A Última Festa
Desde que se mudara para a casa mais luxuosa da região, Joy Gatsby foi alvo de todo tipo de especulação. As pessoas questionavam, entre outras coisas, a origem de sua fortuna. Alguns diziam que a moça era herdeira de ferrovias, e que agora esbanjava com suas festas extravagantes a fortuna que os pais tiveram tanto trabalho para conquistar; outros asseguravam que ela fora cortesã em Paris, e que agora desfrutava na América do dinheiro sujo que ganhara nos bordéis e cabarés da Cidade Luz; outros, mais maliciosos, diziam que se casara por dinheiro, e assassinara o marido durante a lua de mel. No que todos estavam de acordo, é que Joy Gatsby era uma nova rica, cujo sobrenome não impressionava absolutamente ninguém.
Ironicamente, todos, de algum modo, se aproximaram da verdade com suas teorias maldosas.
Durante um mês inteiro, a bela mulher enchera sua casa todas as noites com dezenas de pessoas desconhecidas, oferecendo festas animadas, regadas a champanhe e música. Ninguém precisava ser convidado. Bastava comparecer e se divertir.
Foi uma surpresa para todos quando, duas semanas atrás, sua última festa se encerrara de maneira trágica: a anfitriã fora achada morta no canapé do escritório às escuras, com a garganta cortada. A taça de champanhe jazia caída no tapete ao seu lado, um vaso de flores tombado junto ao aparador, e os belos olhos verdes refletiam a lua que brilhava através da janela.
A casa estava quase vazia quando o corpo foi encontrado pelo mordomo. Joy tinha dado instruções para que os empregados discretamente pedissem que as pessoas se retirassem; porém, sete pessoas foram reunidas, por ordem sua, na sala de visitas para um "brinde final".
Como ela demorou a aparecer, o mordomo foi chamá-la no escritório, e deparou com seu cadáver.
As sete pessoas que permaneciam na casa foram minuciosamente interrogadas na noite do crime, e nos dias que se seguiram, o Investigador de Polícia Arthur Holmes – primo em segundo grau do famoso detetive inglês, nascido na América –, investigou seus passados e suas relações com a vítima. Agora, convencido de que desvendara o mistério, ele os reuniu novamente na sala de estar da mansão de Joy Gatsby para uma acareação final, onde esperava determinar, sem sombra de dúvida, quem era o assassino.
– Este tipo de caso é o calcanhar de Aquiles para qualquer investigador. Temos como vítima uma mulher rica, sobre quem todos lançam as piores suspeitas, assassinada dentro de sua própria casa, durante uma festa. Literalmente, dezenas de suspeitos. No entanto, ao examinar pela primeira vez a cena do crime, fui informado pelo Sr. Tebaldo, o mordomo, de que a casa havia sido esvaziada a pedido da própria vítima; todas as portas, exceto aquela que conduz da sala de visitas ao jardim, haviam sido trancadas; e somente sete pessoas permaneciam no interior da casa no momento do crime. Isto deveria ter tornado meu trabalho mais simples, e, no entanto, não foi assim. E a principal dificuldade para chegar a qualquer conclusão está no fato de que quase todos vocês alegaram ter conhecido a vítima apenas recentemente. Frequentavam suas festas; às vezes compareciam para um chá no meio da tarde; passeavam de carro pela cidade; atendiam-na em seus estabelecimentos... Ninguém tinha qualquer relação mais estreita com a Sra. Gatsby, que pudesse justificar, se posso usar este termo, seu assassinato. E, no entanto, um de vocês a matou.
O detetive fez uma pausa calculada, observando as reações dos suspeitos. Todos fizeram seu melhor para parecerem tranquilos diante da acusação.
– A meu ver, este caso somente será solucionado, se pudermos estabelecer uma cronologia dos fatos, e das informações que os senhores mesmos me deram em seus depoimentos. Posso dizer que três de vocês foram completamente honestos comigo. Todos os demais mentiram ou omitiram informações.
O detetive consultou suas notas.
– Os fatos do caso são os seguintes: Joy Gatsby, vinte e nove anos, foi encontrada morta por seu mordomo dentro do escritório aproximadamente à meia-noite e meia do último dia seis de junho. O médico estabeleceu que ela teria sido morta entre onze horas e meia-noite. Joy foi vista viva por vários de vocês por volta das dez e meia, e às onze horas pelo Sr. George Wilson. Sua voz ainda teria sido ouvida perto da meia-noite pelo Sr. Romeu Montecchio, quando ele acredita que ela tenha entrado no escritório; todavia, ao procurá-la ali em seguida, não havia ninguém lá dentro, e as luzes estavam apagadas. Cerca de meia hora depois, ela foi encontrada morta dentro do escritório, sem que qualquer de vocês a tenha visto ou qualquer outra pessoa entrando ali. Um caso verdadeiramente espantoso!
"Todos vocês estavam reunidos na sala de visitas no momento em que Joy foi encontrada morta, mas não chegaram todos juntos a este cômodo. Primeiro, chegaram George e Myrtle Wilson, vindo do jardim; Romeu Montecchio veio em seguida, saindo do escritório; depois Daisy Buchanan, vindo do toalete no primeiro andar; em seguida, Jordan Baker e Nicole Carraway, vindo do jardim; por último, Tom Buchanan, vindo da sala de jantar.
"Do momento em que se reuniram na sala de visitas, até o corpo da vítima ser encontrado, três de vocês deixaram a sala: Myrtle Wilson foi ao toalete; Nicole Carraway foi procurar a Sra. Gatsby em seu quarto; e Jordan Baker pensou ter visto alguém se movendo no jardim, e saiu até a varanda para verificar".
– Na verdade, ele desceu os degraus, contornou a piscina e se embrenhou na escuridão entre as árvores – corrigiu Myrtle Wilson.
– Correto – concordou Baker. – Mas não encontrei ninguém. Se tinha mesmo alguém lá fora, partiu ou se escondeu antes que eu pudesse alcançá-lo.
– Certo – prosseguiu Holmes, guardando as notas. – E naquela altura todos os demais convidados já haviam deixado a casa?
– Exatamente – confirmou o mordomo. – Os empregados que serviam os petiscos e as bebidas foram instruídos a pedir que todos se retirassem, pois a Sra. Gatsby tinha necessidade de esvaziar a casa.
– Qual foi a explicação dada às pessoas para este pedido?
– Nenhuma. Simplesmente, a festa acabara.
– E absolutamente ninguém ficou para trás?
– Inspecionamos toda a casa, seguindo instruções da Sra. Gatsby: quartos, toaletes, cozinha, despensa, adega, todos os demais cômodos e também o jardim. Quando fui procurá-la no escritório não havia ninguém na casa, exceto os empregados e estas pessoas que ela havia solicitado que ficassem.
– E por que ela pediu que ficassem?
– Para um brinde especial – respondeu Daisy.
– Muito bem – disse Holmes. – Sabemos que ninguém precisava de convite para comparecer às festas de Gatsby. No entanto, todos vocês foram, de alguma forma, convidados. Os Wilson na noite do crime, e os demais em momentos anteriores, depois do que se tornaram frequentadores assíduos de suas festas. A única exceção foi o Sr. Romeu, que veio trazido pela curiosidade de reencontrar uma velha conhecida.
– Eu também não fui convidado pela Joy, propriamente – esclareceu Jordan Baker. – Foi um amigo com quem costumo jogar golfe quem primeiro me convidou para vir à casa de Gatsby.
– Deveras – concordou Holmes. – E a senhorita Nicole Carraway não foi convidada por ser vizinha da vítima, mas por causa de seu parentesco com a senhora da mansão do outro lado do lago, Daisy Buchanan.
– Sim, somos primas por parte de mãe.
– Alguma vez a Sra. Gatsby lhe disse como soube de seu parentesco?
– Sinceramente, não lembro de ter perguntado.
– Mas quando você perguntou de onde ela conhecia a Sra. Buchanan, sua resposta foi, em suas próprias palavras, "foi há muito tempo. Em outra vida". O Sr. Baker também mencionou que Gatsby sabia que o amigo de que lhe falara, Tom Buchanan era o marido de Daisy, dando a entender que os conhecia, ou, pelo menos, conhecia a Sra. Buchanan.
– Foi isso mesmo – confirmou Baker.
– E, no entanto, a Sra. Buchanan nega tê-la conhecido antes de comparecer à sua festa pela primeira vez. Convite que também negou ter recebido, até eu mencionar que a Sra. Gatsby pedira que sua prima a convidasse. Seu marido, Tom Buchanan também negou ter conhecido a vítima antes de vir à festa, mas, segundo a Srta. Carraway, a Sra. Gatsby "não queria que Tom soubesse que ela morava nesta mansão". O que sugere claramente que se conheciam. E o senhor ainda deu a entender que não considerava a Sra. Gatsby uma "mulher de família". E os dois ficaram incomodados ao descobrir quem era sua nova vizinha, e deram um jeito de conversar com ela a sós no escritório, em diferentes momentos, na primeira noite em que estiveram nesta casa; depois disso, começaram a se sentir à vontade com ela. Tanto que a Sra. Buchanan passou a frequentar esta casa durante o dia, sem que seu marido soubesse, pois Tom "não considerava a Sra. Gatsby uma companhia adequada para sua esposa", e o Sr. Buchanan concordou que ela integrasse seu círculo de amigos.
– Se vamos ser acusados de alguma coisa, eu exijo que o senhor pare com seus rodeios, e diga diretamente – disse Tom, irritado.
– Em seu devido tempo, Sr. Buchanan – garantiu Holmes. – Estou tentando organizar os fatos e contradições em seus depoimentos. O Sr. Baker admitiu que esteve flertando simultaneamente com a Srta. Carraway e com a Sra. Gatsby nas últimas semanas.
– Que fique claro que não fiz promessas, nem faltei com respeito a nenhuma das duas – observou Baker.
– Os Wilson, por sua vez, alegaram não conhecer a Sra. Gatsby em absoluto, mas que vieram à festa na noite de sua morte porque receberam um convite dela mais cedo.
– Foi isso mesmo – confirmou George Wilson.
– E apesar de não se conhecerem, ela pediu que ficassem para aquele "brinde especial" com seus amigos. Por quê?
– Como vamos saber? – exaltou-se George.
– Quando estiveram com ela na festa, a Sra. Wilson deu a impressão de não ter gostado de Joy, à primeira vista. Segundo alguns de vocês, ela pareceu enciumada porque seu marido se excedia nos elogios à beleza da anfitriã. No entanto, quando a interroguei, a senhora negou que seu marido tenha feito galanteios à Sra. Gatsby, afirmando que o Sr. Wilson "não é do tipo que fica importunando mulheres bonitas". Devo acreditar mais na senhora do que no depoimento de outras três pessoas?
– É o que eu disse. George comportou-se como um cavalheiro o tempo todo.
– E o Sr. Romeu Montecchio foi visto discutindo com a vítima em seu jardim dias antes de sua morte. Mesmo assim, ela parecia ter pelo senhor alguma consideração, já que lhe pediu para ficar naquela noite.
– Joy e eu não discutíamos quando a Srta. Carraway passou pela calçada no dia em questão. Apenas recordávamos os velhos tempos.
– E havia muito a recordar, não é mesmo?
– Aonde está querendo chegar? – interrompeu Tom. – Pretende acusar um de nós pelo assassinato de Joy, ou está apenas especulando para ver se alguém confessa? Porque, se for isso, precisa melhorar suas táticas investigativas, meu velho.
– Como eu disse no início, este é um caso espantoso – disse Holmes. – Porque não se trata apenas de um crime; mas de dois. Dois assassinatos ocorridos nesta casa em espaços de tempo distintos, mas em circunstâncias similares. E o pior: ambos os crimes foram cometidos pela mesma pessoa.
Holmes observou os rostos confusos e alarmados ao seu redor, enquanto calmamente retirava um envelope do bolso interno de seu paletó.
– Tenho em minhas mãos uma carta escrita pela Sra. Gatsby – prosseguiu –, e que me foi entregue na noite de sua morte. Joy sabia que seria assassinada naquela noite, e mandou me alertar, para que eu pudesse descobrir seu assassino. Por isso cheguei aqui antes da polícia. Só lamento não ter sido capaz de chegar a esta casa a tempo de impedir o crime.
Nicole Carraway secou discretamente uma lágrima em seu rosto.
– Se me permitem, farei agora a leitura da carta – disse Holmes, desdobrando um fino maço de papéis.
"Caro Sr. Arthur Holmes,
Venho, através desta, pô-lo a par de pormenores possivelmente chocantes a respeito das pessoas que solicitei que permanecessem em minha casa esta noite. Entre elas, há um assassino.
Cinco anos atrás, nesta mesma casa, o Conde Páris foi assassinado, enquanto examinava documentos no escritório. O crime nunca foi solucionado, em parte, porque a polícia hesitou em investigar mais profundamente pessoas muito influentes nesta cidade. Mas, pelo que ouvi, o senhor não se deixa intimidar por essas coisas, por isso, tenho fé que será capaz de desvendar esse mistério, e levar o assassino do meu querido Páris à justiça.
De imediato, posso lhe dizer que acredito que uma das pessoas que pedi para ficarem, depois que os outros convidados se retiraram, é o assassino. Não suspeite da Srta. Carraway. Ela é a única que tenho absoluta certeza de que é inocente. Principalmente, porque ela sequer morava nesta cidade, na época.
Se eu estiver certa, é possível que esta noite eu seja assassinada. Partirei sem medo, se for o caso, mas espero, sinceramente, que minha morte e a de Páris não fiquem impunes.
Para auxiliá-lo nas investigações, anexo informações que estas pessoas certamente não lhe darão de boa vontade. Trata-se de um passado sórdido e obscuro que muitos deles escondem, mas que pode ajudar a montar o quadro de quem eles eram na época, suas relações com Páris e comigo, e o que pode ter levado um deles a cometer este crime".
Holmes passou a primeira folha para trás, e prosseguiu com a leitura da seguinte:
"A primeira coisa que o senhor deve saber é quem eu realmente sou, e até que ponto os boatos a meu respeito são verdadeiros. Meu nome verdadeiro é Julia Capuleto, mas, há cinco anos, as pessoas nesta cidade me conheciam como Julieta. Fui uma das cortesãs do Clube Verona, de propriedade de Romeu Montecchio; uma fachada para a máfia comandada por sua família. Foi ele o primeiro a me apelidar de Joy, a joia rara de sua casa. Foi lá que conheci Páris. Ele costumava frequentar o local, e era sempre atendido pela mesma garota, Rosalina. Ela o adorava. Fazia inúmeros elogios por ele tratá-la como "uma verdadeira dama deve ser tratada". O dinheiro dele era quem a tratava bem, de verdade.
Uma noite, porém, Rosalina estava numa das alcovas com um cliente quando Páris entrou no Clube. Então, eu o atendi. E ele nunca mais procurou Rosalina depois disso.
Não sou tola de pensar que ele tenha se apaixonado por mim. Sei bem o que eu era, e um homem como ele jamais desejaria uma meretriz como esposa. Todavia, Páris se encantou o bastante para me convidar para morar em sua mansão. Tornei-me sua concubina. Sei que depois disso ele voltou ao Verona algumas vezes, onde imagino que tenha se divertido com Rosalina, mas eu não me importava. Ele me dera mais do que eu poderia desejar: exclusividade, um teto e conforto. Isso, para uma mulher em minha profissão, era o mundo.
Mas, claro, eu não esperava viver em sua casa para sempre. Em algum momento, um homem com a posição e o título dele desejaria uma esposa respeitável que lhe desse herdeiros.
Foi então que Daisy Fay entrou em sua vida. Na época, ela era uma debutante, à procura de um pretendente rico, cuja família estava em decadência financeira, mas se esforçavam para manter a pose de aristocratas. Daisy acreditava que sua beleza seria suficiente para atrair um bom partido. E estava certa. Ela os atraía como flores atraem abelhas. Exceto Páris. Seu título e sua fortuna eram exatamente o que ela desejava, mas ele nunca foi seu pretendente. E isso a enfurecia. Daisy nunca suportou saber que ele vivia amasiado com uma meretriz, quando podia ter uma esposa digna e linda como ela.
Foi então que ela passou a frequentar esta casa. Uma coisa é um homem não querer se casar com uma moça; outra é dispensá-la quando ela se dispõe a frequentar sua cama.
Imagino que Tom nunca soube disso. Mas Daisy também não deve saber que, enquanto eu trabalhava no Verona, Tom era um dos meus mais assíduos clientes.
Foi através de Páris que Daisy conheceu Tom. Ele era sócio do Conde no comércio de bebidas ilegais, desde a implementação da Lei Seca. Na época de sua morte, Páris pensava seriamente em abandonar este negócio, e investir em petróleo, fábricas de automóveis e cinemas. Se tivesse feito isso, teria deixado Tom arruinado.
O que teria sido bom, talvez, para Jordan Baker, então o pretendente mais determinado de Daisy Fay. Outro segredo de seu passado que imagino que Tom não conheça. Jordan grudara no pé de Daisy como um carrapato durante meses, tentando conquistá-la de todas as formas, mas sua fortuna, na época, era irrisória. Quem poderia imaginar que os campos de golfe valorizariam tanto nos últimos anos? Se ela tivesse sido paciente, e esperado por ele, hoje seria mais rica ainda.
Depois da morte de Páris, Romeu fez várias tentativas de me levar de volta para o Verona, porém, eu não queria mais essa vida. Por isso decidi partir para a Pensilvânia, onde conheci James Gatsby, um velho milionário do aço de Pittsburgh. O Sr. Gatsby estava muito enfermo, e eu me empreguei como cuidadora em sua casa. Certo dia, depois de algumas insinuações de conhecidos dele que haviam visitado Nova York e o Clube Verona quando eu ainda trabalhava lá, ele me pediu que contasse minha história. Contei-lhe tudo. Todos os detalhes sórdidos. Ele ficou comovido com minha história, e me fez a maior de todas as caridades que recebi na vida. James não tinha filhos, nem herdeiros. Então, pediu-me que casasse com ele, e herdasse sua fortuna. Assim, eu poderia voltar a esta cidade, e exigir que se fizesse justiça pela morte do Conde.
Foi assim que me tornei Joy Gatsby.
Páris foi assassinado na noite do Ano Novo, em 1923. Estava dando uma festa, e essas cinco pessoas, que, na minha opinião, são os principais suspeitos, estavam na casa: Daisy Fay, a pretendente rejeitada; Tom Buchanan, o sócio prestes a perder uma fortuna, se Páris efetivamente abandonasse o negócio; Jordan Baker, o pretendente rejeitado pela mulher que se arrastava aos pés do Conde; Romeu Montecchio, meu antigo cafetão, que, suponho, tenha sido prejudicado financeiramente com minha saída do Verona; e sua antiga amante, Rosalina. Atualmente ela responde pelo nome 'respeitável' de Myrtle Wilson".
A última revelação provocou um choque nos presentes. Em especial, em George Wilson, que se levantou imediatamente, numa mescla de fúria e horror.
– Então era esse o orfanato em que você trabalhava quando te conheci?! – esbravejou ele, agarrando-a pelos cabelos. – Vagabunda!
– Acalme-se, Sr. Wilson! – pediu o detetive, enquanto Jordan e Tom tentavam afastar o homem de sua mulher.
– Tirem as mãos de mim! – gritava Wilson. – Eu vou matá-la! Me enganou todos esses anos!
– Não! – balbuciava a Sra. Wilson, chorando.
– Por favor, senhores, é melhor tirarem o Sr. Wilson daqui – sugeriu Holmes aos policiais que o acompanhavam.
– Não podem tirá-lo daqui! – bradou Tom. – Ele também é um suspeito!
– Na verdade, não, Sr. Buchanan. De acordo com a carta da Sra. Gatsby, Wilson não estava nesta casa na noite em que Páris foi assassinado. Só foi envolvido nesta trama por ter se casado com Myrtle. Deixe que fique lá fora com os policiais.
– Mas ele estava aqui na noite da morte de Joy – protestou Daisy.
– E nenhum de vocês o viu deixar esta sala – disse Holmes.
– Mas isto não prova... – começou Tom, mas foi interrompido por Holmes.
– É melhor assim, Sr. Buchanan. Mesmo porque, sei que Wilson é inocente.
– Ah, sim, porque o senhor afirma saber quem é o culpado – disse Tom, sarcástico. – E, no entanto, só o que fez foi jogar os pecados de todos em nossa cara... – Ele fuzilou Daisy com o olhar; ao que ela simplesmente baixou os olhos, aborrecida. – E até agora não fez nenhuma acusação relevante. Afinal de contas, quem matou Joy Gatsby?
– E o Conde Páris – acrescentou Nicole Carraway.
– Reavaliemos os últimos momentos antes da descoberta do corpo de Joy Gatsby. Os Wilson vieram para esta sala, e, segundo o depoimento de Tebaldo, o mordomo, daqui George não saiu. Em seguida, o Sr. Romeu saiu do escritório. Aliás, ele foi o único a entrar naquela sala na janela de tempo em que Joy foi morta.
– Mas ela não estava lá – repetiu Romeu.
– Acredito no contrário. Em seguida, Nicole e Jordan vieram do jardim para esta sala. Depois, Daisy veio do andar de cima. E por último, Tom, vindo da sala de jantar. O que fazia lá, a propósito?
– Apanhava um charuto. Era lá que Joy guardava a charuteira, sobre um aparador.
– É verdade – disse Nicole. – Ela dizia que os homens sempre procuravam um charuto após o jantar, e que era mais conveniente deixá-los à mão, perto da mesa. E Tom realmente tinha um charuto aceso quando entrou nesta sala.
– Bem – prosseguiu Holmes –, algum tempo depois, Myrtle saiu da sala para ir ao toalete, no andar de cima.
– Exato – confirmou Jordan. – Talvez fosse o assassino.
– Receio que não, Sr. Baker. Quando o senhor deixou esta sala, Joy Gatsby já estava morta, e o assassino já havia criado seu álibi. Quem quer que o senhor tenha visto, não estava envolvido no caso.
Todos o encararam, com expectativa.
– Pelo que sabemos, Romeu foi provavelmente o último a ver a Sra. Gatsby viva.
– Sim, mas, insisto: ela não estava no escritório quando eu entrei.
– Na verdade, estava, sim – afirmou Holmes. – Durante minhas investigações, visitei esta casa várias vezes. Estive cismado com este detalhe curioso: como uma mulher pode ter sido assassinada dentro de um cômodo fechado, cuja única entrada era vigiada por sete pessoas, sem que ela própria, ou qualquer outra pessoa fosse vista entrando; e isto, depois de uma pessoa alegadamente tê-la procurado lá dentro e constatado que não havia ninguém naquele cômodo? A meu ver, havia duas explicações possíveis: Romeu mentira sobre ela não estar lá dentro, e foi ele mesmo quem a matou, o que sei que não é verdade; ou, o mais imaginativo, porém, mais provável, havia outra entrada para o escritório.
– Claro! – exclamou Jordan. – A janela!
– Refiro-me a uma entrada dentro da casa. Uma que permitiria que o assassino entrasse e saísse do escritório sem ser visto, e que ainda poderia lhe garantir um álibi irrefutável, pois ele teria sido visto vindo de outra direção, completamente oposta; ninguém nunca o viu aproximar-se do escritório naquela noite. O antigo proprietário desta casa, o Conde Páris, que, coincidentemente, teve a garganta cortada cinco anos atrás naquele mesmo escritório, durante uma festa, contrabandeava uísque ilegal, junto com o Sr. Buchanan. E numa casa deste tamanho, pareceu-me perfeitamente possível, e provável, que houvesse esconderijos para estocar essas bebidas. Uma adega secreta, cuja entrada ficaria muito bem camuflada em algum lugar da casa.
"Passeei de um lado para outro do escritório – prosseguiu Holmes –, tentando imaginar onde poderia ficar a entrada para essa adega secreta. Com o tempo, comecei a contar meus passos. De uma parede a outra, dei oito passos dentro do escritório. Vim caminhar, então, do lado de fora; da quina da parede onde o escritório se encontra com esta sala de visitas, indo em direção à sala de jantar. Dez passos. Por que eu pude dar dois passos a mais do lado de fora da sala? Uma das paredes tinha quase um metro de espessura. Por quê? Porque ela oculta um corredor secreto!
"Revistei minuciosamente as estantes de ambos os lados da sala, até encontrar o dispositivo que permitia abrir a passagem escondida atrás de uma delas. Foi por isso que Romeu não encontrou Joy Gatsby dentro do escritório, apesar de tê-la visto entrar lá um momento antes. Quando o senhor entrou atrás dela, ela já tinha desaparecido pela passagem secreta".
– Mas ela não foi morta nessa passagem – disse Nicole. – Por que ela entraria ali?
– Para ver de antemão quem viria ao seu encontro através daquela passagem – disse Holmes. – O corredor dava para uma escada parcamente iluminada por uma lâmpada na adega secreta, no porão. De cima, Joy podia ver quem subia pela escada, mas a pessoa talvez não conseguisse enxergá-la nas sombras.
"Durante a festa, Joy deve ter feito insinuações de que pretendia revelar algum segredo sórdido do passado de cada um de vocês esta noite. Pode até ter mencionado um crime. Uma isca lançada para o assassino, para que ele tivesse pressa em silenciá-la, antes da reunião.
"Romeu Montecchio não tinha, na verdade, nenhum motivo para querer matar Joy; nem Páris, tampouco. Durante todo o tempo em que a moça esteve vivendo em sua casa, o Conde continuou pagando ao cafetão dela um bom dinheiro para manter sua exclusividade sem ser incomodado. Para Romeu não fazia a menor diferença ter Julieta no prostíbulo ou na mansão do Conde; sua parte do pagamento estava assegurada.
"Por isso, sei que o senhor não matou Joy. Você, Nicole Carraway e George Wilson foram os únicos a me dizer toda a verdade em seus depoimentos, pois não tinham nada a esconder. A pessoa que a matou entrou e saiu pela passagem secreta do escritório, e percorreu o labirinto de passagens e escadas desta casa para fazer parecer que vinha de outra direção.
"A escada no fim da passagem secreta conduz à adega no porão, e lá, há outra escada, que comunica com a despensa da cozinha, através de uma portinhola escondida por um barril. A pessoa só teria que cuidar não ser vista pelos poucos empregados que estivessem encarregados de fazer a limpeza das taças e demais utensílios usados na festa, se esgueirar para fora da cozinha e usar a escada de serviço para chegar ao andar de cima, de onde podia perfeitamente dizer que estivera usando o toalete".
– Ah, meu Deus! – exclamou Nicole, ao perceber aonde o detetive queria chegar.
– Romeu não teria por que conhecer as passagens secretas da casa; mas outra pessoa, que costumava visitá-la com frequência no passado, poderia facilmente ter conhecimento delas.
– Tom Buchanan! – deduziu Jordan. – Sendo sócio de Páris no negócio de bebidas ilegais deveria conhecer essas passagens, e também a adega secreta.
– Mas eu não matei Joy! – exaltou-se Tom.
– Sei disso – disse Holmes. – Quando entrei no escritório pela primeira vez, reparei numa combinação curiosa de objetos no aparador junto ao canapé onde Joy foi encontrada morta. Havia uma bola de golfe, uma garrafa de uísque, uma rosa, uma liga, e um vaso de flores tombado no chão. Fiquei imaginando Joy Gatsby, planejando esta armadilha durante anos. Ela sabia do perigo que corria com esta farsa. O assassino ficaria tentado a atacá-la. Especialmente, quando se desse conta de que ela os havia reunido para forçar uma confissão. Ela precisava tomar precauções para garantir que a verdade fosse revelada, mesmo se ela não estivesse aqui para nos dizer. Por isso me escreveu esta carta. Por isso se escondeu na passagem com o escritório às escuras. Por isso reuniu esses cinco objetos e os deixou à mão, para que eles pudessem nos dizer quem era o assassino. Temos nesta sala um golfista profissional, Jordan Baker, e uma bola de golfe; um contrabandista de uísque, Tom Buchanan, e uma garrafa da bebida; uma mulher que outrora usava o nome Rosalina, Myrtle Wilson, e uma rosa; um homem que ganha a vida explorando o corpo das mulheres, Romeu Montecchio, e uma liga. Esses quatro objetos estavam arrumados sobre o aparador, em perfeita ordem. Apenas um fora atirado ao chão. Imagino que ela tenha feito parecer que foi um golpe involuntário, um acidente que derrubara o vaso de flores. E quais eram as flores nesse vaso?
– Margaridas! – exclamou Nicole, cobrindo a boca, horrorizada.
– Daisy! – exclamou Jordan, perplexo.
A Sra. Buchanan se levantou, lentamente.
– Não acredito que não enxerguei as flores, mesmo com aquela penumbra... – murmurou, dando um sorriso afetado e cansado. – Páris deveria ter sido meu. Aquela ordinária, com sua experiência de rameira, o mantinha inebriado. Ele gostava de mim na cama, mas no fundo, eu era apenas isso para ele: mais uma conquista; mais uma meretriz em sua cama.
– Por isso você o matou? – indagou Tom, horrorizado.
– Não seja tolo, querido! – disse Daisy tranquilamente. – Por que eu mataria a galinha dos ovos de ouro? Eu tinha que tirar aquela ordinária do meu caminho. Quando entrei no escritório estava escuro; somente a lâmpada do abajur sobre a escrivaninha estava acesa, e havia uma pessoa debruçada na frente dela. Eu pensei que fosse aquela maldita! Só depois que cortei sua garganta me dei conta de que era o Conde. Agora ela queria nos confrontar. Queria que um de nós confessasse o assassinato de Páris. Eu não podia deixá-la destruir minha vida mais uma vez.
– Mas ela não te destruiu – disse Tom. – Você se saiu muito bem, casando-se comigo.
Daisy deu de ombros.
– Foi um golpe de sorte. E no fundo, ela mereceu. Ambos mereceram. Eu fui preterida por uma prostituta!
Nicole Carraway atravessou a sala num átimo, e deu uma forte bofetada na cara de Daisy.
– Aquela prostituta era muito mais digna do que você, ou qualquer um nesta sala. Desfrute a prisão!
Os policiais algemaram a Sra. Buchanan e a levaram para a viatura.
– Sabe o que mais lamento, Srta. Carraway? Não ter sido capaz de salvar aquela mulher. Não a conheci pessoalmente, mas tudo o que aprendi sobre Joy Gatsby nas últimas semanas me dizem que era uma mulher extraordinária, de caráter impecável, carismática e cativante. E acima de tudo, possuía dignidade e lealdade que raramente se vê, mesmo nas pessoas mais virtuosas.
– Ela era tudo isso, Sr. Holmes, e muito mais – confirmou Nicole.
– É pena que tenha terminado assim. O mundo não está preparado para acolher as pessoas mais maravilhosas.
– Mas ela será lembrada, por quem realmente importa. A grande Sra. Gatsby.
– A maravilhosa Sra. Gatsby!
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