Capítulo 22
A primeira coisa que Ellie fez foi juntar as coisas e sair de casa, eu avisei Joel de que isso ia acontecer, de que ela teria raiva por termos salvado sua vida. Por ser criança, e por não entender o valor de uma vida, da sua vida.
— Merda. — Praguejei ao levantar-me da cama, naquela manhã em especial acordei com uma dor nas costas infernal, e esse era apenas o começo.
Joel também estava irritado comigo por ter sido tão dura, mas ele não estava lá quando Ellie me confrontou, também não estava nos meus sonhos... não teve o mesmo pesadelo por semanas, onde seu próprio filho tentava te matar.
— Onde coloquei... aqui. — Alcancei os remédios
Aquele maldito pesadelo me atormentou por um longo período, até que o doutor começou a me receitar remédios seguros para mim e para o bebê. Em algum ponto nesses cinco meses me senti sozinha, como se o bebê fosse minha única companhia. Joel começou a cobrir os turnos da noite, e eu comecei a visitar grupos de apoio com mães que me ajudavam a aprender algumas coisas sobre criação e educação.
— Porra. — Me levantei e tentei fazer a dor da coluna passar com um alongamento, logo percebi que nada ia resolver, então deixei o quarto.
O mundo normal fazia falta, mas nada nunca mudaria minha decisão de salvar Ellie... apenas fazia falta quando me perguntava onde estaria agora com esse bebê, em um psicólogo? Praticando algum exercício para facilitar o parto? Coisas que, de certo modo, faziam falta no mundo pós-apocalíptico.
— Acordou cedo. — Joel me avistou enquanto entrava pela porta, assim que percebeu minha dificuldade ao descer das escadas, correu para me ajudar. — Aqui, segura o meu braço.
— Eu desço todos os dias sozinha desde que começou os turnos da noite. — Resmunguei enquanto ele me ajudava, Joel insistiu.
— Não estava tão enorme. — Foi direto, o encarei com seriedade, ele escondeu um sorriso.
— Se estivesse com a minha arma agora, estaria encrencado. — Praguejei, ele riu.
Me soltei de seu braço assim que cheguei ao solo, subi a camiseta e comecei a massagear a barriga. Joel parou e me observou por alguns segundos.
— O que foi? — Perguntei, ele deu de ombros e juntou as mãos.
— Só estou te olhando.
— Bom, é assim que uma grávida se parece. — Levantei as mãos, ele riu e se aproximou, tentei recuar mas já havia envolvido nossos braços. Joel me encarou nos olhos e então acariciou meu rosto, depois minha barriga. — Sinto sua falta.
— Eu sei. Já falei com o Tommy, troco de turno mês que vem e então podemos passar mais tempo juntos. — Ele me explicou e então deixou um beijo no meu rosto, o encarei e toquei sua barba áspera. Lembrei-me de Ellie, lembrei-me de como tudo estaria perfeito com ela.
— Já faz um tempo... acha que devemos conversar com ela? — Sugeri, Joel notou do que se tratava no segundo em que terminei a frase.
— Tommy disse que seria melhor pra ela se esperarmos.
— O seu irmão as vezes não pensa muito bem. — Cruzei os braços e virei-me de costas, Joel me abraçou e segurou minha barriga com as duas mãos. — Nós temos que conversar com ela Joel... trazê-la de volta.
— Eu vou tentar. — Ele disse e me deixou um beijo na minha cabeça, virei-me e o abracei.
— Eu te amo. — O encarei nos olhos como uma súplica, Joel colocou meu cabelo para trás e sorriu.
— Eu também te amo.
Encostei a cabeça em seu ombro, ele me abraçou por um tempo, minutos que passaram-se rapidamente. Encarei o relógio na parede, era hora de ir fazer mais exames.
— Está na hora, não quero deixar o doutor me esperando.
— Eu levo você, gosto de vê-lo. — Tocou minha barriga outra vez, sorri.
Joel me levou até a enfermaria, o doutor nos recebeu de portas abertas como de já estivesse esperando por mim. Afinal as consultas eram marcadas com adiantamento, e poucas pessoas o visitavam para receber atendimento.
— Joel, como está? Precisa de alguns exames também? — O doutor sugeriu, sorri e o cutuquei com meu cotovelo, Joel o encarou com seriedade.
— Não, obrigado. — Respondeu curto e grosso, o doutor engoliu em seco fingindo não estar com medo da irritação.
— C-claro, desculpe.
— Vamos fazer logo os exames, o meu velho precisa dormir. — Deitei-me na maca, Joel fingiu não se incomodar com o apelido.
O doutor riu e começou a preparar a agulha, depois de tirar uma amostra de sangue pegou o gel para espalhar pela minha barriga. Assim o fez, devagar e com delicadeza, segurei o braço de Joel tentando me acostumar com o gel frio espalhando-se.
— Vamos ver se ele quer dar um olá pra vocês hoje. — O doutor disse, isso lembrava-me apenas como foi difícil até agora tentar descobrir o sexo do bebê, já que em todas as oportunidades ele estava em uma posição complicada. — Olha só, já pensaram em um nome?
Olhei para Joel, ele parecia tão indeciso quanto eu. Sequer havíamos pensado na possibilidade de nomear o bebê, na verdade só o fato de nascer saudável já seria algo muito positivo.
— Vamos esperar... — Respondi sem jeito, Joel segurou minha mão e então sorriu para a imagem do ultrassom.
— Parece que ele resolveu aparecer, já conseguimos ver seu sexo. — Apontou, me inclinei, segurei o braço de Joel com ainda mais força. — É uma garotinha.
Olhei para ele com nervosismo, o mais velho sorriu, seus olhos encheram-se de lágrimas mas as limpou antes que pudessem escorrer pelo seu resto. Sorri e o toquei, ele me abraçou outra vez.
— Prontos para terem uma garotinha? Parabéns! — Ele continuou, retribuí o abraço em Joel, animada com toda a situação mas aflita em pensar em ter uma garotinha.
O sexo do bebê não tinha importância até descobrir qual seria, e imaginar como meu pai e a ausência da minha mãe haviam me criado no decorrer dos anos. Me tornei uma garota fria e distante, traumatizada... algo que não desejaria para ninguém, nem mesmo para meu pior inimigo.
Então meu objetivo agora era me tornar uma pessoa diferente, não agressiva como meu pai ou ausente como minha mãe, por ela faríamos que fazer de tudo para sobreviver. Foi o que pensei no momento em que meus olhos se encontraram com os de Joel. Ele não deixaria seus erros do passado terem influência sobre esta criança, não como afetaram sua filha ou... Ellie.
Deixamos o consultório em completo silêncio, Joel não sabia o que dizer, sequer sabia o que pensar. Estava emocionado, preocupado, sensibilizado e eu entendia muita bem cada sentimento seu naquele momento.
— Já vai me deixar? — O perguntei assim que chegamos perto de casa, Joel encarou o chão, era difícil para ele ter que se despedir todos os dias.
— Fique em casa e cuide dela. — Tocou minha barriga, assenti acariciando-a.
Joel me deixou um beijo na testa e então saiu segurando seu rifle, respirei fundo e voltei para casa, a porta estava só encostada mas me lembrava muito bem de ter fechado antes de sair mais cedo.
Subi as escadas em alerta implorando para que ninguém tivesse entrado de repente, quando cheguei ao segundo andar me deparei com a porta do quarto de Ellie aberta, a garota estava procurando alguma coisa no armário.
— Ellie? — A assustei, ela se virou e enfiou o resto das roupas na mochila. — Espera.
Ellie parou e me encarou da cabeça aos pés, notando como meu corpo estava inchando e como minha barriga havia crescido.
— Não tenho nada pra falar com você. — Ela disse e passou direto por mim descendo as escadas rapidamente, a segui até a porta e segurei seu braço.
— Por favor, vamos conversar. Sinto muito sua falta.
— É melhor não me seguir. — Ela olhou para a minha barriga e se soltou, corri para alcançá-la mas acabei caindo, senti uma dor ardente subindo pela minha coluna.
— Droga. — Gemi, Ellie largou a mochila e voltou de imediato.
— Porra eu falei pra não me seguir! — Disse assustada, segurei a barriga com firmeza com os olhos fechados. — Você está bem?
— Só preciso ir ver o doutor. — Resmunguei, Ellie me ajudou a levantar e me acompanhou de volta até a enfermaria.
O doutor me atendeu outra vez, para minha sorte não era nada demais, apenas contrações comuns que ocorriam de vez em quando. Casos isolados que não influenciavam na gestação, era apenas um sinal de que o bebê estava se movimentando.
— Ela está bem, não tem com o quê se preocupar. — O doutor dizia, Ellie olhou para mim.
— Ela? — Perguntou sem graça, corei sem resposta.
— Obrigada por me trazer. — Segurei seu braço, a garota me encarou confusa, apesar de entender que a gravidez me deixava sensível.
— É melhor eu ir. — Ellie levantou e colocou a mochila nas costas, o doutor olhou para mim, arregalei os olhos como quem implorava por uma ajuda.
— Antes de ir, se importa de acompanhar ela até em casa? Essas contrações podem acontecer mais vezes. — O doutor sugeriu, Ellie olhou para nós dois e então concordou mesmo hesitando.
Caminhamos devagar em silêncio até em casa, várias perguntas se passavam na minha cabeça, como onde Ellie estava vivendo? Como havia se cuidado em todo esse tempo? Quem estava à ajudando?
— Eu não vou voltar. — A garota disse quebrando o silêncio, a encarei confusa.
— Por que não?
— Você e Joel agora tem uma família, eu não quero estragar isso. — Dizia sentindo-se excluída, segurei seu braço outra vez.
— Você é nossa família. — Fui direta, ela corou com a resposta inesperada.
— Isso não é verdade, teriam me contado sobre os vaga-lumes.
— Você é uma criança Ellie, em algum momento essa conversa teria que acontecer, mas você entenderia? — Tentei argumentar, a garota parou e me encarou boquiaberta.
— Quer saber, tem razão. Eu não entendo porquê me salvar ao invés do resto do mundo. Essa era a única coisa que eu tinha de especial, era o meu sentido. Eu nasci pra isso. — Apontou para o peito, engoli em seco e então me aproximei, segurei seu rosto.
— Você não nasceu pra salvar o mundo Ellie, nasceu para viver nele. — Respondi, a garota se calou e então recuou.
— Quer dizer que eu nasci para ver todos a minha volta me deixarem? Para ver todos morrer sem ter o que fazer? Isso não me parece justo.
— Ao menos vai vê-los antes do fim, vai poder se despedir isso depois de passar uma vida inteira ao lado das pessoas que ama. Não te parece justo? — Perguntei, Ellie negou, segurando o choro.
— A garota que eu gostava morreu, eu tive que fazer isso, tive que atirar nela. E a culpa foi toda minha. — Seus olhos ficaram vermelhos, pude sentir Ellie segurando o choro bem diante dos seus olhos. Me aproximei outra vez e segurei seu rosto, ela me encarou sem hesito.
— Joel e eu salvamos o mundo naquele dia. — Expliquei, ela franziu o cenho confusa. — Você Ellie. Você é o nosso mundo.
Uma lágrima escorreu pelo seu rosto vermelho feito tomate, passei o polegar rapidamente impedindo-a de cair, Ellie começou a chorar feito uma garotinha. A abracei com toda a força que pude, deixando-a manchar minha camiseta com lágrimas.
— Volta pra casa amor. — Sussurrei, segurei seu rosto para olhá-la uma última vez, Ellie engoliu o choro e então assentiu.
Caminhamos o resto do percurso até em casa, Ellie voltou para o seu quarto, me encostei na batente da porta e apenas a observei colocar suas roupas de volta no quarto.
— Joel vai ficar muito feliz quando te ver. — Acrescentei, Ellie sorriu sem graça.
— Aquele velho rabugento me odeia. — Brincou, concordei.
— Onde ficou todo esse tempo?
— Com Maria e o Tommy. — Respondeu, franzi o cenho em surpresa e confusão.
— O Joel não me contou nada.
— Aposto que ele caiu direitinho nas merdas do Tommy sobre "esperar o meu tempo". — Brincou, concordei com ainda mais surpresa, Ellie riu alto. — Ele definitivamente é meu favorito agora.
Sentei-me na cama, Ellie sentou-se do meu lado e esticou as pernas. Toquei minha barriga com carinho, ela encarou o chão fingindo não notar.
— Então... uma garota? — Virou-se pra mim, concordei.
— Alguém me disse uma vez que eu seria uma boa mãe, espero que essa pessoa esteja certa. — Sorri, Ellie assentiu.
— Ela está certa. — Me encarou, a abracei.
— Ouvi as risadas, pensei que estava alucinando. — Joel disse nos surpreendendo, Ellie levantou surpresa.
— Oi Joel. — Cumprimentou, ele esticou os lábios.
— Garota. — Respondeu e caminhou até Ellie, parou em frente e a encarou nos olhos por alguns segundos antes de abraçá-la com firmeza. — Nunca mais faça isso outra vez.
— Desculpe. — Ellie resmungou em seu peito, sorri.
Me levantei e os encarei com paixão, nunca estive tão feliz, toda a solidão que sentira me deixara no mesmo dia. De repente com apenas um segundo, uma explosão quebrou o clima fazendo Joel pular em cima de mim e me puxar para baixo com um reflexo. Quando nos levantamos para olhar, havia uma marca de fumaça no céu indicando um lugar, parecia vir da enfermaria.
— Puta merda.
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