XLV - Dias felizes
Os dias passaram depressa na ilha de Mutenroshi, entre banhos de sol e de mar, num ócio retemperador, a fazer pouco mais do que dormir e comer. Bulma e Tori-Sama conversaram bastante durante esses dias, desenhando planos, trocando ideias, discutindo com fervor, alinhavando o projeto definitivo.
Vegeta acabara por passar uma temporada no hospital. Na noite em que tinham regressado, desenvolvera uma grande febre e fora levado de urgência até à cidade mais próxima. Goku tentara ir visitá-lo no dia seguinte, mas assim que o príncipe o vira entrar pelo quarto adentro, mesmo fraco e entubado, saltara da cama com as mãos torcidas prontas para o esganar, arrastando frascos de soro e de antibiótico, os lençóis e os cobertores. Tiago agarrara-o pela cintura.
- Ojiisan, não te podes mexer dessa maneira bruta. Ainda estás com febre.
- Por causa daquele pedaço de merda é que estou aqui!
- Estás a praguejar e também não te deves irritar – avisara Trunks.
- Se ele não tivesse dado o nosso último feijão senzu àquele imbecil do namekuseijin, eu não estaria com febre, de certeza. E ainda tem o descaramento de me aparecer aqui!
- Gomen ne... Vegeta – pediu Goku contrito.
- Não me venhas com as tuas desculpas patéticas!
- Ojiisan, deita-te – insistira Tiago arrastando-o suavemente até à cama.
- Humpf!
Trunks abanara a cabeça e acompanhara Goku pelo corredor afora, pedindo-lhe compreensão pela atitude do pai. Tiago ajudara Vegeta a deitar-se. Ao aconchegar-lhe o cobertor, sentira a mão do saiyajin esmagar-lhe o pulso.
- Ouve, miúdo! Não preciso da tua ajuda. Some-te daqui!
Tiago não se intimidara. Respondera, a conter a vontade de libertar o pulso com um safanão:
- Eu vou ficar porque Trunks me pediu para ficar. Não é por causa de ti, pois dispenso a tua agradável companhia. E preferia mil vezes estar a dar uns mergulhos na ilha do velhote do que estar aqui, neste quarto de hospital, com este cheiro maravilhoso a éter, a sangue e ao teu fedor, que bem precisas de um banho!
- Fedelho atrevido! Se não estivesse tão fraco, ensinava-te a respeitares os mais velhos.
Enfiara o braço debaixo do lençol e, virara-lhe as costas, deitando-se de lado. Tiago sentara-se na cadeira que se encostava à janela por onde passava um sol radioso.
- Acredita que já não eras capaz de me dar uma lição com a veemência requerida. Se não te apercebeste, cresci durante esta estadia na vossa dimensão.
- Esta não é a nossa dimensão – resmungara Vegeta, a tentar fingir firmeza na voz. – E nem penses que te conseguirias bater comigo, de igual para igual. Ainda te falta aprender muito, fedelho.
Tiago percebera que a febre estava a subir. Vegeta tremia debaixo do lençol.
- De qualquer modo, é uma dimensão parecida à vossa e tenho aprendido muito aqui. Queria agradecer-te, Vegeta.
O saiyajin espevitara-se, mas continuara de costas.
- Cala-te. Quero dormir! – pedira.
- Arigato, Vegeta-san. Mostraste-me quem eu sou na realidade. E tenho muito orgulho no sangue que herdei.
A estadia no hospital acabara por ser frutuosa para Tiago e para Vegeta. Os dois, apesar de passarem o tempo a implicarem um com o outro, ficaram a conhecer-se melhor e a admiração mútua cresceu. Houvera até alturas em que Trunks se afastara e deixara-os sozinhos, naquela competição estranha de tiradas irónicas e ofensivas, a ver quem era o primeiro que se dava por vencido e se calava. A tensão era uma constante entre eles. Seguiram-se as histórias, quando Vegeta estava mais restabelecido. Tiago escutava-o com atenção e fazia-lhe muitas perguntas sobre o passado. Nunca Trunks vira o pai falar tanto sobre o passado como com Tiago. Por vezes, chegara a sentir ciúmes.
***
Desde a ilha de Mutenroshi, Bulma organizara os trabalhos de reconstrução da Capsule Corporation. Todo o planeta encetava um recomeço, quando as pessoas se começaram a aperceber de que o jugo dos saiyajin tinha finalmente terminado e que estavam livres. Gozaram os primeiros instantes dessa liberdade festejando. A seguir, arregaçaram as mangas, meteram mãos à obra e refaziam o que havia sido destruído.
A ideia de Bulma era reconstruir primeiro os laboratórios e as oficinas, depois uma parte da área habitacional, contara num dos serões quentes em que se sentavam na areia, diante do mar, sob as estrelas. Assim que existissem as condições mínimas, iria mudar-se para a nova Capsule Corporation e convidou Goku, Vegeta, os respetivos filhos e Tori-Sama para que se juntassem a ela. Tinha-os acolhido em tempos conturbados, melhor os receberia agora que a prosperidade regressava. Explicou, por fim, que encetaria o projeto que partilhava com Tori-Sama na Capsule Corporation, onde teria todas as condições necessárias para construir o que imaginavam.
Goku concordou com a sugestão, se Mutenroshi não se importasse.
- Claro que não, meu pequeno – respondera o velho mestre, entretido a fazer argolas de fumo com o cachimbo de água. – Claro que não... Têm sido dias maravilhosos, estes que tenho passado com vocês. Fazem lembrar-me dos bons velhos tempos!
- É verdade, mestre – anuiu Krilin que se tinha aproximado gradualmente de Goku, concedendo-lhe a premissa de substituir o Goku daquela dimensão, enterrado o ceticismo inicial que sentia em relação a ele.
- Quando é que nos vamos mudar para a nova Capsule Corporation? – quis saber Goten.
- Pelos meus cálculos – respondeu Bulma –, daqui a cerca de dois meses.
- Então, só daqui a dois meses é que vais começar a construir a máquina que nos levará de regresso à nossa dimensão? – perguntou Goku ligeiramente desapontado.
Vegeta, que se sentava afastado deles, voltado de costas, fungou desagradado.
- Pode não ser uma máquina – disse Tori-Sama. – Pode ser algo mais simples.
- Como o quê? – indagou Trunks.
- Depende daquilo que acharmos mais conveniente, tendo em conta o resultado que se pretende – explicou Bulma, de dedo espetado, olhando de soslaio para Vegeta que ficara tenso. – A solução de uma máquina parece-me, à partida, excessiva. Teria de ter a configuração de um meio de transporte, uma nave, para que pudesse levar muitos passageiros; seis, para ser exata. Isso teria um custo muito elevado, além de demorar muito mais tempo a construir. Se enveredarmos por uma solução mais simples, como disse Tori-Sama, podemos conseguir o que pretendemos em menos tempo, com um custo menor e com um grau de complexidade mais baixo.
- A questão do tempo é importante – realçou Trunks. – O nosso regresso deverá ficar assegurado para o momento a seguir àquele em que partimos.
- Estamos a ter isso em atenção, Trunks-kun.
- Mas, Tori-Sama... - disse Goku. – Pensava que bastava usares o teu poder de criador para que nos levasses de volta a casa.
Tori-Sama corou.
- Não, Son-kun... Eu não tenho esses poderes.
- Não?
- Além disso, também preciso de regressar à minha casa.
- E eu, à minha – lembrou Tiago.
- Ah... Então, é por isso que é mais complicado?
- Hum-hum.
Goku deu-se por satisfeito.
Quando faltavam dois dias para perfazer os dois meses previstos por Bulma, estavam de partida. O avião repousava num braço de areia da ilha e estavam todos na praia, para a despedida. Krilin deu um longo abraço a Goku.
- Já não nos voltaremos a ver. Em breve, regressas à tua dimensão.
- Vem até à casa de Bulma. Sabes que não irei regressar já. Ficarei com ela nos próximos tempos e podemos passar mais algum tempo juntos.
Ele meneou a cabeça, com um sorriso esmorecido.
- Não... Vou ficar por aqui, pela ilha. Já tive a minha oportunidade com o meu velho amigo.
- Cuida de ti, Krilin.
- E tu de ti, Goku.
Bulma agradeceu a Mutenroshi pela hospitalidade e paciência daqueles dias. O velho pediu-lhe que o visitasse mais vezes e ela concordou. Agradeceu ainda a Oolong, disse adeus à velha tartaruga do mar e tomou o seu lugar aos comandos do avião. Tori-Sama, cheio de curiosidade, disponibilizou-se para se sentar ao lado dela e fazer as vezes de copiloto. Ela achou piada ao seu entusiasmo.
Tiago foi o último a entrar no avião amarelo e bojudo. Os motores foram ligados, fazendo um ruído sibilante. Desde a porta, com a rampa a subir e a recolher-se no aparelho, olhou para a pequena casa, para o velho mestre, o porco, o homem baixinho sem nariz e a tartaruga falante. Sorriu. Era um quadro estranho, mas tornara-se tão familiar que sentiu uma pontada no coração quando lhes voltou costas.
Naquela ilha, fora feliz.
***
A porta do laboratório abriu-se e ele entrou, de mãos nos bolsos das calças. A inação estava a aborrecê-lo e o tempo passava demasiado devagar. Além disso, sabia que poderia ser útil e incomodava-o não revelar que tinha capacidades para ajudar naquela empresa.
O barulho ensurdecedor dos martelos pneumáticos e do chiar das gruas a carregar vigas pesadas no exterior ressoava pelo laboratório, abafando o zunido próprio das máquinas e dos computadores que estavam ligados. Ela encarava um monitor decidida, digitando um teclado com rapidez. Percebeu que não estava sozinha e fez rodar a cadeira.
- Posso ajudar-te, Bulma-san?
A cientista olhou-o por cima dos óculos. Tiago aproximou-se timidamente. Apontou para o monitor verde coberto de linhas de código de programação.
- Não sei que tipo de linguagem utilizam, mas consigo aprender com rapidez – explicou. – Não deve ser muito diferente daquilo a que estou habituado.
Com aquela observação, ela arrancou os óculos da cara.
- Tu percebes de computadores?
- Claro... - respondeu envergonhado, apartando o olhar do monitor.
- A sério?
- Hum-hum...
Os dois tiveram o mesmo pensamento, certamente. Afinal, ele teria a quem sair, pois herdara essa faceta mais tecnológica da sua avó paterna e também do seu bisavô, o genial Dr. Briefs. Bulma exclamou entusiasmada levantando-se da cadeira, abrindo os braços como que a recebê-lo na sua equipa e no laboratório.
- Então, claro que me podes ajudar! Se formos dois a trabalhar na gerigonça que Tori-Sama precisa, conseguiremos construí-la mais depressa.
Tiago sorriu e agradeceu, inclinando ligeiramente a cabeça:
- Arigato...
- Vou arranjar-te uma bata, uma cadeira, um caderno onde possas tirar apontamentos. Vou explicar-te as minhas ideias, para que te vás familiarizando com o que estou a construir.
- Bulma-san, tenho uma condição.
Ela deteve-se, a caminho de uma porta estreita, situada entre dois armários.
- Eh... Que condição?
- Trabalho contigo, dia e noite se assim o desejares. Mas quero ter algum tempo livre para prosseguir os meus treinos.
Não havia qualquer entoação de exigência naquele pedido e ela gostou da forma humilde como lhe fora colocada a questão. Respondeu:
- Claro! Claro... Afinal, para além de neto e bisneto de cientistas, também és neto de um saiyajin. Claro, meu querido. E não te quero comigo dia e noite. Não tenho tanta resistência como vocês, guerreiros incansáveis!
Tiago abriu um sorriso rasgado, tão encantador e inocente que Bulma derreteu-se. Quando voltou e lhe entregou a bata, confessou:
- Estou farta de trabalhar sozinha nisto. Acho que estou a esbarrar nos meus próprios vícios. Ao ter alguém para trocar pontos de vista, iremos avançar mais rapidamente.
- Bulma-san, vais perder algum tempo no início. Vais ter de me ensinar muitas coisas.
- Perdemos esse tempo, mas depois recuperamo-lo, uma vez que tenhas entrado na linguagem, no método e na técnica.
Tiago sentou-se na cadeira que ela lhe oferecia. Numa mesa branca, comprida e estreita, estavam vários monitores e computadores. Apenas três estavam ligados – o mais afastado parecia estar a fazer cálculos, o segundo tinha terminado uma rotina e o cursor piscava no canto inferior esquerdo, o terceiro era aquele onde Bulma trabalhava e tinha uma profusão de janelas negras abertas, cheias de letras minúsculas brancas e amarelas.
- O que estamos a fazer aqui? – perguntou Tiago quando ela arrastava a sua cadeira de rodízios para junto da dele.
- Estamos a determinar coordenadas.
- Coordenadas?
- O que estamos a construir é um motor que permita a viagem entre mundos. Posto de outro modo, precisamos de conseguir algo que reconheça um ponto de partida e um ponto de chegada dentro do universo. Repara bem, não é simplesmente no planeta, apesar de eu ter tomado como exemplo a viagem entre a ilha de Mutenroshi e West City, onde estamos. A viagem deverá ter em consideração não só as dimensões triviais – altura, comprimento, largura – mas também o espaço e o tempo. Para determinar para onde vamos, considerando todas essas dimensões, precisamos primeiro de compreender onde estamos.
- Eh... Bulma-san, então estás a começar por tentar encontrar as coordenadas desta dimensão, para depois extrapolares para outras dimensões possíveis.
- Bravo! Excelente dedução!
Bulma piscou-lhe o olho. Depois, fitou-o muito séria.
- Que idade fizeste naquele dia de maio, Tiago-kun?
- Catorze. Porquê?
- Já alguma vez te disseram que és um rapazinho muito inteligente? Com essa idade e conseguires perceber o que te estou a dizer, é de génio! Mas também não admira... Com a avó que tens! – E tornou a piscar-lhe o olho, corando ligeiramente.
Tiago baixou os olhos.
- Não... Nunca me tinham dito isso.
- Nem a tua mãe?
Ele colocou as mãos em cima do teclado.
- Vamos começar? Estou pronto para começar.
- Não queres falar da tua mãe?
- Bulma-san, eu e a minha mãe... Bem, andei a portar-me mal nos últimos tempos que passei na minha dimensão. Faltava à escola, fumava e tomava outras substâncias não muito agradáveis. Tinha maus amigos e maus vícios. Acho que a minha mãe está muito triste comigo. Só quando apareceu Son Goku e esta aventura começou, é que as coisas melhoraram um bocadinho. Mas já se passou tanto tempo... Tenho medo de voltar e de as coisas terem definitivamente mudado.
- Vamos tentar que não tenha passado assim tanto tempo quando regressarem. E entre uma mãe e um filho, as coisas nunca mudam.
- A sério?
- Claro! Já pensaste como deve ter sido difícil para ela? Ter um filho de alguém que não pertence ao seu mundo. Como explicar uma coisa dessas?
Tiago ficou pensativo.
- Se calhar, tens razão...
Bulma esticou-se para alcançar um caderno cheio de apontamentos rabiscados. Disse:
- Pensas voltar, não é? Não consideras ficar com o teu pai.
- Ahn?
- Tens de tomar uma decisão. Pelos vistos, já a tomaste.
- Nunca tinha pensado nisso.
- E agora, vou pôr-te a pensar.
A possibilidade era tentadora. A pele de Tiago arrepiou-se. Fixou os dedos encarquilhados a pairar por cima das teclas. Ele ficara assim, em suspenso, a analisar a situação que era uma novidade. Mais um desafio. Sentiu comichão na nuca, mas não ousou abandonar a supremacia que tinha sobre o teclado. Forçou o pescoço, que se tornara rígido, a voltar-se. Forçou um sorriso.
- Bulma-san, não há nada para pensar.
Ela continuava séria, com o caderno entre as mãos.
- Acreditas nisso, ou só o dizes para que te seja mais fácil aceitar essa decisão?
- Não tenho alternativa. Por isso, não há decisão nenhuma a tomar.
- Porque dizes isso?
- O meu destino está cumprido. O que eu mais desejava, já aconteceu.
Sorriu com sinceridade, mas com um nó na garganta. Deveria ter sido essa espécie de angústia que a mãe sentira quando abandonara a Dimensão Z. Para ele, era pior. A consciência do transitório, dos tempos mais especiais da sua vida, de uma felicidade irrepetível, era constante desde que Vegeta lhe dissera, na cama do hospital:
- O que queres mais, miúdo? Já descobriste o que tinhas a descobrir. És um saiyajin. Nada mais precisas de saber e não precisas mais do nosso mundo. Não precisas mais de mim ou do teu pai. É melhor que te convenças. Como a intrometida da tua mãe, vais-te embora e nunca mais nos vais ver.
Era a verdade e ele aceitou-a, respondendo, como se não se importasse:
- Acho que já me tinhas dito isso, uma vez. Vegeta, não sejas tão repetitivo...
Bulma sorriu com ele, passando-lhe uma mão pelo cabelo.
- Ainda bem, Tiago-kun... Ainda bem para ti que não tens dúvidas.
- Vamos começar?
- Vamos! – Ela abriu o caderno, molhando o dedo com a ponta da língua, folheando-o.
Mas ele, infelizmente, estava cheio de dúvidas.
***
Os trabalhos de reconstrução avançavam num excelente ritmo. O novo edifício da Capsule Corporation, a imponente tigela amarela voltada ao contrário, estava quase concluído. Os anexos, onde se situavam as oficinas, laboratórios adicionais e armazéns já laboravam na produção de novas cápsulas hoi-poi. Tinham começado por uma linha de pequenos eletrodomésticos, que se estavam a vender tão bem que já se pensava numa segunda linha, de veículos práticos de transporte. Num dos laboratórios mais pequenos, colado ao edifício principal e o primeiro que ficara completo, era onde Bulma trabalhava com Tori-Sama e, nos últimos dias, também com o Tiago.
A grande metrópole do ocidente, West City, recuperava do ataque dos saiyajin determinada e fortalecida. Depois de honrados os mortos e os heróis desse dia, tomara inspiração no ressurgimento da Capsule Corporation, que tinha sido um símbolo de resistência nos tempos negros da ocupação alienígena, e começara a reerguer-se com um labor e afinco extraordinários.
Vegeta deitava-se na relva, a dormitar, assentando a cabeça nos braços. Exibia algumas ligaduras no braço e um pequeno penso sobre o sobrolho, mas estava praticamente curado dos terríveis ferimentos que tinham resultado do seu combate contra Freeza. A cauda, que normalmente enrolava na cintura, estava estendida ao seu lado. Ainda mantinham as caudas, ele, o filho, o neto, Kakaroto e o filho deste, pois não tinham sentido necessidade de se livrarem delas. Quando entrara no hospital, os médicos que o assistiram acharam estranho. Ele ouvira-os conversar sobre o que fazer àquela coisa peluda que se eriçava, em consonância com o estado debilitado do corpo, e ele irritara-se de tal modo, exigindo que tratassem dele e que não se pusessem com debates, que acabaram por aceitar a cauda como fazendo parte do doente, não se importando mais com esta.
Alguém sentou-se ao lado dele. Vegeta entreabriu um olho, mas não era preciso vê-lo para saber quem era. O ki era distinto, o odor também e tinham partilhado tanta coisa juntos que conseguiria reconhecê-lo em qualquer ocasião. Percebeu que ficara algum tempo a observar as gruas a trabalhar, a colocarem os painéis metálicos que estavam a cobrir a estrutura da Capsule Corporation. Depois disse:
- Tenho andado a pensar nesta nossa última aventura e cheguei a uma conclusão: atingimos o nosso limite.
Vegeta abriu os olhos.
- Porque é que dizes isso, Kakaroto?
- Os nossos poderes são muito grandes, demasiados para a Terra – explicou Goku num tom ligeiro. – Temos de ter cuidado ou arriscamo-nos a explodir com o planeta. Possuímos poder suficiente até para aniquilar galáxias inteiras! Contudo, os nossos últimos adversários serviram-se da magia para abalar a nossa paz. Babidi, Zephir, o Sem-Nome... Quem enfrentámos ultimamente, em combate direto? A não ser Majin Bu, os nossos mais recentes adversários têm sido apenas imagens de outros guerreiros, convocados pela magia. Keilo, os demónios de Zephir, os saiyajin e o Freeza desta dimensão. Se não fosse a magia, tínhamos conseguido derrotá-los e eliminá-los com apenas um golpe. Um único ataque bem-sucedido e nem derramaríamos uma gota de suor.
- Queres dizer que não tivemos adversários reais... desde Majin Bu?
- Hai. Apenas adversários a fingir.
- Mesmo a fingir, como dizes, não foram fáceis de bater.
- Somos demasiado fortes.
- Mas é para isso que lutamos, Kakaroto. Para sermos mais fortes!
- Lutamos para vencer. E, de vitória, em vitória, esgotámos as hipóteses de encontrarmos um adversário que realmente seja um desafio. Acabámos por eliminar a competição direta.
- Isso não me incomoda, se queres saber... - E o príncipe desenhou um meio sorriso.
- A paz regressou. Tudo termina em bem, mais uma vez...
Vegeta sentou-se. Junto às palmeiras replantadas diante da entrada principal da Capsule Corporation, Trunks, Goten e Tiago treinavam-se. Observou-os durante algum tempo. Os três rapazes divertiam-se, o que faria supor que não estavam a levar muito a sério o que estavam a fazer. Exercitavam-se e conviviam, as caudas peludas agitando-se insolentes. A prole da grande raça dos lendários guerreiros das estrelas, conscientes do seu imenso poder, brincava. E ainda havia outros, para além daqueles três brincalhões. O irmão de Goten, Son Gohan, e Pan, a filha deste. A sua filha, a endiabrada Bra, com mais génio que a mãe e mais teimosia que o pai.
O príncipe dos saiyajin cumpria a sua missão. O seu planeta havia sido destruído, a raça guerreira quase exterminada. Ele próprio havia assassinado o seu tutor, Nappa, e Kakaroto acabara com o próprio irmão, Radditz. Mas ele e Kakaroto acabaram por conseguir gerar descendência que asseguraria, embora com o sangue misturado com o dos chikkyuujin, a sobrevivência da sua raça. O testemunho estava passado. Não podia considerar que falhara a sua missão, enquanto líder supremo dos saiyajin.
De alguma maneira, Vegeta percebeu que Kakaroto tinha razão. Atirou com nostalgia:
- Hum... Os nossos dias de glória acabaram.
Goku sorriu, em concordância. Olhou para o companheiro.
- Acho que sim.
Era como uma sensação aprazível, perceber como tinha sido rica e cheia essa vida gloriosa. Um conforto no coração, como um abraço quente de quem se amava.
Vegeta tornou a deitar-se na relva, fechou os olhos.
Rematou:
- Foram dias excelentes!
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