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XVIII - A primeira experiência noutro universo


No interior da sua boca misturavam-se sabores e sensações desagradáveis, onde se desenvolvia uma luta tão aguerrida como qualquer outra que ele tivesse livrado com o corpo. Sentia limalhas entre os dentes e tinha a língua áspera. Lentamente, conciliava a consciência com as mais recentes recordações, regressando das alturas onde pairava longe da dor para se unir a si próprio, que jazia estendido num qualquer chão duro.

Moveu o maxilar, inspirando profundamente, forçando as pálpebras a abrir-se. A luz de um dia de sol brilhante cegou-o, por momentos, emergindo-o num mar branco, que lhe acentuou as dores no corpo e, curiosamente, a sede. Os seus ouvidos começaram a escutar o que marulhava em redor – uma brisa, pássaros, água corrente.

Sentou-se, agarrado à testa, pestanejando com rapidez. Viu o regato borbulhando a pouca distância e atirou-se à água, enfiando a cabeça dentro desta. Bebeu, saciou-se e, de mãos apoiadas na margem lamacenta, percebeu que, embora sentindo-se ferido e cansado, o peso do corpo tinha diminuído e que reconhecia nos braços que via, no reflexo que espreitava no espelho do regato, a sua aparência de sempre.

Goku sorriu. Voltara à sua dimensão. Vegeta tinha razão e a sua explosão de energia azul abrira a porta entre os mundos e resgatara-os da Dimensão Real. Procurou pelo companheiro, com alguma aflição, pois temia o seu estado, já que lutara contra um adversário complicado e descobriu-o sentado mais adiante, a balançar o corpo, tentando, tal como ele, despertar. Antes de se dirigir a ele, procurou pela aura de Kilm e, não a encontrando, depreendeu, com relutante alívio, que para além de lhes permitir a viagem para a dimensão deles, a explosão de energia também o tinha matado.

Apoiou-se num joelho, ergueu-se a custo. Vegeta sacudia a cabeça de um lado para o outro, espremendo com dedos trémulos um ferimento junto ao ombro esquerdo, gemendo zangado. As roupas estavam rasgadas e chamuscadas.

- Voltámos – disse Goku com alguma alegria.

Vegeta levantou-se, encarou-o com uma expressão tão azeda que Goku estranhou, torcendo a boca. A alegria não era partilhada.

- Eu disse-te.

- Kilm foi eliminado.

- Hai, matei o bastardo. Foi mais fácil do que pensava. E seria ainda mais fácil se não te tivesse a estorvar-me! – censurou entre dentes, furibundo.

Goku coçou os cabelos.

- Gomen né, Vegeta... Eu estava apenas a tentar proteger-nos. E não te esqueças, estávamos na Dimensão Real e devemos ser discretos nessa dimensão. Até na nossa dimensão os nossos poderes são fora do comum.

- Humpf! – O príncipe cruzou os braços e acrescentou: – És e sempre serás um idiota, Kakaroto!

O braço esquerdo estava vermelho, mas o ferimento já não sangrava. Goku apontou:

- Temos de tratar disso.

- Não é nada, apenas um arranhão. Já tive ferimentos bem piores que este.

- A tua energia também está em baixo.

Vegeta ajoelhou-se junto ao regato e fez como Goku. Enfiou a cabeça na água, bebeu com sofreguidão e quando se achou satisfeito, soltou um imenso suspiro, sacudindo os cabelos molhados. A viagem entre dimensões não provocava aquela sede medonha, pensou Goku distraído a observar Vegeta. Completou solícito:

- Irei arranjar alguns feijões senzu. Irás sentir-te melhor depois de comer um.

Juntou dois dedos na testa, concentrando-se. Vegeta endireitou-se, estirando os músculos, procurando superar a dor e a fadiga que o incomodavam. O combate com Kilm não tinha sido complicado, de facto, mas deixara-o mais exaurido do que estava disposto a admitir. Não se importava de comer um daqueles feijões que repunham as forças, apesar de odiar comê-los, como se fosse a confissão da fraqueza de um grande guerreiro que se deixara apanhar numa luta que ele não podia, nem desejava, ter perdido. Olhou para Goku que continuava no mesmo sítio, com os dedos na testa que tremiam agora, muito ligeiramente.

- Eu... Eu não consigo... encontrar a aura de Karin-sama... - confessou atrapalhado.

- Nani? – murmurou Vegeta.

- Ele não está aqui... Nem... Nem Yajirobe...

Um mau pressentimento arrepiou os dois saiyajin que se entreolharam. Goku baixou o braço. Apenas poderia recorrer à sua técnica especial de se teletransportar em segundos de um lugar para outro, vencendo distâncias colossais, se, no lugar de destino, existisse uma aura conhecida, alguém a quem ele conseguisse ler a energia.

Vegeta olhou para todos os lados, unindo os sobrolhos. Estava preocupado e, acima de tudo, intrigado. Goku verbalizou a dúvida que se agigantava na mente em turbilhão do príncipe, que ordenava pensamentos e raciocinava alternativas:

- Mas afinal, onde estamos nós?

- Devíamos ter regressado...

- Mas isto é a Dimensão Z, certo? A nossa dimensão! – afirmou Goku como se bastasse dizê-lo para fazer acontecer.

- Parece que sim, mas...

- Será que aconteceu alguma catástrofe enquanto estivemos fora?

- Parece tudo em calma, à exceção talvez...

Um restolhar perto deles captou-lhes a atenção em simultâneo e viram surgir da erva a cabeça de alguém que eles conheciam sob outro aspeto e que, naquela dimensão, assumia contornos bizarros. Também em simultâneo, sustiveram a respiração, habituando-se à ideia de o ver naquela forma, de traços mais familiares.

- O rapaz veio connosco – afirmou Vegeta desagradado.

- Eu esperava que sim. E com Tori-Sama, também espero. Tori-Sama é a chave para este mistério e a solução que precisamos. Só Tori-Sama nos poderá ajudar, o nosso criador. Um ser supremo, se estiver na nossa dimensão. Ele terá, em teoria, mais poder que o mais poderoso de todos os guerreiros, porque ele... poderá criar e eliminar quem bem entender. Até um guerreiro... Um inimigo poderoso... Um qualquer deus, o próprio Mu, o dono do medalhão. É essa a ideia!

- E tu insistes nessa idiotice! – explodiu Vegeta.

- Calma! – pediu Goku colocando-se entre Vegeta e o rapaz que despertava, tal como eles, desorientado, zonzo e cheio de sede. – Temos um pequeno problema. Não sei se te apercebeste, mas enquanto lutavas com Kilm...

- O que foi que aconteceu?

- Um acidente. Tori-Sama... morreu.

- Como?!! – exclamou Vegeta, esbugalhando os olhos.

O rapaz atirou-se, tal como os dois saiyajin antes dele, ao regato, bebendo ruidosamente a água em grandes goles.

- Não sei. Deve ter sido atingido por algum projétil. Uma rocha... sei lá! Tiago-kun é que estava com ele.

- E como é que alguém morto é a chave e a solução? Explica-me, meu grande idiota!!

Nervoso, Goku riu-se.

- Poderemos ressuscitá-lo com as bolas de dragão! – anunciou.

Admirado com aquela resposta de uma simplicidade que roçava a estupidez, Vegeta foi desarmado. Sentiu-se a pisar terreno traiçoeiro. Cruzou os braços, cético.

- Ah, sim? E como pensas tu encontrar as bolas de dragão numa dimensão que poderá não ser a nossa?

- Mas eu estou convencido de que estamos na nossa dimensão. Apenas aconteceu qualquer coisa que ainda não sabemos o que foi e que trouxe mudanças. Não sabemos, por exemplo, quanto tempo se passou enquanto estivemos na Dimensão Real.

Um grito atraiu a atenção deles. O rapaz estava de pé a olhar em pânico para as mãos e para os braços, que virava e revirava, como se estivesse a assar carne num espeto sobre as brasas.

- O que se passa, Tiago-kun? – perguntou Goku.

- Eu... Eu... Eu sou um desenho animado!

- És um quê?

- Baka, estás na Dimensão Z e é assim que nós somos nessa dimensão – explicou Vegeta impaciente.

- Mas... Mas como é que vim aqui parar?

- Foi Vegeta que nos transportou, ao utilizar aquela enorme quantidade de energia para destruir Kilm – explicou Goku. – Abriu a porta dos mundos e nós viajámos de uma dimensão para outra. Isso já aconteceu uma vez, no passado, quando lutávamos contra Zephir. Está a acontecer com alguma frequência, ultimamente e é precisamente isso que devemos corrigir.

Tiago olhou assustado para o príncipe dos saiyajin. Mas dirigiu-se a Goku:

- Ele... Ele matou aquele monstro do cabelo encarnado?

- Hai, matou-o. Tiago-kun, onde está Tori-Sama?

- Ele morreu... lembras-te?

- Eu sei.

Goku aproximou-se de Tiago que tremia agora, com uma expressão agoniada no rosto como se estivesse prestes a vomitar.

- Disse-te para não o largares – completou, tentando não ser ríspido, mas o mau pressentimento de há bocado estava a torná-lo irritadiço.

- Eu não o larguei, Goku-san.

Tiago baixou o olhar e Goku reparou no corpo que jazia uns passos adiante, deitado de borco nas ervas, parcialmente oculto pela vegetação.

- Muito bem! Ele veio contigo o que é ótimo!

O entusiasmo de Goku deixou Tiago siderado. Repetiu, vincando as palavras:

- Ele morreu. Lembras-te?

- Na minha dimensão existe uma possibilidade de o fazer regressar à vida. Eu e Vegeta iremos procurar pelas bolas de dragão, iremos invocar Shenron e pedir-lhe o nosso desejo, que será o de ressuscitar Tori-Sama. Nós continuamos a precisar dele.

- Ahn?

Os ombros de Tiago descaíram. Tinha acabado de ouvir o maior disparate do mundo e Goku sorria como um pateta, agora ainda mais apatetado com aquela cara de desenho animado feliz e despreocupado. Aquilo seria um pesadelo, uma pancada qualquer na cabeça. Uma viagem alucinante a um qualquer recesso da sua mente onde pairavam memórias infantis, resquícios do efeito psicótico de um bom charro... Tiago sentia-se muito tonto.

- Kakaroto! Se é para procurar as bolas de dragão, vamos depressa. Não há tempo a perder.

- Hai, Vegeta.

- E eu? – perguntou Tiago.

- Vamos arranjar-te um lugar discreto, onde deverás ficar e esperar por nós. A busca das bolas não deverá demorar muito com a nossa velocidade. Estimo qualquer coisa como três dias. E tu, Vegeta, com os teus ferimentos...

- Vão curar-se à maneira antiga.

- Posso não conseguir ir até Karin-sama com a Shunkan Idou, mas podemos tentar viajar pelo ar até à torre. Levará mais tempo, irá atrasar a busca das bolas de dragão, mas conseguiremos alguns feijões senzu e saber o que é que se passou por esses lados.

- Já te disse que isto não é nada! Não preciso de feijões senzu! Estou bem e posso viajar à mesma velocidade do que tu. Ou até superar-te!

- Muito bem. Vamos precisar do radar do dragão.

- E Tori-Sama? O que é que se faz com ele? Eu não quero estar com... com alguém que está morto! – disse Tiago atónito por estarem a assumir aquele problema com tanta ligeireza.

- Enterra-o! – respondeu Vegeta.

- O... O quê? – admirou-se o rapaz.

- Enterra-o – repetiu.

- Mas, vocês não o querem... ressuscitar? – perguntou Tiago a medo, olhando de um para o outro saiyajin.

Goku acenou que sim, mas Vegeta insistiu, dirigindo-se ao neto, que se sentia cada vez mais tonto:

- E onde queres tu guardá-lo? Não acabaste de dizer que não queres estar com um morto?

- Sim, mas... enterrá-lo?

- Se tivéssemos uma cápsula, poderíamos colocar o corpo de Tori-Sama lá dentro, enquanto procuramos pelas bolas de dragão – sugeriu Goku. – Lembro-me que Bulma tinha fabricado cápsulas especiais, refrigeradas, há muitos anos, quando tivemos que guardar corpos de amigos caídos em combate. Fazendo a cápsula recolher e...

- Nem penses! Não vou perder tempo à procura dessa cápsula de que falas – irritou-se Vegeta. – Enterra-o, rapaz!

- Mas os vermes vão começar a comê-lo.

- Comem-no na mesma, se ele estiver cá fora.

- Não faz mal, Tiago-kun – disse Goku. – Quando Vegeta morreu, também o enterrei. Quando ele ressuscitou, não trazia qualquer marca. Ao recuperares a vida, recuperas de todas as feridas, mesmo, acho eu, aquelas provocadas pelos vermes.

- Ahn?! O que estás a dizer?! – gaguejou Tiago incrédulo. – Que tu... tu enterraste-o? E que ele também esteve morto?

- Tu enterraste-me? – perguntou Vegeta, tão espantado quanto Tiago.

Nunca tinham conversado sobre aquele momento em Namek, quando a tensão era tão densa que se podia quase saborear, cheirar e sentir, o preâmbulo do combate que Goku haveria de livrar contra Freeza, quando este tinha acabado de aplicar a Vegeta o golpe de misericórdia, trespassando-lhe o coração. Após uma súplica, após a perda e após um fim amargo, ele, com as suas mãos, tinha enterrado o valoroso príncipe que acabava de perder a vida. Nunca sentira necessidade, nem nunca se tinha proporcionado a oportunidade, de relatar aquele episódio sombrio. Não era uma daquelas coisas que se conversava quando se fazia uma daquelas aborrecidas visitas de cortesia que Bulma e Chichi gostavam de promover. Ficou muito sério e respondeu:

- Coisas do passado, Vegeta.

- Hum!

Vegeta também não queria remexer em velhas memórias e não insistiu, focando em Tiago um olhar que não admitia mais perguntas incómodas. Resoluto, espetou dois dedos unidos e com um gesto seco e rápido, disparou um fino raio de energia que abriu um buraco no chão, fazendo saltar terra e relva. Voltou costas, levantando um braço, punho fechado.

- Enterra-o aí. Pronto, problema resolvido. Vamos, Kakaroto. Estou à tua espera.

- Muito bem. Vou buscar o radar do dragão.

Também Goku não queria remexer mais no passado. Ele nunca o fizera, sempre olhara para o horizonte, vivendo os seus dias com prazer e tendo como alvo o futuro. Respirou fundo, temendo não a conseguir encontrar, mas poucos segundos depois abriu um largo sorriso.

- Cá está! A aura de Bulma. Vês? Estamos na nossa dimensão!

Ao seu lado, Vegeta fizera o mesmo exercício.

- Hai, é ela. Mas...

- Bem, já volto.

Como que levado pela brisa cálida que soprava naquele recanto primaveril, Goku sumiu-se. A ilusão fora perfeita. O silêncio foi tão profundo que Tiago sentiu um sobressalto no coração. Sentou-se no chão, soltando um longo suspiro. Vegeta, de costas para ele, ignorou-o.

***

A oficina estava mergulhada numa penumbra abafada, onde zunia um antigo candeeiro de secretária que emitia uma luz amarelada ténue, a solitária conquistadora da escuridão que dominava o local. Na mesa onde estava posto o candeeiro espalhavam-se, numa pilha caótica, peças, caixas pequenas, ferramentas, esqueletos de cápsulas hoi-poi. No centro havia um pequeno espaço irregular onde se via o tampo riscado de madeira, que permitia o trabalho a quem se sentava diante da mesa, num banco articulado de quatro pés rodados. Debruçava-se numa corcunda pouco elegante, remexendo numa caixa esventrada, os cabelos azuis apanhados num rabo-de-cavalo atado junto à nuca. Goku chegou e ela nem se apercebeu. Sorriu antes de chamar:

- Bulma-san.

Ela sobressaltou-se. Rodou no banco e encarou-o, agarrada à mesa que ficara atrás. Goku deu um passo para diante, chamando novamente:

- Bulma-san...

A seguir, iria pedir-lhe o radar do dragão, mas a voz dela, num tom agudo e ligeiramente trémula, fê-lo engolir a frase:

- Como é que entraste aqui?

- Ora, Bulma... Com a Shunkan Idou.

- O que é isso?

- Tu sabes... É a minha técnica especial.

Moveu-se para sair da sombra. Deu outro passo e uma ligeira claridade iluminou os contornos da sua cabeça, de parte do queixo, do rosto e dos seus cabelos negros espetados junto à orelha. Ela gritou quando o reconheceu, mas não foi um grito de alegria, nem de surpresa. Foi um grito de horror. Goku estacou.

- Bulma-san, o que é que se passa?

- Sai daqui!!

- Mas eu preciso de uma coisa que é tua...

Ela escapuliu-se da oficina passando por ele a correr e a gritar como uma louca. Com a pressa, arrastou com um dos braços o fio do candeeiro que caiu no chão, fazendo a luz amarela dançar nas paredes e no teto de uma maneira fantasmagórica, revelando as paredes daquela oficina que estavam repletas de máquinas desconjuntadas, como espetros vadios, congelados à beira da estrada para os Infernos. Goku arrepiou-se. A luz parou a dança, estabilizando o foco para os pés dele e para a porta da oficina por onde ela tinha fugido. Ainda conseguia escutar os gritos dela no fundo do corredor.

- Ora, que bicho lhe mordeu? – disse, coçando a cabeça.

Dobrou-se e apanhou o candeeiro, utilizando-o como uma lanterna para se orientar na confusão daquela oficina. Foi até à mesa e remexeu em tudo o que ali estava, derrubando ferramentas e parafusos, mas encontrou, no meio daquele lixo eletrónico, o que procurava. Agarrou na caixa redonda com um mostrador verde-escuro, um enorme botão que ele clicou com o polegar, acendendo-o. Uma esquadria branca desenhou-se no mostrador que foi aumentando e diminuindo consoante ele premia o botão. Quando o mapa do mostrador abarcou uma extensão maior de terreno, surgiram sete pontos luminosos, apitando enquanto piscavam. Ele desligou o aparelho.

Com o radar do dragão nas mãos, Goku levou os habituais dois dedos à testa e preparou-se para nova viagem instantânea.

***

Os olhos ardiam-lhe e ele tinha muita dificuldade em focar a visão, mas completou a tarefa insólita, penosa e cansativa sem soltar um queixume. Chorava em silêncio e era uma fraqueza que o incomodava, todas aquelas lágrimas correndo pela cara abaixo, mas o choque de estar a fazer aquilo deixava-o num transe paralisante.

- Para com isso. Estás a enervar-me!

Olhou para Vegeta que puxava com os dentes uma tira de pano que rasgara da sua própria t-shirt de alças para proteger o ferimento do braço esquerdo, acabando assim a ligadura improvisada. Baixou a cabeça, desconcertado. Preferia ter feito aquilo sozinho, o enterro e o choro, mas Vegeta assistira a tudo. Desculpou-se, procurando engrossar a voz:

- Estou a enterrar... uma pessoa. Eu nem sequer tinha ido a um funeral antes!

- Ele vai voltar a viver.

- Primeiro, é preciso que eu acredite nisso – resmungou Tiago limpando os olhos com as costas da mão. Fungou ruidosamente, a reprimir as lágrimas que queriam continuar a correr.

Ajeitou a terra, batendo como quando criança completava uma construção de areia na praia. Sentia-se vazio por dentro. Espreitou Vegeta que, mais uma vez, ignorava-o ostensivamente, olhando em silêncio para os céus, naquela sua pose característica de pernas afastadas, braços cruzados, rosto fechado. Não lhe pedira ajuda, nem ele se voluntariara para ajudá-lo. Do pouco que conhecia daquele homem, que lhe diziam ser seu avô, haveria de rechaçar qualquer tipo de auxílio. Ele também sabia ser orgulhoso. Fizera tudo sozinho. A chorar, era certo, mas aguentara a coisa o melhor que conseguira.

Arrastara o corpo de Tori-Sama pelos pés, enfiara-o na cova pouco profunda de cara voltada para baixo. Não suportaria enterrá-lo enquanto via a sua palidez, os olhos vazios, a boca entreaberta. Ainda se lembrava do homem a sorrir, a fumar, a falar, do entusiasmo enquanto assistia ao combate entre Vegeta e Kilm, daquele grito que ele soltara e depois do silêncio abrupto, no meio do pó. Marcou o túmulo com um ramo que espetou na terra revolvida.

Seria aquela mais uma prova que teria de ultrapassar, naquela estranha viagem?

E pensava agora, o que o aguardaria no fim da viagem... Se teria a força suficiente para aguentar o desfecho final e a generosidade dos deuses que lhe tinham atendido as preces.

Sentou-se a agarrar na cabeça, a sujar-se da terra que usara para sepultar o cadáver, como que se sujando com aquela tarefa tenebrosa. Soltou uma fungadela inesperada, um reflexo do corpo que se sacudia da tensão, sentindo-se a tremer. Vegeta cravou-lhe um olhar assassino. Tiago apertou os dentes e devolveu o mesmo olhar.

- Não me ouviste, rapaz? Para com isso!

- Eu tenho nome!

Inesperadamente, Vegeta sorriu. Regressou à contemplação dos céus e Tiago jurava que ele estava a recordar qualquer coisa. Mas aquele bruto tinha memórias que o faziam sorrir?

Já os entendia e isso foi um alívio. Não suportaria andar com Goku, ou mesmo com aquele insuportável do Vegeta, a falarem em japonês e ele sem um tradutor por perto, pois este, Tori-Sama, infelizmente, tinha sido apanhado por sabe-se lá o quê – ele, que estava próximo, não tinha presenciado o preciso momento em que acontecera o acidente – e perdera imbecilmente a vida. O que era curioso, porém, era que, apesar de os entender agora, o timbre era o das vozes japonesas, mas ele não afiançaria com uma certeza absoluta que a língua seria o japonês. Percebia-os, simplesmente. E ele também não sabia que língua falava ele, porque lhes respondia no mesmo registo. Uma confusão que ele afastou da ideia atirando a frase:

- Para ti deve ser fácil aceitar tudo isto... Já estiveste morto. Não foi o que tu e Goku andaram a dizer?

- Duas vezes, rapaz.

- Pois, claro...

- Da segunda vez foi mais interessante.

- Nem sei como acredito nas vossas patranhas – resmungou Tiago.

- Devias acreditar. Não estás aqui, na nossa dimensão?

Os pássaros piavam, saltitando de árvore em árvore. Sentia o calor típico do final da primavera, início do verão e a paisagem era tão luminosa e colorida como uma prancha de banda desenhada. Olhou para as mãos sujas de terra, para os braços, para a roupa que parecia feita de papel, mas que tinha o toque de roupa normal. Irritou-se:

- Bah! Eu estou é no Japão, inconsciente naquele bosque. Devo ter apanhado com uma pedrada na cabeça, fiquei a dormir e como está tanto frio, estou num estado de hipotermia e a delirar. Essa é que é a verdade! Deliro que sou um desenho animado e que estou dentro do Dragon Ball!

Vegeta também se irritou.

- Não passas de um cobarde.

- Repete lá isso?

Tiago levantou-se e assumiu uma posição, entre o ataque e a defesa, punhos fechados que ele usaria sem hesitar se aquilo descambasse para o confronto físico. Não tinha medo dele. Mas deveria ter, certo? Depois de ter visto do que ele era capaz de fazer, no combate contra Kilm. Vegeta acercou-se, tão rapidamente que, quando ele se apercebeu, tinha o bafo dele no rosto.

- Um cobarde! – repetiu Vegeta. Agarrou nele pela camisa. – Kakaroto disse que és o meu neto... Sabes o que isso significa, rapaz?

- Significa que sou um saiyajin.

- Então começa a agir como um saiyajin!

Soltou-o com um empurrão, mas Tiago conseguiu não perder o equilíbrio.

- Pareces uma menina a queixar-te. A minha filha Bra é mais corajosa do que tu.

- Tens uma filha também?

- E depois?

Arrependeu-se, de imediato, por ter feito a pergunta. Já não conversava com ele de igual para igual, tinha-se remetido ao seu papel detestável de adolescente incompreendido e inadaptado. Mas viu-se obrigado a completar o seu raciocínio, engolindo uma bola de saliva que se formara na boca.

- Bem, vocês serão... A minha família.

- Esquece, rapaz! Será como com a tua mãe. Vais estar aqui de passagem e depois vais-te embora. Não é preciso deixares amizades – concluiu cínico.

Nesse instante, um vulto materializou-se entre os dois. Goku aparecia e Vegeta perdeu rapidamente o interesse em Tiago. Goku mostrou um estranho objeto redondo que era um pouco mais pequeno que a palma da sua mão.

- Aqui está!

Vegeta ficou mais sério, quase sombrio.

- Viste-a?

- Hai.

- E...?

- Fugiu de mim. Deve ter-se assustado quando apareci ao pé dela, de repente.

Tiago reparou que Vegeta ficou intrigado, ou desagradado, com alguma coisa. No segundo seguinte, apagou essa preocupação da mente, varrendo-a com uma precisão impressionante.

- Vamos começar a busca, Kakaroto? Não quero perder mais tempo! Disseste três dias? Vamos fazê-lo em dois!

- Hai!

Goku carregou num pequeno botão do objeto redondo e o seu mostrador verde mostrou sete pequenos pontos brancos a piscar, espalhados por uma esquadria. Começou a descrever os lugares onde estariam aquilo que os pontos brancos representavam. Dividiram os pontos, Goku ficava com quatro, que estavam na secção Leste e Vegeta ficaria com os três que se situavam mais a Ocidente. Vegeta discordou, queria ficar com mais pontos – ele era mais rápido e encontraria mais depressa quatro, mesmo ferido, do que ele descobriria aqueles três. Discutiam quando Tiago interrompeu-os:

- Eu também quero ajudar.

Os dois olharam para ele, Goku com um dedo espetado sobre o mostrador verde.

- Nani?! – exclamaram.

- Não quero ficar aqui a guardar o túmulo de Tori-Sama. Seria... uma perda de tempo. Serei mais útil se for convosco.

Goku aceitou a sugestão com um sorriso.

- Queres ajudar? Ótimo!

Mas Vegeta recusou com veemência:

- Nem pensar! Ele não nos vai ajudar! Só nos vai atrapalhar.

- Vegeta...

- Ele não sabe voar, não sabe lutar, não sabe o que fazer.

- Digam-me o que procuram e eu conseguirei ajudar-vos – replicou Tiago.

- Leva-o contigo, Vegeta. Será uma boa maneira de conheceres melhor o teu neto. E poderás ensinar-lhe um ou outro truque. O que ele precisa é apenas de orientação. Estive com ele na Dimensão Real, tem potencial...

- Nem penses!! – vociferou o príncipe dos saiyajin num gigantesco berro. Prosseguiu agastado: – Até agora, tenho seguido o que andas a fazer, as tuas estúpidas ideias. Entro nesta de procurarmos as bolas de dragão para ressuscitarmos o inútil do nosso criador da Dimensão Real. Estou disposto a dar-te o benefício da dúvida, mas estou a começar a fartar-me. Se o criador não nos conseguir ajudar, e olha que lhe vou dar um prazo muito curto para ele mostrar as suas habilidades depois de ressuscitar, resolvo isto à minha maneira! E agora pedes-me para servir de ama-seca a esse rapazola, outro inútil, filho daquela intrometida, que foi criado como um imbecil na Dimensão Real? Estás a esticar-te demasiado, Kakaroto!

- Gomen né, Vegeta!

Tiago detestava ver Goku a submeter-se aos humores daquela homenzinho – sim, porque em estatura conseguia até ser mais baixo do que ele próprio – e chamou:

- Goku-san!

- Tiago-kun, não te metas! – ordenou autoritário.

Tiago rangeu os dentes, tão furioso quanto Vegeta.

- Eu também não quero ir com ele – disse.

- Eu levo-o.

- Será problema teu, Kakaroto. Mas o prazo mantém-se. Daqui a dois dias, encontramo-nos neste local. E eu procuro as quatro bolas.

- Não. Se eu o levo, eu procuro as quatro bolas e tu as três. Senão... - E espetou-lhe um dedo ainda com mais autoridade: – Tu é que o levas!

- Não me dás ordens, Kakaroto!

- Nem tu!

Entreolharam-se rosnando, como dois lobos famintos a disputar um naco de carne. Surgiram faíscas douradas a rodeá-los, chocando no espaço vazio que os dividia, provocando pequenas explosões de luz. Tiago, instintivamente, protegeu a cara com os punhos. Ondas de energia agitavam-lhes os cabelos escuros e a roupa, mas nenhum dos dois reuniu o poder suficiente para ficarem dourados, naquele estado ao qual chamavam de super saiyajin. Exibiram as forças, dois galos num ringue demasiado pequeno, avaliando-se com um ódio estranho. Tiago dirigiu-se a Vegeta:

- Se tu lutares, eu ficarei do lado dele!

- Nani?

As faíscas serpentearam até Tiago.

- Estás a desafiar-me, rapaz?

- Tiago-kun! – disse Goku. – Ainda não estás preparado para lutares com ele!

- Experimenta-me!

Vegeta deu um passo em frente, mas um braço de Goku barrou-o.

- Temos outras prioridades, Vegeta. Enquanto discutimos... o nosso inimigo torna-se mais forte. E precisamos, neste momento, das bolas de dragão, não de lutarmos entre nós.

Os ânimos serenaram, as faíscas sumiram-se. Os pássaros tornaram a piar nas árvores e a água do regato corria fresca entre os seixos. Vegeta afastou o braço de Goku com um safanão, acercou-se de Tiago e arrancou-lhe uma das metades do medalhão de Mu do pescoço, partindo a corrente. Tiago sentiu o golpe na pele, onde se abriu um vergão vermelho. Reprimiu um gemido, apertando os lábios.

- O nosso combate fica para outra ocasião, rapaz. E este medalhão não faz sentido estar... com quem é tão incapaz a protegê-lo. Eu fico com uma das metades e tu, Kakaroto, proteges a outra metade. – Mostrou dois dedos abertos, em V. – Dois dias!

Arrancou num súbito assomo energético que lhe envolveu o corpo como uma espuma branca, subindo pela atmosfera como um foguete, sumindo-se entre as nuvens. Tiago seguiu-o com os olhos até deixar de o ver e mesmo depois, para ter a certeza de que ele se afastava definitivamente. Estava tão irritado que conseguia sentir o sangue a bombear pelas veias e a aquecê-lo por dentro. Mais um pouco e também ele seria capaz de gerar faíscas...

- É enervante, mas leal e com princípios de ferro – disse Goku a sorrir. – Com o tempo, poderás começar a gostar dele.

- Não acredito – respondeu Tiago. – Acho que o vou detestar sempre.

- Ele tem esse efeito nas pessoas.

- O que é isso? – perguntou Tiago a apontar para o objeto redondo que Goku tinha na mão e cujo mostrador continuava a piscar e a apitar.

- Isto, é o radar do dragão e deteta as bolas do dragão, que vamos procurar.

- Bem, terás de me carregar... não é? – disse Tiago envergonhado.

- Haveremos de perder algum tempo para te ensinar a voar.

- Eu nunca...

- Ah! Não digas isso! – riu-se Goku, desligando o radar, guardando-o dentro da roupa. Apontou para o céu atrás de si. – Tu és neto dele!

- Não me lembres disso.

- É uma honra, Tiago-kun. És o herdeiro do príncipe dos saiyajin.

- Que nem voar sabe... E para ele, é uma vergonha que eu seja o seu herdeiro.

- Deixa-o acostumar-se à ideia de ter um herdeiro de outra dimensão.

- Pior que uma atração de feira.

- Sobe.

Para Goku era tudo tão fácil e natural. Tiago encavalitou-se nas costas dele e, bem agarrado aos seus ombros, sentiu o solavanco inicial e, quando abriu os olhos – nem se lembrava de os ter fechado – era companhia dos pássaros e das nuvens, do próprio vento que lhe batia na cara gelada.

Claro que sim, haveria de conseguir voar, de se transformar num super saiyajin, de combater com uma técnica de excelência, de ser capaz de honrar essa herança de descender de um príncipe guerreiro.

Haveria de acreditar em tudo aquilo. Espreitou para trás. Já não se via o local onde enterrara Tori-Sama. O aperto no coração deixou-o perturbado. Escondeu a cabeça atrás dos cabelos de Goku, reprimindo, mais uma vez, as estúpidas lágrimas. Que belo início: a chorar! Se calhar, como gizara, ainda estaria no Japão, morrendo de frio e a delirar... Mas iria apostar naquele delírio como a última oportunidade para serenar o seu espírito que sempre clamara por aquelas respostas.

Sobretudo, haveria de perceber quem era ele, na verdade. Estava no local onde a sua mãe estivera e, de acordo com as palavras de Vegeta, não pudera ficar e viera-se embora, há quinze anos. Antes, portanto, de ele ter nascido. Batia tudo certo.

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