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VI - Regressos inesperados


Aquele medalhão enfeitiçava-o. Não conseguia parar de o contemplar. Usava-o ao pescoço e, de vez em quando, retirava-o de dentro da blusa e punha-se a olhar, a tentar decifrar os seus enigmas.

O primeiro era o desenho central, que se completaria com a outra metade. Seria um sol ou uma estrela? Depois, a escrita. Rabiscos elegantes que, se traduzidos, haveriam de resultar num qualquer feitiço relacionado com o sol ou com a estrela que abraçavam. Seria uma frase única, ou o dito poderia ser lido e recitado sem parar, como no círculo que desenhava? E, por último, o seu significado: uma herança.

A verdade era que segurava no medalhão para se sentir mais perto do seu pai. O pai verdadeiro, aquele que o tinha gerado, o merdas de pai que fugia da responsabilidade, o anjo que a sua mãe dizia estar preso num qualquer lugar demasiado afastado para que os pudesse visitar e conhecer.

Tomara uma decisão: passaria a tratar o Luís por Luís. Não o voltaria a chamar de pai e não queria ter um padrasto. Era demasiado humilhante, soava a conto de fadas de péssimo gosto e haveria de ser a chacota de toda a escola se soubessem que ele tinha um padrasto. Até conseguia imaginar as piadas e as alcunhas: Cinderelo, Branco de Neve e por aí fora.

Apertava o medalhão entre os dedos, querendo espremê-lo até obrigar o metal a falar. Precisava de conhecer os seus segredos, sobretudo de saber se o seu pai também o tinha apertado da mesma forma. Estreitava o olhar a querer visualizar a cena, aguentar o máximo de tempo sem pestanejar, até que os seus olhos ardessem e visse tudo desfocado, esperando que nesse segundo de desorientação aparecesse a imagem do seu pai verdadeiro.

O gato miou a seus pés. Tiago desviou o olhar do medalhão para vê-lo enrolar-se nas suas pernas. Estava no seu refúgio. Não conseguia afastar-se daquele lugar, bem mais agradável que a escola que continuava a detestar. Naquele dia, tinha levado um pacote novo de bolachas que abrira de propósito para alimentar os gatos, seus companheiros. Não era justo dar-lhes sempre bolachas que andavam refundidas na sua mochila desarrumada e suja. Tinha dois dos três gatos junto a ele, a gata aparecera apenas para comer e desaparecera pouco depois. Ele sentia-se bem naquele canto onde só havia silêncio.

Enfiou o medalhão dentro da blusa. Chuviscava. O dia estava feio, nublado, apesar de brilhante. Recostou-se, respirando devagar, fitou pensativo o céu pardacento. Continuava na mesma encruzilhada de sempre, apesar de ter o medalhão e apesar de ter ouvido a sua mãe falar do seu pai verdadeiro, pela primeira vez. Continuava sem perceber o apelo que sentia na alma...

Não ouviu os passos e só se apercebeu que não estava sozinho quando o outro se sentou ao lado dele e a voz lhe vibrou nos ouvidos:

- Queres erva da boa?

Sobressaltou-se. Teria adormecido. Os gatos já não estavam ao pé dele. Os bichanos eram inteligentes, não se davam com qualquer um e muito menos com aquele falhado que se lhe juntava. Endireitou as costas e respondeu ríspido:

- Não quero nada teu, Necas.

- Vá lá, puto. Que mal te fiz?

Tirando o facto de o ter traído, não lhe tinha feito mal algum, pensou Tiago ressentido. Ele não se esquecia daquela imagem do Necas e do Marado, no cais novo, a verem filmes no portátil que ele tinha roubado.

Mas agora podia atirar os ressentimentos para trás das costas, não era? O Necas tinha sabido do que acontecera, certamente, e pela boca do Marado; daí a tentativa de aproximação, pois antes nem lhe sentira o cheiro e nem lhe vira a cor.

Tinha sido humilhante, mas ele aguentara estoicamente a cena, munindo-se de todo o seu autocontrolo. O Luís – que agora levava-o todas as manhãs à escola e ia buscá-lo no final das tardes, para se assegurar de que ele não faltava às aulas, como se isso fosse o suficiente – aparecera, no dia anterior, na hora do almoço. Falara com o Zé Quim, que estava de guarda ao portão, entrara e fora buscá-lo à cantina. Ele foi com o Luís até ao outro lado da rua, onde um Marado, contrariado e domesticado, esperava. Foi-lhe entregue um envelope cheio de notas, o Luís obrigara-o a contar o dinheiro. O Marado confirmara os trezentos euros, assegurara que a dívida estava saldada e prometera que não os voltaria a importunar. Tiago sentira vómitos, mas acompanhara o teatro até ao fim.

Deveria colaborar com o Luís. A sua mãe tinha saído do hospital no início da semana. Estava em casa, de baixa médica, e não podia ser sujeita a grandes alterações de humor e situações extremadas. Tiago fazia o papel de filho obediente, saindo com o Luís pela manhã, regressando com o Luís à tarde, deitando-se quando o Luís lhe ordenava, deixando o Luís definir-lhe horários e castigos – agora é que ele está a ser educado, gabava-se o padrasto quando julgava que ele dormia. Mas todos os dias ele esgueirava-se para o seu refúgio, para junto dos gatos, onde respirava e onde contemplava o medalhão dourado.

O Necas, sentado ao lado, enrolou um charro com os dedos sujos, as unhas lascadas.

- Queres erva da boa, ou não?

- Não tenho dinheiro para te pagar.

- Eu dou-te umas passas, puto... Para que servem os amigos?

- Não posso meter-me em dívidas.

O outro acendeu o charro, fez duas longas aspirações fumarentas.

- Já sei que tu e o Marado fizeram as pazes... O teu olho está bonito.

Tiago aceitou o charro, segurando-o com o polegar e o indicador, avaliando se enfiava um murro na boca do Necas e partia-lhe, finalmente, os dentes. Deu uma passa demorada.

- Foi o teu papá, não foi? Contaram-me...

Devolveu o charro ao Necas que o aceitou com um grunhido. Continuava a avaliar se lhe partia, ou não, os dentes. Mas a droga penetrava rapidamente na mente e as suas ideias começaram a misturar-se, como berlindes coloridos derramados sobre o soalho.

Subitamente, ouviu-se a dizer:

- Não te quero ver mais, Necas. Desaparece!

- Puto, nós somos amigos. Vai outra passa?

Aceitou outra vez o charro, entalando-o na ponta dos dedos. Escutou, ao longe, um miado. De repente, um cheiro horrível abafou o fumo da erva queimada que lhe rodeava a cara. Tiago levantou-se de um salto. O Necas ficou a olhar para ele.

O chefe avançou primeiro, arrastando a sua longa capa lilás. O subordinado seguia-o mais afastado do que da primeira vez que se encontraram. Com a surpresa, o Necas não conseguiu reagir e quedou-se sentado, de boca aberta, espantado como se estivesse a assistir à aparição de uma alma penada. Tiago segurava o charro na mão direita, que libertava um fio de fumo branco. O chefe olhou primeiro para a mão, depois para ele. Continuava a não se conseguir vislumbrar o seu rosto, mas, de qualquer forma, Tiago percebeu que ele sorria quando lhe disse:

- Encontraste o que te pedimos?

Engoliu em seco. Sentia-se tonto. Sem olhar para trás, ordenou:

- Necas, vai-te embora.

Percebeu que o Necas se levantava devagar.

- Quem são estes cromos? – perguntou o rapaz num sussurro.

- Necas, desaparece daqui!

Sentiu o charro a ser arrancado da mão e, pouco depois, ficou sozinho com o par velado de lilás. O fedor daqueles dois era deveras insuportável e ele agarrou-se ao nariz com as duas mãos.

O chefe foi direto:

- Onde está a segunda metade do medalhão?

- Eu... Tive uma semana muito complicada. Não consegui procurar pela segunda metade. – A voz saía-lhe nasalada. A resposta pareceu-lhe absurda. Como raios iria ele procurar uma coisa tão pequena? Iria começar por onde?

- Estás a brincar connosco?

- Não. Estou a falar a verdade.

- Nós demos-te a primeira metade, porque sabemos que tu haverias de ter a outra metade do medalhão. Foram essas as indicações que tínhamos.

- Mas eu nunca tinha visto o medalhão!

- Não nos enganes!

O grito espantou Tiago, que deu um passo atrás.

- Esperam aí: mas não estamos do mesmo lado? Não me procuraram para salvar o planeta?

O chefe afastou-se. Um braço saiu de dentro da capa com a ordem para o subordinado:

- Trata dele. Mostra-lhe que não estamos aqui para brincadeiras.

- Posso fazer o que quiser?

- Obriga-o a falar. Mas não o mates. Podemos precisar dele para unir o medalhão.

- Muito bem, senhor.

O pânico fê-lo congelar. Tiago recuou até ficar sem espaço para fugir. Encostou-se a umas tábuas velhas empilhadas. O subordinado lançou um braço que lhe roçou o queixo. Fora tão rápido que ele não o viu, apenas sentiu a deslocação do ar e a raspagem de algo parecido a lixa na pele. Um peso foi-lhe aliviado do pescoço e ele viu o medalhão a balançar na mão enluvada do subordinado.

- Primeiro, ficamos com isto – disse trocista.

Tiago apertou os dentes.

- Devolve-mo! – exigiu irritado – Isso é meu!

- Não, enganas-te – esclareceu o chefe. – O medalhão é nosso. Foi-te emprestado para que conseguisses recuperar a outra metade. Falhaste e agora o medalhão regressa para o seu dono.

- Mas disseste-me que era a minha herança.

- Apenas se o merecesses, saiyajin – refutou o chefe com veemência. – Provaste o contrário.

- Vai ser divertido torturar um saiyajin – riu-se o subordinado, levando as mãos ao capelo.

O outro iria revelar o rosto. O chefe, ligeiramente mais atrás, cruzara os braços. Tiago, a apertar o nariz, susteve a respiração. Fechou os olhos, a apelar à sua força, mas o medo espalhava-se dentro dele como uma mancha de nafta sobre as ondas do mar, tisnando tudo de negro. Mas ele sabia que tinha força, um poder oculto encerrado nas profundezas de si próprio, que não sabia como desatar. Sentiu o odor intensificar-se, como quando se abre um balde do lixo. Sentiu um punho férreo agarrar-lhe a blusa e puxá-lo com um safanão.

Ele continuava de olhos fechados, à espera do primeiro soco. Quando estava quase a curar o olho esquerdo, iriam amassar-lhe o resto da cara – e como iria explicar aquilo ao Luís, quando o fosse buscar dali a duas horas ao portão da escola? E como reagiria a sua mãe?

E como demónios queriam aqueles dois que ele encontrasse uma coisa que nunca tinha visto?

Nisto, percebeu – será que a sua mãe sabia do medalhão?

Abriu os olhos e o que viu parou-lhe o coração. Uma carantonha acinzentada, coberta de escamas, com uns olhos cor de laranja unidos no centro da cara por cima de dois orifícios em forma de cunha, um esgar sorridente numa boca grossa e verde. Ao lado da carantonha, um punho fechado a preparar-se para socá-lo.

Um relâmpago desceu do céu e cegou-o. Tiago gritou. O subordinado soltou-o, ele desequilibrou-se e caiu sentado. Sacudiu a cabeça. Escutou um som abafado e aspirou um desagradável cheiro a queimado. Olhou para cima e viu as costas de um homem alto, de cabelo negro espetado, vestido de uma forma estranha. Na mão esquerda, o homem segurava a corrente dourada e o medalhão balançava. O subordinado tinha desaparecido.

Antes de o chefe conseguir reagir, já o homem se tinha agarrado ao seu pescoço, apertando-o com a outra mão. O capelo descaiu e Tiago viu que o chefe era tão horrível como o subordinado, a mesma carantonha de monstro-peixe. Arquejou assustado.

- Queres torturar um saiyajin? Experimenta comigo! – ameaçou o homem.

O chefe deu um coice, uma das pernas surgiu da capa comprida numa tentativa de pontapé. Novo relâmpago e Tiago tapou os olhos com as mãos para se proteger da luz intensa. Uns instantes depois, o cheiro nauseabundo do estranho par tinha-se sumido. Agora, cheirava a chamuscado. Quando tornou a escutar o miar aflito de um dos gatos, é que Tiago teve coragem para destapar a cara.

O homem, de pé, debruçava-se sobre ele e observava-o. Tiago encolheu-se.

- Estás bem? – perguntou-lhe.

- Quem... Q-quem és tu?

Estendeu-lhe uma mão para o ajudar a levantar-se, mas Tiago não quis ajuda. Apoiando-se nas tábuas, içou-se a tremer. O olhar prendeu-se no medalhão que o homem ainda segurava.

- Chamo-me Son Goku e vim atrás do medalhão. Não o deverias ter contigo, miúdo. É um objeto cobiçado por gente maléfica, que não hesita em matar para ter o que quer.

Tiago arrancou o triângulo dourado das mãos do homem misterioso, como que a querer mostrar que aquilo era dele. O homem não o tentou recuperar. Fez uma expressão aparvalhada. Tiago adiantou:

- Foram eles que me deram o medalhão. Se mo deram, é meu. Agora queriam roubá-lo. E tu, também o queres roubar?

O homem negou devagar com a cabeça.

- E como sei que tu não fazes parte dessa gente maléfica? – insistiu Tiago. – Também tu andas atrás disto.

- O dono do medalhão é meu amigo.

Sentiu um arrepio.

- Conheces o dono do medalhão?

- Claro.

- Como se chama?

- Trunks.

Não era um nome que estava à espera de ouvir. Pensou que não tinha percebido e perguntou novamente:

- Como se chama?

O homem espreitou por cima do ombro.

- Escuta, miúdo. Não podemos perder tempo. Estou aqui com uma missão que devo cumprir no mais curto espaço de tempo. São as indicações que tenho... Algo de estranho está a acontecer no universo. Cada minuto conta. E isto é apenas o princípio.

- E vai ter um fim, suponho...?

- Assim espero. A primeira metade do medalhão, essa que tens aí, deverá regressar para a Dimensão Z. No entanto, como andam à procura da segunda metade, devo recuperá-la também e antes que eles a encontrem.

A confusão começou a instalar-se. O homem falava-lhe de coisas avulsas que não se encaixavam. Tiago levantou um braço.

- Eh, espera lá um bocadinho. Vamos rebobinar. Disseste-me que o dono do medalhão era teu amigo. E onde está esse teu amigo? Porque não veio buscar o medalhão e vieste tu?

- Dende falou comigo primeiro. Pediu-me que tratasse do assunto.

- Quem é esse Dende?!

- O Kamisama.

- Quem?

- O ser todo-poderoso do meu mundo. Deus, se o quiseres chamar assim.

- Tu... Tu falaste com Deus?

- Não, ele é que falou comigo. Olha, miúdo, gostava mesmo de continuar a conversa, mas vou pedir-te um favor: quero que me devolvas o medalhão. – E estendeu um braço.

Era estranho, pois o homem tinha arrancado o medalhão da mão do subordinado e, a ele, pedia-lhe por favor. As coisas continuavam a não se encaixar e ele não era estúpido, considerava-se um rapaz bastante inteligente, acima da média, que era capaz de crackar redes informáticas e qualquer aparelhómetro eletrónico que lhe colocassem à frente.

Além disso, o homem dizia tantas asneiras que parecia estar pedrado...

Num reflexo, Tiago escondeu o medalhão atrás das costas.

- Espera! Quer dizer que vais procurar pela outra metade do medalhão?

- Hum-hum.

O homem estava a ser tão amistoso que enervava.

- Mas o mundo é demasiado grande. Como pretendes encontrar uma coisa tão pequena?

- Quem tem a outra metade é uma mulher chamada Ana que deve continuar a morar nesta cidade, mesmo depois dos anos que passaram. Aqueles dois também devem ter descoberto o mesmo, por isso andavam nas redondezas.

O nome teve o efeito de uma chicotada. Tiago esbugalhou os olhos, a voz saiu-lhe esganiçada e ansiosa:

- Ana? A minha mãe chama-se Ana e...

- Nani?

O homem agarrou-o pelos ombros e puxou-o para si, observando-o com tamanha proximidade que ele ficou incomodado.

- A Ana é a tua mãe? Sim, pareces-te com essa Ana que eu conheci. Mas os olhos... os olhos são...

- Tu conheces a minha mãe?

- E ela conhece-me a mim.

- E ao teu amigo? O dono... O dono do medalhão? Também o conhece?

- Claro que o conhece – respondeu como se fosse óbvio.

O homem soltou-o. A cabeça de Tiago girava a mil à hora. Esfregou o peito, inquieto. Sentia-se quase lá, na meta, onde rasgaria a fita e desvendaria os segredos, todos os segredos...

O gato mais velho apareceu com passitos elegantes e silenciosos. Miou. Tiago viu o bichano colocar-se entre eles. Tornou a miar e começou a esfregar-se nas pernas do homem. Tiago espantou-se. Aqueles gatos eram tão ariscos e vadios quanto ele e não se entregavam a ninguém, exceto a quem lhes dava migalhas de bolacha e companhia solitária. Se o gato se aproximava daquele homem que aparecera do nada, em meio de relâmpagos e que fizera desaparecer o par fedorento das capas lilases com outros relâmpagos, queria dizer que seria de confiança. O homem sorriu, agachou-se e fez uma longa festa no gato que se deliciou, ronronando suavemente.

Tiago contou:

- No dia em que me entregaram o medalhão fui ter com a minha mãe, para ver se ela sabia o que era isto. Quando lho mostrei, ela desmaiou e teve um ataque cardíaco.

- Um ataque cardíaco? – perguntou o homem agachado olhando para ele, acariciando o gato.

- Sim. Foi um drama... Mas ela agora já está em casa, já recuperou. No entanto, fiquei com o pressentimento de que se passou alguma coisa de estranho. A reação não foi normal. Era como... Se já o tivesse visto...

O homem levantou-se e o gato estendeu-se aos pés dele. Houve uma pausa. O homem pediu-lhe muito sério:

- Leva-me à tua mãe. Preciso de falar com ela.

- A minha mãe está doente. Se ela se sentiu mal por causa deste medalhão e se tu dizes que a conheces e que ela te conhece a ti, a emoção de te rever poderá ser demasiado forte. Não quero que ela vá parar ao hospital outra vez.

O homem pousou a mão no ombro dele, pesada e quente.

- Não te preocupes. A tua mãe é muito forte. Ela já me salvou a mim e a todos os meus amigos.

- Como?

- Ela nunca te contou?

Tiago abanou a cabeça.

- Estranho... Ouve, miúdo: que idade tens?

- Catorze.

- Como se chama o teu pai?

Hesitou.

- Luís... - murmurou.

- Hum...

- Como foi que disseste que te chamavas?

- Son Goku.

- Que nome é esse? És chinês, ou quê?

- Não. Venho da Dimensão Z.

Tiago semicerrou os olhos.

- O que raios é isso?

- O sítio de onde venho. Então, vamos ver a tua mãe, ou não?

Tiago tirou o telemóvel do bolso do casaco.

- Espera... Vou tratar disso.

Apenas com o polegar desbloqueou o aparelho, escolheu o menu de mensagens escritas e digitou um pequeno texto:

"Mamã, preciso de falar contigo. Agora. Casa não. No fórum, 15 minutos, pet shop".

Tratando-a por mamã, ela acreditaria na mensagem e estaria no centro comercial dentro do tempo estabelecido. Dois segundos depois, o telemóvel apitou, leu a resposta e assentiu com a cabeça.

- Muito bem. Está marcado. Vamos. – Agarrou na mochila que colocou no ombro direito. O gato escapuliu-se para o seu esconderijo. Remoía-se de dúvidas se estaria a fazer bem, mas não queria pensar nisso naquele momento. Seguia a sua própria agenda e os seus objetivos. Aquele homem com um nome estranho conhecia o seu pai verdadeiro e a sua busca chegava, finalmente, ao fim.

O homem disse-lhe:

- Então, agarra-te a mim.

Tiago perguntou admirado:

- Agarro-me a ti? Para quê?

- Não vamos ver a tua mãe? – Uniu dois dedos. – Acho que ainda consigo reconhecer o ki da Ana-san... Ora, vejamos...

Fechou o rosto, concentrando-se. Tiago perguntou ainda:

- O que vais tu fazer?

- A técnica chama-se Shunkan Idou e permite que me transporte para qualquer lugar onde se encontre um ki que eu conheça.

- Espera lá! – exclamou Tiago alarmado. – Quer dizer que te vais transportar para onde está a minha mãe? E vais aparecer, de repente, ao pé dela?

- É essa a técnica.

- Não podes fazer isso! Não te acabei de dizer que a minha mãe teve um ataque cardíaco. Se te vê a aparecer do nada, pode morrer de vez!

O homem fez uma careta.

- Pois é... Podes ter razão.

- Eu é que mando aqui, ouviste? Combinei o encontro no Fórum e vamos até ao Fórum! E, mesmo assim, não estou convencido de que esteja a fazer uma coisa acertada. Se a minha mãe se sentir mal, quero que desapareças.

- Hai.

Tiago pôs-se a caminho, o homem seguia-o. Indagou irritado:

- E por que é que, de vez em quando, falas japonês?

- Não te sei explicar. A tua mãe poderá fazê-lo, ela conhece tudo sobre nós.

Começou a andar mais depressa, mas o homem acompanhava-o sempre. Espreitou-o curioso e, pela primeira vez, a olhá-lo como devia de ser. O homem era musculado e bem proporcionado, tinha aspeto de atleta. Vestia uma túnica esverdeada, ligeiramente aberta no peito, atada na cintura com um cinto de pano, sobre umas calças largas escuras, presas nos tornozelos com tiras brancas. Calçava botas escuras que pareciam maleáveis e não faziam ruído a andar. Nos pulsos, usava faixas. E também se perguntou o que teria acontecido ao estranho par. Teria sido... eliminado por aquele homem que o seguia com um ar apatetado?

Tiago abrandou o passo, colocou-se ao lado do homem.

- Já que estás ligado a toda esta trapalhada e conheces a minha mãe, sabes o que é um saiyajin?

O homem parou. Soltou uma risada jovial, punhos fechados na cintura.

- Claro!

- E o que é?

Ele inclinou-se, sorrindo. Tiago saltou, surpreendido.

- Estás a olhar para um.

***

Entrada no meu diário, data: março 2011

Enquanto deixava a passadeira rolante transportar-me do parque de estacionamento até ao patamar que me levaria à entrada exterior do Fórum, o centro comercial da cidade, tentava vazar o cérebro de ideias. Não queria criar expetativas, nem magicar desilusões. O meu filho tinha combinado um encontro comigo e eu iria, de coração aberto, pronta a escutar e, mais importante, pronta a responder.

Ora, cá vamos nós...

O problema era mesmo esse: o meu coração. Tinha saído do hospital havia quatro dias e o médico tinha-me passado um atestado. Descanso absoluto durante um mês, nada de esforços, emoções fortes ou trabalho. Até me proibira de ver televisão ou de ler um livro! Passara os últimos dias reclinada no sofá da sala, olhando para o céu azul que via da janela. Os dois primeiros dias souberam-me bem – precisava de sossego e de dormir, o que não conseguira no hospital, em que é impossível conciliar o sono com tanto ruído em redor. Mas, nom fim do terceiro dia, estava farta de ser um mero vegetal. Neste quarto dia, ante a perspetiva de um encontro com o meu filho para conversar sobre qualquer coisa, tive a desculpa perfeita para abandonar a minha prostração. Enfiara-me no carro e até chegara a trautear a música que passava no rádio. Ao chegar ao meu destino, todavia, comecei a ter dúvidas.

As portas automáticas abriram-se e, apesar de não haver sol, achei a luz branca daquele dia nublado demasiado intensa. Retirei da mala os óculos escuros e coloquei-os. Andei poucos metros, sempre em frente, fixando a porta da loja de animais que o Tiago tinha indicado. Não entrei na loja, fiquei-me pela entrada. Voltei-lhe costas e olhei para todos os lados. Conferi o relógio. Dezassete minutos desde a mensagem. Não estava adiantada, pelo contrário.

- Mamã...?

Desde a esquina, o Tiago acenava-me. Acerquei-me, incomodada com a atitude dissimulada dele. Curiosamente, estava calma, como se tivesse ativado dentro de mim um dispositivo que me protegeria das minhas próprias emoções.

- O que foi, Tiago? Passa-se alguma coisa?

- Não. Não, mamã! – exclamou ele. – Vem comigo... mas vais ter de me prometer uma coisa.

- O quê?

- Se te sentires mal grita-me, que eu levo-te imediatamente daqui.

- Eu não me vou sentir mal. – Reparei que ele já não usava o medalhão ao pescoço. Coloquei os óculos escuros na cabeça, a servir de bandolete.

Paramos num local escondido do centro comercial, nas traseiras da loja de animais, de onde se avistava a estrada mais abaixo. Tiago inspirou profundamente. Eu tinha uma mão pousada na mala que levava ao ombro e os meus dedos apertaram-na. Tanto secretismo estava a destruir o meu dispositivo interno.

- Tiago, o que me queres?

- Trouxe alguém que te quer ver.

Quem me queria ver aproximou-se. Tinha as mãos enfiadas no cinto. Os seus olhos sorriram antes da sua boca, que se abriu num sorriso radioso. A sua voz foi como um beijo.

- Koniichi-wa, Ana-san.

Algo tangeu, levemente, na minha alma. Algo semelhante a um diamante a pingar num chão de mármore, um tinir suave e mágico. A luminosidade do dia envolveu-me, esbranquiçou o cenário, drenou tudo o resto e ficamos nós os dois. Eu e ele, num vácuo abençoado. Como na Sala do Espírito e do Tempo.

- G-Goku! Goku-san!!

Não queria pestanejar para não perder um milissegundo daquele momento em que reencontrava aquele velho amigo. Novamente palpável, próximo... real! A última vez que o vira fora no relvado da Capsule Corporation, ao lado de Bulma...

O tempo era um elástico, que antes se esticara e agora se encolhia e fazia-me regressar a esse momento de despedida no relvado. Era como se não se tivessem passado quinze anos. Era ferro fundido enchendo o cadinho, fervente e espesso, preenchendo todas as concavidades que eu tinha aberto nos anos que se tinham passado.

A ferroada no coração deixou-me aturdida. Muni-me de toda a vontade para não sucumbir ao meu estúpido coração velho que não suportava recordar e reviver os dias de felicidade. Senti-me preenchida, um amor gigantesco acendendo-se no peito e, de seguida, retive o impulso louco de me lançar ao pescoço dele e de o apertar contra mim.

Porque o meu filho assistia à cena e ele não sabia nada daquele passado de luz, fogo e paixão. Aliás, ninguém sabia...

Encostei-me à parede, a tremer e a soluçar, agarrando-me ao estuque, entre o riso e o choro. Tiago alarmou-se.

- Mamã?! – Virou-se para Goku e ordenou com aquela voz que ele tinha tão parecida à do seu avô paterno: – Vai-te embora! Ela não me parece bem.

Goku não se mexeu, observava tudo, sério e calmo. Levantei uma mão.

- Não! Não te vás embora.

- Mas, mamã... Não me pareces bem...

- Eu... Eu nunca estive tão bem... Em toda a minha vida.

- Olha o teu coração.

- O meu coração está a bater outra vez. Não vês? Estou a despertar...

Tiago olhou admirado para Goku, que me fazia reagir daquela maneira exagerada e dizer asneiras de telenovela.

- Como... Como é que tu estás aqui? – balbuciei de olhos brilhantes. – Pensava que era impossível regressares.

- Tive uma autorização especial de Dende que conversou com Kaioh, no Outro Mundo. O universo está em convulsão, assim me explicaram. Um evento misterioso está a criar um perigoso desequilíbrio, distorções no espaço e no tempo que poderão ter consequências desastrosas.

Um discurso tão complicado que deduzi que o tivesse escutado de outra boca e decorado. Não fazia nada o estilo dele.

- E, como em outras ocasiões, chamaram-te.

- Hai. – Não havia um pingo de orgulho na sua resposta.

- E vieste ter comigo? – forcei um sorriso.

- Preciso de uma coisa que tu tens.

- A segunda metade do medalhão de Mu.

Tiago foi sacudido pela surpresa.

- O quê? Então, tu... - gaguejou.

- O teu filho tem a primeira metade. Já o sabes – disse Goku.

- Sim. Nestes dias tenho dado voltas à cabeça para tentar perceber como é que ele encontrou essa primeira metade.

- D-deram-ma – respondeu Tiago.

- Quem? – perguntei.

- Dois seres misteriosos que não pertenciam à Terra – explicou Goku. – Aliás, nem sequer pertenciam à tua Terra.

- Extraterrestres?! – exclamou Tiago perplexo.

- Vinham da Dimensão Z? – indaguei.

- Ora aí está o segundo mistério. – Goku baixou a voz: - Também não.

- De onde vinham? De outra dimensão?

- Kaioh julga que sim e Dende é da mesma opinião.

- Então, quer dizer que essa metade do medalhão de Mu, que o meu filho tem, poderá não ser a mesma que pertenceu a...

- Temos o terceiro mistério: a primeira metade do medalhão de Mu desapareceu da Dimensão Z. Eu e Vegeta andámos à procura dela e acabamos por não a encontrar. E essa primeira metade estava bem guardada, como bem sabes.

- Ele está bem? O dono... da primeira metade do medalhão?

Tiago empertigou-se.

- Hai, Ana-san. Ele não sabe que aqui estou.

- Senão... teria vindo?

- Não duvido. Mas trata-se de um segredo que Dende e Kaioh pediram para não divulgar. Só eu e Vegeta sabemos o que está a acontecer.

- E Vegeta não veio contigo? – Instintivamente, olhei para todos os lados.

- Não. Ficou a vigiar as perturbações na Dimensão Z.

- Está assim tão mau?

- Hai. E poderá contaminar todas as outras dimensões do espaço multiverso, até a tua.

- Nós estamos numa dimensão? – perguntou Tiago tenso.

Nós ignorámo-lo. Franzi a testa, analisando internamente a informação, avaliando a atitude reservada de Goku.

- Mas isso não é tudo - acrescentei. - A segunda metade do medalhão de Mu não basta, há mais...

O sorriso dele foi misterioso.

- Já nos conheces.

- A Dimensão Z é quase a minha especialidade.

- Não tens o medalhão contigo?

- Não, Goku. Deixei de o usar há algum tempo... Para vocês passaram pouco mais de seis meses, para mim foram quinze anos. Recordas-te? Um mês na Dimensão Real equivale a um dia na Dimensão Z.

- Temos novo mistério, Ana-san. O tempo devia ter corrido dessa maneira, mas não correu. Desde que derrotámos o feiticeiro passaram-se cerca de dois anos. Como te disse antes, até o tempo no universo se está a distorcer. O assunto é muito sério.

- Dois anos?

Mesmo assim, dois anos são menos que quinze. Ele continua gloriosamente jovem, pensei com relutância.

- Que estranho... - murmurei.

- Miúdo, dá-me a primeira metade do medalhão – pediu Goku.

Tiago levou a mão ao bolso das calças e retirou o triângulo dourado que estendeu desconfiado. A corrente estava partida. Goku entregou-mo. Quando o segurei nas minhas mãos, fechei os olhos soltando um demorado suspiro. Ele tinha-me prometido que nos encontraríamos no dia em que o medalhão se unisse novamente. Não... Em vez dele, viera Goku.

- Devo unir o medalhão? – perguntei num tom sumido.

- Não. Dende disse-me que apenas tenho de juntar as duas metades e guardá-las, para evitar que caiam nas mãos erradas.

Acariciei longamente o medalhão, tentando sentir nesse gesto o toque dele através do metal, porque ele tinha-o tocado tantas vezes, supunha, pensando em mim, tal como eu tocara na minha metade, pensando nele, olhando para a moldura da loja dos chineses.

- Alguém quer unir o medalhão – completou Goku. – Só não sabemos quem. E, enquanto não o soubermos, devo apenas guardá-lo. Poderá servir de engodo, também...

- O feiticeiro ressuscitou?

- Zephir? Não. Nunca mais senti o ki dele. Está bem morto, Kaioh assegurou-me isso.

- Temos de conversar melhor – disse eu, espreitando o Tiago.

Goku concordou com um aceno. Olhou para ele.

- O teu filho... Tem um ki diferente.

- Sentiste isso? - indaguei, ficando séria.

- É impossível não o sentir.

Goku fez um esgar, como se estivesse a assistir ao desenrolar de uma fita cinematográfica. Rebobinou o filme até um determinado momento, viu o que queria ver e completou:

- Ele tem a idade certa.

- Pois tem.

Não lhe podia mentir. Goku sorria.

- Que curioso! O neto de Vegeta não sabe o que é um saiyajin.

- Não – concordei, olhando para o meu filho que assistia impaciente à conversa.

- Por que nunca lhe contaste sobre nós? Tinhas contigo a nossa história, menos a saga do feiticeiro, e podias explicar-lhe tudo quando quisesses e ele pudesse perceber.

- Tornou-se... demasiado doloroso. E depois, à medida que ele foi crescendo, o assunto foi perdendo importância, até ficar tão distante que parecia que o que tinha acontecido não passara de imaginação. Um sonho, ou algo assim... As coisas acabaram por mudar, consegui viver para além daquela minha experiência no vosso mundo. Depois, acho que sempre tive medo. Vocês não podem ver a vossa figura nesta dimensão e se ele também tivesse a mesma fraqueza? O tempo foi passando e acabei por construir uma família, levar uma vida normal, apesar de ter tido um filho nas circunstâncias mais estranhas que se possa imaginar. Quando ele era pequeno, ainda tentei encaminhá-lo para qualquer coisa parecida ao treino apropriado de um guerreiro, mas ele nunca se interessou. E como eu não queria dar explicações sobre o passado... Tinha combinado isso com o Luís, o meu marido. Nunca falar do que aconteceu antes de o Tiago nascer. Nunca! Nem ele sabe o que aconteceu, nem faz a mínima ideia de quem é o pai do Tiago. Assim, deixei andar. Julguei que tudo ficaria bem, que seríamos todos felizes... Foi então que o Tiago descobriu que o Luís... – Olhei de fugida para o meu filho, que cruzara os braços. – Que o Luís não era o seu pai biológico e exigiu saber mais. Eu não lhe queria contar... Reabrir feridas... Preferi aguentar a situação, aturar as birras dele, a amargura do Luís... Até que tudo se complicou para além do impossível.

- E apareceu a segunda metade do medalhão de Mu.

- E apareceste tu! – espetei-lhe um dedo no peito. A pele dele, macia e quente, transtornou-me.

Goku riu-se.

- Salvei alguma coisa, também desta vez?

- Bem podes acreditar que sim!

Ri-me com ele. A magia, a fantasia, ou qualquer coisa parecida que experimentara quinze anos atrás, regressou com uma potência que me fez estremecer da cabeça aos pés.

- Son Goku, por agora dava a nossa conversa por terminada. Continuaremos mais tarde, sozinhos. És um velho amigo reencontrado e, por isso, convido-te para jantares em minha casa.

- Arigato, Ana-san. Aceito o teu amável convite! – Unindo as mãos, inclinou a cabeça numa vénia.

Espantado com aquela deferência, Tiago arregalou os olhos. Puxei-o por um braço.

- Tiago, vem comigo até ao supermercado. Tens de me ajudar a carregar os sacos pois estou proibida de fazer esforços. O jantar desta noite vai ser farto. Este senhor come por vinte!

- Eu também ajudo.

- Arigato, Goku-san. – E completei: - Alimentar um saiyajin não é fácil.

Tiago espreitou Goku que vinha atrás de nós, com aquele seu habitual sorriso simpático. Depois atirou:

- Ainda ninguém me explicou o que é um saiyajin!

Apontei para Goku e disse-lhe:

- Aqui tens um!

Fim de entrada.

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