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Capítulo 20

   Nunca me senti verdadeiramente feliz por estar viva, não tanto quanto me sentia ao lado de Joel e Ellie, eram minha família, a família que sempre sonhei em ter... agora, uma nova fase da minha vida estava se iniciando, mesmo em um mundo quebrado era o momento de recria-lo.

 Senti a mão quente de Joel sobre os meus cabelos, quando abri os olhos me deparei com seu rosto enrugado formando um sorriso, me espreguicei.

— Oi papai. — Sussurrei, ele corou e deixou um beijo na minha testa.

— Dormiu bem? 

— Como consegue me perguntar isso todos os dias desde que começamos a dormir juntos? — Perguntei, Joel riu e continuou me encarando.

— Eu me importo com você. — Ele foi direto, apenas assenti feliz com a resposta. 

— Tenho que ir ver o doutor hoje. — Virei-me para cima e encarei minha barriga, estava levemente inchada, já conseguia notar uma diferença.

— Quer que eu vá com você? — Joel colocou a mão sobre a minha barriga e começou a fazer carinho, segurei.

— Tudo bem, vou sozinha, você tem muita coisa pra fazer.

— O Tommy pode me cobrir. — Ele insistiu, levantei, o cabelo caiu sobre o rosto.

— Não vai mandar seu irmão te cobrir outra vez. — O encarei com irritação, Joel finalmente concordou e subiu para deixar um beijo no meu pescoço.

 Seus lábios passaram levemente sobre a minha pele, arrepiando-me por completo, ele jogou meu cabelo para trás e continuou com delicadeza. Virei-me e o beijei, pulei em cima do homem mais velho e continuei a troca de beijos com agitação, Joel sorriu.

— Lorie.

— O que? — Perguntei por cima, ele olhou para baixo. — Estou grávida, você precisa cumprir com meus desejos.

— Quais são seus desejos? — Ele sussurrou no meu ouvido, sorri e sussurrei algumas besteiras. Joel virou-me ficando por cima, comecei a rir com empolgação.

Ficamos mais alguns minutos na cama, me vesti e me preparei para mais um dia. Maria mudou algumas tarefas apenas para garantir minha segurança, nem mesmo ela saía com facilidade. A sua gravidez e o estado da sua barriga, crescendo a cada semana, me assustava. Tinha receio de inchar feito uma batata e enfrentar algumas dificuldades como a dor na coluna e a movimentação pela cidade.

— Você chegou bem na hora. — Maria me cumprimentou na enfermaria, cruzei os braços. — Estávamos indo fazer o ultrassom.

— Mas já é hora? — Perguntei surpresa, a mulher acariciou a barriga com o dobro do tamanho da minha.

— Acho que vamos poder descobrir o sexo do bebê, mas sinceramente não me importo com isso. — Ela deu se ombros, mesmo parecendo animada.

— Pode acompanhar ela se quiser. — O doutor sugeriu, sorri e apenas concordei. — Em breve será sua vez.

— Tem alguma preferência? — Maria me perguntou sentando-se na maca com dificuldade, a barriga estava começando a pesar.

— Para ser sincera, só quero que seja um bebê saudável.

— E será. — Ela segurou minha mão, Maria ficou muito sensível com o tempo durante a gravidez, outro medo incontrolável.

— Bem, vamos começar. — O doutor dizia, ele espalhou o gel pela sua barriga e então começou a sessão.

Cada momento naquela sala vendo como Maria parecia animada, só me lembrava do oposto que vivi quando mais nova... tinha apenas dezenove anos na época e a situação toda me aterrorizava. A minha adolescência fora muito conturbada, não foi só a gravidez que havia me afetado naquela época mas sim todo o pacote de família, estudos e vida social.

— Nessa época já conseguimos ver o órgão do bebê, bem aqui, é um menino. — Ele apontou, Maria sorriu. — Quer as ultrassons para o seu marido?

— Sim por favor. — Ela pediu, o doutor deixou a sala por alguns minutos.

— Está assustada não é? — Maria chamou minha atenção, quando me dei conta estava encarando a tela do computador. — Eu sei que deve ser assustador pra você, é mãe de primeira viagem, não deveria passar por isso sozinha.

— Joel e Ellie tem sido bem cuidadosos comigo.

— Sabe que não é o que eu quis dizer. — Ela segurou firme minha mão, encarei o chão. — Eu posso te ajudar com algumas coisas se precisar.

— Obrigada.

— Certo, aqui está o seu ultrassom, e agora é sua vez. — Ele virou-se para mim, engoli em seco.

— Posso ficar se quiser.

— Não não. Tudo bem, quero fazer sozinha. — Pedi, Maria assentiu e então deixou a sala.

Sentei-me na maca e a série de exames começou outra vez, até o momento o bebê não apresentava nenhuma anormalidade. O que trazia alívio mas ao mesmo tempo preocupação para o doutor, ele não entendia como o vírus funcionava dentro do meu corpo e certamente eu também.

— E então? O que você descobriu?

— Ao que me parece está tudo bem, ele está com onze centímetros. Está crescendo bem... — Ele dizia, mas não tão animado.

— Tem algo errado que você não quer me contar? — Notei seu olhar de preocupação, ele me encarou.

— Preciso alertar mais uma vez, eu não sei como o vírus vai agir nessa criança com o decorrer do tempo, então você precisa saber que existem riscos para os dois. — Ele me disse como um ultimato, assenti mesmo com dificuldade. — Você entende que eu não posso te ajudar com algo que está além da minha capacidade de entendimento, não entende?

— Claro, eu não pediria isso à você, já está fazendo demais por mim.

— Mas eu vou tentar, prometo tentar aprender mais sobre essa criança a cada dia. Vamos fazer ela nascer saudável e feliz como você imagina. — Ele tentou me alegrar, estiquei os lábios mesmo entristecida.

— Obrigada doutor. — Agradeci, assim que ele virou-se para guardar os equipamentos puxei sua manga. — Por favor, deixe esses exames e essa conversa entre a gente está bem? E-eu não quero preocupar o Joel.

— Claro. Está bem. — Ele concordou sem hesitar, sabia que eu era a única pessoa que podia tomar estas decisões, principalmente sobre o meu caso especial.

Depois da consulta, peguei minhas armas para começar minhas tarefas que agora não passavam de, um pouco mais que a fronteira da cidade. Enquanto andava ao lado do meu cavalo, recebi um chamado no rádio.

— Alguém perto do muro oeste? — Era Tommy, liguei o rádio e o respondi.

— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei... nada, ele não me respondeu. — Tommy?!

— Lorie volta pra dentro.

— O que? — Insisti, Tommy repetiu o pedido. — O que está acontecendo?

De repente ouvi um som estrondoso, meu coração acelerou. Tommy me chamou no rádio, não respondi.

— Malorie me responde! — Pediu, segurei o rádio perto da boca.

— Que merda foi essa? Eu ouvi uma explosão, parecia um desabamento. — Tentei explicar, segui o som até um túnel de esgoto isolado.

— Você precisa voltar, já mandamos homens aí. Eles vão chegar logo.

— Espera, tem pessoas lá dentro? Tommy eles precisam de ajuda. — Me aproximei, ele repetiu o pedido outra vez, e insistiu.

— Lorie esse túnel vai desabar, já falei pra não chegar perto! Joel não me perdoaria se deixasse! — Gritou, desliguei o rádio e puxei uma lanterna.

— Ele não vai brigar comigo. — Sussurrei para mim, entrei no túnel escuro iluminando um pequeno espaço apenas com uma bola de luz. — Oi! Tem alguém aí?

Ouvi um estalo no escuro, puxei minha arma, o silêncio estava começando a me assustar. Coloquei a arma e a lanterna próximas em minhas mãos e segui para dentro com cautela, assustei ao me deparar com alguém.

— Você! Está ferido? Precisa de ajuda? — Apontei a lanterna para o homem ferido no chão, parecia estar com o pé torcido.

— Finalmente mandaram... — Ele me encarou, e se calou assim que notou. Baixei a arma e a coloquei no meu cinto, revirei os olhos.

— O que faz aqui? — Fui direta, meu pai olhou para o pé torcido e algumas ferramentas de limpeza logo à frente.

— Foi o trabalho que me deram, uma merda.

— Igual você. — Virei-me de costas decidida a deixá-lo bem ali, o túnel estremeceu, parei por segundos e cerrei os punhos. — Tem mais alguém?

— Está vendo mais alguém? Me deixaram aqui pra morrer. — Ele dizia fazendo careta ao tentar mexer o pé.

— Talvez tenha merecido. — Voltei e me agachei para ver o ferimento, ele me encarou, nunca sequer havíamos ficado nessa distância sem ele levantar a mão para mim.

— Talvez eu tenha merecido. — Ele concordou comigo, franzi o cenho confusa. — Faz meses.

— Não estou aqui pra conversar, o fato de estar te ajudando já é um milagre então é melhor não complicar as coisas. — Envolvi sua mão envolta no meu pescoço e o ajudei a levantar, ele encarou o pé fazendo outra careta.

— Aquele homem, Joel, ele é tipo seu protetor? — Insistiu em puxar assunto, não respondi, começamos a caminhar em direção a saída lentamente. — Ele me espancou daquela vez, pensei que faria sentido.

— Estamos juntos, agora cala a boca.

— Juntos? Como um casal? — Ele perguntou surpreso, parei e o encarei com irritação.

— Nunca sequer perguntou sobre a minha vida e agora que estamos em perigo, quer saber de tudo. — Resmunguei para mim, ele encarou o chão, parecia decepcionado com algo.

— Esse lugar... esteve aqui todos esses meses e nunca nos vimos pessoalmente depois da última vez.

— Eu preferi assim, na verdade preferia que tivesse te matado lá mesmo naquele dia. — Retruquei, ele riu surpreso.

O túnel começou a ceder outra vez, meu pai me empurrou para trás e destroços caíram bem na nossa frente bloqueado a saída.

— Merda. — Me levantei e limpei a terra seca, puxei o rádio. — Tommy está aí? Tem alguém me ouvindo?

— Aqui não tem sinal. — Meu pai disse por mim, coloquei o rádio no cinto e escondi o rosto com as mãos tentando pensar. — Não parece que vai desabar mais, estamos seguros aqui.

— Eu poderia estar segura em qualquer lugar, menos aqui com você. — Retruquei, ele assentiu.

— Eu realmente estraguei as coisas não é? — Roy disse sentando-se no chão, soltei uma risada frouxa e sem graça.

— Você acha?

— Nesses meses que fiquei aqui, a mulher me fez ir em algumas reuniões... — Enquanto ele falava, me sentei no outro lado apenas ouvindo.

— E você fez o que? Contou à eles como espancava sua filha? — Fui direta, ele negou.

— Falei da bebida, da sua mãe, de quando as coisas ficadam uma merda e de como estraguei tudo com você.

O encarei com confusão e choque, nunca sequer considerei que palavras com algum sentido pudessem sair pela sua boca. Na medida em que ele falava, me deixava ainda mais desconfortável, a possibilidade de perdoá-lo nunca havia passado pela minha cabeça.

— Você vai dizer que estou falando isso para buscar perdão ou algo do tipo. Eu não quero seu perdão porque sei que o que eu fiz é imperdoável, mas queria outra chance, um recomeço.

— Eu não sei de que porra você ta falando, mas eu quero distância de gente como você. — Me levantei e fui até os escombros, tentei mover algo mas nada aconteceu.

— É perigoso mover isso, você devia esperar pelo resgate.

— Perigoso? Como se você se importasse. — Retruquei, ele encarou o chão outra vez decepcionado. — Porra! Socorro! Alguém?!

— Não vão nos ouvir.

— Quer calar a boca?! — Gritei como um ultimato, ele assentiu e ficou quieto pelos minutos que se passaram.

Estar presa naquele ambiente sem saída estava começando a me deixar sem ar, comecei a retirar algumas pedras. Virei-me para Roy sentado no chão apenas observando.

— Já que se preocupa, me ajuda. — Pedi, ele levantou e veio me ajudar.

Começamos a tirar boa parte dos escombros, avistei uma luz, coloquei o braço para fora empurrando os escombros para o outro lado.

— Malorie cuidado. — Meu pai me ajudou a passar, quando coloquei a cabeça para o outro lado, os escombros que estavam em cima começaram a cair e ele me puxou de volta com agressividade.

— Me solta porra! Sai de perto de mim! — Comecei a gritar, senti meu corpo estremecer.

Ele se afastou rapidamente com as mãos pra cima, puxei minha arma e apontei no mesmo segundo, o buraco se fechou.

— Mas que merda. — Guardei a arma e apoiei a cabeça em minhas mãos, ele se sentou outra vez.

— Você está bem?

— Eu não devia ter entrado aqui, se eu soubesse que você estava aqui não arriscaria nossas vidas. — Apontei, ele franziu o cenho.

— Nossas? — Olhou em volta e então notou que havia algo diferente, estendi as mãos.

— Estou grávida. Surpresa! — Disse num tom debochado, Roy arregalou os olhos e então voltou para os escombros. — O que está fazendo?

— Como pôde entrar aqui nesse estado?

Congelei, não fazia sentido a forma como ele estava agindo, mesmo meses depois. Eu o conhecia muito bem ou ao menos tinha quase certeza disso, então como poderia agir tão preocupado e diferente?

— Dá pra passar, vai. Você precisa sair rápido. — Ele me guiou até o buraco, eu tinha apenas uma chance de passar e aquelas pedras não desabarem na minha cabeça.

Me esgueirei pelo pequeno buraco até o outro lado, quando olhei para trás o amontoado de pedras começou a cair. Me levantei e corri até a saída, encontrei Tommy e Joel armados e com ajuda.

— Lorie! Você está bem? Tem mais alguém lá? — Tommy me perguntou enquanto Joel verificava o corte na minha testa que sequer notei, esperei alguns minutos antes de responder, cogitei não dizer nada neste meio tempo mas apesar de ser um merda, ele me salvou.

— Tem, precisam tirá-lo de lá. — O encarei nos olhos, Tommy concordou, e percebeu que minha decisão havia se tornado um marco naquele dia. O dia em que decidi salvar o meu pai agressor por clemência.

— Está bem.

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