12 Ninguém espera que você seja a mesma
O domingo chegou rápido.
Murilo realmente cumpriu a promessa e ficou ao lado de Nadine: ele tinha uma mala de roupas no quarto de visitas, passava os dias trabalhando e as noites com ela. Nadine aproveitou a suspensão das aulas para revisar o trabalho de Esther e arrumar o quarto da bebê. Estava passando muito tempo lá.
Era estranho. Odiava tudo sobre estar grávida, tudo sobre como sua vida mudou completamente nos últimos meses e tudo sobre a maternidade, mas não odiava a bebê. Nem por um segundo. Nadine se perguntava se isso era normal. Se, a essa altura da gravidez e com o quarto da bebê quase todo organizado, já deveria ter desenvolvido algum instinto materno que a deixasse ansiosa para a maternidade. Não havia acontecido, e ela tinha medo de que não acontecesse. Todo o trabalho que teria com uma recém-nascida a fazia querer gritar e chorar, mas... a ideia de ter uma filha com quem compartilhar a própria vida era empolgante. A ideia de que teria uma família a agradava, a fazia querer correr os riscos e passar por tudo aquilo, mesmo que fosse cansativo.
Então Nadine não estava nervosa enquanto se arrumava para conhecer a mãe e a irmã de Murilo. Era como havia dito para ele: havia planejado uma vida sem Murilo — e sem elas também. Teria uma filha para cuidar independente da aceitação das duas, então tentava não ter grandes esperanças quanto a uma rede de apoio.
— Está pronta? — perguntou Murilo, surgindo na porta aberta do quarto.
Nadine assentiu com a cabeça, checando os cabelos pela última vez no espelho fixado na porta do guarda-roupas. Havia prendido as mechas da frente com uma presilha de strass, o que fazia com que a parte de cima ficasse menos volumosa e mais controlada, mas com que os cachos descessem numa bagunça suave e recuperasse o volume abaixo dos ombros. Também usava um vestido verde musgo, a saia descia até pouco acima dos tornozelos e, por ser específico para gravidez, o decote cobria bem os seios e não parecia indecente. Nadine tinha seios pequenos, mas haviam aumentado muito desde o início da gravidez.
O vestido elegante o suficiente para a ocasião, decidiu. Concordaram em jantar em um restaurante italiano naquele domingo à noite, e Nadine tentava ignorar a falta de disposição e a vontade de ficar em casa. A melhor coisa sobre a gravidez era que podia usá-la como desculpa para desmarcar qualquer compromisso, mas não podia fazer isso naquele dia.
— Estou — disse ela, pegando a bolsa e dando uma última conferida para se certificar de que tinha tudo o que precisava.
Escova e pasta dental, remédio para enjoo, remédio para enxaqueca, carteira, carregador de celular e uma toalha de rosto. Aparentemente tudo certo. Quando se virou para Murilo, ele sorria abertamente, os olhos brilhando com vivacidade enquanto a observavam.
— Está linda — comentou. Nadine riu.
— Você já é o pai da minha filha e eu vou conhecer sua família, não precisa flertar comigo — retrucou, mas tinha um sorriso no rosto enquanto contornava a cama para sair do quarto.
Quanto mais convivia com Murilo, mais se lembrava de como acabaram se envolvendo em primeiro lugar. Tudo entre eles era fácil e fluía, por mais que Nadine tentasse refrear essa conexão porque não queria se decepcionar. Podiam ter toda essa conexão agora, mas... e depois que a bebê nascesse? Ainda teria todo o apoio dele? Ele ainda seria essa pessoa prestativa que se provara ser nos últimos dias? Nadine tentava não pensar muito nisso, porque a presença dele aliviou grande parte dos problemas nos últimos dias.
Foram no carro de Murilo. Decidiram jantar no Madalosso, um restaurante que ficava relativamente longe da casa de Nadine — a condição dela foi que Murilo dirigisse, porque a barriga tornava tudo desconfortável. O lugar ficava no bairro Santa Felicidade, um enclave italiano conhecido na cidade por causa da culinária italiana típica e das vinícolas. O Madalosso em si era um restaurante enorme. O estacionamento dava visão para uma construção extensa e bem iluminada. Paredes brancas contornavam as grandes janelas de vidro que tornavam visível a sala de jantar do restaurante.
Os dois saíram do carro e foram para o pátio coberto da entrada. Era uma estrutura sustentada por grandes vigas brancas e quadradas, elas davam um ar grandioso às escadarias de mármore que levavam à entrada do restaurante. Nadine olhou para cima e, no teto, viu uma réplica de A criação de Adão, de Michelangelo, iluminada por holofotes de luz branca. Não passaram muito tempo no salão de recepção do restaurante porque a mãe e a irmã de Murilo já estavam ali, uma das funcionárias os levou para o salão de jantar.
Nadine se distraiu com as vozes e com a grandiosidade do salão por um momento. Eram incontáveis mesas, mas tudo muito aconchegante. Quando viu Murilo acenar para duas mulheres, provavelmente a mãe e a irmã, Nadine voltou a atenção para elas, finalmente tomada por uma dose de nervosismo. A bebê se agitou, como se reagindo à onda de ansiedade.
— Você deve ser Nadine! — disse a irmã dele, assim que se aproximaram. Ela tinha uma aparência jovem e usava cabelos curtos, mechas tingidas de cor-de-rosa se misturavam ao castanho. Os olhos dela eram bem escuros, como os da mãe, mas a pele tinha um tom claro de marrom que era parecido com o de Murilo. A semelhança dos dois acabava por aí. A irmã levantou-se imediatamente, sorrindo de forma animada. — Eu sou Maria Luísa, mas todo mundo me chama de Malu. Só para você saber, não sou nada como o imbecil do meu irmão, estou totalmente do seu lado — disse, avançando para abraçar Nadine com entusiasmo. Depois sussurrou baixinho, para que só Nadine ouvisse: — Ele não para de falar de você há duas semanas, vinte e quatro horas por dia.
Nadine ainda estava um pouco surpresa e extasiada, demorou alguns segundos para retribuir o abraço dela e entender o que estava acontecendo. Não esperava uma recepção tão calorosa e animada. Murilo havia lhe falado sobre a irmã: Maria Luísa era professora do ensino infantil e dos primeiros anos do ensino fundamental, trabalhava com bebês e crianças de até nove anos, tinha vinte e quatro anos e estava cursando uma segunda graduação em Psicologia.
— Quer parar de incentivar briga entre mim e a mãe da minha filha, Maria Luísa? — reclamou Murilo, e Nadine riu porque quase pôde ouvi-lo revirando os olhos.
Quando se separou dela, viu a mãe dos dois sorrindo. Dália também parecia muito jovem, os cabelos castanhos ainda mais curtos do que os de Malu, usava um vestido preto elegante e um colar prateado de pentagrama. Nadine pôde sentir o poder fluindo dela e exalando no ar, o que era impressionante. Raramente era possível sentir a aura das pessoas assim.
— É bom finalmente te conhecer, querida — disse Dália, num tom bem mais contido do que o de Malu, mas também muito satisfeito quando a abraçou.
Quando se sentaram à mesa e começaram a conversar, Nadine percebeu que as duas estavam genuinamente empolgadas para terem uma criança na família, o que a deixou aliviada. Esperava julgamento, desconfiança, talvez até desconforto da parte delas. Afinal, Murilo mal havia se separado de outra mulher, então estava preparada para comparações com Keity ou pelo menos um clima pesado. Não recebeu nada disso.
Maria Luísa falava sobre como tinha vários brinquedos em casa e tinha certeza de que a bebê iria adorar, e que com certeza conseguiria vaga para a bebê na escola em que trabalhava. Nadine estava incrédula ao perceber como as coisas se encaixavam perfeitamente. Ter uma tia como professora de Heloísa, uma tia que ficaria com ela na escola durante o dia... isso facilitaria tudo de mil maneiras.
Enquanto Maria Luísa tagarelava, Dália ficou calada e parecia observar cada resposta curta de Nadine. Não parecia julgar, só... observar. Como se para absorver os detalhes e conhecer Nadine por completo. De qualquer forma, Nadine não falava muito, só assentia e fazia comentários breves. Não queria que Malu sentisse que estava cobrando a ajuda dela, nem queria deixar o alívio e a empolgação crescerem. Murilo parecia adorar a irmã, mas Nadine não podia confiar nela depois de um jantar casual.
É claro que aquilo tudo estava sendo... demais. Muita informação. Nadine entendia por que Murilo não sugeriu um encontro com as duas antes. Por mais que Nadine estivesse genuinamente feliz e aliviada por conhecê-las, conhecer a família de outra pessoa era sempre uma sobrecarga.
Por fim, depois de comer um pouco do gnocchi de batata salsa que havia pedido, Nadine se levantou para ir ao banheiro. Precisava de uma pausa, um momento de silêncio. O banheiro estava vazio, Nadine seguiu para uma das pias e abriu a torneira, olhando-se no espelho.
Enquanto lavava o rosto, prendeu a respiração. O cheiro doce de desinfetante a deixava enjoada, e Nadine havia acabado de comer, não queria vomitar. Depois de secar o rosto, Nadine observou o banheiro. Era limpo e espaçoso, as cores escuras tornavam tudo aconchegante e elegante. Num canto, havia um lugar para trocar fraldas. Nadine ficou olhando para aquilo até que ouviu a porta se abrir com cuidado.
— Isso não tem sido fácil para você, não é? — perguntou Dália, recostando-se na pia enquanto observava Nadine. Ela tinha um tom gentil e maternal que Nadine sentiu um aperto no peito.
Às vezes sentia falta de chorar no colo da avó, ou desejava que a mãe estivesse viva para que tivesse alguém que lhe dissesse exatamente o que fazer. Dália a lembrava disso, de uma figura materna a qual poderia recorrer. Algo que Nadine não tinha.
— Tem sido uma adaptação um tanto... árdua — confessou, e sentia que não precisava dizer mais do que aquilo. Só o fato de a gravidez não ter sido planejada já revelava grande parte da dificuldade da coisa. — Eu e Murilo estamos nos dando bem, estou muito feliz por conhecê-las e por todo o apoio, é só que...
Nadine deixou a voz morrer, tentando encontrar uma maneira de explicar tudo aquilo. Dália a encarava com atenção, observando-a em silêncio.
— Só que você não está disposta a confiar em ninguém — completou Dália, numa voz compreensiva.
Nadine não soube o que dizer. Talvez ela tivesse percebido que Nadine estivera um pouco relutante durante todo o jantar, calada, sem realmente corresponder toda a animação de Malu.
— Eu sempre resolvi tudo por conta própria, não sei deixar nada nas mãos dos outros. — Era a verdade. Nadine estava acostumada a não contar com a ajuda dos outros, a não esperar apoio de ninguém. Não era diferente com a gravidez. E todo esse apoio repentino a deixava assustada e desconfiada.
— Dá para ver isso em você. — Dália sorriu. Nadine nem se lembrava da última vez que se sentiu tão confortável com outra pessoa. Nada na voz dela demonstrava julgamento ou reprovação, apenas empatia e apoio. Nadine realmente não esperava por isso, estava acostumada com o contrário. Dália fez um gesto para que Nadine a seguisse, as duas saíram do banheiro e adentraram a sala de recepção do restaurante. Ali havia uma adega com amostras de vinho e suco de uva, além de sofás com encapamento de couro sintético.
— Sente-se — sugeriu Dália, seguindo até um sofá e fazendo um sinal para que Nadine se sentasse ao lado dela.
Nadine se sentou, percebendo que todo o nervosismo do início do jantar havia se dissipado. Agora só restava... alívio e um pouquinho de esperança. Talvez ter um bebê não fosse o pesadelo para o qual estava se preparando.
— Soube que as coisas estão complicadas na escola em que trabalha. Pretende voltar para lá? — perguntou Dália, com os olhos castanhos preocupados.
É claro que ela sabia sobre a escola, todos sabiam. Era matéria principal dos noticiários escritos por bruxos. E com o filho dela trabalhando no caso... Dália certamente estava bem informada.
— Honestamente, eu não sei. Talvez eu procure por um emprego mais tranquilo que me permita ficar mais em casa. Trabalhar como professora exige muita carga-horária extra por causa da preparação das aulas e correção de atividades, imagino que vai ser difícil conseguir trabalhar em casa com a bebê — disse, mordendo o próprio lábio. Sempre quis trabalhar em laboratórios farmacêuticos, talvez fosse o momento para isso. Nadine sorriu um pouco, pensativa. Tinha um currículo extenso, encontrar um novo emprego não seria um grande problema. — Até pouco tempo atrás, eu via meu futuro com uma espécie de bússola que sempre apontava para o mesmo lugar, mas está girando e girando desde que engravidei.
Dália riu e assentiu com a cabeça, como se entendesse exatamente o que Nadine queria dizer.
— Acho que essa é a melhor parte da gravidez. Ninguém espera que você seja a mesma — disse ela, e Nadine teve de concordar. Pelo menos agora conseguia sair dos trilhos que escolhera para si mesma há tanto tempo e começar tudo de novo sem culpa. — Posso?
Dália apontou para a mão direita de Nadine, que estava apoiada com a palma para cima. Nadine assentiu e esticou a mão para ela. Quiromancia era uma prática comum entre bruxos, mas Nadine não confiava na maioria das pessoas que diziam interpretar as linhas da mão.
Por algum motivo, Dália era diferente. Ela exalava autoridade, a firmeza do poder que a cercava fazia com que Nadine confiasse nela.
— A direita é sua mão dominante? — perguntou Dália, e Nadine assentiu com a cabeça.
Dália contornou uma das linhas da mão de Nadine com delicadeza, observando as convergências e ramificações.
— Sua linha do coração é reta, apagada e só vai até metade da mão. Relacionamentos não são seu ponto forte, não é? Não só relacionamentos românticos, mas em geral. Sua forma de expressar sentimentos é incisiva e pontual.
Dália não olhava para Nadine, estava concentrada em sua palma da mão, observando atentamente cada contorno das linhas.
— Como você disse, estou acostumada a não contar com as pessoas. Pode parecer egoísta, mas no final do dia sou só eu. — Nadine deu de ombros.
Dália ficou em silêncio para observar a mão de Nadine, deslizando a ponta do dedo por uma linha no centro da palma.
— Sua linha da mente é longa, reta e profunda, é seu ponto forte. Murilo comentou que você pensa em fazer doutorado. — Dália finalmente levantou os olhos para encarar Nadine, sorrindo um pouco. Ainda tinha aquela expressão compreensiva, e talvez por isso Nadine se sentia tão confortável com ela. Não se sentia pressionada ou acuada, Dália só exibia aceitação calma e compreensão.
Nadine assentiu com a cabeça.
— Era o plano, mas... — Fez um gesto sutil em direção à barriga redonda com a mão livre.
Dizer para a orientadora que não planejava se candidatar ao doutorado naquele ano foi uma das coisas mais difíceis que já fizera. Nadine se lembrava de ter ficado sentada por horas no sofá, apenas encarando o pôr do sol pela sacada e tentando lidar com o sentimento de vazio dentro do peito. Parecia tudo muito surreal na época, principalmente porque a barriga ainda nem havia começado a crescer e não tinha percebido que precisaria abrir mão de algo tão grande. Mas, bom, se fosse arruinar a própria vida por causa de outra pessoa, que fosse pela própria filha.
Dália concordou com a cabeça.
— Não se preocupe, vai ter muitas oportunidades para recuperar todo esse tempo — disse. O tom dela estava tão calmo e cheio de certeza que Nadine se sentiu tentada a acreditar, convencer-se por um momento de que aquela gravidez não afetaria toda a sua vida.
Dália voltou a prestar atenção na mão de Nadine e não disse mais nada. As sobrancelhas dela se franziram quando a ponta do dedo deslizou pela linha da vida. Ela pareceu preocupada, continuou em silêncio e ficou com os olhos fixos ali.
Nadine observou a linha. Forte, profunda e longa, mas havia uma quebra no início e outra quebra pouco depois da metade da linha. O rosto de Dália ficou muito sério e sombreado quando passou a mão sobre a segunda interrupção na linha, a que ficava pouco além da metade.
— O que foi? — perguntou Nadine. Não entendia o que preocupava tanto Dália, não era uma leitora de mão experiente. Sabia apenas o básico que aprendera no ensino fundamental e nunca aprofundou.
Dália respirou fundo e olhou para Nadine, encarando-a nos olhos por alguns segundos em silêncio. Era quase como se ela estivesse lendo o rosto de Nadine, enxergando algo que ela não via.
— Se eu puder dar um conselho, querida, não volte para a escola. Não é seguro para você. — Ela afirmou com tanta certeza, com o tom de voz tão sóbrio e profundo, que Nadine sentiu um calafrio.
Lembrou-se do momento em que soube da morte de Samuel. De como se sentiu vulnerável e desprotegida. Se um professor foi morto em horário de aula, numa escola lotada... quem estaria seguro?
— Sim, claro — afirmou rapidamente, sincera. Nadine falaria sobre um pedido de afastamento e licença assim que tivesse a próxima consulta médica.
Depois, se as coisas não se acalmassem... talvez procurar um novo emprego. Seria difícil com uma recém-nascida, mas precisava confiar no próprio currículo.
Antes que Dália voltasse a falar, alguém pigarrou para chamar a atenção das duas. Murilo estava parado na entrada do salão de jantar.
— Precisamos ir, preciso resolver alguns problemas urgentes da investigação. — disse.
Nadine e Dália se levantaram ao mesmo tempo, Malu surgiu ao lado de Murilo pouco depois. Aparentemente, os dois já haviam quitado o jantar. Nadine se despediu das duas com abraços apertados e uma troca de números de celular. Dália fez com que Nadine prometesse que ligaria se precisasse de qualquer coisa, foi bem enfática dizendo que estaria disponível. Nadine agradeceu com uma sensação esquisita de borboletas no estômago.
Era isso que significava ter uma família? Uma rede de apoio?
Nadine nunca teve uma família como as outras crianças. Foi criada pela avó paterna, tinha poucos tios do lado materno e pouco contato com os primos. Sempre foi Nadine e a avó. Era a família que ela conhecia. Sem grandes redes de apoio ou sem muito senso do que era ter uma família e compartilhar a vida com muitas pessoas.
— Esqueci de estabelecer a primeira regra para conhecer minha mãe: nunca deixe ela ler sua mão, se preserve e não dê todas as informações de bandeja — disse Murilo, quando já estavam no estacionamento e chegando ao carro dele. Nadine riu.
— Acho que ela conseguiu uma análise completa só pela forma como eu estava conversando com a Malu — disse. Dália parecia ter habilidade para ler as pessoas... Nadine não era uma pessoa intuitiva, mas havia algo em Dália que inspirava uma confiança sincera. — Ela é incrível.
Não havia muitas pessoas como a mãe de Murilo no mundo. Ela fazia com que Nadine se lembrasse da avó paterna. Observadora, calma, sábia.
— Ela é assustadora. Sempre sabe de tudo o tempo todo — comentou Murilo. Nadine não conseguiu conter a risada, ele riu também. Murilo havia se encostado no carro, os braços cruzados, os cabelos castanhos balançando com o vento. — Ela é incrível, sim — complementou.
Antes que Nadine pudesse falar, a bebê chutou forte. Foi automático quando olhou para a barriga e levou a mão ao local do chute, porque estava distraída e o chute foi tão forte que a surpreendeu. Heloísa estava tranquila naquela noite, sem chamar a atenção de Nadine.
— Tudo bem? — perguntou Murilo, preocupado.
Nadine assentiu, encarando-o. Os olhos dele ficavam mais claros e fascinantes sob a luz fraca dos postes, a pele num tom lindo de marrom claro e iluminado.
— Só fui pega de surpresa por um chute — confessou.
Murilo sorriu, um brilho de expectativa surgiu no rosto dele. A atenção baixou para a barriga de Nadine, depois voltou ao rosto dela.
— Posso? — perguntou. Ela sorriu e assentiu.
Murilo ainda não havia sentido a bebê se mexer. Era uma das coisas que fazia Nadine gostar dele e da família dele. Nem Murilo, nem Malu e nem Dália tentaram tocar sua barriga sem permissão, nem fizeram perguntas invasivas ou deram sugestões não solicitadas. Aparentemente, as pessoas amavam fazer isso assim que a gravidez ficava aparente.
Ela pegou a mão de Murilo e a guiou para perto de onde a bebê havia chutado, tentando não pensar em como o toque dele, o calor da pele dele contra ela, a deixava nervosa. Até mesmo Nadine se surpreendeu quando a bebê reagiu de imediato ao toque de Murilo e chutou bem no ponto em que a mão dele estava. Ele arregalou os olhos. A bebê chutou de novo, Nadine riu quando viu a expressão impressionada dele.
— Uau. Ela é forte — comentou Murilo.
Nadine assentiu com um sorriso.
— E também não me deixa dormir porque não sossega um segundo. Vamos ter trabalho regulando o sono dela — retrucou.
Os dois trocaram olhares, a mão dele ainda sobre a barriga dela. Havia uma cumplicidade pesando no ar, uma percepção do tamanho da responsabilidade que assumiram. Estavam encarando aquilo. Juntos. A responsabilidade deles. Uma criança.
Murilo pareceu sentir o mesmo, porque os olhos se concentraram nos de Nadine quando a bebê chutou de novo. Por um segundo, Nadine quase se aproximou. Notou a hesitação no rosto dele, o modo como os olhos de Murilo desceram para os lábios dela por alguns segundos e depois a encararam de volta como se pedissem permissão.
Nadine pigarrou.
— Precisamos ir. Tenho trabalhos para corrigir e notas para lançar para os alunos — disse, se afastando e quebrando o momento.
Murilo apenas piscou, um pouco atordoado, mas então concordou com a cabeça. Voltaram em silêncio para o apartamento dela.
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