XLII - A bravura dos heróis
Trunks e Goten juntaram-se a Goku no momento em que Shenron se enrolava nos céus, tornando a rugir com a enorme bocarra escancarada. Anunciava a sua entrada com um trovão que se sobrepunha a todos os outros. O terramoto que provocara com a sua chegada retumbante sacudia o solo sem parar.
- 'Tousan! Vamos vencer! – exclamou Goten entusiasmado. – O criador chegou e ele vai conseguir derrotar essa criatura maléfica.
- Hai... Acho que vamos vencer...
Então, tinha-se esforçado para nada, concluiu Goku desiludido. Já pensava numa Kamehame-Ha arrasadora, mas nem o seu ataque energético mais potente poderia acabar com aquela criatura estranha e egoísta. O Sem-Nome agarrava no medalhão de Mu com sofreguidão.
Um cansaço avassalador derrubou-o. Goku escutou a voz do filho desvanecida, como se este lhe estivesse a falar de muito longe. Despertou um instante depois. Sacudiu a cabeça, que já não lhe doía, e tentou sentar-se. Trunks amparava-lhe as costas, Goten debruçava-se sobre ele.
- 'Tousan! Sentes-te bem?
- Já estou melhor – confessou, esfregando os olhos com um braço. E completou envergonhado: – Acho que o Sem-Nome tenta enfeitiçar-me para que eu me passe para o lado dele. Sem o saber, tenho estado a lutar contra ele, de corpo... e espírito!
- Mas agora já estamos protegidos – disse Trunks. – O criador está a proteger-nos.
- Nani? Como sabes tu isso?
Goku levantou-se. Trunks apontou para cima.
- Olha...
De facto, por cima deles, via-se uma espécie de película transparente, como uma bolha de sabão gigantesca. Tremeluzia ligeiramente, com laivos coloridos, da cor do arco-íris, que distorciam as nuvens escuras que teimavam em abafá-los.
Shenron ficou a pairar nos céus, todo enrolado como uma cobra. Tori-Sama tinha desmontado e postava-se diante da plataforma, a desafiar o Sem-Nome. Era uma figurinha esquisita, um homenzinho atarracado, sem pescoço, usando uma máscara antigás com as correias desapertadas, umas pinças de som peculiar em vez das mãos. Pic... pic... pic... A criatura tinha um aspeto mais poderoso, gigante e esguio, como se escondesse arestas afiadas sob a capa e o capuz. Goku percebeu como Goten e Trunks sustinham a respiração. Estavam descrentes.
- Como foi que ele conseguiu o medalhão? – quis saber Goku.
Silêncio. O dragão sagrado aguardava, entre relâmpagos.
Os dois adversários divinos mediam-se.
- Foi o Tiago – respondeu Trunks tenso. – Parece que perdeu o juízo... Estava enfeitiçado, Goku-san. Lutou comigo, roubou a minha metade. Uniu os dois triângulos e foi levado da ilha. O Tiago não é o mesmo.
- Estou a ver...
E como se a simples menção do seu nome o convocasse, de uma nuvem de destroços surgiu Tiago num voo lançado, com um braço recolhido, punho fechado, a preparar um golpe. O seu alvo era um corpo que voava diante de si, meio inconsciente, verde e maciço.
Tiago estava transformado em super saiyajin e atacava com ganas.
Tiago lutava contra Piccolo.
Goku deu um passo em frente.
- Piccolo!!...
Goten puxou-lhe pelo dogi.
- Não, 'tousan! Se saímos da proteção do criador, não sabemos o que pode acontecer. Podemos desequilibrar a situação e o Sem-Nome ficará em vantagem. Não podemos deixar que isso aconteça.
- Goten, se Piccolo morrer, Shenron também morrerá. E Tori-Sama está a utilizar o poder de Shenron para derrotar o Sem-Nome. Eu estava no Palácio Celestial quando Piccolo se uniu ao Kamisama para dar mais poder ao dragão, para que este pudesse ser usado para derrotar o Sem-Nome.
- Então, o Sem-Nome sabe disso e está a utilizar o Tiago como uma das suas armas. Se o Piccolo morrer...
- O Tiago não consegue derrotar o Piccolo – observou Trunks.
- Não tenhas tantas certezas, Trunks – avisou Goku. – Tiago é um super saiyajin descontrolado, com o poder alimentado pela magia do Sem-Nome. Eu diria que, neste momento, nem eu conseguiria derrotar o Tiago.
- Estás a brincar, 'tousan! Tu és um super saiyajin que atinge o nível três.
- Goten, o Tiago está muito próximo de alcançar o segundo nível dos super saiyajin.
- Shimata! – exclamou Trunks.
- Leiam o ki do Tiago-kun. Não sentem?
Os dois rapazes voltaram a cabeça ao mesmo tempo. O punho do rapaz da Dimensão Real apanhou em cheio o maxilar de Piccolo. Um estrondo, o namekuseijin afundou-se no solo, numa cratera funda.
A impaciência de Goku era insuportável. Deu outro passo em frente.
- 'Tousan! Por favor! – implorou Goten.
Tori-Sama e o Sem-Nome entreolhavam-se, aparentemente inertes. Shenron era a testemunha daquele combate mudo, partilhando os céus com a tempestade criada pelos dois seres poderosos, pairando com serenidade, regougando brandamente.
Goku deu outro passo em frente ao ver como Tiago unia as mãos no alto e criava uma bola de energia. Sentia o espírito de Piccolo a lutar para recuperar.
Distraiu-se com outro espírito, que era um frágil fiapo na imensidão do universo. Cerrou os dentes.
- Vegeta...
Havia tanto para atender e ele não sabia o que fazer primeiro. O toque de Goten e o grito aflito penetraram na sua confusão.
- 'Tousan!
A bola de energia explodiu. Protegidos pela bolha do criador, não foram atingidos, apesar de estarem próximos. As labaredas envolveram a fronteira transparente, em vermelhos e laranjas. Goten e Trunks protegeram a cara, cruzando os braços diante desta, mas fora apenas puro instinto. Não houve qualquer mudança de estado dentro da bolha. Não sentiram mais calor, nem as vibrações do ataque. A proteção estava a funcionar. Entreolharam-se e acenaram que sim com a cabeça. Goku achou estranho, mas aceitou o escudo protetor daquela bolha.
Tori-Sama continuava imóvel.
Piccolo saltou da cratera, a roupa meio desfeita. Tiago sorriu e chamou por ele com a mão direita, os dedos unidos. Goku pestanejou. A expressão cínica era idêntica à de Vegeta, ainda mais do que alguma vez vira na cara do filho do príncipe dos saiyajin. Olhou para Trunks que observava Tiago atónito, provavelmente a pensar o mesmo.
Nisto, uma rajada sobreaquecida atingiu os três de chofre. A película transparente rompia-se, abrindo enormes buracos ondulantes. Ficaram expostos ao turbilhão que rodeava o sítio onde estavam. Voltaram-se para todos os lados, a tentar controlar o que acontecia, para não serem surpreendidos. Colocaram-se em posição defensiva e uniram costas com costas, abarcando todos os ângulos possíveis.
Dedos fantasmagóricos e quentes tocavam neles, tentando penetrar, ferir, manchar. Goku fortaleceu a mente para escapar aos insistentes ataques da criatura. Viu como Goten e Trunks se esforçavam, tal como ele, para repelir os feitiços.
O Sem-Nome contra-atacou. Tori-Sama foi atingido por um golpe invisível, mas imensamente poderoso, que o derrubou ostensivamente. Deslizou pelo terreno, varrendo cascalho e terra e parou junto à biqueira das botas de Goku. Este olhou para baixo e sentiu um arrepio de medo. O criador tinha abandonado a imagem de homenzinho das pinças e tinha o seu aspeto normal, com os traços adaptados àquela dimensão. Usava uma máscara de cirurgião a tapar-lhe metade do rosto e isso era bastante esquisito, por causa dos óculos. Estava desmaiado.
Nos céus, Shenron lançava um rugido ensurdecedor, o pescoço dobrado para trás. Uma lamúria que indicava que fora ferido. Piccolo investia contra Tiago.
Goku amparou a cabeça de Tori-Sama. O criador despertou, confuso. Olhou para ele com um pânico tal nos olhos que o assustou. Era como se fosse outra pessoa e tudo o que fora ou fizera enquanto homem das pinças se tivesse borrado da sua mente. Tiago continuava a rechaçar Piccolo com grande violência. Estava decididamente apostado em eliminá-lo. Numa ideia mais crua e definitiva: Tiago lutava para matar Piccolo.
E se o namekuseijin morresse, Shenron também morreria.
Goku engoliu em seco. Por cima dele, o dragão lamentava-se em pujantes rugidos de dor. Ajudou o criador a sentar-se e implorou:
- Tori-Sama! Faz alguma coisa! O Tiago está debaixo do controlo do Sem-Nome.
O criador negou com a cabeça.
- O Tiago vem da mesma dimensão do que eu. Eu não o criei. Não consigo interferir.
- Então, como...?
Goku apertou os dentes, a sentir o sangue a latejar na testa.
- Como é que o salvamos? – perguntou.
- Só ele próprio o poderá fazer.
- Kuso!...
O combate entre Tiago e Piccolo não podia terminar. Goku transformou-se em super saiyajin – não se lembrava de ter regressado ao seu estado normal. Preparou-se. Iria intervir quando fosse necessário.
Aquilo estava a ir longe demais.
Tori-Sama olhou para o Sem-Nome que segurava o medalhão de Mu ao alto, como se o mostrasse a uma assembleia de crentes. Avançou, mesmo sem a máscara antigás e as suas pinças, num passo lento, mas destemido. Iria enfrentá-lo e talvez se recordasse de que o estava a fazer, num qualquer nível etéreo que não era percetível para os saiyajin que ali se encontravam. Ajeitou os óculos na cana do nariz. Shenron acalmara, rugindo agora mansamente, como um gato a ronronar.
Goku aumentava a sua energia.
Ao seu lado, Goten e Trunks faziam o mesmo.
***
Os olhos esverdeados do super saiyajin eram esmeraldas geladas que o feriam com todo o despeito que vomitavam, mas Piccolo, o rei dos demónios, que já tinha mergulhado nas trevas, não queria deixar-se impressionar. A fusão com o Kamisama tinha-lhe dado uma força imensa que o embriagara no início. Estava mais forte do que alguma vez julgara possível vir a ser. Mas também lhe tinha dado uma consciência diferente, mais ponderada e suscetível a desvios inconcebíveis, como a misericórdia e o respeito por outrem.
Aquele rapazola estava a irritá-lo, julgando que poderia derrotá-lo.
Piccolo limpou a cara que sangrava de um golpe recente. Fez um esgar de desafio. O super saiyajin estava impassível, dominando a situação com uma frieza invejável.
Era também um guerreiro admirável, tão perfeito nos seus contornos que parecia quase impossível de abater. Mas Piccolo era agora um super demónio, à sua maneira, unido com o anterior ser supremo daquele planeta. Era um super namekuseijin e agora percebia a razão de lhe terem sido injetadas todas aquelas imagens de um planeta desértico, de imensas planícies azuis e lagos verdes, árvores como postes e dias intermináveis. Mostravam que ele era muito mais do que um demónio, pertencia a uma raça especial que também sabia lutar com o esplendor de um saiyajin sanguinário.
Piccolo utilizou a super velocidade para surgir perto de Tiago, pelo flanco, onde ele menos esperava. Atingiu-o com o grosso cotovelo, lançando-o como um míssil até ao chão. Antes de o deixar tocar esse chão duro, que haveria de lhe amassar os ossos todos do corpo, Piccolo dobrou o braço, uniu dois dedos junto à orelha esquerda e berrou:
- Makkanko Sappou!
O raio laranja vivo, enrolado numa espiral de energia faiscante, sibilou até ao adversário. A explosão provocou um ruído atroz e um tremor de terra assustador. Goku protegeu a cara com os braços, espreitou por entre eles. Recebia a saraivada de pedras, enquanto tentava ver o que é que se estava a passar. Escutou a risada de Piccolo, por entre a bruma de poeira. Escutou o grito de Piccolo quando a bruma se dissipava:
- Nani?!!
Era uma interjeição de assombro e de aflição. Goku viu Tiago diante de Piccolo, viu-lhe o sorriso maléfico – novamente, uma personificação medonha de Vegeta nos seus piores dias – e viu o golpe, desferido com o antebraço, que derrubou o namekuseijin.
Goku apanhou Tiago na descida que empreendia para rematar o adversário. Empurrou-o com uma vaga energética que criou com as mãos. Como Tiago não estava à espera de ser atacado, desequilibrou-se e caiu desamparado, berrando frustrado. Goku abeirou-se da depressão que a queda do rapaz abrira no solo.
Uma cortina de luz irrompeu da depressão. Tiago surgiu, tão furioso que se viam as veias a pulsar nos braços e na testa. Volveu para Goku uns olhos injetados de sangue:
- Maldito! Vou matar-te!
Goku murmurou perplexo:
- Tiago-kun, sou eu...
O rapaz uniu as mãos em concha, por cima da cabeça. Fez aparecer uma bola de energia azul, muito condensada. Estava ali poder suficiente para acabar com a Terra. Goku olhou para a bola azul, recuando. Preparava-se para saltar, para que atraísse o disparo energético e desse modo evitar a catástrofe, quando Tiago foi atingido na nuca com um potente golpe, duas mãos de dedos entrelaçados, que o deixou inconsciente.
A cara de Tiago afundou-se no solo. Perdeu a aura dourada e apagou-se miseravelmente. Goku arquejou:
- Na-nani?...
Trunks aterrou perto do corpo do rapaz. Disparou um raio que lhe atingiu as costas, desfazendo-lhe a roupa, enchendo-o de queimaduras e de pequenos ferimentos sangrantes.
- Trunks, o que estás a fazer?
- A certificar-me de que ele não acorda tão cedo.
- Mas... Mas...
- Eu não o matei.
- Mas feriste-o e...
- Ele era o inimigo! – sentenciou perentório.
- Ele é o teu filho!
- Já te disse que não o matei, Goku-san.
- Trunks... Tu não estás enfeitiçado, pois não?
Um berro distraiu-os. Viram alarmados como o namekuseijin atacava o Sem-Nome, a mão verde aberta, as enormes unhas brancas e afiladas, dirigindo-se ao medalhão de Mu que a criatura exibia.
- Piccolo! Para!!!
Goku saltou e disparou um fino raio amarelo que partiu o medalhão em dois, uma fração de segundo antes de Piccolo tocar neste. Mas apesar de os dois triângulos estarem separados, o namekuseijin adiantara-se ligeiramente ao raio salvador de Goku e recebeu ainda a magia do amuleto. Lançou um grito lancinante e caiu pesadamente, como se tivesse sido esturricado por uma descarga elétrica. Goku aproximou-se dele a chamar:
- Piccolo!
O corpo estava inchado e fumegava. Goku arrepiou-se:
- Pi...Piccolo...
Shenron despencou-se dos céus, deixando um rasto de fumo negro. Tori-Sama reagiu com um grito de desespero, os braços erguidos ao alto, como que a implorar ajuda divina, lágrimas no canto dos olhos.
O Sem-Nome riu-se às gargalhadas, que rolavam no ar como pedregulhos atirados do cume de uma montanha.
Movido pelo desespero, Goku atacou-o.
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