Capítulo 21
Sentei-me perto da mesa tentando entender o que fez meu pai começar a agir feito um ser humano, não disse uma palavra sequer durante este meio tempo. Joel levantou meu queixo o suficiente para ver o corte na testa e começou a limpar o ferimento, ele notou que algo estava me incomodando o suficiente para me manter quieta feito um túmulo.
— Você está bem? — Me perguntou, assenti ainda encarando o vazio. — Da próxima vez não questione o Tommy, não precisava correr esse risco.
— Eu não podia deixar alguém se machucar por mera ignorância.
— Não foi o que pareceu. — Ele se referiu a mim e ao bebê que estava carregando, segurei minha barriga.
— Eu tomo minhas próprias decisões.
— Eu sei disso, só acho que deve pensar no bebê também. Tem coisas que você não precisa se dar ao trabalho, não quando existem outras pessoas. — Levantou-se e me encarou com seriedade.
— E se fosse você lá? Preso. Eu também iria. — Também levantei e o encarei na mesma altura dos olhos. — Se fosse a Ellie, a Jessy, ou o seu irmão. Ou qualquer um que seja.
Joel assentiu e encarou o chão, passei por ele e segui até o banheiro, me preparei para tomar um banho enquanto o mais velho preparava o jantar. Ellie chegou tarde em casa, não a vi direito mesmo no jantar, perdi a fome rapidamente e decidi deitar... o dia fora extremamente exaustivo pra mim.
Me deitei e virei-me para o lado oposto ao de Joel, não estava nenhum pouco confortável com relação ao pequeno desentendimento que tivemos mais cedo. Senti sua mão acariciar meus cabelos, a vontade de me virar e apenas me desculpar por qualquer coisa era grande, mas desta vez era ele quem deveria ter a iniciativa.
— Desculpe por mais cedo. — Ele sussurrou, peguei sua mão e coloquei sobre a minha barriga. — Eu fiquei assustado, não quero te perder e muito menos esse bebê.
Não me contive e virei-me para vê-lo, seus lábios formavam um sorriso enrugado, toquei o seu rosto fazendo-o fechar os olhos com o carinho e então reabrir calmamente.
— Tudo bem. — Respondi num sussurrou, Joel encostou a testa na minha e então me envolveu em seus braços.
— Eu te amo. — Sussurrou de volta, e deixou um beijo na minha cabeça. Adormecemos ali mesmo naquela posição.
*
Era uma tarde calorosa, a minha barriga estava tão grande que parecia um balão prestes a explodir. Levantei-me da cadeira da varanda e peguei um balde, por algum motivo precisava buscar água no poço.
Fui até os fundos da fazenda sempre segurando a barriga, em uma postura desconfortável, a qualquer momento parecia que ia quebrar minha coluna com tanta dor que sentia... passei pelos cavalos, ovelhas, porcos, um casal para ser mais exata.
Coloquei o balde na corda e o desci pelo buraco fundo e silencioso até que chegasse ao fim, peguei a água e o puxei de volta. O balde de metal era ainda mais pesado quando cheio, o carreguei de volta até em casa, no caminho Ellie me alcançou e o roubou de mim.
— Não deveria carregar essas coisas. — A garota repreendeu me ajudando a caminha até a casa.
— Ainda tenho duas mãos e duas pernas sabia?
— É, ainda. — Mencionou, revirei os olhos e continuei me apoiando em seu braço.
— Merda, parece que estou levando um saco de batatas na minha barriga. — Praguejei, Ellie sorriu.
— Você é o saco de batatas.
— Vai se foder. — Praguejei outra vez, ela riu.
De repente senti uma dor ardente no meu estômago, como se algo estivesse me cortando por dentro. Parei e me apoei na parede, Ellie voltou e segurou meu braço.
— Lorie, o que foi?! — Me perguntou, água começou a escorrer por entre minhas pernas.
— Puta. Merda. — Disse com dificuldade, Ellie arregalou os olhos.
— Temos que avisar o Joel.
— Não! Não me deixa sozinha agora. Por favor. — Implorei, ela concordou mesmo em hesito, queria muito buscar ajuda.
Entramos na casa, Ellie me guiou até o sofá. As dores não paravam nem por um segundo, sentei-me no chão com as pernas bem abertas.
— Ellie. Eu preciso que. Me traga água. Água morna. E toalhas. — Pedi me contorcendo em dor, a garota correu.
Segurei-me no tecido do sofá quase arrancando-o com minhas unhas, comecei a contar, a cada três segundos a dor latejante voltava.
— Cacete. — Praguejei outra vez, quando coloquei a mão no meio das pernas e verifiquei, havia sangue, muito sangue. — Não. Não não não.
Aquilo estava acontecendo outra vez... era o fim outra vez, eu iria perdê-lo. Comecei a massagear a barriga enquanto segurava as lágrimas, não conseguia distinguir se era por dor ou medo.
— Por favor. Por favor. — Resmunguei entredentes, empurrando-o o quanto conseguia.
O senti me rasgando de dentro para fora, até finalmente sair. Silêncio. Quando o segurei em meus braços, seu corpinho voltado com veias saltadas, e ferimentos se movia devagar, ele sequer fazia algum som. O aproximei do meu rosto, o bebê segurou em meus cabelos e me puxou, ele começou a gritar tentando me atacar.
Acordei num pulo, o cabelo caiu sobre o rosto e o coração disparou tão rápido que quase tive um ataque cardíaco. Toquei minha barriga, ainda estava pequena, em seu tamanho inicial. Soltei um ar pesado de alívio, olhei para o lado, Joel não estava mais na cama. Fui até o banheiro me trocar, lavei o rosto com água fria e procurei algum remédio calmante no armário, lembrei-me de tomar as vitaminas, joguei duas pilulas dentro da boca e me encarei uma última vez. Desci as escadas encontrando Joel e Tommy na cozinha, pareciam ambos apreensivos.
— O que foi?
— Sabia que era ele quem estava naquele túnel? — Joel se referiu ao meu pai, encarei o chão e depois Tommy.
— Conseguimos retirá-lo, ele está bem.
Apenas assenti, Joel me encarou confuso, parecia não gostar nada da situação. Depois que Tommy saiu, ele apenas tentou evitar conflito e manteve-se em silêncio. Comecei a limpar a louça do café-da-manhã, ele estava na mesa encarando-me irritado, parecia querer dizer algo.
— Não tive escolha, estávamos presos lá dentro. Antes que diga qualquer coisa, ele me ajudou a sair.
— Eu não vou dizer nada. — Encarou o chão, encostei-me na bancada.
— Mas você quer dizer, consigo ver no seu rosto! — Apontei, Joel se levantou e ajeitou-se para sair, fiquei esperando um sermão ou algo do tipo.
— Me preocupo com você, é só o que tenho a dizer. — Ele respondeu de forma curta e direta, e então saiu.
Fiquei parada no silêncio do cômodo tentando absorver suas palavras, ele não estava bravo comigo, estava irritado com meu pai... neste ponto tudo que queria era distância entre ele para que não acabasse socando seu rosto até a morte como da última vez.
Era manhã e Ellie não havia acordado para tomar café como sempre fazia, estranhei sua ausência mas imaginei que quisesse apenas dormir por mais alguns minutos. Peguei minhas coisas e saí, deixei um bilhete avisando que voltava mais tarde caso ela acordasse, fui até o estábulo.
— Você não prendeu os cavalos direito? Que droga, vai ter que me dar carona até a reserva. — Um dos homens dizia, estava arrumando meu cavalo e fingindo não ouvir o problema.
Algo estava me incomodando, uma sensação ruim de que Ellie não estava apenas dormindo, muito pelo contrário já que também não vi Jessy em lugar algum. Peguei meu cavalo e voltei para casa, Tommy me contatou assim que me viu.
— É a Ellie. Acho que ela fugiu, avise ao Joel. — Disse entrando em casa, fui até o seu quarto, a mochila e as coisas não estavam mais no lugar.
— Lorie. — Joel me contatou, estava sentindo indignação e angústia pela ausência da garota, sequer tive vontade de respondê-lo. — Você não precisa ir, Tommy e eu lidamos com isso.
— Eu vou atrás dela, já estou com o meu cavalo. — O respondi saindo de casa, subi no cavalo e saí as pressas.
— Alguma ideia de para onde possam ter ido? — Tommy perguntou, não conseguia pensar em nada, mas a primeira parada no caminho era a casa dos idosos não muito longe da cidade.
— Preciso verificar um lugar antes de ter certeza. — Respondi, Joel notou.
— Vamos direto para a floresta, seguimos a trilha, não devem ter ido muito longe. — Joel me alertou, continuei na estrada até a casa dos idosos.
Assim que fui chegando perto, o homem me viu e então percebeu que algo estava errado apenas com meu olhar.
— Não veio para comer sopa não é?,— Ele me disse assim que parei o cavalo, em resposta, neguei com a cabeça.
— É a garota, você viu? Ela passou por aqui? — Olhei em volta, ele soltou uma risada frouxa.
— Ela fugiu de você? Não me parece o tipo de garota que fica muito tempo parada em um lugar.
— É. Me arrependo de não ter pensado isso dela antes. — Olhei para um ponto distante tentando avistar algo, o velho olhou em volta.
— Não tem nada para lá além de florestas densas, rios e infectados. — O velho apontou, engoli em seco sentindo um aperto no peito. Me perguntando porque diabos Ellie ia fugir tão de repente.
Tirei o mapa da bolsa na sela do cavalo, estendi sobre suas costas procurando por um ponto de referência. Meus olhos brilharam sobre algo, um museu abandonado para o leste, depois da floresta.
— Se o Joel passar por aqui, diga que fui para o leste. — Apontei, o velho assentiu e me seguiu com os olhos.
Apressei o cavalo o quanto pude, elas não deviam estar muito longe. Foi quando avistei sangue no chão, uma trilha de sangue seguindo direto para o rio, parei o cavalo e o amarrei em uma árvore. Continuei a rota caminhando, o sangue ficava cada vez mais marcado no chão, mais recente.
— Ellie! Jessica! — Chamei, nada, estava começando a ficar preocupada.
Assim que saí da floresta por entre as árvores, encontrei o museu, estava cercado de mato como se tivesse sido abandonado há muito tempo. Segurei uma lanterna logo abaixo da arma e entrei no prédio escuro, era bem grande e aberto por dentro, as estátuas completamente cobertas por musgo e cipós.
Ouvi estalos e sons vindos do andar de cima, subi as escadas com cautela, meu coração estava batendo tão forte que podia alertar um infectado de longe. De repente Ellie saiu de trás de um balcão de exposição apontando sua arma.
— Mas que merda! Quase atirei em você! — Ela sussurrou, franzi o cenho com seriedade e tensão. — N-nós precisamos de ajuda.
Ellie me puxou até o outro cômodo, Jessica estava encostada na parede, o rosto pálido e o braço rasgado por uma mordida.
— Puta merda. — Me aproximei, Ellie parecia aterrorizada. — O que vocês estão fazendo aqui? Mas que merda aconteceu?!
— Queríamos ver o museu, não sabia que teriam infectados nessa área. — Ellie dizia tocando o ferimento no braço da garota. — Dá pra fazer alguma coisa? Como fizeram com você? Droga, podemos fazer alguma coisa!
— Ellie não dá, não aqui. — Encarei Jessy, a garota pareceu entender de imediato a situação. — Eu sinto muito.
— N-não. Podemos levar ela lá, podemos voltar e tentar conseguir uma cura. Não.
— Ellie não dá. Não tem como.
— Por quê? Por que não?! — A garota gritou, senti a adrenalina me dominar, estava irritada com o susto que Ellie havia me dado.
— Porque eles estão mortos! Estão todos mortos Ellie. — Fui direta, não aguentava mais esconder a verdade dela.
— C-como?
— Joel. E eu.
A garota parou, boquiaberta com a verdade e com toda a situação. Ellie puxou um canivete e cortou sua mão, e começou a esfregar o sangue na ferida.
— Ellie para, você está se machucando. — Jessica dizia em choque, preocupada com a garota e sua convicção em curá-la. — Para, por favor...
A garota parou, me aproximei e comecei a enfaxar seu ferimento. Ela parou e então me encarou com indignação, o rosto vermelho em raiva.
— Vocês mentiram pra mim! Ela vai morrer e a culpa é toda de vocês! Eu podia salvá-la! — Ellie me empurrou, segurei seus braços, ela estava chateada demais para retrucar.
— Nós te salvamos, você era nossa prioridade.
— Eu salvei você! — Me empurrou outra vez, encarei o chão segurando o choro. — Egoísta!
— Cacete Ellie! Você queria morrer pra salvar todo mundo? Acorda porra! Você é uma criança, não conhece o mundo em que vive!
— E vocês conhecem muito bem. — Cuspiu as palavras de forma ríspida, segurei a arma no coldre.
— Quer saber? Eu fui muito gentil com você em não te contar a verdade. Mas não mudaria de decisão nem por um segundo, nem que sua vida seja uma merda como a de todos nós, ao menos vai viver pra reclamar disso e para nos odiar até o dia em que morrer! — Tirei a arma do coldre, olhei para Jessica e então desviei o olhar. — Eu sinto muito mesmo.
— O que você ta fazendo?! Para! — Ellie se colocou na frente da garota, Jessica segurou seu braço.
— Tudo bem, ela tem que fazer.
— Se fizer isso, eu nunca vou te perdoar. — Apontou, travei a arma e entreguei para Ellie, ela me encarou surpresa.
— Então faça você mesma. Vou esperar lá fora. — Deixei o cômodo, Ellie sentou ao lado de Jessy, toda a situação lhe dava calafrios e lhe trazia uma breve lembrança.
Quando saí encontrei Joel, ele parecia surpreso, assustado com minha irritação. Apontei para a sala, antes que pudesse ir, segurei seu braço e o fiz esperar por segundos. Foi o suficiente para ouvir o tiro, fechei os olhos num reflexo, Joel me encarou confuso.
— Ellie!
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