VII - A missão
Entrada no meu diário, data: março 2011
O jantar foi estranho, especialmente tenso. Para Goku, julgo que não. Comeu por vinte, como eu tinha dito, deixando o meu marido à beira de um ataque de nervos e a Isabel tão espantada que passou a maior parte do tempo a observar o estranho amigo da mãe que bebia as tigelas de sopa como se fosse sumo, que sorvia massa esparguete como se fosse um aspirador, que engolia fatias de carne assada sem as mastigar e, sobretudo, que não comia com faca e garfo, mas com dois pauzinhos que se moviam com tanta destreza e precisão que pareciam estar colados aos dedos.
- És chinês? – acabou ela por perguntar.
Goku piscou os olhos, as bochechas cheias de comida.
- Chinês? Acho que não... Eu sou chinês, Ana-san?
Corei, sentindo o olhar mordaz do Luís em cima de mim.
- Mais ou menos. Mas nasceste no Japão...
- Ah, pois... É isso.
- Como é que um japonês, que é mais ou menos chinês, se chama Gonçalo?
Tinha combinado com Goku, no carro a caminho de casa, que iríamos tratá-lo pelo nome que ele tinha usado quando estivera naquela dimensão quinze anos antes. Ele confessou, coçando a cabeça, que não se lembrava que nome era esse e eu recordei-lho: Gonçalo. Pedi ao Tiago que entrasse no jogo. Ele, sabendo que devia alinhar ou perdia para sempre a oportunidade de saber mais sobre o seu verdadeiro pai, concordou sem hesitar. Fiquei contente. Mas o Luís não estava a gostar da brincadeira e tinha acabado de fazer uma pergunta lógica, mas que naquele momento me pareceu um boicote inaceitável àquele jantar tão agradável.
- O Gonçalo tem também ascendência portuguesa.
- Ah... - Luís arqueou as sobrancelhas. – Que grande miscelânea que deve ser a sua família, senhor Gonçalo.
- Gosto de te ver a comer com pauzinhos! – exclamou Isabel.
Goku sorriu e perguntou:
- Queres que te ensine?
- Sim! Agora.
A minha inocente, espontânea e adorável filha foi quem acabou por salvar o jantar, intervindo nos momentos mais complicados, como aquele dos nomes e nacionalidades. Na realidade, cortava as investidas do pai para descobrir quem era aquele meu amigo, vindo sabe-se lá de onde, que eu de repente dizia ter feito parte dos meus conhecimentos do passado, dos tempos de faculdade. Goku não se melindrava com as observações sarcásticas do Luís e entendia-as da mesma forma como a Isabel as entendia. Ou seja, simplesmente não lhes percebia o alcance. Comeu, gostou da comida e elogiou a cozinheira, fazendo-me sentir especial como há muito não me sentia. Isso aumentou os ciúmes do Luís. Quando estávamos os dois a levantar a mesa e a arrumar a loiça suja na máquina, percebi a animosidade dele, quando se encostou a mim e atirou com desdém:
- Então... Aquele pacóvio alarve é o pai do Tiago?
No início, fiquei chocada com a crueldade com que ele o classificara. Mas estava aborrecido, desconfiado e, sobretudo, ciumento. Estava também preocupado com a esposa que precisava de descanso absoluto, ordens médicas, e que tinha passado as últimas duas horas a cozinhar uma refeição lauta, que daria para um regimento, servida a um perfeito desconhecido sem maneiras. Não devia importar-me com as suas palavras que eram fruto dessa amálgama de sentimentos negros. Espreitei Goku que, sentado no sofá da sala, ria-se com a Isabel que estava no seu colo. Tiago sentava-se no braço do sofá participando na risota, satisfeito e descontraído.
- Não – respondi. Não, ele não era o pai do Tiago. Nunca o podia ser... Ele tinha uma família maravilhosa. Era tão altruísta, porém. Um dia, tinha-lhe pedido um beijo e tinha-mo dado como quem dá uma flor. Ainda guardava essa recordação quente como um lindo tesouro e sorri ao lembrar-me como ele encostara a sua cabeça na minha
- De certeza?
O Luís olhava zangado para mim.
- De certeza.
- Para de sorrir, estás a enervar-me. Dormiste com ele, nesse vosso passado de faculdade?
O meu coração deu um salto com outra recordação. Quando ele me abraçara junto à cascata. Eu estava encharcada, trémula, a segurar uma bola de dragão.
- Não... digas asneiras - protestei fracamente, com a boca seca. - Isso nunca aconteceu. E o Go... Gonçalo é casado.
- Onde está a aliança?
- Ele não usa! Achas que o Tiago e ele são parecidos? Francamente...
O Luís olhou de relance para a sala.
- Na verdade... Não os acho parecidos. Mas é normal que eu tenha esta reação. É o primeiro amigo do teu passado que conheço e, no fim de contas, o Tiago está muito interessado nele.
- A Isabel também não o larga. Quanto ao Tiago... Simplesmente pensa que o Gonçalo poderá ter conhecido o pai dele, como faz parte do meu passado.
- E conhece?
Coloquei um par de pratos na máquina de lavar loiça. O silêncio exigia-me que não fraquejasse naquele momento decisivo.
- Não. Não conhece. E julgo, Luís, que tínhamos combinado nunca fazer essa pergunta - acrescentei determinada.
- O Tiago quer saber quem foi o pai dele. Algum dia, vais ter de lhe contar... Ou irás perder o teu filho para sempre. Ele não te vai perdoar não saber a verdade.
- Algum dia, poderei contar. Quando ele estiver preparado.
- Não lhe vais contar uma daquelas tretas de que o pai morreu antes de ele nascer, pois não?
- O pai do Tiago está vivo...
- Como sabes? Que eu saiba, há pelo menos doze anos que não tens contacto com esse homem. Foi o teu amigo Gonçalo que te veio trazer novidades? Ou manténs um contacto secreto com esse teu amante?
- Há quinze anos que não falo com o pai do Tiago! - indignei-me. - Estás a ofender-me com a tua desconfiança. Presumo que esteja vivo... Assim como eu estou viva.
Espreitei a sala onde Goku brincava com a minha filha, observados pelo meu filho. Mordi o lábio inferior.
- Não o deixes sozinho... Estás a ser um mau anfitrião.
- Vai tu para a sala, já trabalhaste demais por hoje. Mas estou a vigiar-te!
- Vigiar-me?
- A minha vontade era ir até ali, enchê-lo de porrada e obrigá-lo a confessar o que sabe. Que merda! Estou farto deste mistério!
Esbugalhei os olhos.
- Enchê-lo... enchê-lo de porrada?!
- Deve estar tão mole com a pança cheia que nem se vai conseguir mexer. Achas que deva? Já que estou a ser um mau anfitrião...
Sorri-lhe com condescendência.
- Eu vou para a sala. Obrigada por me ajudares com a cozinha. E acho que não se resolve nada com porrada.
- Eu ajudo-te em tudo, Ana - resmungou, fechando a máquina de lavar loiça e carregando no botão para a por a trabalhar. - E faço tudo o que me pedes. Até não fazer perguntas que me queimam a língua há séculos!
Dei-lhe um beijo na face. Olhou-me crispado, suplicante.
Mas eu não lhe podia contar.
***
A melhor da noite foi quando disse ao Luís que Goku ficava a dormir na nossa casa. Ele ficou tão vermelho quanto um tomate e Goku, piscando muito os olhos como costumava fazer quando lhe diziam alguma coisa imprevista, não se meteu entre a tempestade que criei entre mim e o meu marido.
- Porquê?
- Ele está de visita, Luís. Pediu-me para ficar...
Goku quis refutar essa minha observação, mas percebeu que era mais prudente continuar do lado de fora da borrasca e encolheu-se.
- E não existem hotéis na cidade?
- Não vou mandar um amigo para um hotel.
- Por quanto tempo?
- O tempo que for preciso – repliquei.
A seguir a esta troca azeda de palavras, o Luís despediu-se avisando que ia para a cama e levava os miúdos. Era muito cedo, nem sequer eram dez da noite. A Isabel fez uma birra, queria ficar com o amigo da mãe. O Tiago foi para o quarto à frente do Luís sem refilar, o que o deixou ainda mais irritado.
Olhei para Goku.
- Esta sexta-feira está a ser muito divertida, sem dúvida... Peço-te desculpa pelas atitudes do Luís.
- É compreensível.
- Olha, vou deitar os meus filhos e já venho. Trarei uns lençóis e cobertores. Não te importas de dormir no sofá, pois não?
- É mais do que estava à espera.
- Pensavas dormir onde? - admirei-me.
- Por aí... Não me importo de dormir ao relento.
- Olha que disparate!
Voltei à sala meia hora depois. A casa estava mergulhada no silêncio. O Luís nem sequer falara comigo. Empurrara-me para fora do quarto quando eu tentara fazer as pazes e fechara a porta, dizendo que fosse falar com o meu amigo da faculdade, que devia ter tanta conversa para por em dia, que me fosse distrair, que também precisava para além do tal repouso absoluto. A Isabel enrolara-se debaixo dos cobertores agarrada ao seu peluche favorito e o Tiago, como era seu hábito, também fechara a porta do seu quarto, após um conciso "boa noite".
Goku levantou-se quando apareci. Deixei os lençóis e os cobertores em cima do sofá.
- Ana-san.
- Goku...
Fiquei diante dele, a combater aquela vontade imensa de me atirar para os seus braços. Aquele homem continuava irresistível. O herói dos meus sonhos...
Para, Ana! Amas o filho do amigo dele. Além disso, ele não tem um pingo de maldade naquele corpinho, não iria perceber a investida.
- Podemos começar a conversar a sério – disse a sentar-me no sofá e ele sentou-se comigo. – Percebi que te estiveste a conter quando nos encontrámos no Fórum, esta tarde.
- Achei que não quisesses que o teu filho ouvisse o que tenho para te dizer. Apesar de, sabendo que ele é neto de Vegeta...
- Estavas certo, não queria que ele ouvisse. Ele não conhece o seu passado e não te ia compreender. Por outro lado, estávamos num espaço público. Aqui, estamos mais sossegados.
- Hai – concordou.
Goku deu início à história:
- Bem, tudo começou quando Dende percebeu uma alteração no universo. Como foi que ele disse? Ah... Uma distorção. Observou-a durante alguns dias. Foi quando começou a sentir diversas fontes de energia poderosas, em vários pontos do universo, que me mandou chamar. Estava na ilha com Ubo. Dende pediu-me, mais uma vez, que deixasse o rapaz. Tem medo que Ubo ainda não esteja preparado e que, tal como aconteceu com o feiticeiro, a energia negativa se revele mais poderosa do que a positiva.
- Estamos novamente a lidar com magia?
Não se incomodou por eu me ter incluído naquilo e prosseguiu:
- Dende acha que não. Também não acho. É qualquer coisa mais... negra.
- Pior que a magia de Babidi?
- É difícil de acreditar, não é? Quando pensamos que estamos em paz, acontece qualquer coisa que perturba tudo... Dende disse-me que esse alguém que provocou a distorção andava atrás do medalhão de Mu e enviou-me atrás da primeira metade, para protegê-la. Pediu-me que tentasse tirá-la a... ao seu dono, sem que ele percebesse. Mas esta, de repente, já não existia na Dimensão Z. Não estava com o... com o seu dono. Tinha sido roubada antes que eu lhe tivesse deitado a mão. Segui os ladrões até aqui.
- Eram mais do que um?
- Um par de criaturas. Não passavam de peões, ao serviço de alguém. Encontrei-os com o teu filho...
- Bolas! – Comecei a roer a unha do polegar direito. – Foi assim que ele conseguiu o medalhão, não foi? As criaturas encontraram-no... Ele esteve em perigo.
- Conseguiram chegar a ele graças ao ki de saiyajin.
- E como raios conseguiram descobrir que ele tem sangue saiyajin?
- Quando os derrotei, vi que usavam scouters no olho direito, iguais àqueles que os subordinados de... Freeza usavam, no planeta Namek. Iguais aos aparelhos que Vegeta e Nappa trouxeram, quando chegaram, pela primeira vez à Terra. Deve ter sido com isso que detetaram o teu filho.
- Ahn?! – exclamei.
- É tudo demasiado estranho... O Medalhão de Mu é muito importante, pois permite as viagens entre dimensões. Já temos as duas metades, menos mal. De qualquer modo, as perturbações continuam. Sinto-as a vibrar até aqui, na tua dimensão, onde tudo é menos claro para mim.
- E o que podes fazer, Goku?
- Bem, devo repor a ordem das coisas, assim me disse Kaioh, que fui ver depois de falar com Dende. Aliás, estivemos os três a falar no planeta de Kaioh.
- E como poderás tu fazer uma coisa dessas? – Abri os braços. – Acaso te tornaste num... deus, ao mesmo nível de Dende, Kaioh, Kibitoshin...?
- Não. A minha missão é encontrar o grande deus, aquele que ordenou todo o universo.
- Ahn?!! – tornei a exclamar.
- Ele está aqui, na tua dimensão.
- Goku...
- Foste tu que nos contaste. Por isso, vim ter contigo. Não apenas por causa da outra parte do medalhão, mas também para me dizeres como posso encontrá-lo.
- Quem?... Quem é que procuras? – indaguei a tremer. – Que ser tão poderoso é esse que...?
- Aquele que criou o nosso mundo. Foi Kaioh que me confirmou que existe essa pessoa na Dimensão Real. Que foi graças... ao que ele criou que tu acabaste por nos conhecer, antes mesmo de te cruzares connosco.
Recostei-me no sofá, sentindo um calafrio drenar-me as forças e arrefecer-me. Gaguejei atarantada:
- Estás a falar de... Akira Toriyama?
- Se é esse o nome do criador da Dimensão Z, então, estou a falar dele.
- Ele criou Dragon Ball, o manga... Inspirou o anime...
- Preciso que me digas onde encontrá-lo.
- Queres encontrar Akira Toriyama?
- Hai. Deves dizer-me onde está. Preciso dele.
- Mas... Eu não sei...
- Não sabes? – exclamou Goku.
- Quero dizer, sei. Deve estar no país dele. No Japão.
Goku assentiu com a cabeça, muito sério.
- Então, é para o Japão que devo ir.
- E o que pode Akira Toriyama fazer?
- Kaioh disse-me que ele saberá o que fazer. Avisou-me que ele também poderá estar a ser procurado pelos nossos inimigos misteriosos. Não me devo demorar a encontrá-lo.
- Goku, para além de presumir que ele está no Japão, possivelmente na capital Tóquio, eu não sei onde ele mora.
- Mas ao me dizeres que ele está no Japão, já ajuda bastante.
Lembrei-me de repente:
- Japão! Não podias ter escolhido a pior altura para lá ir.
- Nan dá?
- Há precisamente duas semanas, a onze de março, o Japão foi atingido por um gigantesco sismo, seguido por um tsunami violentíssimo que destruiu uma grande parte do país. Para além disso, estão com muitos problemas numa das centrais nucleares, situada em Fukushima. Têm havido explosões, teme-se um desastre nuclear de proporções catastróficas, que poderá ter efeitos mais devastadores que o sismo e o tsunami, juntos.
Vi as sobrancelhas dele unirem-se de preocupação, uma gotinha de suor surgir-lhe na têmpora esquerda.
- Dizes que um sismo atingiu o Japão?
Ele levantou-se, voltou-se para a janela da sala, cruzou os braços.
- Hum...
Levantei-me também. Só então percebi que não tinha força nas pernas.
- O que foi, Goku?
- Poderá estar tudo relacionado...
- O quê?!
- O sismo aconteceu quando o universo foi perturbado. Os momentos coincidem.
- Tens a certeza?
Olhou-me de esguelha.
- Hai! Agora, resta-nos saber se o sismo foi consequência da distorção... ou a causa. Talvez Akira Toriyama saiba.
- Acho que ele não sabe nada disso... Se apareceres à frente dele... vais matá-lo de coração.
- Isso é mau... - analisou Goku preocupado. - Ele não pode morrer sem me dar aquilo que vim buscar.
- E o que é isso?
- Respostas e uma solução.
Os meus ombros descaíram.
- Julgas que ele tem respostas?
- Tenho a certeza. Não foi ele que nos criou?
- Sim, mas... Mas ele não imaginou todo o vosso mundo. Ele parou a seguir ao torneio em que encontraste Ubo. Zephir não saiu da imaginação dele!
Talvez tenha saído da minha? Abanei a cabeça zonza.
- E com certeza que não faz a mínima ideia do que se está a passar com o universo – continuei –, dimensões baralhadas, uma distorção e tudo o que me acabaste de contar. Se não sabe, como é que vai ter respostas e uma solução para isso? Além do mais, deverá ser um choque para ele descobrir que poderá ter alguma coisa que ver com o sismo que causou tanta destruição e morte no seu país. Não são coisas para se brincar, Son Goku!
- Mas é a nossa última hipótese! – exclamou alarmado.
Respirei fundo.
- Compreendo... Entramos num caminho sem saída.
- Acredito que há uma saída.
Estendi-lhe a segunda metade do medalhão de Mu.
- Assim, o medalhão já está completo.
Ele agarrou-o, nunca deixando de me olhar.
- Só o levo emprestado. Sei o quanto te é precioso. Também o é para Trunks.
Foi de repente. Disse o nome dele, pela primeira vez, e na sua voz fez-me estremecer. Trunks... Uma vaga de emoção preencheu-me a alma de vento. Fiquei oca, um pedaço de mim arrancado à bruta. Fechei os punhos e tomei coragem.
- Como... está ele? Já... se casou?
- Não. Dedica-se aos negócios da Capsule Corporation. Pertence ao... como se chama? Conselho de administração?
- Que desilusão se ele souber que me casei...
- Passou mais tempo para ti. Ele vai perceber.
- Nunca pensei que te voltasse a ver. Nunca pensei que pudesse existir... - Fitei-o ansiosa. – Uma segunda oportunidade!
- Mas não existe. Esta é uma situação excecional. Consegui vir para a tua dimensão por dois grandes motivos: primeiro, o espaço e o tempo estão a distorcer-se e a fundir-se. Segundo, por causa da tal distorção, conseguiu-se abrir uma porta temporária para a tua dimensão (e é possível abrir para outras).
Novamente, palavras caras que não condiziam com o discurso simples de Goku. Deve ter sido uma trabalheira para Dende e Kaioh fazê-lo decorar aquilo. Perguntei:
- Para outras dimensões?
- Hai. Outros universos. Por exemplo: é possível ir até à dimensão onde está mirai Trunks. É um mundo diferente daquele que conheço, onde só existe ele e Bulma, eu e todos os guerreiros estamos mortos, não existem as bolas de dragão e existe outra ordem das coisas.
O meu coração deu um salto.
- Mirai... Trunks?
- Não foi difícil transpor a porta entre os mundos.
- Não se utilizou magia, desta vez?
- Não. Bastou ir até à Sala do Espírito e do Tempo.
- Ah... No Palácio Celestial.
- Hai!
Goku guardou o medalhão no seu kimono.
- Bem, só me falta ir até ao Japão. Obrigada pela tua ajuda, Ana-san. Sabia que podia contar contigo.
Deu meia-volta.
- Goku, o que estás a fazer?
- Vou-me embora. Espero que não te importes, já que me tinhas oferecido a tua casa.
- Vais embora para onde?
- Para o Japão.
- E como pensas ir para o Japão? – perguntei desconfiada.
- Ora... A voar!
Depois de debitado o discurso com a sua missão espinhosa, recheado de palavras complicadas, voltava ao velho Goku de sempre. Gritei:
- A voar?!!
Tapei a boca com as mãos. O meu grito ecoara pela casa afora. Baixei o tom e zanguei-me:
- Não podes ir a voar, Goku-san!
- Ora essa... E porquê?
- Primeiro, porque na minha dimensão ninguém voa. Depois, não sabes que direção tomar!
Olhou para a rua, através da janela da minha sala.
- Pois é... Onde fica o Japão, Ana-san?
- Isso agora não interessa. – Aproximei-me dele e sentenciei: – Tu não vais a voar para o Japão!
- E como é que chego lá?
- Vais como as pessoas normais costumam ir: de avião!
- Ah... Está bem – concordou obediente. – Então, devemos comprar o bilhete de avião, certo? Mas, Ana-san, não tenho dinheiro comigo.
- Compro-te a passagem.
Um pormenor muito importante fez-me gritar pela segunda vez.
- Oh, não!
Tornei a tapar a boca. Parecia uma tontinha!
- O que foi?
- Para ires até ao Japão precisas de... documentos.
- Documentos?
- Uma identificação, passaporte. Sem isso, não passas no aeroporto. Existem regras de segurança...
- Há outra maneira de chegar até ao Japão?
- Há. Por terra e por mar, mas vai demorar imenso tempo e julgo que tempo é coisa que não tens.
- Então, ir a voar...
- Não deves atrair atenções desnecessárias sobre a tua presença aqui, Goku. Não tens a certeza se os dois que encontraste com o meu filho são os únicos seres da Dimensão Z que conseguiram viajar para esta dimensão. E não sabemos se o novo inimigo que enfrentas não estará também aqui.
- Por enquanto não sinto qualquer ki especialmente perigoso e forte. Mas poderá acontecer e é isso que tenho de evitar... Que o portal entre as dimensões fique de tal forma baralhado que permita uma mistura improvável entre mundos. Se isso acontecer, matéria e antimatéria irão encontrar-se e será a aniquilação de tudo.
- Estamos na área da física, agora? – estranhei. Só podia ter sido algum encantamento para ele ter aquele vocabulário tão elaborado.
A expressão desconcertada dele fez-me sorrir.
- OK, amigo, percebi. Temos o problema dos documentos...
- Eu posso arranjar os documentos de que ele precisa.
Eu e Goku olhamos ao mesmo tempo para a porta da sala. Tiago olhava-nos.
- Tiago!... – murmurei – O que fazes aqui? Não devias estar a dormir?
- É cedo. Não costumo adormecer a estas horas.
A réplica cínica irritou-me, a tal característica especial que me fazia ter a impressão de estar a falar com o seu avô da Dimensão Z.
- Estiveste a escutar a nossa conversa?
- Estive.
Preparei-me para o repreender, mas ele adiantou-se:
- Não devia?
- Ana-san, acho que chegou a altura de o teu filho conhecer a verdade sobre o pai e sobre o seu passado.
- Não sei se...
- Mas antes, precisamos dos documentos – afirmou Goku, como sempre perito em desviar atenções. – Dizes que os consegues arranjar?
- Sim, consigo - respondeu Tiago petulante. - A emissão de qualquer documento identificativo é feita por via eletrónica, utilizando meios informáticos: servidores, redes, computadores. Se eu entrar no sistema, o que, para mim, é a coisa mais simples desta vida, consigo roubar uma identificação, substituo fotos e aí tens os teus documentos... - Sorriu. – Senhor Gonçalo.
- Tu consegues penetrar em sistemas informáticos? – perguntei espantada. – Como um hacker?
- Sou o melhor.
- Não admira, Ana-san, sendo neto de Bulma – observou Goku divertido. – Ouve, Tiago-kun, quanto tempo vais demorar até conseguires esses documentos para mim?
- Não sei, depende do que encontrar na base de dados. Temos de ter uma identidade credível, não te posso fabricar documentos a partir de uma mulher, ou de uma criança.
- E como pensas tu fabricar os documentos? Na impressora cá de casa? E os selos oficiais e os elementos de segurança?
- Mamã, apenas vou mexer nos dados. Iremos levantar os documentos nos locais oficiais. E é ele quem o vai fazer – disse, apontando para Goku. – Para tornar a coisa mais credível e não levantar suspeitas. De resto, terá de ser tudo feito num espaço de um, dois dias. Levantamos os documentos e ele viaja, para que, quando descobrirem o roubo, ele já esteja longe.
- Gosto do plano – assentiu Goku.
Eu estava desconfiada, mas também aceitei o plano do meu filho. Evitava que Goku andasse por aí a percorrer grandes distâncias a voar e aproveitava a companhia dele por alguns dias. Enviei Tiago de volta para o quarto, fingindo-me zangada. Goku riu-se.
- Afinal, vou aproveitar a tua hospitalidade, Ana-san.
Por um ínfimo instante, pareceu-me tudo um sonho fantástico, porque tinha Son Goku a sorrir para mim na minha sala.
Apesar de a ter sumariamente afastado da minha vida, a Dimensão Z fazia parte do que eu era e, naquele dia, regressava para junto de mim, de forma inesperada e inevitável.
Fim de entrada.
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