XXV - Numa espécie de casa
Fora sempre assim desde que eram pequenos e o hábito mantinha-se. Nem mesmo numa dimensão profundamente diferente, mesmo que aparentemente similar, foram incapazes de alterar essa minúscula rotina sem importância. Trunks despertou primeiro do que Goten e foi desafiá-lo para algo que saía dos padrões da sua normalidade. Quando eram pequenos, travessuras. Mais crescidos, rebeldias. Naquele caso, saírem da Capsule Corporation.
- Onde vamos? – perguntou Goten ensonado.
Ao lado, Goku roncava, a dormir virado ao contrário, com os pés na cabeceira e a cabeça pendurada na outra borda do colchão, todo destapado.
- Sair. Vamos!
- É tão cedo...
- O sol vai nascer daqui a pouco... Não devemos perder tempo. Despacha-te, Goten-kun!
O filho de Goku esfregou os olhos, reprimindo um bocejo ruidoso. Deixou a cama com pena, deitando uma olhadela ao pai. Por um lado para ter a certeza de que não o despertava, por outro para invejá-lo um pouco mais. Seguiu o amigo depois de se vestir e deixaram o quarto em bicos de pés. Alcançaram rapidamente o exterior onde estava frio e uma claridade azulada envolvia a cidade. Goten respirou fundo o ar matutino. Trunks fez o mesmo.
Fazia algum tempo que os dois não estavam juntos. Goten tinha casado com Maron, abandonara a universidade e no ano que tinha passado entretanto tinham-se visto num punhado de ocasiões, em que havia tanta gente de permeio e outros afazeres que mal tinham podido conversar ou, preferencialmente, lutar. Essa hipótese estava completamente fora de questão quando o encontro era um aniversário ou festa promovida por alguém do círculo dos seus pais. Mas era lutar, testar as capacidades um do outro, perceber se algum deles tinha amolecido, que mais desejavam e os seus parcos encontros tinham sabido a frustração. Quando, dias atrás, tinham descoberto que alguma coisa se passava e que o Palácio Celestial andava agitado, a oportunidade pareceu-lhes irresistível.
Uma nova aventura se perfilava no horizonte.
Como em outras ocasiões, Trunks tinha vindo despertar Goten. Na janela do quarto da casa que partilhava com Maron, Goten hesitara, mas Trunks convencera-o com a frase:
- Só desta vez... Será a última, prometo!
Poderia, de facto, ser a última aventura. Todavia, com guerreiros como eles na Terra, os desafios pareciam ressurgir com periodicidade e a noção que a paz não servia aos guerreiros, que Trunks afirmara quando combatiam o feiticeiro Zephir, fazia demasiado sentido naquela hora e naquela dimensão estranha. Muito provavelmente, e pensando melhor, poderia não ser a última aventura. O argumento que convencera Goten esboroava-se se lhe fosse aplicada uma lógica simples.
Não se arrependia, contudo. Eram amigos. Olhou para Trunks.
- Então? O que fazemos cá fora de madrugada?
- Vamos encontrar comida para a minha... – interrompeu-se. Na verdade, aquela não seria a sua mãe e completou: – Para Bulma-san.
- Comida?
- Ela disse-nos que os alimentos escasseiam e que é muito difícil fornecer a despensa. Ora, se vamos aproveitar a hospitalidade dela, devemos contribuir. Não achas?
O rosto de Goten iluminou-se com um sorriso.
- Hai! Excelente ideia, Trunks-kun!
Os dois rapazes levantaram voo utilizando pouca energia. Depois da história que tinham escutado na noite anterior, no salão da Capsule Corporation, sabiam que deveriam ir com cuidado. Não conheciam a força que os seus potenciais inimigos teriam. Trunks percebeu que Goten estava a pensar no mesmo.
- O que estará a acontecer?
- Não sei, Trunks-kun. E é sempre pior quando não sabemos...
- Para além dos saiyajin, existe um outro inimigo, mais forte que os saiyajin, a enfrentar. O meu pai e Goku-san sabem de quem se trata.
- O certo é que não pareceram muito assustados.
- Como se fosse fácil derrotá-lo.
- E deverá sê-lo. Nos somos super saiyajin... E temos ainda... o rapaz. O teu...
- Pois – cortou Trunks incomodado, voltando a cara –, mas ele vem da Dimensão Real e não deve ser um super saiyajin. Viste a força que ele tem? É mais fraco que Mr. Satan!
- Mas ele poderá ajudar-nos, já que tem sangue saiyajin.
- Não vamos precisar dele – sentenciou Trunks abruptamente.
Goten pestanejou, admirado.
- Não estás contente?
- Com o quê?
- Saber que... tens um fi...?
- Podemos mudar de conversa? – pediu Trunks cada vez mais incomodado.
- Que idade terá ele?
- Não sei, Goten-kun. Mas como o universo anda baralhado, as dimensões, incluindo o tempo, todas misturadas, aquela regra de um mês na Dimensão Real ser equivalente a um dia na Dimensão Z perdeu a validade... Sei lá!
- Parece-me que terá quinze, dezasseis anos...
- Se calhar, menos... - soprou o filho de Vegeta.
- Não gostarias de regressar, Trunks-kun?
- Onde?
- À Dimensão Real?
- Fui infeliz nessa dimensão.
- Mas ela está nessa dimensão. Só para...
- Não!
E esquecendo todas as cautelas, Trunks aumentou a velocidade com uma explosão súbita de energia. Goten seguiu-o, com o mesmo nível de energia a bombear força para os músculos, empurrando-o céus afora, atrás do amigo, no início, picando-o numa corrida renhida, a seguir.
Atravessaram a cidade, os arrabaldes, os campos despidos e chegaram até uma propriedade agrícola construída em jeito de colónia. Aterraram. O sol já tinha nascido e os homens preparavam-se para mais um dia de trabalho. Assustaram-se com os dois rapazes que tinham caído das nuvens, mas depois Trunks explicou com a sua habitual diplomacia que não lhes queriam nenhum mal e que vinham para ajudá-los – ele tinha continuado na universidade, investia nos estudos e preparava-se para dirigir a Capsule Corporation, aprendendo não só a ser um excelente técnico, mas também um convincente homem de negócios, um líder de pessoas e um empresário bem-falante.
Os dois rapazes ouviram do homem mais velho histórias arrepiantes sobre a crueldade dos saiyajin e ocultaram a sua própria ascendência, temendo perder a confiança dele. Prometeram-lhes proteção se eles lhes fornecessem os seus produtos. O homem mais velho recusou com veemência, pois eles só podiam fornecer o príncipe e o posto de comando do príncipe. Trunks fez uma pequena exibição para o convencer. Primeiro, transformou-se em super saiyajin. Quando os homens tremiam como varas verdes, tal qual um canavial açoitado pelo vento, estendeu um braço e enviou um raio de energia com uma potência fraca, a explosão volatilizou um outeiro em rochas incandescentes.
- Estamos aqui para vos proteger – disse Goten, de mãos enfiadas no cinto do dogi. – E somos mais fortes que esse príncipe de que nos falas.
O grupo de homens remetia-se a um silêncio assustado. Trunks regressou ao seu estado normal, a capa dourada que o envolvera sumindo-se em línguas da mesma cor. O homem mais velho engoliu em seco. Goten acrescentou:
- Além disso, estamos a falar em fornecerem a Capsule Corporation. E não vai ser como acontece com o príncipe e com os seus aliados. Os vossos produtos serão pagos.
- Com zenis ou, se preferirem, cápsulas hoi-poi que lhes serão úteis no vosso trabalho, ou mesmo nas tarefas domésticas – completou Trunks amigável. – O que preferirem.
- Está bem – concordou o homem. – Está bem. Prometem que nos irão proteger?
- Hai, ojiisan – respondeu Goten com o sorriso que herdara de Goku.
- Não sei se fazemos bem...
- Fazem, claro! Nós somos super sai...
Trunks deu uma cotovelada no amigo, rindo-se para disfarçar.
- Nós somos muito poderosos – completou Goten. – O que fizemos com o monte, faremos com qualquer um desses soldados que trabalham para o príncipe.
- E o próprio príncipe?
- Se for preciso.
Conseguiram leite, manteiga, farinha, ovos e maçãs. Em suma, tinham conseguido o pequeno-almoço para aquela manhã. Enquanto voavam de regresso à cidade, a carregar as caixas de madeira bem fornecidas, comentavam o sucesso daquela expedição e que a iriam repetir para conseguirem outros produtos, noutras colónias produtoras mantidas pelo inimigo. Para além de conseguirem os alimentos que precisavam, era também pelo gozo de os estarem a roubar debaixo dos próprios narizes. Goten preocupou-se, pois haviam prometido o que não tinham – dinheiro ou cápsulas – e Trunks descansou-o, dizendo que depois de Bulma-san saber daquilo iria ajudá-los, pagando ela mesma o que seria devido.
- Não exagerámos?
- Por que dizes isso, Goten-kun?
- Devíamos ocultar a nossa presença o máximo possível. A voar a grande velocidade, a destruir montes e a transformarmo-nos em super saiyajin não é a melhor maneira de o fazermos.
- Não temas. Eles já devem saber que aqui estamos...
- Então, por que é que não vêm atrás de nós?
- Devem estar a estudar-nos. Como nós os estamos a estudar a eles.
- Hum...
De repente, sentiram uma força gigantesca a avolumar-se no horizonte. Pararam o voo, fixando a atenção na lonjura de onde brotava aquela energia descomunal, brutal e totalmente maléfica. Era como se não estivesse ali antes e aparecesse agora na Terra, vinda de nenhures. Naquele momento, o destino do universo estava perante eles. Entreolharam-se. Sabiam o que cada um pensava.
- Tens a certeza, Trunks-kun?
- Absoluta! Se temos de o enfrentar, prefiro saber como é que ele é.
- Eu também.
- Vamos, Goten- kun?
- Vamos!
***
Entrou na oficina onde Bulma trabalhava. O edifício mantinha a mesma disposição de salas e quartos que ele conhecia, com algumas diferenças de somenos importância, como compartimentos vazios, portas fechadas e lugares sem iluminação. Afinal, estava num local assolado pela privação, escassez e por uma espécie de guerrilha entre tiranos poderosos e os pobres terrestres, que não tinham como se defender. A orgulhosa metrópole chamada West City era um pálido reflexo daquela que ele conhecia e a Capsule Corporation seguia na mesma esteira.
Foi recebido com um grito, quando ela se voltou. Ele fechou os olhos, enquanto o grito reverberava na sua cabeça. Nunca gostara muitos daqueles gritos dela e já se tinha desabituado, pois fazia séculos que ela não se assustava com a presença dele. Bem, na verdade, ela nunca se assustara muito com ele, o que o irritava e que fez com que ele se aproximasse – saber de que têmpera era feita aquela mulher para não se assustar com o terrível príncipe dos saiyajin. E foi assim, aos poucos, que se foram conhecendo, até...
Vegeta olhou para Bulma. Ela agarrava-se com ambas as mãos à mesa de trabalho onde se encostava. Cerrava os dentes, procurando acalmar-se e varrer o medo paralisante que sentia. Disse com voz trémula:
- Está tudo bem?... Estão bem... alojados?
Ela não largava a mesa, ele disse-lhe:
- Tu sabes que eu não sou esse príncipe. Por isso, para com o teatro.
- Teatro?! – escandalizou-se ela. – Teatro? Como é que te atreves, seu...
- Onde estão os outros saiyajin?
- Os outros? Falas de... Radditz e de Nappa?
Vegeta sorriu.
- Hai, esses. Onde estão?
- Não sei. De vez em quando vêm até à Terra. Estão cá por pouco tempo, depois vão-se embora. Só vêm quando o príncipe... - interrompeu-se a mirá-lo da cabeça aos pés. Desviou o olhar. – Quando o príncipe os chama.
- Então, já os viste.
- Já, por duas vezes. Conheci Radditz na ilha de Mutenroshi, naquele dia, como vos contei ontem. Nappa esteve aqui, em West City, na parte sul que está toda destruída. Foi esse selvagem que o fez. Estava com... com o príncipe. Vi-os numa segunda ocasião, quando tentei ir até à casa da Chichi. Visitavam uma das colónias agrícolas que têm sob o seu jugo, para os alimentar. Os saiyajin parecem uns monstros a comer!
- E como é que sabes que eles só vêm quando o príncipe os chama?
Ela apontou para uma máquina num dos cantos da oficina, onde piscava uma luz vermelha.
- Interceto as comunicações deles. Assim, fico a saber onde vão atacar, o que estão a preparar. Depois, envio mensagens urgentes para esses sítios para que sejam evacuados. Salvo o maior número de vidas que consigo. É o meu pequeno contributo...
- Nunca descobriram que o fazes?
- Não! – Os olhos dela brilharam. – Não, apago os vestígios da minha intromissão nos sistemas deles. Cada vez está a ser mais difícil, mas sou mais inteligente que aquele bando de extraterrestres fedorentos que trabalham para os saiyajin. Nunca me apanharão.
- Está a funcionar agora? – perguntou Vegeta olhando curioso para a máquina.
- Não. Só a posso ligar quando pretendo intercetar as comunicações. Se a mantenho sempre ligada, trago-os até mim. Tenho de digitar o código de invisibilidade quando a ligo e mais algumas manobras secretas, que apenas eu conheço... Depois, estou ligada por alguns minutos, desligo-a logo a seguir, antes apago o rasto. Tudo muito rápido e profissional.
- Liga-te agora, Bulma. Tenho a impressão de que vais intercetar comunicações muito interessantes.
Ela não replicou e ele estranhou o silêncio dela. Franziu o sobrolho.
- O que foi?
- Tu... Tu chamaste-me pelo nome.
Também ele ficou atrapalhado, mas disfarçou.
- Não é esse o teu nome?
- Hai. Mas nunca pensei que tu...
- Eu não sou ele.
- Pois não, pois não – concordou ela a abanar a cabeça como uma marioneta. – Mas tu também és o príncipe dos saiyajin...
- Sou.
- Diz-me uma coisa. O rapaz... Aquele dos olhos azuis... O mais velho.
- O que é que ele tem?
- Ele é... alguma coisa a ti?
- É meu filho.
- Ah, pois... Percebi isso. Têm os mesmos olhos, vocês os dois. Já to tinham dito? À parte da cor...
Vegeta voltou-lhe costas. Ela tentava ser simpática, sempre agarrada à mesa que não largara, mas o tempo dele naquela oficina terminava. Odiava conversas de circunstância e não sabia fingir interesse por assuntos triviais. Já tinha obtido a informação que viera buscar e já se podia ir embora. Estar ali com aquela mulher complicava-lhe com os nervos.
- É bonito, o teu filho – disse ela arrancando um sorriso.
Ele fez uma pequena pausa antes de se encaminhar para a porta, acrescentando com uma pitada de malícia, sem olhar para ela:
- Ele também é teu filho... Bulma.
***
Sentia-se isolado. Sabia que não o devia fazer, mas saiu de casa e postou-se no relvado mal cuidado da Capsule Corporation, assim se chamava o lugar onde estava hospedado, atirado sem pedir para um vórtice de emoções, aventuras, confrontos, perdas e sofrimentos que ele não sabia como aceitar, superar e absorver. Quando despertara, estava sozinho. Partilhara o quarto com Tori-Sama que levara muito tempo a adormecer, na noite anterior. O homem deitara-se, cabeça debaixo das mãos, a mirar o teto a pensar sabe-se lá em quê. Esperava que tivesse sido nalguma possível solução para aquilo onde ele e os outros estavam metidos. Ele, que deveria regressar à Dimensão Real. Os outros, que deveriam regressar à Dimensão Z.
E onde raios era aquilo onde estava agora?
Era de manhã cedo e fazia frio. Curiosamente, apesar de estar numa cidade, conseguiu escutar o piar dos pássaros a dar as boas-vindas ao novo dia e esse som deixou-o inundado de uma esperança deliciosa e infantil. Se desejasse com muita força, tudo acabaria por se resolver.
Afastou as pernas, dobrou os braços pelos cotovelos. Concentrou-se e procurou vazar a mente de todos os pensamentos. Fechar os olhos ajudava e ele fechou-os. Uma luz pequena formou-se no negrume que ele via. A luz aumentou, até que não havia mais preto e era só amarelo brilhante. Um calor muito grande formou-se nas entranhas e espalhou-se gradualmente por todo o seu corpo. Sentia-se incrivelmente bem, uno com o seu espírito, que vibrava como as cordas de uma harpa. Havia harmonia, desejo e força.
- O que fazes aqui?
Ele olhou para Vegeta. Respondeu:
- Estou... a treinar-me.
Vegeta soltou uma gargalhada.
- Ah, claro!
- Por que é que não te treinas comigo?
- Queres? Eu treino-me contigo, rapaz – concordou o príncipe trocista. – Ataca!
A vontade de lhe esborrachar o nariz suplantou qualquer ideia de racionalidade. Se ele parasse para refletir haveria de perceber que não o deveria atacar, além de que provavelmente ouviria a voz de Goku que tantas vezes lhe dissera que ele não estava preparado para aquele desafio. Mas apetecia-lhe tanto que saltou, de punho em riste. Com uma rapidez incomum, Vegeta parou-lhe o punho. Com o outro braço deu-lhe um soco nos queixos, de baixo para cima. Afundou-lhe o cotovelo no peito e rematou com um pontapé na cabeça que fê-lo girar como um parafuso, antes de abrir um rego pela relva afora.
Tiago sentia-se como se tivesse sido atropelado por um camião. Soergueu-se a tremer e a cuspir terra. Que força! E Vegeta nem sequer estava transformado em super saiyajin! Uma voz, a mais sensata, gritava-lhe que se mantivesse deitado; mas outra voz, certamente a do seu orgulho ferido, soprava-lhe que se levantasse e o enfrentasse. E ele levantou-se.
Vegeta sorriu-lhe.
- Queres continuar? Muito bem...
Sem saber bem como, tinha-o colado a si, como se Vegeta se tivesse volatilizado do sítio onde estava e se tivesse materializado a uma curta distância, a suficiente para o alcançar com uma série de murros que o deixaram zonzo. Tiago sentiu o estômago embrulhar-se com um pontapé que recebeu de lado, nas costelas. Ficou sem ar, quando, num espasmo, o sangue lhe brotou da boca escancarada. Caiu de joelhos, agarrado à barriga dormente.
- Vamos... Então, não te defendes, rapaz?
- Tu és... demasiado rápido...
- Rápido? Mas se eu não estou a lutar no máximo das minhas capacidades.
- Mas tu és...
- O quê? Um saiyajin? Que eu saiba...
Levantou-o pelos colarinhos da camisa – da mesma camisa esfarrapada, lassa e imunda que ainda usava – e berrou-lhe furioso:
- Tu também tens sangue saiyajin! Por isso, defende-te!
Vegeta bateu-lhe com as costas da mão. Tiago reprimiu a vontade de se agarrar à cara que estalava e ardia, enquanto um líquido viscoso e quente lhe saía das narinas para os lábios. Recuou ligeiramente, levantando os braços que lhe pesavam toneladas, tão perros como rodas dentadas ferrugentas. Mas fixou animado o adversário naquela posição de defesa. Vegeta sorria com cinismo. Lançou novo soco, mas Tiago inclinou a cabeça e viu, pelo canto do olho esquerdo, o punho de Vegeta rasá-lo. O golpe fora tão rente que o calor aqueceu-lhe a pele.
Inesperadamente, Vegeta admirou-se por ele ter esquivado o soco.
Tiago aproveitou o desnorte para lançar um ataque, um outro soco que Vegeta desviou com facilidade, elevando o braço esquerdo. O príncipe tentou um segundo golpe, mas Tiago baixou a cabeça e o soco raspou-lhe os cabelos. Aproveitou o balanço e atirou-se para cima do saiyajin, derrubando-o e caindo para cima dele. Vegeta sacudiu-o com tanta força que, de repente, Tiago viu-se a metros do chão, a subir no vazio. Começou a agitar os braços e as pernas, a gritar. Voltou a cabeça e viu Vegeta por cima dele.
- Não sabes voar, não é?
- Não! – gritou assustado.
- Eu ajudo-te a descer. Sentes-te mais confortável lá em baixo, não é?
Tiago abriu a boca, mas um segundo grito ficou-lhe atravessado na garganta. Vegeta uniu as mãos e com um golpe impregnado de uma força brutal acertou-lhe em cheio nas costas. Tiago abriu um buraco no relvado esturricado da Capsule Corporation. Perdeu os sentidos por alguns instantes e quando despertou, tossindo um pouco mais de terra e de sangue, espantou-se por não ter nenhum osso partido – apenas a roupa esfarrapada, alguns arranhões, nódoas negras e a sensação de estar todo estraçalhado por dentro, mas capaz de se levantar. E, por isso, levantou-se. As pernas não lhe obedeceram e caiu sentado, com um gemido. Estava ofegante.
Aquele corpo de desenho animado era engraçado. Leve e maleável, parecia, de algum modo, indestrutível. Ao espreitar Vegeta que aterrava próximo, de braços ao longo do corpo, numa posição tão descontraída quanto irritante, com o sorriso cínico costumeiro, recordou que o príncipe dos saiyajin apenas brincava com ele numa sessão de treinos que deveria ser igual a um passeio no parque, no seu esquema das coisas. Se Vegeta estivesse transformado em super saiyajin, desfazia-lhe o corpo indestrutível num piscar de olhos.
Tiago tentou levantar-se, arrastando-se penosamente pelo relvado mal cuidado.
- Não te incomodes. Eu já estou satisfeito.
- Eu não...
- Não vais querer testar os limites da minha paciência, rapaz.
- Os treinos continuam.
- Treinos? Pensava que te estava a dar uma lição.
- Uma lição?
- Hai. Para te manter no teu lugar, inseto!
- Nani?!
Um calor esquisito aqueceu-lhe a alma. Tiago levantou-se com um salto e atacou Vegeta no mesmo impulso. O soco saiu ao lado, mas o pontapé alto raspou a cabeleira espetada e negra do saiyajin.
- Tu também te irritas, rapaz? Excelente!
Vegeta derrubou-o com um murro na testa. Tiago arquejou.
Perdeu os sentidos. Quando despertou, segundos depois, sentia uma enorme pressão no peito, como uma ânsia mal definida. Apoiou um pé no chão, tentou erguer-se, mas estava tão fraco que não conseguiu fazer com que o corpo lhe obedecesse. Vegeta estava parado, tenso e concentrado em algo que percebia nalgum ponto no planeta. Tiago sentou-se, a tentar recuperar o fôlego, limpando, com as costas da mão, o sangue que lhe escorria do nariz. Ele também sentia algo, algures no horizonte, num lugar tão longínquo que lhe parecia as traseiras de um pesadelo. A ânsia roía-o...
Olhou para Vegeta. Afinal, o príncipe dos saiyajin concedera-lhe uns minutos do seu tempo e apesar de não ter passado de uma sessão de pancada, fora algo como um treino. Tiago fez um esgar de satisfação.
Goku apareceu. Vinha demasiado sério e também tenso.
- Vegeta... Ele chegou à Terra.
Vegeta assentiu com a cabeça.
- Também o senti.
A seguir, lançou a cabeça para trás.
- Então, Kakaroto, a história vai repetir-se?
- Há algo mais do que isso.
Ao reparar em Tiago, perguntou espantado:
- E o que aconteceu aqui?
- Estivemos a treinar – respondeu Vegeta indiferente.
- A... a treinar?
Tiago, curiosamente, converteu o seu esgar num meio sorriso e os seus olhos deviam ter cintilado, pois Goku começou a rir-se.
Dois pontos brancos cresceram no céu azul e Trunks e Goten chegaram, aterrando no relvado uns metros mais adiante. Goku apontou para o que eles carregavam.
- Onde foram vocês? Não sabia que tinham saído... O que é isso que trazem aí?
- É o pequeno-almoço, 'tousan.
- Pequeno-almoço? Excelente! – exclamou Goku esfregando a barriga.
- Trunks! Saíste da Capsule Corporation sem a minha autorização? E o que foi que andaste a fazer com esse teu amigo desmiolado? – censurou Vegeta cruzando os braços. – Turismo? E achas que é tempo de andar a dar voltinhas por aí?
Apesar de ser um homem feito, Trunks acusou a reprimenda e baixou os olhos, corando como um rapazinho. Tiago ficou espantado com aquela reação.
- 'Tousan – começou ele –, não andamos a fazer turismo. Já que Bulma-san tem tantos problemas em arranjar comida, como nos disse ontem, e como vamos ficar alojados aqui durante algum tempo, fomos ver o que conseguíamos fazer para ajudá-la.
- E arranjámos... o pequeno-almoço, para começar – completou Goten.
Trunks explicou, de seguida, o acordo que tinham feito com a colónia de agricultores. Goku achou a ideia excelente e felicitou os dois rapazes pela lembrança, mas Vegeta rematou, dizendo:
- Humpf! Nós não vamos ficar assim tanto tempo nesta maldita dimensão.
- O que foi que lhe aconteceu? – perguntou Goten a olhar para Tiago.
- Esteve a treinar com Vegeta – explicou Goku. – Eh! Rapazes... A situação mudou ligeiramente. Não sei se sentiram...
- Sentimos e estivemos no local onde a nave aterrou – contou Trunks.
- Nani?! – exclamou Vegeta.
- Não iríamos perder o espetáculo, 'tousan.
- Vocês pensam que isto é alguma brincadeira?
- Não. Existe algum problema?
- Trunks – disse Goku –, tu viste-o? E tu também, Goten?
- Hai! – afirmaram os dois rapazes em simultâneo.
- Como é que ele era?
- Vinha num veículo que parecia metade de um ovo – respondeu Goten retirando um ovo da caixa que carregava com as vitualhas para exemplificar melhor o que dizia. – O veículo parece mover-se de acordo com a vontade dele, pois tinha os braços de fora e não parecia estar a acionar nenhum comando. Do veículo, saía uma cauda grossa, às riscas, assim como a de um lagarto. A cara é quadrada, com umas orelhas também quadradas, a sobressair de lado. E tem chifres pequenos na cabeça.
Tiago arrepiou-se ao ouvir aquela descrição. Quem seria aquele, que tanto Goku, como Vegeta, conheciam?
- Ele está na sua primeira forma – disse Vegeta pensativo, focando a sua atenção nessa aura que se percebia ao longe. Tiago também conseguia sentir o mesmo.
- Estranho!... – disse Goku. – Quando a força que ele emite indica outra coisa diferente...
- Vinha escoltado por dois guerreiros muito feios, como extraterrestres – acrescentou Trunks. – Um azul esverdeado, alto e outro cor-de-rosa, corpulento.
- Zarbon e Dodoria.
- Quem são esses, Vegeta? – perguntou Goku.
- Não querem ir para dentro? – perguntou Trunks. – Pedimos a Bulma-san que nos prepare o pequeno-almoço, enquanto vamos discutindo qual o próximo passo que devemos dar.
O estômago de Goku roncou ruidosamente.
- HaiSim, acho boa ideia. Estou morto de fome!
Vegeta começou a andar na direção do edifício, seguido por Trunks e por Goku.
- Eh, queres ajuda?
Tiago olhou para Goten que lhe falara. Abanou a cabeça, levantando-se a muito custo.
- Não. Arigato...
Nem sabia por que estranha razão empregava agora pequenas palavras japonesas nas suas respostas, mas também não iria moer a cabeça para tentar descobrir. Tudo aquilo era demasiado estranho para ter uma explicação plausível. Olhou para Trunks que se afastava, na peugada do pai. Não fora ele que lhe propusera ajuda, fora Goten. Seguiu atrás do filho de Goku a tentar engolir a desilusão, que lhe doía mais que as feridas que Vegeta lhe infligira no treino.
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