XXIX - Os salvadores da Terra
A reunião aconteceu no salão principal da Capsule Corporation. Krilin e Bulma sentavam-se mais afastados, enquanto Goku, Vegeta, Trunks e Goten sentavam-se em redor da mesa onde a cientista deixara chá e algumas bolachas – em que ninguém tinha ainda tocado. Tiago encostava-se à parede junto da grande janela fechada com a persiana, totalmente restabelecido. Não sabiam do paradeiro de Tori-Sama e a conversa começou sem ele.
Naquela dimensão não havia feijões senzu, tinham sido todos destruídos e apenas restaram dois, conforme contou Goku. Um deles serviu para curar Piccolo, o último serviria para plantar um novo feijoeiro. De Piccolo, nem sinal. Tinha fugido, tendo deixado Goku sozinho a enfrentar o príncipe dos saiyajin. Por seu turno, Vegeta contara que encontrara Kakaroto na cidade. Procurava por eles, certamente, e encontrara Tiago que, estupidamente, se tinha enfrentado a ele, quase perdendo a vida nesse encontro. Vegeta desafiara-o e matara-o. De algum modo inédito e estranho, a vida dos seus duplos estava ligada à deles.
- Ainda bem que não matei o Vegeta daqui quando o enfrentei – disse Goku, olhando para Vegeta. – Podia ter feito uma grande asneira.
- Curámos-te a tempo, Kakaroto – replicou Vegeta cínico. – Acredito que o mesmo se passaria comigo.
- Quantos feijões senzu têm convosco? – perguntou Goku.
- Tínhamos cinco. Como já utilizámos dois, restam três – respondeu Goten.
- Três... Hum...
- Um servirá para me curar quando matarem o príncipe – disse Vegeta. – Restam dois, que serão mais do que suficientes para qualquer eventualidade que surja durante os combates contra Freeza e contra os seus patéticos soldados.
- O que quer dizer... - disse Trunks.
- O que quer dizer que – e Vegeta encarou Goku –, como Freeza continua a ser meu, para que o enfrente na minha capacidade total alguém precisa de matar o Vegeta desta dimensão o mais brevemente possível.
Goku carregou o sobrolho.
- Não o irei fazer, por razões óbvias – concluiu Vegeta encostando-se para trás na sua almofada gigante, colocando as mãos atrás da cabeça. – E acredito que Trunks também não o fará. Por isso, restas tu, Kakaroto.
- Eu não...
- Ah, foi tão fácil matar-te – retorquiu Vegeta sorrindo. Mas apagou o sorriso e disse ríspido, apontando para Goku. – Não sejas idiota! Coloca os teus sentimentos fora disto. Tu é que o deverás fazer. Acabaste de regenerar a tua energia com um feijão senzu. De nós todos, és aquele que está mais em forma, totalmente recuperado, o poder no máximo.
- Não o conseguirei fazer, Vegeta. Ele é... o teu duplo.
- Mas não sou eu!
- Eu fá-lo-ei!
Olharam todos para Goten.
- Eu fá-lo-ei – repetiu o rapaz convicto. – Vou matar o príncipe dos saiyajin desta dimensão.
- Goten-kun... Não tens de o fazer... - murmurou Trunks.
- Alguém tem de o fazer. Se o meu pai não o faz, fá-lo-ei. Depois dele, sou a escolha mais lógica. Certo, Vegeta-san?
- Ora aqui temos alguém que demonstra a intrepidez dos saiyajin – comentou Vegeta sorrindo novamente. – Muito bem, miúdo. Vai ser um desafio interessante e vai mostrar a tua verdadeira natureza. Deverás matá-lo sem remorsos. E, já agora, depressa. Não quero sofrer demasiado. Matei Kakaroto depressa... Não foi? Kakaroto?
- Às vezes, acho que te esqueces das coisas importantes com demasiada facilidade, Vegeta – disse Goku aborrecido.
- Muito pelo contrário.
No seu cantinho, Krilin sussurrou para Bulma:
- Isto é pura conversa de saiyajin.
- Eles são saiyajin, Krilin!
- Interessante. Então, aquele é o filho mais novo de Goku?
- Goten? Hai.
- E aquele rapaz bonitinho, de olhos azuis, é filho de Vegeta?
- Parece que sim.
- E quem será a mãe? Deve ser alguém muito especial para aturar aquele feitio. Pode parecer mais limado mas, por dentro, é igual ao príncipe que nós conhecemos. Que orgulhoso e irritante!
Como ela não respondeu, Krilin olhou para ela.
- Bulma?
Ela corava como uma adolescente, não conseguindo responder àquela pergunta. Sim, era mesmo uma mulher muito especial.
Apesar de Vegeta querer despachar aquele assunto, conseguiram convencê-lo a esperar pelo dia seguinte. O príncipe seria presa fácil. Tal como o Goku daquela dimensão, não atingia o nível de super saiyajin e, depois de ter visto a glória desse poder magnífico, deveria estar a digerir a afronta, cozinhando uma irritação surda que o faria ainda mais raivoso. De nada lhe serviria, porém. As suas horas estavam contadas, o que não impedia Goku de se sentir amargurado. Seria um desperdício matá-lo, mas ele desejava repor a ordem naquele mundo e, acima de tudo, regressar a casa com o universo novamente organizado e apaziguado.
Falaram, de seguida, de Tori-Sama e em como o Kamisama queria que ele fosse para o Palácio Celestial para guiá-lo no que deveria fazer. Vegeta revirou os olhos, mostrando como achava a presença de Tori-Sama uma perfeita inutilidade. Achava que bastava destruir Freeza para que tudo se recompusesse.
- E onde é que ele está, sabes? – perguntou Goku.
Tiago, o interpelado, largou o triângulo dourado que acariciava pensativo. Abanou a cabeça.
- Não. E porque haveria eu de saber onde é que ele está?
- Não sei... Como são os dois da Dimensão Real...
Tiago remeteu-se ao silêncio, indicando que não desejava ser mais incomodado. Goku bateu com as mãos nos joelhos.
- Muito bem! Então, está decidido. Amanhã, será um novo dia e com novos desenvolvimentos. Vamos descansar.
Bulma levantou-se e perguntou a Krilin:
- Ficas aqui, na minha casa?
- Se não te importares. É perigoso viajar de noite.
- Já tenho visitas, como podes comprovar – disse ela, apontando para os demais. – Mais um, não incomoda nada.
- Krilin-kun!
Krilin olhou para Goku sem alegria.
- Krilin-kun, gosto de te ver aqui. Bulma tinha-nos dito que não sabia nada de ti há anos – disse Goku, pousando uma mão no ombro do amigo.
- Vim ver o que se passava. Senti as vossas auras.
- Vamos tentar resolver os problemas do teu mundo. É por isso que aqui estamos.
- Espero que realmente consigam restabelecer a paz na Terra.
- Acredita. Vamos consegui-lo.
- É estranho estar a olhar para ti, sabendo que... que o Goku que eu conheci já morreu e que tu é que deverias ser o Goku certo, o nosso amigo do passado.
Goku ficou sério.
- Não pretendia esse desfecho...
- Se calhar, Vegeta tem razão e é o único desfecho possível. Há que haver sacrifícios para que se consiga construir um novo futuro.
- Hai.
Então, Krilin conseguiu sorrir.
- Gosto de te rever... velho amigo.
- Eu também, Krilin-kun. Eu também.
***
Tinha anoitecido.
Trunks estava de pé, sozinho, no relvado exterior da Capsule Corporation. Seria um perigo estar ali, com um Vegeta algures procurando vingança e desejando um confronto com eles, mas estava zangado com o mundo e desejava um desafio para sacudir de si o rancor que sentia. Aquela aventura estava a ser uma desilusão, emaranhada como um monte de limos secos que tinham vindo morrer na areia da praia. Ainda não tinha entrado em ação e era provável que nunca o fizesse. Goten iria partir na madrugada seguinte em perseguição do príncipe dos saiyajin para o eliminar. Usava ao pescoço a sua metade do medalhão de Mu e não sabia por que razão o medalhão causara aquele distúrbio no universo e ninguém estava preocupado em perceber porquê, como se fosse um detalhe insignificante. A segunda metade estava também ao seu alcance, mas, ao contrário da promessa que fizera, tanto tempo atrás, não estava novamente com ela...
Começou a treinar-se. Lançou golpes que cortaram o ar, pontapés e socos com uma potência esmagadora, tão rápidos quanto o vento. Treinou até sentir a roupa colar-se ao corpo e o suor empapar-lhe a fronte, as axilas, as costas. Os músculos doeram-lhe com o esforço súbito. Estava destreinado. E Goten também o estaria, pois passara o último ano numa lua-de-mel infinita com a sua querida jovem esposa, Maron. E Goten conseguiria eliminar o príncipe dos saiyajin, à primeira, sem o fazer sofrer?
Não suportaria perder o seu melhor amigo uma segunda vez.
Não suportava pensar em Goten a matar o seu pai, ainda que fosse apenas uma cópia maléfica do seu progenitor.
Não suportava pensar naquele rapaz da Dimensão Real, que lhe exigia com a sua presença aquilo que ele não sabia como dar.
Multiplicou-se em novos golpes, até sentir um esgotamento tremendo que o atirou ao chão. Estendeu-se no relvado e contemplou as estrelas, recordando momentos felizes que partilhara com Goten, na infância, na adolescência. Nos primeiros dias de aulas na universidade. Crescer estava a doer-lhe e ele não sabia como contornar essa dor.
Levantou-se e despejou nova série de golpes.
Alguém saiu da Capsule Corporation, penetrando na quietude da noite. A metrópole que ele conhecia era barulhenta e viva, quer de dia, quer de noite. Aquela não. Assim que o sol morria no horizonte, apagava-se toda a vida. As pessoas, a viver com o medo como companheiro constante, tinham aprendido a defender-se, escondendo-se daquilo que as amedrontava, protegendo-se de um poder superior como sabiam ou podiam. Mesmo os guerreiros que restavam naquela Terra experimentavam esse medo. Ele só queria desfazer o terror, suspirar feliz no final de mais um trabalho completo e regressar a casa – à sua vida pacata, monótona, mas a sua vida.
E tinha mais aquela complicação às suas costas.
- 'Tousan...
Trunks exclamou:
- Não me chames isso!
- Mas tu és o meu pai – protestou Tiago.
- Pois...
Encarou o rapaz, de maxilares apertados, tão tenso e irritado que se lhe tocassem com um dedo era capaz de se transformar em super saiyajin. Soprou o ar pela boca fechada, esvaziando os pulmões, a alma, todo ele a escapar-se nesse sopro. Desabafou:
- A realidade a dar-nos um soco na cara.
- Se preferires, posso ser eu a dar-te o soco na cara e não a realidade.
Trunks riu-se e ouviu o seu pai a rir-se. Nunca pensou ter tanto do Vegeta estúpido em si. Afastou-se, com um aceno de mão pretensioso, dizendo com um cinismo que até a ele próprio soou estranho:
- Desaparece!
- Ei! Eu não pedi para nascer!
Estacou. O rapaz continuou, com o orgulho ferido a transpirar por todos os poros, a impregnar também as palavras com isso, como que a molhá-las em tinta preta:
- A minha mãe, acredito, também não queria que eu nascesse... Fá-la lembrar-se de ti e de tudo o que ela viveu, quando te conheceu. Por isso, nunca me contou sobre Goku, sobre ti, sobre todos vocês. Que pena, eu sou um acidente... mas, que raio! Eu existo e agora não podes simplesmente fingir que não estou aqui.
Trunks voltou-se. Tiago suava, corado, triste, mas determinado. O rapaz elevou um punho.
- Houve um tempo em que só queria conhecer-te. Queria ser como tu... Perceber o que sentia dentro de mim, se era alguma coisa de especial... Se o devia sentir. Uma ânsia, partir para longe, explorar montanhas, o próprio céu. Quando conheci Goku-san, quando descobri que era um saiyajin, tudo começou a fazer sentido. Depois, conheci Vegeta... E depois conheci-te a ti... E vocês, que são a minha família, fizeram-me sentir como lixo! Fizeram-me esquecer os meus sonhos, fizeram-me ter vergonha do que verdadeiramente sou.
Quando ele estivera na Dimensão Real, quisera ser desprezível. Trunks recordou-se da sensação de desamparo, de solidão desses dias e sentiu vergonha porque estava a desprezar quem não devia e a projetar naquele rapaz todos esses sentimentos negros. E qual a razão? Porque ele vinha da Dimensão real? Porque ele existia por causa de uma tarde louca na Dimensão Real?
Tiago baixou o punho, meneou a cabeça tão desiludido que Trunks condoeu-se.
- Não te incomodo mais, Trunks.
- Espera...
- Acho que a minha mãe ainda te ama. Nem ela sabe como é um erro amar-te assim. Se ela visse o que eu vejo. Se ela soubesse como... o homem que ela ama trata o filho dela.
Tiago enfiou as mãos nos bolsos e encaminhou-se para a Capsule Corporation.
- Não digas isso. Eu ainda amo a tua mãe. A Ana...
Tiago deteve-se.
- A Ana foi muito especial para mim. Mas estamos longe e afastados um do outro, para sempre. Não me posso permitir pensar nela, ou enlouqueço. Tenho de a esquecer...
Trunks passou uma mão pelos cabelos. Com a voz embargada, prosseguiu:
- Tenho de refazer a minha vida. A Ana refez a dela, não? E agora, apareces tu... Fico... contente por saber que existes, mas... Passaram-se quinze anos para vocês, na Dimensão Real. Para mim, passaram dois, pensei que se tivessem passado sessenta anos na vossa dimensão. Era assim que o tempo contava. Por cada dia na Dimensão Z, um mês na Dimensão Real. Conformei-me, a Ana já devia ter morrido. Mas então, o universo entrou em colapso e abriu-se uma brecha. A porta dos mundos novamente aberta. Quis ir vê-la, mesmo morta, ou velhinha e doente, mas Goten disse-me que não o devia fazer. Então, a minha parte do medalhão desapareceu... As coisas complicaram-se. Viemos atrás do meu pai e de Goku-san. E foi assim...
- Tu curaste-me.
- Ahn?
- No hospital. Foste ter comigo...
- Pois curei. Com um feijão senzu... É um remédio especial que cura as feridas dos guerreiros.
- Arigato. – Tiago sorriu tenuemente.
Trunks sorriu também. Acrescentou arrependido:
- Gomen né, Tiago-kun.
- Tudo bem... Sem ressentimentos.
- Quero pedir-te um favor... Não exijas demasiado de mim. Não sei o que fazer contigo.
- O quê? Ser um pai, é isso?
- Hai... - concordou atrapalhado, olhando para o lado.
- Só quero que me ensines, Trunks.
- Ensinar-te?
- A lutar.
- Queres treinar-te comigo?
- Se não te importares. Também queria aprender a...
- A quê?
- A voar – murmurou Tiago envergonhado.
Inesperadamente, Trunks desatou a rir. Tiago ofendeu-se:
- O que é? Na Dimensão Real não é normal as pessoas andarem a voar para todo o lado.
- Eu sei! Já estive na Dimensão Real!... Nem na minha dimensão, para tua informação. Não é uma coisa muito difícil de se fazer, desde que tenhas energia suficiente dentro de ti. E tu tens essa energia.
E assentou a mão aberta no peito de Tiago. Este olhou para baixo, mas não foi a tempo de evitar o empurrão que o projetou para trás. Não caiu, contudo. Colocou-se na defensiva, afastando as pernas, levantando os braços, desconfiado do que viria a seguir. Trunks disse-lhe:
- Descontrai-te! Não te vou magoar. Vamos treinar.
- A última vez que me treinei, não foram meigos comigo.
- E treinaste com quem?
- Com Vegeta.
- Ah, o meu pai é especial.
Trunks atacou. Os socos foram denunciados e os pontapés forçadamente lentos. Mas Tiago defendeu-os com tanta precisão, que conseguiu espantar-se a si próprio com essa capacidade. Olhou para as mãos atarantado. Trunks pediu:
- Ataca tu agora. Com vontade, hem?
E Tiago atacou. Os seus golpes foram tão rápidos e certeiros, que Trunks teve alguma dificuldade em se defender. No final, atrapalhou-se, cruzou os braços, colocou mal as pernas, tropeçou e Tiago atingiu-o com um uppercut. Trunks caiu gemendo. Agarrou-se ao queixo a sorrir.
- Boa!
- Eu não sabia que...
Tiago remirava as mãos como se olhasse para um corpo estranho. Trunks levantou-se, sacudindo a poeira das calças.
- Aumentaste as tuas capacidades. Isso acontece quando os saiyajin estão às portas da morte e recuperam rapidamente. Aconteceu-te a ti, quando te feriste na luta contra o Goku desta dimensão e quando te curei com o feijão senzu.
- Isso acontece?
- Comprova-o. Vá, ataca outra vez. Com mais vontade ainda!
A luta foi renhida, dois adversários a se baterem de igual para igual. Tiago entusiasmava-se com o poder que sentia na ponta dos punhos, nos músculos dos braços e das pernas, nas patadas que desferia. Trunks entusiasmava-se com a réplica do oponente, puxava por ele, obrigava-o a inventar novos movimentos, novas técnicas. Quando se esmurraram na face, em simultâneo, separaram-se com um grito rouco, também em simultâneo.
Tiago limpou a boca com o braço. Sorria, orgulhoso do seu feito. Tinha lutado bem. Olhou para cima e viu a mão de Trunks estendida. Ele aceitou a ajuda, agarrou-a e levantou-se.
Engalfinharam-se em mais uma sessão de treino. Num determinado momento, Trunks saltou. Desde cima, uniu as duas mãos, dedos abertos e bem espetados. Tiago concentrou a energia no corpo, a formar uma proteção invisível. Recebeu o disparo de fogo amarelo faiscante, protegendo a cara com os braços cruzados sobre esta. Não fora muito forte e ele resguardou-se razoavelmente bem. Baixou os braços doridos sorrindo abertamente, enquanto Trunks alcançava o solo descendo com lentidão. Mostrou-lhe o polegar, piscando-lhe o olho.
- Continuamos?
- Não, Tiago. Acho que nos excedemos um pouco e sinto o ki do nosso inimigo a agitar-se. Amanhã... pode ser?
Tiago escondeu as mãos nos bolsos das calças, girou sobre os calcanhares.
- Amanhã, parece-me que vai ser um dia complicado. E longo.
- Mas terá fim. Amanhã, à mesma hora. Quando todos estiverem a dormir.
- Está bem... - concordou Tiago contrariado.
Trunks assentou-lhe uma mão nas costas e caminharam, lado a lado, até à Capsule Corporation.
- Arigato... Trunks.
- De nada.
O filho de Vegeta hesitou um pouco, baixou os olhos, humedecendo os lábios, inspirando uma enorme porção de ar.
- Escuta, Tiago... A tua mãe... A tua mãe contou-te de onde veio o teu nome?
- Não.
- Era assim que eu me chamava, na Dimensão Real. Tiago.
E completou, em pensamentos, sorrindo com a recordação tola:
- Tiago, o desprezível! Mas a Ana não me desprezou.
- Não, não sabia. Então, eu tenho o nome do meu pai?
- Hai.
- Que engraçado.
Quando entraram no edifício, viram uma sombra esgueirar-se furtiva, colando-se às paredes para passar despercebida. Trunks colocou-se em alerta, empurrando ligeiramente Tiago para trás, para o proteger, mas Tiago escapou-se da proteção dele, ligeiramente ofendido. Então, se se tinha portado tão bem nos treinos, não o poderia replicar numa situação a sério? Depois compreendeu que devia ser uma espécie de instinto paternal e sentiu-se como uma criança, envolvido num quente abraço paterno. Sorriu, cheio de contentamento.
A sombra aproximava-se deles e quando os viu, deteve-se por alguns segundos. Avaliou-os e reconheceu-os.
- Trunks, és tu? E o outro é o rapaz que se chama Tiago, certo?
- Tori-Sama – disse Tiago. – Por onde tens andado?
O homem parou diante deles e respondeu, acabrunhado, coçando a linha de cabelo da testa:
- Por aí.
- Goku-san precisa de falar contigo – disse Trunks. – Vamos entrar.
- O que me quer ele?
- Ele depois conta-te.
Tori-Sama passou por Tiago, mirou-o de cima a baixo e disse:
- O que foi que aconteceu contigo? Estás diferente...
- Nani? Tu agora também sabes ler o ki?
Trunks fechou o portão devagar atrás deles, trancando-o com minúcia. Tori-Sama sorria para Tiago.
- Nem imaginas o que descobri, enquanto andava... por aí!
Piscou-lhe o olho e sumiu-se na penumbra do corredor que conduzia ao interior da Capsule Corporation. A Dimensão Z, ou o que fosse aquela dimensão, estava a mudar toda a gente. Tiago cruzou os braços, a imaginar que outros desafios, mudanças e surpresas ainda lhes estariam reservados.
***
Goku não conseguia dormir. Fixava o teto sem saber como conciliar o sono quando tinha a cabeça cheia de um único pensamento: a morte do príncipe Vegeta daquela dimensão. Não desejava matá-lo, mas também não desejava essa responsabilidade para o seu filho Goten. E deveria ser por isso que Goten também não conseguia dormir.
- Goten...
- 'Tousan?
- Deves descansar. Amanhã, vais precisar de todas as tuas forças.
- O Vegeta desta dimensão é tão forte quanto o Vegeta que conhecemos?
- Não! – E forçou o riso para tranquilizar o filho. Adotou um tom mais sério e continuou: – Não. Mas tu não te tens treinado e não quero que ele te surpreenda.
- Do que é que ele é capaz de fazer?
- Tudo o que Vegeta sabia quando chegou à Terra, há muitos anos, mais alguns truques que ele aprendeu enquanto anda por cá. Deves começar a luta transformando-se logo em super saiyajin. Ele não atinge esse nível de poder. Irás surpreendê-lo, ele descuidará a defesa e, a seguir, deverás atingi-lo com um golpe certeiro.
- Está bem.
- A raiva é a sua melhor arma. Os seus ataques desesperados... Não o deverás deixar chegar a esse ponto. Sê rápido e... eficiente.
- Serei, 'tousan.
Goku fechou as pálpebras, soltando um longo suspiro.
- Preciso de Ubo...
- Porquê?
- Quando atacarmos Freeza, compreenderás.
- Mas Freeza está reservado para o nosso Vegeta.
- Pois está... Mas Freeza não veio sozinho. Tu também sentiste a aura do outro ser...
- Eu e Trunks tentámos ir ver o que é que se passava, mas tivemos de voltar para trás, por causa de ti.
- Tu e Trunks... Nani? – Goku sentou-se no colchão. – Escuta-me, Goten. Nunca mais deverão sair sem nós sabermos. Deveremos conciliar as nossas forças, unir-nos e combater juntos o inimigo.
Goten também se sentou.
- Ora, eu e Trunks somos mais fortes que qualquer um desses inimigos. Começo a concordar com Vegeta: estás a fazer as coisas parecerem piores do que realmente são, 'tousan!
- Tu não estás em forma! Depois de casares com Maron descuidaste os teus treinos. Um passo mal calculado e poderás ficar ferido.
- Vou conseguir dar bem conta do recado... Eu e Trunks! Apesar de destreinados.
Deitou-se e voltou-se para a parede, ofendido, fechando os olhos.
Goku levantou-se. Estava sem sono, de qualquer maneira. Ao abrir a porta deparou com Tori-Sama a olhar para ele e assustou-se.
- Yo... Estavas aqui há quanto tempo?
- Cheguei agora mesmo. Trunks disse-me que querias falar comigo.
- Trunks? – Goku olhou para o fundo sombrio do corredor. – Ele tem estado lá fora, a treinar... - Concentrou-se ligeiramente e acrescentou: – Com o Tiago?
- Hum-hum... Pai e filho. Começam a conhecer-se. Ou pelo menos, a querer fazê-lo.
- Estás com sono?
- Não.
- Ótimo! Assim, não iremos perder mais tempo. Agarra-te a mim. Irei levar-te ao Palácio Celestial. O Kamisama quer ver-te.
- O antigo Kamisama?
- Hai. Neste mundo, nunca ninguém foi a Namek e não chegaram a conhecer Dende. Essa aventura não aconteceu e Freeza acabou por vir à Terra, mais cedo.
- O que quer dizer que Piccolo ainda está vivo... Bem me parecia.
Goku estranhou aquela declaração de Tori-Sama, mas não quis insistir. Não queria perder mais tempo. Uniu os habituais dois dedos à testa, Tori-Sama agarrou-se à sua túnica e utilizando a Shunkan Idou deixaram a Capsule Corporation, que estava demasiado agitada naquela noite.
***
Vegeta entrou no quarto de Bulma com passadas firmes, para não hesitar perante a atitude dela por vê-lo aparecer, que seria, no mínimo, de espanto. A porta deslizou mais devagar do que ele pretendia e fechou-se com um estalido seco. Ele respirou fundo, de olhos baixos, a tentar focar a visão na penumbra. Percebeu o vulto dela, sentada no parapeito da janela grande que tinha as persianas metálicas corridas até meio da vidraça. Uma ousadia, pois ela tinha-lhes contado que não abria nenhuma persiana da casa, com medo que descobrissem onde dormia e a atacassem durante o sono.
Ela estava preparada para dormir. Vestia uma camisa de noite curta, que lhe dava muito acima dos joelhos. Exibia as pernas compridas e leitosas, ligeiramente dobradas. Ele sentiu uma pontada no peito. Aquela mulher perturbava-o para além da razão. Mesmo aquela, que lhe era uma completa estranha. Depois, reparou que ela olhava para ele, com os seus enormes olhos azuis aquosos. As lágrimas deslizavam pelo rosto num silêncio tão sofrido que ele sentiu o sangue fugir-lhe dos braços, ficar dormente e assustado, como quando percebia no seu adversário um poder descomunal.
- Eu não devia...
Ela limpou o rosto, vendo-o voltar-se para a porta e aí ficar parado, como um androide desativado.
- Não gostas de lágrimas...
- Não.
- Claro que não. Tu nunca deves ter chorado na vida... saiyajin.
Ele sorriu, apertando os dentes, baixando a cabeça. Ela estava muito enganada. Há muito tempo, no planeta Namek, ele fora tão humilhado que chorara lágrimas de raiva. Há muito tempo, implorara a Kakaroto que vingasse o povo deles, chorando. Ela estava mesmo muito enganada. A reação dele alcançou-a.
- Ah... Disse o que não devia? Um saiyajin também chora?
Ele forçou-se a falar, as palavras arranharam-lhe a garganta:
- Não faço nada aqui. Foi um erro...
Ela levantou-se com um pulo, esticou um braço.
- Espera! – disse. – Não te vás... Por favor, fica. Querias ficar, não era? Por isso, vieste?... Eu... Eu quero que fiques.
Ele voltou-se, encarou-a. Ela continuava a receá-lo.
- Queres que fique? – perguntou para que não restassem dúvidas, porque ele estava cheio delas e sabia que ela, malgrado a bravata, também as tinha.
- Quero. Começo... Começo a confiar em ti.
- É pouco.
- Queres mais?
- Quero tudo.
- Tudo?
Ele abraçou-a pela cintura, puxou-a para si.
- Sempre falaste demasiado. Cala-te!
Sentia o corpo dela a tremer e isso excitou-o. Sempre se excitara com o medo dos outros e, com ela, era um sentimento especial. Era uma ilusão, por certo, mas sentia que, daquela maneira bárbara, infundindo-lhe um terror de morte, dominava o seu caráter fogoso, a sua determinação, aquela teimosia que ele sempre lhe admirara. Ela estremecia, de ira agora, por ele a ter mandado calar. Queria protestar, mas hesitava fazê-lo, presa no braço dele.
O hálito dela era doce e quente. Ele aproximou-se, até roçarem os narizes. Aquela mulher era tão apetitosamente frágil, tão docemente sua... Vegeta sussurrou-lhe:
- Fecha os olhos.
- Pa-para quê?
- Quero saber se confias mesmo em mim.
- Tu és... Tu és... Odeio-te!
- Eu também te odeio.
A magia voltava a acontecer e a noite foi inteiramente deles.
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