XXXI - Hora zero
- Mas o que é que aquele namekuseijin julga que está a fazer?!
Goku saltou atrás de Vegeta.
- Ele está a combater contra Goten...? E contra Trunks?
- Está a atrapalhar os nossos planos!
A reação seguinte do príncipe dos saiyajin fez Goku saltar outra vez, abrindo os braços para o barrar.
- Espera!
- Deixa-me, Kakaroto! Vou dar uma lição a esse namekuseijin.
- Nem penses! Piccolo é intocável.
- Esse imbecil está a atrasar-nos!
- Mas alguma coisa está mal...
- Está, pois! É o namekuseijin!
A leitura do combate era confusa. Trunks e Goten já tinham lutado antes, com dois esbirros de Freeza que Vegeta identificara como Zarbon e Dodoria. Na dimensão deles, esses dois tinham sido eliminados por Vegeta, no planeta Namek, antes da grande batalha que levou à derrota de Freeza. Apesar de fortes e de apresentarem um ki superior à média, apesar dos dois rapazes estarem destreinados, Zarbon e Dodoria foram facilmente eliminados. Goku disse, olhando para nenhures:
- Acho que Goten e Trunks sabem que não podem ferir Piccolo... Estão a evitá-lo, a cansá-lo.
- Estamos a perder tempo.
- Vegeta, calma!
Vegeta afastou-se, cruzando os braços.
- Como consegues pedir-me que tenha calma? Também tu sentes o que se está a passar e não estás nada calmo!
- Pois... Devemos ir ter com os rapazes. Agarra-te a mim!
Relutante, Vegeta agarrou-se ao braço de Goku. Detestava viajar daquela maneira, dependente de outrem, mas também era orgulhoso o suficiente para não lhe pedir que lhe ensinasse a técnica que o permitia deslocar-se tão rápido quanto a luz. Com os dedos sobre a testa, Goku utilizou a Shunkan Idou e num instante viu-se suspenso no vazio diante de um raio espiralado cor-de-laranja que, envolvido em argolas de energia, sibilava na sua direção. Vegeta voou às arrecuas para escapar do raio, soltando o braço de Goku, berrando:
- Kuso!!
Mas Goku, na posse da totalidade da sua força, apanhou o raio com a mão direita, fechando os dedos, amortecendo e extinguindo o Makkanko Sappou com um esforço mínimo. Os olhos negros fixaram-se no exaurido demónio, que arfava de braço esticado, dois dedos unidos estendidos. Já tinha descartado a capa branca e o turbante, o que indiciava que se aplicava a fundo naquele confronto. Trunks e Goten estavam atrás dele, a flutuar em posição de defesa. O Makkanko Sappou era-lhes dirigido.
- Piccolo!
O demónio soltou uma gargalhada.
- Ah! Eu sabia que aparecerias se eu interferisse. Bem-vindo, Son!
Vegeta juntou-se ao filho e ao filho de Goku.
- O que pretendes, Piccolo?
- Encontrar-me contigo.
Goku desenhou um sorriso torto no rosto.
- Existem outras maneiras de me chamar para um encontro.
- Esta é a mais eficaz. És igualzinho ao Son que eu conhecia.
- Somos a mesma pessoa.
- Eram! – berrou Piccolo de punho erguido.
Disfarçava a fadiga que o acometia, mostrava mais poder do que aquele que tinha, mas Goku notava como o namekuseijin não estava em condições de enfrentar qualquer um deles, mesmo o mais destreinado dos quatro que era, de acordo com o que ele percebia, Trunks. Vegeta devia estar furioso por perceber o mesmo.
- Esse bastardo está morto – concluiu Piccolo rangendo os dentes e rosnando.
- É verdade. Não era nossa intenção...
Vegeta arqueou os sobrolhos, surpreendido com o pedido de desculpas de Goku. Piccolo rosnou mais alto.
- Son estava-me reservado. Tínhamos velhas contas a acertar. Mas o destino colocou-te novamente no meu caminho.
- Tu sabes que não me consegues derrotar... Notas perfeitamente a diferença que existe entre aquele Son Goku que conhecias e eu próprio. Piccolo, foi para isso que me querias encontrar? Desafiaste Goten e Trunks para que eu aparecesse e lutasse contigo, acertar essas tais velhas contas?
Estranhamente, Piccolo mudou de atitude. O nível de energia que mantinha a custo a bombear por todos os músculos, criando uma falsa aura de poder, sumiu-se e baixou até ao solo. Goku acompanhou-o, assim como os rapazes e Vegeta. Este cuspiu para o lado e comentou:
- Isto cada vez está menos interessante...
- Eu não me importo de lutar contigo – disse Goku com sinceridade. – No entanto, tu és demasiado precioso para este planeta. E também para nós. Precisamos do Kamisama para corrigir o que está a acontecer no universo e a tua vida liga-se à dele.
- Cala-te, Son.
Goku endireitou as costas. Descontraiu-se.
- Tu sabes que não os podes derrotar, mesmo com todo esse poder que tens dentro de ti – anunciou Piccolo, aparentemente mais calmo.
Vegeta crispou a testa, apreensivo. Afinal, o namekuseijin não era totalmente idiota.
- Mesmo sendo um super saiyajin!
Piccolo sorriu diabolicamente. Goku inclinou a cabeça para a direita.
- O que sabes tu que nós não sabemos?
- Sou um demónio, conheço o mundo das trevas e a escuridão é um sítio que me é tão familiar como este planeta luminoso. As criaturas mais vis estiveram, em tempos, sob o meu comando e viajo entre a realidade da bondade e da maldade. Sabes do que sou capaz...
- Sei muito bem. Sei também que tens a capacidade de mudar o teu coração, se o quiseres. Basta... um pretexto.
- Talvez. Não mudes de assunto, se te sentes assustado.
- Eu não estou assustado.
- Estás, sim. Sinto a tua dúvida... Alimento-me dos sentimentos negros. Ou já te esqueceste como é Piccolo, o rei dos demónios? Esse Piccolo que tu conheces no teu mundo fez-te esquecer algumas coisas...
Trunks e Goten olhavam alternadamente para os seus progenitores e para Piccolo. Gradualmente, percebiam o mesmo medo que o último dizia que Goku tinha. E que Vegeta, incrivelmente, também tinha.
- Trunks-kun... - murmurou Goten, tapando a boca com a mão.
- Shhh! Quero ouvir.
- Estás com dúvidas, porque sabes que não é apenas uma questão de medição de forças – prosseguiu o namekuseijin. – Se assim o fosse, eram capazes de derrotar esse tal Freeza apenas com uma mão. Até aquele ali, mesmo com a energia tão em baixo, e que luta por se manter consciente, era capaz de o fazer.
Ao ser apontado daquela maneira, Vegeta reagiu.
- Mais respeito! Ou mato-te aqui e agora, mesmo com esta minha energia tão em baixo!
- 'Tousan!
- Não te metas, Trunks.
- Eu vi como os dois miúdos derrotaram os dois guerreiros mais fortes de Freeza, mesmo com técnicas desleixadas de luta. Foi fácil, um petisco... Até eu era capaz de os matar. Com algum esforço, admito. Mas Freeza é diferente.
- Freeza não iguala o nosso poder – disse Goku. – Está muito abaixo daquilo que podemos fazer.
- Freeza está a ser ajudado. E vai sê-lo mais ainda, vocês sabem disso. Concordou com a loucura de estender essa ajuda ao príncipe dos saiyajin, mesmo que o ponha em perigo. Quando o príncipe regressar, vocês saberão o que está em jogo.
Vegeta descruzou os braços e apertou os punhos com tanta força, que sentia as unhas rasgarem a palma das mãos.
- Irão lutar contra alguém muito poderoso. Alguém que, como eu, o rei dos demónios, se move entre as trevas.
- Falas daquele que acompanha Freeza – disse Goku. – O ser maléfico.
- Precisamente. Aquele que abriu a porta entre os mundos e que, por puro divertimento, se prepara para esmagar todo o universo. Aquele que procura o medalhão. O idiota do Freeza, com toda a sua estúpida ambição, não percebe que é um brinquedo nas mãos dele.
Trunks deu um passo atrás, agarrando instintivamente no triângulo dourado que usava ao pescoço.
- Quem é ele?! – gritou Vegeta.
Piccolo sorriu.
- Como sabes tu dessas coisas todas, Piccolo? – perguntou Goku piscando os olhos, sentindo as gotas de suor a deslizarem pelas têmporas.
- Já te disse, Son. Sou o rei dos demónios. Tenho algumas capacidades que utilizo e que me foram úteis, neste momento de... como hei de dizer... Confusão?
- Quem é esse que abriu a porta entre os mundos e que está com Freeza? – insistiu Vegeta desvairado.
O namekuseijin ficou divertido com a reação do príncipe dos saiyajin. Cruzou os braços, espetou o queixo. Os seus caninos surgiram num sorriso ainda mais diabólico.
- Não sei. Não o conheço. Nas trevas, esconde o rosto e mascara a sua presença com uma habilidade espantosa. Mas é poderoso... Muito mais poderoso do que qualquer super saiyajin.
- Maldito!
E não se conseguiu perceber se Vegeta insultava o namekuseijin ou o novo inimigo. Sem querer dar parte de fraco, para insuflar moral naqueles que o acompanhavam com o seu habitual otimismo, Goku atirou:
- Nós já lutámos contra dois feiticeiros, Piccolo, na nossa dimensão. E ganhámos sempre. Não vejo por que razão será este diferente...
- Porque este é o original. É o criador de toda a magia... Ele inventou a magia. Não é um simples feiticeiro.
- Estás a exagerar. Pretendes assustar-nos.
- Assustar quem já está assustado? Alguém que, potencialmente, irá salvar o meu mundo? Não... Nada ganho em assustar-te, muito pelo contrário.
Goku baixou os olhos, intrigado. No seu íntimo, sentia algum receio, ligeiro como um verme a escavar um buraco e a contaminar tudo devagarinho, a criar a doença que em breve mataria o corpo. Mas continuava sem perceber as razões de Piccolo e perguntou de chofre:
- Porquê?
Trunks agarrou no braço do pai que dera um passo em frente.
- Não, 'tousan... - murmurou. – Espera.
- Porque, mais uma vez, Son Goku...
Vegeta cerrou os dentes. Trunks sentiu o braço dele tremer entre os seus dedos e soltou-o. Goten fixava o namekuseijin, esperando um qualquer ataque à falsa fé, apesar de não ler qualquer ameaça no seu espírito, mas daquele Piccolo poder-se-ia esperar de tudo. Ele limitou-se a concluir num tom amorfo:
- ...O universo está nas tuas mãos!
O sorriso de Goku foi franco.
- E tu vais lutar ao nosso lado, Piccolo.
O namekuseijin sorriu com a mesma franqueza.
- Continuarei a visitar o mundo das trevas.
- Iremos chamar-te, quando chegar a hora.
Com um subtil aceno de cabeça, Piccolo concordou. De seguida, levantou voo e sumiu-se entre as nuvens brancas. Goku olhava os céus, Vegeta cruzava os braços. Goten voltava-se para Trunks.
- E agora?
- Alteração de planos!
***
- Bulma, onde está Goku?
Ela encolheu os ombros, bebendo um pouco do leite que tinha no copo. Apetecia-lhe um refresco, mas naqueles tempos de escassez isso era um luxo incomportável e não se achava no direito de exigir aos dois rapazes que lhe trouxessem refrescos nas suas viagens matutinas de recolha de víveres. Já era suficiente o que eles faziam por todos.
- Não sei, Krilin-kun.
- Ele estava com aquele saiyajin e, de repente, desapareceram.
- Goku também é um saiyajin, lembras-te?
- O nosso Goku já não existe.
Caiu um silêncio esquisito. Bulma suspirou, colocando o copo de lado. Sentia-se enjoada e triste.
- Ele era ruim e fez-nos muito mal ultimamente, mas não queria que ele... morresse.
- Já contaste a Chichi o que aconteceu?
- Não. Não tive coragem, Krilin.
Bulma olhou para a janela, onde a persiana estava corrida até metade e completou:
- Talvez peça ao outro Son-kun que lhe vá contar.
- Acho... uma boa ideia.
Talvez fosse, sim, uma boa ideia. Bulma suspirou novamente, tentando perceber o lado positivo de toda a desgraça que se abatia sobre eles, desde que tinham perdido o amigo – o amigo que ao bater com a cabeça pela segunda vez se tinha transformado num cretino sem nome. Tudo acontecera desde a chegada daquele maldito príncipe! Ela mordeu o lábio inferior. Agora, o príncipe que tinha vindo com o novo Son Goku, o novo Vegeta digamos assim, também estava a baralhar o esquema ordenado das suas coisas. Ainda tinha a chave de fendas, entalada no cós das calças. Ele haveria de ver a têmpera dela, se a quisesse baralhar ainda mais.
Krilin recostou-se no almofadão, colocando as mãos atrás da cabeça.
- Achas que eles vão conseguir derrotar os nossos inimigos, Bulma?
- Acredito que sim.
- E já pensaste na possibilidade disso não acontecer?
- Se não acontecer, ficaremos como estamos.
- Os outros poderão querer vingar-se...
Bulma olhou-o atónita.
- O que queres dizer?
- Os outros... Eles... - De olhos baixos, Krilin unia os dois indicadores repetidamente. – Eles poderão vir atrás de ti, já que saberão que tu lhes deste guarida.
Após uma pausa que obrigou Krilin a encará-la, ela acusou-o:
- Nunca pensei que fosses tão cobarde, Krilin-kun!
Levantou-se, a ponta da chave de fendas picou-lhe a pele da barriga. Apeteceu-lhe sacar da arma improvisada e brandi-la diante do cínico Krilin. Escandalizou-se a seguir por sabê-lo, precisamente, um cínico. Mesmo sentindo um arrepio gelado de puro terror por antecipar um castigo fulminante por parte dos impiedosos inimigos, Bulma completou:
- E se vierem... Cá estarei para os enfrentar. Basta de fugirmos! E tu...
O dedo que ela espetou na cara do espantado amigo tremia, mas ele entendeu como se tremesse de fúria e não de medo.
- Tu também os devias enfrentar!
- Eu? E que posso fazer, com a minha força? O poder dos saiyajin...
- Podias, ao menos, ter tentado. Treinavas-te e tornavas-te mais forte!!
Krilin encolheu-se com o último berro. Bulma girou sobre si mesma.
- Tens razão... Sou um cobarde.
Ela deteve os passos.
- Continuo vivo, ao contrário dos meus amigos que morreram a defender a Terra, mesmo sabendo, à partida, que iriam perder. Mas tentaram... Agora, eu... Tive medo. Devia ter-me inspirado na força de vontade do meu amigo Goku, mas ele agora está morto e já não vai regressar. E esse que por aqui anda, não é o meu amigo Goku.
Por um instante, Bulma sentiu pena dele.
- Lamento, mas... Não sirvo para salvar a Terra. Não sirvo para nada.
Krilin encaminhou-se para a porta do salão e alçou um braço mole, a mão agitou-se num aceno torpe de despedida.
- Até qualquer dia, Bulma. Obrigado por me receberes.
Antes de ele sair, ela disse, sem convicção:
- No dia da vitória, convido-te para a festa que darei na minha casa.
Ele não se voltou.
- Será a maior festa que a Capsule Corporation já viu – disse Krilin num gracejo frouxo. Depois, foi-se embora.
Sentiu-se ainda mais vazia e infinitamente mais triste. Bulma retirou a chave de fendas, mirou-a, remirou-a e, num ataque de fúria que serviu para expulsar o terror que fervorosamente se agarrava ao seu espírito, lançou-a. O objeto cruzou os ares e foi parar num canto do imenso salão, fazendo um som oco, um som metálico e um som seco, ao se espetar no soalho. Escondeu a cara nas mãos e fez o que costumava fazer. Chorou.
***
Ao contrário do que esperava, o dia fora totalmente diferente e agora acabava num ocaso frio, temperado com uma brisa teimosa que lhe remexia os cabelos. Afastou-os dos olhos azuis matutando no que acontecera, tentando perceber a lógica dos eventos, procurando arrancar sabedoria que o levasse a uma excelente – boa, não bastava – solução para toda aquela embrulhada que ganhava contornos demasiado esotéricos para o seu gosto.
Lidavam novamente com magia e isso irritava-o. Sabia-se vulnerável a feitiços, os jogos mentais apanhavam-no sempre desprevenido, distraía-se com os artifícios, era enganado pelas aparências. Detestava deixar-se encurralar por ninharias, quando tinha tanto poder e uma habilidade ímpar para o combate físico, mas o certo era que a magia era o seu ponto fraco. Que ele devia manter bem escondido de toda a gente, a começar por aquele que comandava a magia, pensava desconfortável.
Tinha ainda outra preocupação: não estava em forma. Descurara os treinos naqueles últimos tempos e agora via como lhe faziam falta. Quase que conseguia ouvir a censura do pai a furar-lhe os tímpanos com um dos seus habituais berros descontrolados.
O rapaz chegou e ele esqueceu as suas apoquentações. Sorriu com sinceridade e gostou de ter tido essa reação, simples e imensamente verdadeira. Começava a gostar dele. Via-o como um companheiro e isso podia ser o princípio de muitas coisas boas. Um companheiro para afinar algumas lacunas da sua técnica pessoal, para aproveitar aqueles finais de tarde para se treinar o que não treinara nos tempos perdidos. Afinal, ganhava qualquer coisa com aquela aproximação e o tempo gasto naquilo não seria desperdiçado. Um pouco da faceta egoísta do pai que herdara...
Tiago cumprimentou-o com uma vénia, como um pupilo diante do mestre e Trunks riu-se com a deferência. Era, tal como o sorriso inicial, um riso sincero e ele sentiu-se bem após o dia de desilusões. Não tinham, ele e Goten, matado o príncipe dos saiyajin e restaurado a energia ao seu pai. Não tinham desafiado Freeza. Não tinham conhecido o misterioso ser, que agora podiam apelidar de feiticeiro, que o acompanhava. Mas tinham conseguido juntar Piccolo à causa deles e tinham também derrotado dois dos guerreiros mais poderosos de Freeza: Zarbon e Dodoria.
O primeiro era uma memória particularmente asquerosa, pois tinha inchado e se desfigurado num monstro escamoso para melhor combater Goten, apesar de essa manobra ter sido totalmente fútil. Fora eliminado. O segundo era uma massa esponjosa rosácea, fedorenta, com uma voz petulante, ainda mais asqueroso. Mesmo destreinado e a camuflar a técnica falível, Trunks também conseguira eliminá-lo e sem utilizar demasiada energia. Após um descanso prolongado, repusera a totalidade das suas forças.
- Preparado para mais um treino?
- Hai – respondeu Tiago. E acrescentou: – Afinal, sempre treinamos hoje.
- O dia correu mal.
- De um certo ponto de vista...
- O que queres dizer?
- Bem, desvendaram-se alguns mistérios e derrotaram-se alguns inimigos. Não foi um dia totalmente perdido. E para mim, está mais do que ganho pois tenho mais uma sessão de treinos contigo, Trunks.
Deixara de lhe chamar "pai". Trunks não percebia porquê, mas também não quis perguntar, nem desejava, na realidade, que aquele rapaz, que tinha idade mais para ser seu irmão, o chamasse dessa forma. Um pensamento igualmente sincero. Tiago torceu a boca a pensar nalguma coisa que gostaria de acrescentar à frase, mas quedou-se calado. Trunks colocou-se em posição de defesa.
- Já sabes. Ataca com tudo o que tiveres.
- Claro!
A sessão de murros e de pontapés foi curta, mas cada golpe transportava uma força que impressionou Trunks. Defendeu tudo, mas uma patada alta surpreendeu-o. Baixou ligeiramente a cabeça para escapar, mas descurou a proteção imediata. Tiago, em desequilíbrio, apoiou ambas as mãos no chão e, de costas voltadas, vendo o oponente por cima do ombro, atingiu-o no torso com os dois pés. Trunks caiu com um grito rouco.
- O que foi que andaste a fazer? – perguntou divertido, a esfregar o peito.
Tiago, estendido de borco, riu-se.
- Passei o dia a fazer exercícios.
Rebolou, colocou-se de pé com um salto, impulsionando-se apenas com a ajuda das pernas e completou:
- A treinar os músculos. Sabes...
- Hum... Um verdadeiro saiyajin. – Trunks também se levantou, mas sem tanto espetáculo.
Tiago saltitava, braços meio elevados, como um pugilista num ringue, a chamar por Trunks com um sorriso de viés que se assemelhava demasiado aos sorrisos de Vegeta. O desafio latejava entre os dois. Trunks aplicou-se mais na sessão seguinte, mas distraiu-se outra vez e acabou com os lábios rebentados por um murro. A cabeça foi projetada para o lado esquerdo, o pescoço estalou.
- Isto hoje está a correr bem! – exclamou Tiago entusiasmado.
A observação caiu-lhe mal – uma farpa no seu orgulho. Trunks esticou os braços que começaram a cintilar.
- Não fiques tão convencido!
Uma bola de energia surgiu entre as mãos de dedos abertos. Tiago olhou para o espaço que mediava entre eles, onde a bola crescia e faiscava. A energia era enorme, brutal. Trunks sorriu quando Tiago escancarou a boca, espantado com aquele ataque. Sabia-o desleal, sabia-o proibido, mas não se deteve. Tudo valia. E afinal, ele era filho de Vegeta.
Ao disparar a bola de energia, enviou Tiago pelos ares. A explosão engoliu-o num maremoto de luz branca, que rebentou para todos os lados como uma supernova e, de repente, implodiu e desapareceu. O eco fez ricochete nos prédios distantes e o solo, que tremera ligeiramente, acalmou.
Trunks respirou fundo. Tiago levantou-se cambaleante.
- Não devíamos ser mais discretos? – perguntou.
- Porquê? Não acredito que Goku-san ou o meu pai venham até aqui... Ou mesmo Goten. Estão fartos de saber que nós estamos a lutar. E os nossos inimigos... Estão ocupados com outras coisas.
- Que coisas?
- Em se fortalecerem. Já sabem o nosso poder e temem-no.
No rosto de Trunks havia suor. Limpou-o com uma mão. Acenou, chamando pelo adversário. Tiago não se aproximou. Ficou a observá-lo durante algum tempo e Trunks ficou intrigado.
- Nan dá?
- Vamos fazer um jogo.
O rapaz estava a ficar cada vez mais atrevido. Trunks sorriu. Afinal, ele era neto de Vegeta.
- Alinho – respondeu.
Tiago espetou o dedo indicador.
- Lutamos pelo medalhão.
- Nani?
- Tu estás a usar a tua metade e eu estou a usar a minha.
- O que estás a pensar?
Encolhendo os ombros, zombeteiro, Tiago repetiu:
- Um jogo.
A seguir, atacou, concluiu com um berro:
- Quem ganhar, fica com o medalhão inteiro!
O assalto foi frenético. Trunks repeliu Tiago um par de vezes com socos que o rapaz amorteceu e esquivou com uma rapidez que melhorava a cada movimento. Os treinos, quer aqueles partilhados, quer aqueles que ele fazia sozinho, estavam a resultar e era gratificante. Contudo, havia ainda uma grande diferença, pensou Trunks quando conseguiu agarrar nas mãos dele e puseram-se a medir forças. Mesmo que achasse que estava em condições, Tiago não seria capaz de enfrentar um guerreiro com o poder de Dodoria, ou de Zarbon, os dois imbecis que ele e Goten tinham eliminado naquele dia. Ou mesmo de Piccolo-san, aquele namekuseijin daquela dimensão que tinha um quinto da força do Piccolo-san que eles conheciam. Estava a iludir-se e Trunks, enquanto seu mestre, deveria baixar as expetativas, para que Tiago não se magoasse a sério.
Não se podia transformar em super saiyajin, tornaria o confronto demasiado desigual. Deveria utilizar a astúcia... Porém, estava cansado e sem ideias. Apesar de ter comparecido no relvado da Capsule Corporation, e sabia que isso significava que concordava com mais uma sessão de treinos, não estava com apetência para aquilo e não se estava a esforçar o suficiente para ser totalmente honesto com o seu pupilo. Trunks soltou as mãos das de Tiago, deu-lhe uma cabeçada com toda a força. Saltou para trás, uniu as mãos e disparou a sua segunda bola de energia. Ao contrário da primeira, esta foi desviada por Tiago com uma palmada. Trunks crispou a testa. Não estava a ser eficaz, estava a deixar-se ir, iludia-o ainda mais.
Tentou novo ataque. Utilizando a super velocidade, colou-se ao rapaz e tentou atingi-lo com um soco. Mas o outro, de reflexos mais rápidos, viu o punho a vir na direção da cara. Desviou-se o suficiente para ganhar vantagem, utilizar um uppercut e deixar Trunks boquiaberto com a inteligência da combinação, antes de sentir a dor no osso do maxilar. Um ardor na nuca, como uma chicotada, fê-lo reagir às cegas e tentou um segundo soco que varreu o ar.
Estava definitivamente cansado e agora, irritado.
Endireitou-se. Na mão de Tiago pendurava-se a corrente partida da primeira metade do medalhão de Mu, balançando indolentemente. Trunks apertou as mãos, tremendo. Mas depois tomou consciência de onde estava, do que estava a fazer e a sua mente clareou, como um céu nublado a abrir-se e a desvendar a glória de um raio de sol. Soltou uma gargalhada.
- Ganhaste o jogo, Tiago-kun!
Tiago retirou do pescoço o outro triângulo dourado. Trunks observava-o apreensivo. Aproximou-se.
- Sabes quantas vezes é que esta corrente se partiu?
- Muitas, hum?
- Hai, Trunks. Este triangulozinho é muito cobiçado.
- Acho que sempre assim foi.
O silêncio fez regressar a brisa fria que lhe levava a franja para os olhos. O filho de Vegeta afastou-a sacudindo a cabeça. Tiago tinha cada pedaço do medalhão numa mão e olhava alternadamente para estas. Ao fazê-lo tão calado, aumentava o desconforto de Trunks. E havia, como pano de fundo, a quietude gigantesca de uma cidade inteira atrás deles recolhida no seu próprio medo.
- O que acontece se unirmos as duas metades?
Num reflexo, tentou roubar a primeira metade, mas Tiago desviou as mãos, fechando os dedos como garras sobre os triângulos.
- Não o podes fazê-lo. É perigoso! Só alguém da Dimensão Real pode unir as duas metades do medalhão de Mu – explicou Trunks atropelando as palavras.
- Eu sou da Dimensão Real.
- Mas tens sangue nosso nas veias. Isso... poderá valer...
- Foi a minha mãe que uniu o medalhão?
- Hai, foi ela.
Relembrar a Ana causou-lhe uma tontura. Trunks voltou a cara.
- Para quê, 'tousan?
- Para... - Trunks humedeceu os lábios. Voltara a tratá-lo por "pai" naquele preciso momento. Prosseguiu, num tom mais grave: – Para ajudar um feiticeiro a tornar-se num deus. Mas o medalhão também tinha o poder de matar e foi com ele que o eliminámos.
- E foi a minha mãe que fez isso?
- Hai.
Tiago sorriu.
- Nunca pensei que ela fosse assim tão corajosa.
Trunks também sorriu.
- Ela era... muito corajosa.
- Ainda é. Ela não morreu – corrigiu Tiago incomodado.
O rosto de Trunks ensombrou-se e a voz saiu-lhe num sussurro:
- Para mim, ela morreu.
Tiago voltou novamente a atenção para o medalhão.
- Vou fazê-lo. Vou unir o medalhão, para ver o que acontece.
- Não!!!
Os dois triângulos encaixaram-se com um estalido e o medalhão de Mu tornou-se num triângulo maior, perfeito, equilátero. Equilibrado como o universo. No centro, a estrela radiosa faiscou. Era um objeto estupendo, prenhe de uma magia suprema que tolhia Trunks e fascinava Tiago que, envolvido numa mancha amarelada, impregnado de um poder magnífico e insuperável, luz abençoada que nascia do medalhão dourado, era como... como se fosse um super saiyajin!
***
Um par de olhos vazios fitou-o. Procuravam por ele desde o início dos tempos e agora tinham-no, finalmente, encontrado. Exigiram que ele também o fitasse, mas ele lutou para não ver, pois sabia que se perderia irremediavelmente naquele olhar gelado e exigente. A sua alma para sempre penhorada.
Estava num limbo desprovido de qualquer matéria. Era o início, a génese do universo, quando tudo haveria ainda de ser criado no segundo seguinte. Mas antes dessa cataclísmica explosão que lançaria as bases para a criação, havia o nada mais absoluto e cinzento. Era curioso ser cinzento e não negro.
O ar era saturado e ele sentiu-se a afogar. Não sabia se tinha corpo e os olhos vazios continuavam a fitá-lo. Mas apertou o que lhe pareciam ser os dedos das mãos e percebeu nestes a aspereza de algo duro e frio – os olhos que o fitavam eram amarelos como o medalhão.
Tiago tentava desesperadamente respirar. Sabia que ele queria o medalhão. Negou-lhe o triunfo e ele irritou-se. Os olhos vazios encheram-se de uma fúria imensa que provocou a explosão e o universo foi criado.
***
Com um safanão, Tiago separou as duas metades do medalhão de Mu. Caiu de joelhos, a tremer descontrolado. Os braços penderam moles, os dedos abriram-se indolentes e os triângulos dourados caíram no relvado. Trunks agachou-se ao lado dele, tocou-lhe no ombro.
- Tiago-kun! O que foi que aconteceu?
- Não... Não sei – gaguejou arquejante.
- Viste alguma coisa?
- Acho que vi... O dono do medalhão.
- Mu? O deus?
- Não sei. Não sei... - tornou, sacudindo a cabeça.
Trunks apanhou a sua metade do medalhão, tornou a unir a corrente utilizando o calor que gerou com os dedos e pendurou-a ao pescoço, guardando-a dentro da blusa.
- Tiago-kun, já chega por hoje.
O rapaz não concordou, nem discordou. Estava apático.
- Sentes-te bem?
- A sua presença... era enorme.
- Sentiste a sua aura?
- Era... muito forte.
- Mais forte que um super saiyajin? – gracejou Trunks, sem vontade nenhuma de rir. Ajudou Tiago a pôr-se de pé.
- Ele criou o universo.
- Está bem... Precisas de descansar. Olha, não voltes a fazer isso.
- O quê? – perguntou Tiago ansioso.
- A unir o medalhão.
Envergonhado, o rapaz baixou a cabeça.
Enquanto se encaminhavam para o edifício, Trunks disse pensativo:
- Curioso! Quando a Ana uniu o medalhão, nada disso aconteceu...
Não obteve uma resposta. Nem sequer se despediram quando se separaram, no corredor. A experiência tinha sido, de algum modo, destrutiva. Trunks cruzou os braços, aborrecido. Os treinos tinham corrido mal. Como o dia, aliás.
Que mestre era ele, se nem conseguia proteger o seu pupilo?
E como se classificava como pai, se não conseguia alcançar o filho?
Suspirou profundamente e decidiu que o melhor seria descansar, ordenar as ideias e não pensar demasiado no que estava ainda para vir.
***
A perturbação foi sentida no Palácio Celestial. O Kamisama sabia que Mr. Popo conhecia a resposta, mas não o iria interrogar. Nem tudo podia ser do seu conhecimento. As limitações de um ser superior eram estranhas, mas necessárias. Olhou para o homem.
Recomeçava após a ligeira interrupção.
- Percebes agora?
O homem tremia, com o rosto coberto de suor, brilhante e alucinado. A revelação tinha-o levado à quase loucura. Mas ele já se sentia louco, um doido varrido a experimentar um poder tão imenso que o esmagava.
Estavam na Sala do Espírito e do Tempo. Mesmo isolados naquela dimensão, a perturbação alcançara-os. A curiosidade matava-o, mas a censura de Mr. Popo era mais devastadora do que a vontade de saber o que estava no início dos tempos. Quem seria ele, o criador do universo, o dos olhos vazios e amarelos?
A resposta estava no estranho medalhão.
E naquele homem.
- Percebes agora? Responde! – gritou repentinamente. – Combinámos que tu haverias de responder sempre!
Era um mestre vigoroso, apesar do aspeto envelhecido. Castigava com a mesma convicção que agraciava os feitos. Que não o tomassem por garantido. Era bondoso, mas tivera, em tempos, a ferocidade de um demónio. Agora ria-se.
As gargalhadas guturais do Kamisama alarmaram o homem.
- Percebo – respondeu, por fim.
- Agora, apenas tens de dominar esse poder. Servires-te dele, em vez deste se servir de ti.
- Não... Não consigo.
- Conseguirás. Ou Son Goku e os seus companheiros perderão a guerra.
O homem negou enfaticamente.
- Não... Não. Não! Son Goku é invencível!
- Fá-lo assim e assim será. Precisamos de um deus... para combater outro deus. Lembra-te disso!
- Lembrar-me-ei... Lembrar-me-ei.
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