Capítulo 34
JJ estava mais quieto que o normal, chutando tudo que via no caminho enquanto segurava seu carrinho no bolso do casaco. Quando Ellie o olhava, ele fazia questão de desviar o olhar, até que ela decidiu parar em frente a ele fazendo-o esbarrar em seu peito.
— Desculpe.
— Você está muito quieto desde as fábricas, quer conversar sobre alguma coisa? — Ellie sugeriu, JJ deu de ombros e chutou outra pedrinha no chão. — Vamos encontrar eles, eu prometo. Aquele imbecil não falou muito mas falou alguma coisa.
— E você atirou nele... — Ele resmungou tão baixo que Ellie ouviu apenas duas palavras.
— O que?
— Você atirou nele. — Ele disse, um silêncio ensurdecedor invadiu o ambiente. — Disse que eu não podia, mas fez mesmo assim.
— É diferente. — Ela soltou as palavras rapidamente e voltou a andar, JJ se apressou e pulou na sua frente.
— Diferente como? Ele até te machucou. Eu podia impedir isso. Podia matar ele.
— Matar não é fácil JJ. Você é muito novo pra saber disso, e não deveria ter que pensar nisso. — Ela repetiu as palavras que Joel lhe disse uma vez, apesar de não concordar com a ideia, sabia que era o mais humano a se fazer. — Se for o caso, você deve atirar apenas nos monstros. Lembre-se disso.
— Mas ele era. — JJ ficou para trás, Ellie parou um pouco à frente e virou-se para ele. — Ele era um monstro. Ele fez coisas que um monstro faria. Ele tentou machucar você.
— Tem razão. Mas não somos nós que devemos decidir isso. Só ele pode decidir. — Explicou, ainda parecia confuso na cabeça de JJ, mas algumas gotas de chuva começaram a cair grossas no chão interrompendo seu diálogo. — Vem, vamos nos abrigar em algum lugar.
A chuva engrossou e Ellie teve que improvisar, e se enfiar em um carro velho e empoeirado no meio da estrada. O clima acabou esfriando com a chuva, e não havia mais nada para se aquecer. JJ, deitado no banco de trás do carro, estremecia rangendo os dentes. Ellie o encarava pelo espelho retrovisor preocupada.
— Tenta dormir, vai ser uma chuva longa. — Ela avisou, ele assentiu e se encolheu no lugar.
Ellie abriu o mapa analisando as possíveis rotas sem ter que passar pela ponte derrubada, a imagem do bandido mais cedo vinha na sua mente, e JJ segurando a arma enquanto tremia feito um cãozinho assustado. Ela baixou a cabeça, tentando pensar que estava tudo bem, ou ao menos que tudo ia ficar depois de encontrá-los.
— Porra Joel. Onde vocês estão? — Sussurrou olhando para o pequeno garoto através do espelho, JJ tossiu algumas vezes enquanto dormia, o que acabou fazendo-a repensar se era certo levá-lo junto até os saqueadores.
Quando a chuva finalmente parou, um frio se instalou no ambiente. Uma brisa fria e congelante mas sem neve, parecia que os últimos dias de inverno estavam finalmente chegando. JJ não parecia muito bem, andava fazendo corpo mole e tossindo algumas vezes.
— Você está bem amigão? — Ellie puxou assunto, ele passou a manga da camiseta no nariz.
— Eu to com fome. Ainda temos comida?
— Tem, temos algumas latas de feijão que encontramos nas coisas dos saqueadores na fábrica. Vamos fazer uma pausa. — Ellie disse tirando a mochila e colocando-a no chão.
JJ se sentou em cima do capô de um carro, Ellie abriu a primeira lata e entregou para ele, logo depois abriu a sua e começou a comer. JJ fungou e tossiu algumas vezes, Ellie não havia notado até agora que seu rosto estava avermelhado, as bochechas e nariz corados.
— Está se sentindo bem? Vem cá. — Ela se aproximou e tocou a testa do garoto, estava fervendo. — Você está queimando, porque não me disse nada?
— Eu não sinto nada. — Resmungou, os olhos cansados, o corpo pesado.
— Acha que pode andar? — Ellie perguntou, o garoto deu de ombros em resposta. — Então vamos, não falta muito até o próximo ponto.
Ellie colocou a mochila nas costas e seguiu viagem, JJ estava começando a diminuir a velocidade, e para ajudar ela decidiu fazer o mesmo.
— JJ. Temos que nos apressar. Não falta muito. — Pediu, de repente o som do seu corpo atingindo o chão veio das suas costas, quando virou, ele estava apagado. — JJ! Não não não não.
Ellie correu e tocou seu rosto ainda quente, ela o colocou nas suas costas e disparou buscando por qualquer farmácia local, era uma cidade pequena, não haviam muitas lojas. Ela entrou na primeira casa que viu, abandonada e aos pedaços, mas com uma lareira na sala principal.
A garota o colocou no sofá, e empurrou-o para perto da lareira. Depois, acendeu controlando o fogo para não fazer muita fumaça pela chaminé. JJ estava frio, a mudança de temperatura no seu corpo ocorreu gradualmente de modo que Ellie não percebeu de imediato. Ela envolveu o corpo do garoto em cobertores empoeirados e tentou fazer atrito para ajudar a esquenta-lo, JJ sequer se movia, as bochechas e nariz ainda avermelhadas, e a respiração lenta.
— Eu to aqui amigão... fica comigo por favor. — Disse passando a mão por entre seus cachinhos, de repente, uma ideia lhe veio na cabeça. A garota correu escada acima e começou a procurar em todas as gavetas do cômodo. Armários, guarda-roupa, cestos, nada.
— Anda porra. — Resmungou, de repente ela avistou duas gavetas atreladas a cama de casal de um dos quartos. Quando abriu, se deparou com várias meias e cuecas. Entre elas, um recipiente com remédios, aspirina em pílulas.
— Vai servir. — A garota comemorou e desceu as escadas correndo, pegou um copo com água e entregou logo duas daquelas mesmas pílulas para JJ.
Ainda de olhos fechados, o garoto tomou e continuou no mesmo estado. Ellie segurou sua mão e tocou sua testa mais uma vez, ele tossiu.
— Me desculpa por ser tão dura com você. — Sussurrou enquanto o encarava. — Prometo ficar do seu lado, então por favor, melhore.
JJ segurou sua mão com firmeza, Ellie sentiu seus olhos cedendo as lágrimas. E então deitou a cabeça no garoto, implorando para sua melhora. Um dia inteiro se passou, cuidando de JJ e implorando para que o tempo gasto valesse à pena. Por sorte, o remédio já estava fazendo efeito e JJ já estava acordado. A sensação era de ser atropelado por um caminhão, seu corpo ainda estava dolorido, mas ele era pequeno e magro, Ellie conseguia carregá-lo facilmente.
— Acha que consegue andar? — Dizia com o pequeno nas costas, ele fungou e assentiu. — Preciso que seja forte amigão, estamos quase lá e não posso te deixar pra trás.
Ellie levou o mais novo pela mão, haviam alguns carros abandonados no caminho mas felizmente nenhum sinal de infectados. Logo à frente estava a ponte e seus destroços. Ellie já ouvira falar uma vez sobre, mas nunca sequer havia chego tão longe.
— Podemos parar? — JJ pediu e tossiu com dificuldade, Ellie concordou e tirou a mochila pegando logo uma garrafa com água e um frasco com remédios.
— Aqui, não pode parar de tomar isso, é pra você melhorar.
Ele tomou o remédio e entrou sentou-se sobre uma superfície plana para recuperar as energias, Ellie aproveitou para pegar o mapa e analisar possíveis rotas.
— Fique aqui está bem? — Ela disse, JJ assentiu.
Ellie foi até a ponte, ela estava partida ao meio com vários escombros e vergalhões atravessados. O musgo e os cipós haviam tomado conta, a única passagem era uma parte enferrujada e possivelmente perigosa para ambos. JJ não conseguiria atravessar nem em completa saúde, quando se virou, em um reflexo rápido alguém acertou sua nuca.
— Porra. — Ela caiu no chão sentindo uma dor latejante, haviam duas pessoas mascaradas, uma delas armada e a outra apenas com uma faca.
— Passa tudo que você tem. — Um deles disse trêmulo, aparentemente era só um bandido comum e desesperado. — Remédio. Comida. Qualquer coisa.
— E-eu não tenho nada. — Ela disse no chão, o bandido acertou um chute no seu estômago. — Porra.
— Ela não é útil, vamos só acabar com ela e jogar o corpo dessa ponte. — O outro disse, antes do homem puxar o gatilho, Ellie levantou as mãos.
— Espera. Espera. Isso aqui, no meu bolso. — Ela tirou o mapa, o homem pegou e analisou os traços. — Tem um lugar, esse grupo tem tudo, comida, água. Eu estava indo pra lá.
— Você está sozinha? — Ele olhou em volta, Ellie não respondeu. — Fala logo!
Ele acertou outro chute, Ellie cuspiu sangue e xingou. De repente JJ pulou nas costas do homem mais recuado gravando os dentes no seu pescoço e puxando com toda a força. O sangue esguichou no rosto de seu colega que ergueu a arma, e apontou para ele.
— Não! — Ellie pulou do chão e tomou a arma do homem o acertando na cabeça, ele caiu desacordado.
O outro homem caiu de joelhos com o sangue escorrendo pela abertura em seu pescoço, JJ tomou sua faca e apontou para ele.
— Porra. O que você fez? Caralho! — Ele começou a dizer assustado com o sangue e o ferimento, JJ logo atrás tinha seus olhos arregalados e o rosto ensanguentado.
Ellie atirou nos dois homens, desta vez JJ sequer teve reação, ele entendia que os homens eram perigosos e que não podiam arriscar serem seguidos.
— Se machucou? — Ellie perguntou ao garoto, ele negou.
A mais velha se abaixou e usou a manga da camiseta para limpar o sangue no rosto dele, JJ apenas encarava os corpos reflexivo, pensando no que acabara de acontecer.
— Ei. — Ellie segurou seu rosto, JJ a encarou.
— A mamãe disse que eu não devia morder ninguém. — Explicou entristecido, Ellie continuou a limpar seu rosto.
— Ele ia me machucar, você salvou minha vida. — Retrucou, ele deu de ombros. — Lorie vai entender.
— Você acha?
— Com certeza.
Ellie estendeu a mão, JJ aceitou, e os dois deixaram a ponte voltando para pegar suas coisas.
— Temos que contornar, isso vai levar mais alguns dias, acha que consegue amigão? — JJ assentiu em resposta, determinado a seguir o caminho que Ellie propôs. — Aqui, fica com isso.
Ela estendeu a mão segurando sua pistola, JJ a encarou surpreso e aceitou a arma. Ellie recarregou a arma maior na qual havia pego dos bandidos enquanto JJ olhava fixamente para a pistola.
— Mas só use contra os infectados está bem? Aliás não atire em ninguém, a não ser que seja a única opção. — Explicou atentamente, JJ concordou sem pensar duas vezes. — Não pode tremer quando estiver segurando-a. Mantenha o dedo longe do gatilho, quando for atira, precisa destravar ela bem aqui. E não carregue ela no bolso da calça a não ser que queira dar um tiro na sua própria bunda.
— Entendi.
— Cuidado com o recuo, você é pequeno, tem que segurá-la longe do rosto ou vai acabar acertando bem na sua testa.
— Está bem. — Concordou novamente, Ellie franziu o cenho se perguntando se era realmente o melhor plano. Joel provavelmente iria repreende-la de modo severo, mas era mais seguro para ambos se tivessem armas para se defender sem precisar usar os próprios dentes.
O percurso até a base dos saqueadores levou em torno de cinco dias caminhando, caminho este que teria sido reduzido pela metade passando direto pela ponte. JJ havia se recuperado bem da gripe, Ellie já estava começando a ficar mais aliviada já que agora podia voltar a se preocupar com seu único objetivo.
Os dois caminhavam enquanto ela trocavam algumas piadas com o jovem garoto, piadas e trocadilhos ruins sempre serviram de alívio cômico para Ellie durante suas viagens com Joel e Lorie. Agora não era muito diferente, JJ particularmente adora este tipo de piada, e momentos como este acabavam fazendo-o não pensar muito na família, nos pais, em Laura.
Quando juntos, apesar de brigarem quase o tempo todo, os gêmeos acreditavam ter uma conexão. Mas quando separados, JJ passou a não sentir mais nada. Em partes ele implorava para que a irmã estivesse bem, mas pensar nos pais, no som do tiro que ouviu naquela noite. Sabia que alguém havia se ferido, e foi o único detalhe que omitiu de todos para que não deixassem de ir procurá-los.
— Por que a vaca foi para o espaço? — Ellie perguntou fazendo uma pausa, JJ franziu o cenho. — Para se encontrar com o vácuo.
— Eu não entendi essa.
— É que no espaço não tem oxigênio, então nós dizemos que é tem vácuo. — Explicou, JJ fez que entendeu. — Devia ter aprendido isso na... bem, deixa pra lá.
Um silêncio se instalou na conversa, Ellie não havia se dado conta de que JJ parou de frequentar a escola por ter que deixar a comunidade. Joel e Lorie provavelmente não tiveram tempo para ensiná-lo fatos como este.
— Aí, quer saber? Quando voltarmos, vou te levar em um lugar.
— Onde?
— Em um museu, não fica muito longe de casa. Tem um planetário lá com coisas do espaço e tudo, você vai adorar. — Ela dizia animada, JJ sorriu mas logo parou. — Você vai ver, vai gostar.
— Mas eu não posso voltar...
— Vamos todos pra casa. Somos uma família, não vamos nos separar mais. — Ellie explicou, JJ voltou a sorrir animado. De repente a garota parou onde estava e puxou ele pela camiseta, o garoto parou e se deu conta de onde estava.
Logo a frete havia uma enorme construção de dois andares, de longe parecia um presídio mal feito, as paredes cercadas por alumínio, com algumas cercas de espinhos para não ultrapassar. JJ engoliu em seco, Ellie tirou a arma pendurada e a empunhou.
— Nós chegamos.
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