Capítulo 16. Dias Lindos
"Carla, como sempre, com seu longo sorriso na boca, sempre tão sorridente, tão esbelta em corpo, em cabelos, em pernas e até bunda. Uma pena que não apresenta tanta inteligência. Ela não tinha a menor ideia da situação em que estava: privada de liberdade e, talvez, de outras tantas coisas. Me pergunto se alguma vez tenha feito sexo com alguém." Iara pensava em tudo isso enquanto caminhava junto a Carla, voltando da igreja depois de uma de suas orações matinais. Eram obrigadas a orar pelo romper da manhã, ao meio-dia, e antes do anoitecer, além de que antes de dormir eram observadas para verificar a oração final do dia. Apesar disso, era um momento que agradava a Iara, pois podia sair sozinha junto com Carla, observar os pássaros, conversar com algumas mulheres, ou pelo menos, as que podiam conversar, "as chefonas de vestidos amarelos", brincava Carla.
Ao romper daquele dia, Iara acordou portando um vestido diferente do habitual: era violeta. Um longo violeta, com um tênue decote. Era bonito, apesar do destaque que possuía. Violeta é uma cor viva, forte. A despeito de o vestido ter agradado Iara, seu estilo mais fechado ainda era um desafio para ela. Pegou uma tesoura do banheiro e fez pequenos rasgos na bainha, deixando-o levemente solto entre as pernas. Esse ato a fazia lembrar dos bons tempos rebeldes da faculdade.
Por onde passava, naquele dia, Iara arrancava olhares, sussurros, e até músicas. Algumas vezes conseguia ouvir entre alguns: — Santa.
Toda vez que escutava, Iara se arrepiava, sentia uma pontada, como se aqueles elogios fossem pedras sendo jogadas em uma prostituta. Preferiria não os ouvir.
Carla usava um vestido azul, era mais solto, deixava livre toda a exuberância dos quadris. Seu corpo era perfeito. Iara pensava que a amiga poderia ser uma modelo na capital.
— Sabe, um dia quero me sentir assim como você. — comentou Carla.
— Assim como? — perguntou, observando atentamente Carla.
— Você está sendo bajulada agora. Eles a amam. — disse Carla sorrindo.
— Preferiria que não fosse assim. — comentou, com leve melancolia.
— É melhor você aproveitar a fama, eles vão lhe encher de presentes. — sorria ao dizer isso.
— Eles me jogaram em um lago amarrada em uma cadeira. Mantêm meu amigo preso sob risco de morte. — revidou Iara.
— Tenha esperança, ele vai sobreviver. — falou Carla.
— Tenho medo de que nem ele e nem eu consigamos escapar. — concluiu Iara.
Ambas foram interrompidas por carros que atravessavam o caminho central da fazenda. Eles levavam mulheres e homens armados em direção a Ponteville. Era a peregrinação que sempre faziam para comprar os materiais necessários para a propriedade. A compra era realizada pelas mulheres. Carla participava algumas vezes.
— Eles sempre saem assim a noite? — perguntou Iara.
— Apenas em dias de lua cheia. — respondeu a amiga.
— Mas o que tem de especial na lua cheia? — indagou Iara.
— Eles não demarcam as datas por dias da semana, mas sim por fases da lua. Acreditam que na lua cheia terão maior aproximação com Deus, já que a noite não é escura nestes dias. — explicou Carla.
— Quanta balela. — finalizou Iara.
Iara e Carla já se consideravam grandes amigas, passavam o dia juntas. Às vezes Iara contava com a ausência de Carla devido a algum chamado na área de plantio, ou sua ida às compras, mas nada que pudesse distanciá-las por muito tempo.
Ao chegar na casa, foram recepcionadas por um belíssimo banquete. Pernil assado, massas, mousses, chocolates e outras guloseimas. Iara e Carla se deliciaram como nunca com tudo aquilo. Maria falava que era para a nova Santa de Ponteville. Tudo aquilo demorou minutos, e pela porta da frente entrava Abdias, retirando seu velho paletó e o chapéu de trabalho. Trazia em mãos uma carta.
— É para você. — entregou nas mãos de Iara.
Ao abrir, encontrou a seguinte mensagem:
Minhas saudações! Nesse momento é tênue o desejo de conhecê-la. Peço, encarecidamente, que compareça agora à sede. Cumprira sua missão. E por favor, não desaponte o seu companheiro. Prefiro convidá-la gentilmente a ter que trazê-la à força.
A frase final deste bilhete dizia muito a Iara, era obrigada a ir. Sabia que a vida de seu amigo dependia dela, de seus esforços e, além do mais, devia continuar a investigar o local, pois ainda estava trabalhando. Iara levantou-se da cadeira e dirigiu-se à porta e antes de sair ouviu Carla falar:
— Tenha esperança, tudo vai dar certo.
O olhar dela, naquele momento, não agradou a Iara. Era triste, sem alegria, e, acima de tudo, naquele olhar existia o medo. Era totalmente ao contrário do caráter de Carla.
Iara caminhava guiada pelas luzes que as casas emanavam. Tudo estava bem vazio, como sempre fora. À noite, o pouco movimento que se via pela fazenda era de guardas por toda a parte.
Iara se aproximou da porta da Casagrande, que estava entreaberta. Ela apenas fez mais um esforço para abri-la. Viu, de imediato, Ramon em pé, conversando altivamente com Leandro. Iara conhecia Leandro dos constantes cruzamentos que fazia com ele ao longo do dia. Era de longe uns dos moradores mais ativos da fazenda.
— Por favor, entre. — disse Ramon, ao ver Iara.
— Desejaram minha presença aqui. — falou Iara.
— Sim, entre. Vou te levar até ele. — orientou Ramon.
Iara não conhecia o lado calmo de Ramon e, naquele momento, percebia o quanto estava bem vestido. Uma roupa social preta, uma gravata branca, diferenciando-se da camisa pelos leves tons de verdes que ela apresentava. Ele conduziu Iara até uma fileira de cadeiras que ficava em frente a duas salas. Era um local de grande semelhança a um hospital e Iara ficou ali, a aguardar. Antes de sair, Ramon ofereceu alguns bolinhos e café, que foram recusados.
Após uma longa espera, uma das portas se abriu e um homem mascarado saiu e mandou Iara entrar. Ela já sabia: esse homem era o companheiro, o líder da fazenda. Aquele desconhecido de quase todos, mas reconhecido por sua máscara.
— Deite-se. — disse o companheiro.
— Será uma sessão de exames ou terapia? Bom saber que o pastor é médico. Afinal, a que atribuiriam o milagre? — perguntou Iara.
— Milagres são meras bondades de Deus para com seu povo. Eu faço milagres para que todos creiam. Afinal, você viu um milagre com seus próprios olhos. — comentou com calma o companheiro.
— Qual deles? — perguntou Iara.
— Sair viva de uma lagoa depois de ser jogada dentro dela amarrada a uma cadeira. Eu considero isso um milagre. — comentou o companheiro.
— Eu chamo de força e alguns de sorte. — retrucou Iara.
— As pessoas não veem assim. — disse o companheiro, estendendo a mão a Iara.
Este diálogo ajudou Iara a visualizar uma qualidade do líder da fazenda. A capacidade com que ele soltava as palavras, a maneira com que mobilizava as respostas, era esplêndida e inteligente. Mostrava uma sabedoria fora de seu tempo.
— Hoje você conceberá a semente. Hoje, Iara, serás consagrada Santa. — falou o companheiro, apertando a mão de Iara.
— Mas o que você quer dizer com isso? — perguntou Iara.
— Deite-se e não se esqueça de suas obrigações. — ordenou o companheiro.
Iara deitou-se sem pestanejar. Estava a pensar, juntou as peças de cada informação do seu dia. A santa que trará o salvador. A cor diferente de seu vestido naquele dia. Seria um sinal? Mas ela não acreditava. Não podia ser isso. Afinal, aquela não era uma ordem religiosa Cristã?
— Chamem o Ramon. — disse o companheiro.
— Não, não, eu não quero! Por favor, isso não! — Iara implorava, em pânico.
Ramon entrou na sala. Iara permanecia com expressão de pânico. Não acreditava e não podia crer no que iria ocorrer. Queria fugir dali, mas sabia que era tarde demais para isso. Ramon carregava um sorriso. Começava a retirar a camisa, cinto, relógio. Naquele momento Iara levantou, o desespero tomou conta dela.
— Eu não quero, me deixe ir! — gritou.
— Você só poderá sair daqui depois do ato consumado. — falou o companheiro.
— Por favor, pelo amor ao Senhor Deus, pelo amor ao Divino, não deixe ele fazer isso comigo. — disse Iara.
— Desculpe, mas isso é para um bem maior. Isso é pela salvação de todos nós. — respondeu o companheiro.
— Não se esqueça que seu amigo policial dorme em uma cela aqui perto. É só eu dar a ordem e meus homens arrancam mais um dedo, talvez um braço... — Ramon sussurrou no ouvido de Iara.
Iara chorava constantemente. Agora, dois homens seguram seus braços. Ramon retirou sua calcinha e começou o ato. O lamento constante de Iara não amenizava o coração de nenhum homem presente naquele local. Ouviam-se risos e louvores, era uma bênção para eles e um estupro para Iara. A cada ida e vinda de Ramon, Iara contorcia-se e chorava. Pensava como estaria Nicholas nesse momento. Será que já chegara ao inferno de Ponteville? Estaria vivo?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro