01 - AREIA DO DESERTO
ERA IMPOSSÍVEL DE RESPIRAR com o calor pesando sobre o seu corpo e pulmões, havia areia por todo lado e a viagem durava dias. Lyanna havia até mesmo acreditado que era tudo mentira, não havia Príncipe, palácio e Reino para aceitá-la. Tudo não passava de uma farsa para secretamente a largarem para morrer no deserto. Até o momento não havia chorado pela perda de seu pai. Não derramou uma lágrima diante de Cersei e da Corte, abraçou Sansa forte e firmemente enquanto declaravam que ela seria levada a Dorne. Secou as lágrimas de Sansa antes de partir e pediu para irmã fazer de tudo para ficar segura, Lyanna voltaria com sua vingança pronta. Mas infelizmente naquele momento não tinha poder o suficiente para livrar a irmã, para procurar por Arya ou vingar sua família.
De todas as coisas que poderia desejar, estava ciente de que o poder era a mais perigosa delas. Poder fora o que destruíram sua família em primeiro lugar, mas era o que ela precisava para se reerguer. Como uma mulher na Corte, não lhe davam nenhum poder além do de parir e ser vendida como moeda de troca. Então estava decidida a interpretar o papel até que pudesse usar sua feminilidade como arma. Se o Príncipe de Dorne desejava por herdeiros, certamente não os teria da parte dela.
Ninguém no reino estava preocupado com sua segurança, se algo acontecesse com ela, provavelmente os Lannisters a substituíram por outra nobre pretendente, por isso não foi bem acompanhada além de um guarda e uma serva pessoal, o restante eram apenas súditos que carregavam a bagagem. Quando a viagem chegou ao terreno íngreme e punitivo do deserto, não teve uma liteira, precisou montar um corcel de areia e foi a primeira vez que se sentiu um pouco livre depois de ter deixado Winterfell para viver em Porto Real.
Ela não se sentia bem quando chegou ao palácio em Lançassolar, era pôr do sol e sentia que estava respirando areia a viagem inteira e mesmo que tivesse tomado água, não parecia ser o suficiente. Odiava se sentir vulnerável, em um clima e ambiente que não saberia sobreviver sozinha, em um calor que não resfriaria a sua fúria. Lyanna foi recebida pelos servos dorneses e levada até um aposento preparado para ela. Permitiram que ela tomasse um banho que quase a fez agradecer, mas não abriu a boca para expressar nenhuma gratidão. Não devia isso aos Lannisters e não iria dever isso agora aos Martells.
Naquela noite ela deveria jantar com a Corte de Dorne e ser apresentada formalmente a eles e claro, ao príncipe. Mas ao olhar as suas roupas percebeu que nenhum de seus vestidos eram apropriados para o clima. Longas mangas, tecidos mais grossos e saias carregadas de forro não iriam lhe trazer conforto naquela noite quente. Olhando os vestidos estendidos sobre a sua cama e passando os dedos pelo tecido, se lembrou das roupas que adorava usar em Winterfell, da sensação de ter um casaco de pele em volta do seu corpo enquanto a neve caía do lado de fora. Como algo tão simples poderia representar segurança para alguém.
Uma serva dornesa bateu em sua porta e entrou segurando um longo vestido de renda, o deixou sobre a cama de Lyanna e a cumprimentou.
— O príncipe mandou como presente de boas-vindas. Assim que estiver pronta, irei te levar até o salão para o jantar. — A serva se retirou.
Lyanna observou a renda leve do vestido e a abertura na saia que deixava a coxa à mostra. Na renda havia pequenos flocos de neve costurados com pontos de constelações e ela reconheceu o desenho na renda que formava a constelação do Dragão de Gelo. O detalhe fez com que seu coração lembrasse do calor da lareira em casa enquanto ela e os irmãos contavam histórias uns para o outros, a risada dos pais, e o quanto eram lembranças saudosas e doloridas.
Mesmo que se sentisse mais confiante em uma armadura como sua irmã Arya, Lyanna usou o vestido, optou pelo cabelo solto e uma tiara prateada de adorno. E assim, saiu do quarto para ser levada para o príncipe. A arquitetura do palácio de Lançassolar era muito diferente da Fortaleza Vermelha em Porto Real. Em Dorne os espaços eram mais abertos, grandes janelas com vista para o mar, pouquíssimas portas - quando necessário os cômodos eram separados por véus. Os desenhos e azulejos adornados em ouro cobriam as paredes altas, o dourado era a cor mais vibrante do local e dava a sensação de que o sol continuava ali mesmo que já fosse noite.
A serva a levou para um salão com uma grande mesa de jantar cheia de pratos expostos, mas havia apenas um homem diante da mesa. Oberyn Nymeros Martell estava sentado na cadeira principal e havia apenas ele. Não havia outros convidados ao redor pelo salão e Lyanna não sabia se sentia aliviada ou desconfiada.
O Príncipe de Dorne usava uma capa de seda aberta exibindo o seu tronco, a pele estava bronzeada e a barba feita, seu cabelo era curto e escuro. Quando a viu se aproximar, ele se levantou e pegou a mão que ela estendeu.
— Seja bem-vinda à Dorne, Lady Stark. — Sua voz marcante era suave assim como lábios na pele dela quando ele beijou sua mão.
— Obrigada, meu príncipe. — Ela respondeu olhando-o nos olhos escuros tentando captar alguma pista de quem ele era.
Mas desviou o olhar para a mesa em seguida, porque sabia que nos mitos as serpentes hipnotizam suas presas - e os mitos sempre eram um aviso.
Ele puxou a cadeira para ela e ela se sentou notando que haviam pratos na mesa que ela não conhecia e pratos tipicamente do Norte. Um guisado de alce ao molho, sopa de abóbora, leite de ovelha, entre outros que lhe eram familiares.
— Tomei o cuidado de solicitar que preparassem pratos que possam ser do seu agrado. — Explicou o príncipe ao se sentar ao seu lado. — Perdoe-me se não estiver exatamente igual a Winterfell, não é a nossa especialidade.
— Obrigada, meu príncipe. — Lyanna estava de fato surpresa, mas manteve sua expressão contida. — Devemos esperar os outros convidados para começar?
Oberyn balançou a cabeça e algo nos olhos dele lhe pareceu até gentil quando o príncipe falou:
— Hoje seremos só nós, primeiro achei que seria desrespeitoso lhe causar um tamanho desconforto em estar com pessoas estranhas em uma terra estranha enquanto está de luto pelo seu pai. — As palavras de Oberyn soaram intensas e sinceras. — Sinto muito pela sua perda, Lady Stark.
Ela sentiu um leve tremor na mão e o príncipe também percebeu. Lhe foi preciso muita força para verbalizar a resposta.
— Meu pai foi um traidor da coroa e morreu por isso. — A frase lhe trazia um gosto amargo à boca, mas era o papel que precisava interpretar para sua segurança.
Oberyn deu um meio sorriso e tomou um gole da taça de vinho.
— Então ainda estamos nessa parte da conversa onde você finge que acredita nisso e em toda a farsa dos Lannisters, enquanto eu respeitosamente concordo. — Ele declarou fazendo um sinal para o servo no canto da sala começar a os servir.
Lyanna só conseguia pensar que era uma cilada. Talvez Cersei precisasse de um descuido seu e então teria algo para justificar a sua morte, a rainha precisava de uma desculpa para dizer que Lyanna era uma traidora da coroa como havia sido o seu pai.
Claro que Ned Stark era provavelmente o homem mais honroso que havia pisado em Porto Real, mas honra não salvava vidas naquele jogo. Só o poder seria capaz de fazê-lo. E em nome da honra, Ned Stark recusou o poder.
Sua filha porém estava começando a perceber que precisaria avaliar as situações por um perspectiva diferente que o pai lhe passara. E por isso jurou em seu âmago que não iria confiar no Príncipe de Dorne, afinal ele havia feito um acordo com Cersei e ela não deixaria Lyanna livre nunca.
Eles continuaram a desfrutar os pratos do jantar.
— Diga-me, Lyanna, acredita mesmo que seu pai tenha sido um traidor? — Oberyn perguntou com um olhar intrigado como se Lyanna fosse algo que o deixasse deslumbrado.
— Certamente ele não está entre os vivos para contar sua história e não pode manter a própria cabeça depois da morte, isso já diz muita coisa. — Lyanna respondeu a contragosto. Esperava que a conversa com o Príncipe se desenrolasse em flertes desinteressantes para ela e promessa vazias para ele.
Pensar na morte do pai a deixava cheia de pesar e furiosa, não poderia esconder seus reais sentimentos por muito tempo.
— Então veio aqui concordando de boa vontade com o desejo da rainha que concordou com o assassinato de seu pai e fez de você e suas irmãs prisioneiras? — Oberyn perguntou em um tom provocativo e balançou a cabeça. — É só isso, então? Veio como uma mulher cumprindo seu dever?
— Fui recebida pela Príncipe de Dorne, tive minha vida poupada pela misericórdia da rainha. Além disso, este arranjo de casamento era muito mais do que a filha de um traidor merecia, um palácio, riquezas e a garantia que meus filhos desfrutarão de tudo isso. — Lyanna descreveu cada fator com calma, se virou para o príncipe e oferecer-lhe seu sorriso mais delicado. — O que mais eu poderia querer?
Oberyn se inclinou na direção dela, a chama das velas da mesa de jantar dançaram na pupila do príncipe quando ele sussurrou:
— Vingança.
A palavra pairou entre eles por um momento. Lyanna tossiu levemente, a comida desceu rasgando em sua garganta. Ela sorriu ironicamente e bebeu um gole do vinho.
— Você tem um ótimo, porém perigoso, senso de humor…
Oberyn deu um meio sorriso, mas pareceu até decepcionado.
— Podemos ir para o próximo tópico desta conversa então. — Ele propôs deixando os talheres sobre o prato agora vazio. Fez um sinal com os dedos e o servo saiu do salão.
— Que seria? — Lyanna olhou para Oberyn.
— Acertar os detalhes do nosso casamento, o que será ou não tolerável. — Ele continuou. — Veja bem, Lady Stark, eu sou um homem que aprecia manter meus desejos satisfeitos. Gostaria que chegássemos a um acordo para que eu pudesse manter os meus amantes…
— Os seus amantes? — Lyanna respondeu devagar tentando processar a informação.
— Aqui em Dorne, diferente do restante de Westeros, apreciamos o amor livre. — Enquanto Oberyn falava, o servo voltou conduzindo outros dois para deixarem os pratos de sobremesas diante deles. — Tenho a intenção de manter os meus amantes, minhas festas e prazeres…
— E espera que eu aceite isso? Venho de outros costumes, Príncipe Oberyn. — Lyanna falou com cautela deslizando a colher pela superfície do pudim. Ela passou a língua pelos lábios e aquele gesto atraiu o olhar dele. — E quanto aos meus prazeres?
Os olhos do Príncipe adquiriram um brilho astuto e cheio de expectativa.
— Eu certamente viverei para saciar seus desejos, Lady Stark. Mas saiba que será livre para buscar se satisfazer onde e com quem quiser. — Ele deslizou a mão até alcançar a dela, seu polegar abriu caminho entre a palma dela em um movimento quente e devagar. — Aqui em Dorne homens e mulheres são iguais, se o amor for livre para mim terá de ser da mesma forma para você.
Lyanna olhou para Oberyn virando seu corpo na direção dele, quando falou sua voz soou firme e decidida, cortante como os ventos no norte:
— Entendo, mas eu não gosto de dividir.
Oberyn piscou como se ela tivesse lhe dado um tapa, e ele sorriu como se algo naquilo o tivesse agradado. Ele tomou o último gole do vinho e murmurou:
— Vejo que discordamos de muitas coisas. Como poderemos conciliar essas questões?
— Com você implorando e eu pensando a respeito. — Lyanna sorriu porque ao verbalizar a ideia percebia que realmente parecia o ideal. — Aqui é permitido às mulheres treinarem e se fortalecerem na guerra como uma arte?
— Sim e participam do conselho e de todas as decisões políticas. Gostaria que já começasse a participar para conhecer os costumes de Dorne. — Oberyn pareceu satisfeito em explicar esses pontos, ela percebeu que ele sabia que aquilo iria lhe agradar. — Também precisamos marcar a data do casamento, pretendo que seja uma festa duradoura nos dias e no prazer. Precisamos também que escolha os seus amantes…
— Como? — Ela o interrompeu. — Pode haver outras pessoas na primeira noite?
— E nas seguintes também.
Lyanna deixou a colher sobre o prato sem terminar a sobremesa. Segurou o temperamento e tentou se lembrar do fato de que para os dorneses não havia limites para a paixão e o prazer. E olhando para o príncipe entendia que para algo atraente e poderoso não havia motivos para se privar do que desejava, mas para ela a história e os costumes haviam sido outros. E o fato de que ele não era confiável multiplicava o peso de tudo.
— Eu quero uma armadura e treinamentos constantes a partir de amanhã. — Ela tirou a mão dele e a colocou sobre a mesa. — E eu vou pensar sobre as suas necessidades depois. Agora, com licença, meu Príncipe. A viagem foi longa, agradeço pelo jantar.
Oberyn balançou a cabeça firmemente e observou Lyanna deixar o salão. Para ambos ainda era cedo para dizer se em algum momento chegariam a um acordo, mas até lá os dois considerariam que estariam dormindo com o inimigo.
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