudo, Trunks era o seu pai e o orgulho aumentava por sabê-lo ao seu lado, a testemunhar os seus triunfos. A energia fervilhava dentro dele, como lava em ebulição. Nas alturas, Tiago soltou um bramido libertador, rasgou a derradeira máscara, mostrou a sua raça. Ele vivera para chegar àquele instante supremo de plenitude. Ele não era um rapaz igual aos outros, da sua dimensão – nas suas veias corria o sangue dos guerreiros. Gritou imparável e em seu redor elevaram-se chamas transparentes. A energia crescia, dando-lhe um poder que o assustava. Estava transformado em super saiyajin.
Goku contemplava-o, satisfeito, como obra sua.
Goten voltou subitamente a cabeça.
- Alguém vem aí!
Trunks também o sentiu e ficou apreensivo.
A custo, Tiago mantinha-se no estado de super saiyajin. Goku disse-lhe:
- Volta ao teu estado normal. Não conseguirás aguentar-te aqui em cima, se continuares a utilizar energia dessa maneira.
- Eu tenho de conseguir...
- Não queiras fazer tudo num só dia. Um passo de cada vez.
A capa amarela dissolveu-se, os cabelos assentaram lentamente em redor da cabeça e Tiago soltou um longo suspiro enquanto abandonava a aura especialmente poderosa dos super saiyajin. Sentia-se cansado.
Com um estampido sonoro, devido à super velocidade que utilizara para chegar ali, Vegeta materializou-se, travando tão repentinamente que o ar que deslocara agitou-lhe a cabeleira negra espetada para cima. Estava sério e zangado. Goten recuou ligeiramente, colocando-se ao lado de Trunks. Goku voltou-se para o recém-chegado e saudou-o com a sua habitual descontração:
- Yo, Vegeta! Juntas-te a nós?
Não respondeu, fixando o seu olhar mortífero em Tiago. Este franziu o sobrolho, não percebendo o que tanto o desagradava. Subtilmente, deslocou-se de modo a ficar atrás de Goku, utilizando-o como proteção contra a fúria de Vegeta, que parecia iminente.
O silêncio foi demasiado longo. Goku pestanejou e chamou:
- Vegeta?...
- O que andaram aqui a fazer? Senti energias demasiado poderosas...
- Bem, o Tiago-kun... - começou Goku.
Uma rosnadela interrompeu-o. Trunks encolheu-se com um arrepio. Goku mantinha a guarda baixa, com uma calma exasperante, não vendo qualquer ameaça na atitude provocadora do príncipe. Tiago olhava-o, com o suor a descer-lhe pelas têmporas.
Nisto, Vegeta sorriu e atirou:
- Querem ficar com a diversão só para vocês? E eu que pensava que o egoísta era eu!
Goku riu-se com gosto. Vegeta também se riu.
Desceram até ao chão, aterrando com suavidade na relva fofa da orla da floresta, afastados do lago que se situava mais abaixo. Tiago, porém, perdeu a concentração a meio da descida, descontrolou-se e caiu aos trambolhões. Levantou-se logo de seguida, com as pernas bambas. Mas Vegeta, pelos vistos, não estava muito interessado nele e não teceu qualquer comentário. Chamou Goku com uma mão.
- Jogamos os dois?
- Sempre!
Entreolharam-se durante alguns segundos, medindo-se num silêncio divertido. A expetativa do acontecimento seguinte fazia-os palpitar de igual modo. Depois, sumiram-se com um silvo. Tiago olhou para todos os lados, à sua procura, rodando o pescoço como um catavento. Goten estendeu-se na relva, assentando a cabeça nos braços, dizendo para Trunks que se sentava ao lado dele:
- Quando se encontram, acaba sempre nisto.
- Gostam de combater... O que queres?
- São piores que nós, quando éramos crianças...
- Acho que os nossos pais não sabem que já são crescidos – riu-se Trunks. Olhou para Tiago. – Não os consegues ver?
- Não... - respondeu embaraçado, por revelar outra fraqueza.
- Mas deves conseguir senti-los... Encontra o ki deles e verás o combate.
Tiago sentou-se também, de olhos pregados no céu azul.
- Porque é que eles estão a lutar?
- Ora... São saiyajin...
- Mas nós também somos saiyajin... - observou, hesitando por se estar a incluir naquele grupo restrito, mas nenhum dos dois rapazes o olhou de atravessado. Era aceite, compreendeu, e sentiu-se inchado de vaidade.
- Eles são saiyajin de sangue puro – retorquiu Goten. – São um pouco diferentes de nós, que temos o nosso sangue misturado com sangue terrestre. Eles sentem de maneira diferente da nossa...
- Que estranho...
- O quê, Tiago-kun? – perguntou Trunks.
- Saber que sou um extraterrestre.
O filho de Vegeta soltou uma gargalhada.
- O que foi?
- Mais estranho é vires de outra dimensão e teres no teu sangue a mistura de dois mundos. – Quis acrescentar, E seres meu filho com a Ana, ainda me custa crer que nós conseguimos gerar com êxito alguém único como tu, mas coibiu-se de revelar esse pensamento.
Uma explosão fez os três rapazes olharem para cima e viram Goku riscar o ar desamparado, soltando um grito de dor, lavrando as copas das árvores. Vegeta saiu em sua perseguição, num voo picado como uma ave de rapina. Tiago perguntou:
- Eles não se vão magoar?
- Não – respondeu Trunks, com um braço pousado sobre o joelho fletido, a observar o combate.
- Bem, acho que as preocupações de nos mantermos invisíveis para o inimigo desapareceram – comentou Goten.
- Vegeta não tem a sua energia em baixo?
- Hai, Tiago-kun... Por isso eles não estão a lutar no estado de super saiyajin.
Agora, Vegeta era atingido por um pontapé capaz de derrubar uma montanha e abria um roço no chão. Goku precipitou-se para ele. Tinham ficado visíveis, diminuindo a velocidade da sua deslocação e dos seus golpes, e Tiago viu como o combate era encarniçado.
- De certeza que isto não é a sério?
- Apenas treinos – respondeu Goten sentando-se, apoiando-se nos dois braços.
Goku e Vegeta mediam forças, frente a frente, de mãos unidas. A terra começou a tremer. Um bando de pássaros assustados emergiu da folhagem das árvores. Tiago assustou-se quando o chão começou a fender-se e a tragar porções de relva.
- Trunks! Eles não deviam parar com isto?
- Deixa-os...
Os dois separaram-se. O soco de Goku falhou a cara de Vegeta, Vegeta atingiu Goku no estômago com uma joelhada que o fez vomitar saliva e sangue. Tiago ia levantar-se, mas Trunks agarrou-lhe no pulso.
- Onde vais tu, baka?
- Mas Goku-san...
- O meu pai está bem – afiançou Goten.
O riso de Goku ecoou pela floresta. Disse qualquer coisa a Vegeta, enquanto limpava o fio de sangue do canto da boca, que o divertiu tanto que o príncipe apoiou as mãos na cintura, deitou a cabeça para trás e riu-se alto.
A luta prosseguiu, com punhos e pontapés tão potentes que, sempre que algum dos golpes atingia o alvo, o som que produzia fazia Tiago arrepiar-se ao recordar-se da tareia que levara do Goku daquela dimensão. E ele tinha a impressão de que a força daqueles dois saiyajin, mesmo no seu estado normal, era muito superior à desse Goku. Que prodígio! Que maravilha! Olhou para as palmas das mãos e sorriu com tristeza, pois apesar de se sentir mais forte tinha ainda um longo, longuíssimo caminho a percorrer.
O soco de Goku fez Vegeta voar e aterrar de costas perto do grupo dos três rapazes. Praguejou e resmungou, enquanto se soerguia a estremecer. Escorria suor. Goku aproximava-se caminhando tranquilamente, também transpirado, a cara amassada, irradiando alegria. O príncipe estava mais cansado, notava-se a milhas, mas pôs-se de pé com um salto ligeiro.
Tiago só se apercebeu que alguma coisa não estava bem quando viu Goku parar e o seu rosto mudar para uma expressão aflita.
Vegeta ficara imóvel, quase petrificado, com os ombros a ondular e as pernas instáveis, parecendo que perdia consistência e que se iria desmanchar numa gelatina. Trunks também percebeu algo no espírito do pai, levantou-se e correu para ele.
- Vegeta...?
- 'Tousan?
Afastou-os aos dois, Goku e Trunks, varrendo o ar com o braço trémulo.
- Não se aproximem! K-K-Kuso...
De seguida, encaracolou as costas e caiu no chão, em convulsões. Goku ajoelhou-se ao lado dele, a tentar agarrá-lo, mas sem saber por onde o poderia fazer.
- 'Tousan!!
- E diziam vocês que o combate não era a sério?! – exclamou Tiago alarmado.
- Isto não está a acontecer por causa do combate – esclareceu Goten. – O que é que se está a passar com Vegeta-san?
- Não sei... - respondeu Goku negando com a cabeça. – Vegeta?
Este soltou um berro dilacerante:
- Arde!!! Está a arder!!!
- O que é que está a arder?
- Cá dentro! Arde!!!
- 'Tousan!!
- Goten, tens os feijões senzu contigo? – perguntou Goku.
- Hai. Agora, andam sempre comigo.
- Dá-me um. Rápido!
- N-Não... - rosnou Vegeta, com os olhos raiados de sangue. – Não... É o poder dos saiyajin... Um poder enorme!
E como se tivesse uns fios invisíveis a puxá-lo, subiu devagar, ficando a pairar no ar a curta distância do solo, arquejando e rosnando como se tivesse perdido a razão e se tivesse convertido num animal irracional. Goku lançou a pergunta:
- Mas será que se vai transformar em oozaru?
- Oozaru? O que é isso? – perguntou Tiago.
Trunks e Goten encolheram os ombros ao mesmo tempo. Nunca tinham ouvido a palavra.
- O que é um...?
A pergunta de Tiago foi cortada ao meio pelo brado gigantesco que Vegeta soltou quando, fechando os punhos e retesando todos os músculos do corpo, começou a reunir energia. Transformou-se em super saiyajin nível um e passou rapidamente para super saiyajin nível dois. Goku pediu assustado:
- Vegeta, para!! Vais secar as tuas reservas de energia. E se não te sobrar nenhuma energia, podes morrer!
Goten estendeu o feijão senzu, preso entre dois dedos.
- Aqui está, 'tousan!
- Vegeta!!!
Trunks deu um passo em frente chamando pelo pai que continuava a gritar enlouquecido e desgovernado, a brilhar como uma estrela que se consumia num processo insano de autodestruição.
- Vegeta, se continuas assim, vais morrer!
Tiago pediu de repente:
- Trunks, dá-me a tua metade do medalhão. Rápido!
- Para que raios queres agora o medalhão?
- Dá-mo!
Quando recebeu o triângulo de Trunks, encaixou-o no seu. Viajou novamente para aquele mundo de sombras que vogava entre as dimensões e viu o rosto do deus, a sorrir-lhe e a desafiá-lo. Tiago fincou os pés onde estava, uma superfície esponjosa aquecida que o prendia, como lamas ferventes. A luz de Vegeta chegava até ali, uma energia tão esmagadora que enchia todo o espaço, tragando planetas e galáxias. Viu que não era o Vegeta que ele conhecia, o pai de Trunks, o seu avô... Era o outro Vegeta, o príncipe inimigo que trabalhava para Freeza, conquistando um poder invencível. Tiago abriu a boca mas não conseguiu falar. Tinha o pescoço tão apertado que até lhe custava a respirar.
Umas mãos tocaram nas suas e o encantamento quebrou-se. Regressava às montanhas, o odor a relva chamuscada incomodou-o. Torceu o nariz. Goku agarrava-lhe nas mãos, o medalhão estava novamente separado e perguntava-lhe, tão próximo que ele sentiu-lhe o hálito quente:
- O que estás tu a fazer?
O cabelo loiro de Vegeta espigava-se.
- É o dono do medalhão... - explicou Tiago, a fazer passar as palavras pelo meio de uma tosse seca. – É o dono do medalhão que está a dar poder a Vegeta... Não ao nosso Vegeta, mas ao outro...
- Nani?
Sem lhe soltar as mãos, Goku olhou para Vegeta que continuava a gritar como um louco. Os gritos eram de dor e de impotência. As descargas de eletricidade que provocava estalavam em redor dele e alcançavam-nos. Tinham de se desviar para não se queimarem.
- É um poder muito grande... O dono do medalhão está a fazer o nosso inimigo muito poderoso.
- Não voltes a unir o medalhão... É perigoso, Tiago-kun!
- Agora, podes largar-me.
Por um instante, Goku viu o impensável. No centro de um vórtice criado por ele, Vegeta tinha alcançado o nível três dos super saiyajin. O cabelo em longos cachos alaranjados pelas costas abaixo, o rosto de linhas bem vincadas onde faltavam os sobrolhos, o corpo cintilando. Drenado pela transformação abrupta que não dominava convenientemente, Vegeta caiu desamparado. Quando tocou o chão, estava no seu estado normal.
- Goku-san, estás a prender-me as mãos porquê?
Goku arrancou a Tiago a primeira metade do medalhão de Mu e entregou-a a Trunks. Chegou-se ao pé de Vegeta, agachou-se e perguntou:
- Estás bem, companheiro?
Goten ainda tinha o braço esticado e o feijão senzu entre os dedos. Estava boquiaberto, também ele vira Vegeta chegar ao nível três dos super saiyajin. Trunks não estava menos espantado. Era ainda um segredo do príncipe. Tiago recolocou a sua metade do medalhão ao pescoço.
Vegeta estava sem fôlego e lutava para conseguir respirar, deitado de bruços. Goku pôs-lhe uma mão entre as omoplatas, sentindo-lhe o coração a bater demasiado depressa.
- Ka... Kakaroto... - sussurrou o príncipe.
- Hai.
- Kakaroto... Tira as... tuas mãos... de cima de mim...
Goku suspirou, aliviado. Agarrou no feijão senzu e voltou-lhe suavemente a cabeça para lho mostrar.
- Come-o. Estás a precisar...
Vegeta empurrou a mão de Goku. Reuniu as poucas forças que tinha, rebolou e deitou-se de costas. De olhos fechados, arquejava totalmente esgotado, mas sorriu.
- Não preciso disso... Não, agora... Guarda-o para quando Goten derrotar o meu duplo...
- Não sejas teimoso! Tu não estás em condições nem de andar.
O riso de Vegeta foi um cacarejo rouco e, ainda de olhos fechados, disse:
- Imbecis! Ele... está a chegar...
Entreabriu um dos olhos e completou:
- Goten, não falhes... Conto contigo!
- Vegeta-san...
- Estou farto de esperar... E eu detesto... esperar.
- Mas se Goten mata o teu duplo, no estado em que estás... - contrapôs Goku tenso.
- Vou arriscar...
- Não sei se poderás arriscar.
- Kakaroto, nesta dimensão... fazemos as coisas à minha maneira. Por uma vez na vida, kuso!
Perdeu a consciência. E não chegou a ver a chegada triunfante do príncipe dos saiyajin às montanhas, trajado numa impecável armadura de combate, scouter a ornar o olho esquerdo, com uma confiança indestrutível e uma ostentação irritante.
O combate entre o duplo de Vegeta e Goten iria, finalmente, acontecer.
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