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Parte I Preâmbulo: A chegada

11 de outubro de 1979.

Passo Fundo, Rio Grande do Sul.

Em meio ao caos organizado da estação, Henrietta Casas teria passado despercebida. Só que não passou.

Sua frágil e diminuta figura enganava os desavisados. Mas era justamente isso: uma "figura enganadora"; de perto, tornava-se evidente a força desconcertante que dela emanava – impossível não chamar a atenção.

O porte régio impunha temor.

As pessoas foram desacelerando, abrindo passagem para a forasteira com seu passo seguro e tranquilo... Um silêncio estupefato acabou dominando a plataforma. Indiferente, ela parecia saber exatamente aonde ir: o grande portão de entrada e saída.

Deixou para trás um  senhor de meia-idade, funcionário da estação, atrapalhado com malas suficientes para passar um tempo considerável.

Cruzou com passageiros adentrando a estação, e deixou gravado em suas memórias, seu perfume exótico e surpreendente, que pairou no ar por vários minutos. Instintivamente, eles souberam que ela, independente da estatura muito mais baixa do que a maioria, deixaria impressa a sua marca.

Passo Fundo não seria mais a mesma.

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Do lado de fora da estação, o sol brilhava soberano num céu sem nuvens. Por um instante, Henrietta parou para contemplar a vista a sua frente. Era uma cidade clara, limpa, e acolhedora. Tirou os óculos escuros, pois gostava de cores para formar um quadro mental do que estava vendo. Ela podia captar o Zeitgeist por meio do ir e vir dos habitantes.

Era contraditório como o tempo atual exalava uma desconfiada hospitalidade a encobrir cicatrizes de dores passadas. Revoluções, ela podia apostar. Os espíritos dos colonos e dos índios ainda estavam lá, ou ao menos as energias vitais impressas como assinaturas pulsantes do coração daquela cidade. Sim, Henrietta sabia muito bem que as cidades pulsavam e respiravam. Esta não era diferente.

O rio de Passo Fundo, a principal artéria – a sua aorta, por assim dizer - era como o Nilo para todo o Egito.

Os lábios pintados de Henrietta distenderam-se num sorriso.

– Perfeito, pai – murmurou. – O senhor não poderia ter escolhido melhor. – Ela recolocou os óculos no mesmo instante em que o carregador a alcançou, com as malas precariamente empilhadas num carrinho de transporte. – Cuidado, senhor...

– Meyer, madame. Donato Meyer ao seu dispor.

– Agradecida – ela murmurou. – Cuidado com as malas, Sr. Meyer; elas não podem ser danificadas.

– Pode ficar tranquila! – disse o homem, respeitoso.

– Assim espero – Henrietta Casas ajustou o chapéu, a fim de proteger a pele alva do fulgor solar, então, completou: - Trate-as como se a sua vida dependesse disso. Talvez dependa.

Henrietta retomou a caminhada sem reparar na expressão atônita do carregador. A certa distância, alguém acenava discretamente para ela. Um homem bem vestido, parado ao lado de um carro modelo Caravan, cor azul-danúbio. Donato Meyer reconheceu a figura do prefeito; o que significava que a dama era alguém importante.

– Seja bem vinda a Passo Fundo, senhora Casas! – disse ele, tentando requisitar a sua mão. A mulher apenas o encarou.

-Não deveria estar me aguardando na plataforma?

O sorriso dele murchou um pouco. – Atrasei-me por conta de alguns compromissos. Estava justamente a caminho da plataforma, mas quem diria que o trem acabaria chegando na hora, não é mesmo? – Ele tentou gracejar.

Ela não sorriu.

– Quem diria... – murmurou, deixando claro que não compartilhava da piada. – Bem, Sr. Almeida Pinho, temos um cronograma apertado. Logo deverei estar de volta a Madri, então... Se puder me levar diretamente ao canteiro de obras... - Como ele ainda olhasse para ela, Henrietta acrescentou, enfática: - Agora.

Ele ficou um tanto espantado, mas logo se recompôs. – Claro, claro... Vamos!

O carregador, que acompanhava a truncada conversa, logo se endireitou quando o prefeito abriu a parte de trás do veículo. Começou a colocar as malas no guarda-volumes, escondendo no fundo da mente o estranhamento que sentiu naquela conversa. O prefeito quis lhe dar uma gorjeta, mas o homem recusou. Henrietta sorriu, imaginando que se não fosse por "brios", seria porque não desejava ter contato com o desconhecido. Gente simples, independente de sua condição financeira ou status social, não gostava de coisas que não conseguisse compreender.

Sem dúvida, o Sr. Meyer era alguém que preferia tudo o mais simples possível em sua vida.

"Sim", refletiu Henrietta. "Ele já está sentindo o desconhecido se infiltrar em sua pacata vida".

– Não se preocupe – ela disse em voz alta. – Desde que mantenhamos o equilíbrio, nada mudará.

Agora foi a vez de o prefeito olhar com estranheza para um comentário tão disparatado. O carregador, no entanto, não se alterou. Aliás, nem se moveu. Por fim, tocou na aba do boné de trabalho, num arremedo de cumprimento, e refez os passos de volta à estação.

O prefeito limpou a garganta e deu a volta no Caravan, abrindo a porta para a dama.

– Por gentileza – murmurou, pretendendo ser galante.

Ela aceitou o oferecimento com a indiferença de quem está habituada à boa educação e a mais fina etiqueta.

Para o prefeito, Henrietta era do tipo de mulher que não precisava se exaltar e exigir que lhe fossem feitas gentilezas. Ela só tinha que olhar. E seu olhar podia ser duro e frio como o aço.

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Teófilo Almeida Pinho estava preocupado – e um tanto mais careca do que o habitual - desde que recebeu a carta da Fundação Casas da Vida. Sua cidade fora escolhida para instalar uma das famosas bibliotecas da fundação. Bibliotecas que seguiam o mais alto padrão em termos de catalogação de itens e acervos.

A carta chegara assim, sem mais nem menos, há mais de cinco meses; e desde então, a prefeitura, por meio de seus subdepartamentos, funcionava numa roda viva de providências. A cúpula da Fundação colocou um tal Sr. Salazar, dito assessor da Sra. Casas, como intermediário da ação. Teófilo conhecia apenas a sua voz grave, sem a menor inflexão. A única deixa de sua personalidade estava na cadência do sotaque espanhol, não muito carregado, mas também não tão leve que não fosse possível detectar sua origem madrilena.

O circunspecto assessor bombardeou-o com uma série de questões, algumas importantes, outras estapafúrdias. Como por exemplo: o que mais a cidade necessitava, em termos culturais...? Tratava-se de uma questão muito abrangente; e deveria ter uma intenção por trás dela.

Teófilo, político experiente, sabia muito bem que nada era dado sem uma intenção por trás do ato. E mesmo que nada houvesse, ele deveria se certificar de conseguir a maior injeção de dinheiro possível. Dinheiro que ele pudesse administrar para outras - digamos - áreas... Sem que suas operações fossem detectadas.

A princípio, pensou que não chamaria a atenção aproveitar o interesse dos gringos para reformar e revitalizar o espaço da Biblioteca Pública Municipal Arno Viuniski - instituída por meio de um decreto, e inaugurada em abril de 1940. Era uma maneira de tentar utilizar o interesse da fundação para captar mais dinheiro. Contudo, a contraproposta da fundação foi tentadora demais... Além de inegociável. Ofereceria uma injeção de verbas à cultura local por meio de uma doação estratosférica, bem como o compromisso de revitalizar os espaços culturais existentes, desde que só houvesse uma biblioteca em funcionamento: a "Casa da Vida" (como eram chamadas todas as bibliotecas modelos da fundação).

Como recusar?

Contudo, além de ser a única biblioteca oficial da cidade, a fundação fez outras exigências - de espaço físico e materiais a serem utilizados na obra de construção -, que ele se esforçou para atender. Sempre tendo em vista a soma de dinheiro estratosférica acenada pela figura do misterioso Sr. Salazar. Depois que a obra finalmente foi aprovada, no papel, para dar início à obra de fato, o prefeito recebeu uma nova carta comunicando que a filha do presidente da Fundação, Dona Henrietta Casas, estava a caminho do Brasil para acompanhar a construção.

Agora, o prefeito aguardava em silêncio, incerto de seus esforços e resultados, que Henrietta Casas dissesse alguma coisa elogiosa. Os dois encontravam-se parados à beira do terreno em obras, há mais de dez minutos, sem que ela dissesse uma única palavra. Antes, imaginou que ela ficaria contente com os progressos das obras. Agora, diante de sua expressão compenetrada e silenciosa, já não teve tanta certeza.

– Pare com tudo o que está fazendo – disse Henrietta, depois de um longo tempo caminhando por entre montes de entulhos, terra e pedras cortadas.

– Mas... – ele abriu os braços, sem compreender. – Por quê?

Henrietta sorriu, pressentindo o pânico na voz do prefeito; seus planos de superfaturamento, indo por água abaixo. Nada mais natural que ele ficasse assim, já que a liberação do dinheiro da fundação dependia da aprovação dela.

(Teófilo sabia disso perfeitamente).

– Oh, não é nada demais, senhor Pinho... – disse Henrietta, em seu tom macio e perigoso. – Digamos, apenas, que temos uma ideia clara de como iremos investir o nosso dinheiro.

Um profundo silêncio seguiu-se ao comentário. Ela quase podia ouvir as engrenagens da mente política de Teófilo, trabalhando.

– O que quer dizer com isso? – indagou o prefeito. – O projeto...

– O projeto será entregue conforme o combinado. Contudo, sabemos exatamente o padrão a ser seguido, durante a construção da biblioteca. Estamos habituados, vocês não.

Ela fez uma pequena pausa, indicando os espaços que começaram a ser escavados para as fundações.

– Será uma gloriosa estrutura, que as gerações atuais e futuras irão se regozijar. Veja – ela ergueu a mão delicada como quem aponta a leitura de uma manchete de jornal imaginária: – Conheçam a biblioteca pública de Passo Fundo. A futura Capital Nacional da Literatura...

Teófilo estreitou os olhos, confuso. – Passo Fundo não é...

-Mas um dia será, senhor Pinho – ela sorriu, misteriosa. – Um dia será... E quando for, terá uma biblioteca à altura.

Observando-o atentamente, Henrietta percebeu o momento exato em que o prefeito compreendeu o que tal visibilidade representaria em sua plataforma política (especialmente, às vésperas de uma eleição que, Salazar lhe garantiu, Pinho estava disputando o segundo mandato). "A linguagem entendida pelos políticos não mudava mesmo com o passar do tempo", ela refletiu, lembrando-se do sacerdote-chefe do templo de Tebas. Velho mercenário e hipócrita! Foi o pior político com o qual Henrietta (então, chamada Henreseb), teve que tratar.

Estremeceu, imperceptivelmente, quando a voz do homem trouxe-a de volta ao cerne da discussão.

– O orçamento pode não ser suficiente – contrapôs o prefeito, girando o chapéu panamá entre os dedos.

– Não se preocupe com orçamentos, senhor Pinho – ela tocou o seu braço, incitando-o para que caminhassem lado a lado. – Meu pai sabe o que faz.

Teófilo conteve a custo a curiosidade a respeito do grande homem. Falava-se muito do multimilionário Teodoro Hildo O'Roerke Tiberius Casas. Tot Casas, para os íntimos (não tão íntimos, porque ninguém penetrava o círculo pessoal deste homem). Tal e qual Howard Hughes, Tot não era visto circulando em sociedade, à toa... Particularmente na fase agravada de seu transtorno obsessivo compulsivo. Mas isso era uma outra história. Diferentemente de Hughes, Tot Casas não era visto em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época, fique bem entendido. Chamavam-no de o Santo Graal dos paparazzi.

Sempre que o magnata tinha questões a tratar, referente às ações beneméritas da fundação, enviava a exótica filha ou o diligente Salazar.

– Somos muito gratos à Fundação Casas – disse o prefeito, obsequioso, só para não deixar o silêncio operar entre eles.

Henrietta balançou a cabeça, reconhecendo o agradecimento, mas sem lhe dar muito valor. Não tinha respeito por bajuladores, embora o prefeito estivesse sendo sincero. Disso, ela tinha certeza.

– Diga ao seu engenheiro-chefe para me procurar – Henrietta mudou de assunto. – Tenho algumas instruções para ele. Estarei hospedada no Solar da Glória.

O prefeito concordou com um aceno de cabeça. Os dois pararam de andar. Henrietta levantou o olhar a fim de encará-lo.

– Vou lhe passar o contato do nosso engenheiro-chefe, Juan Pablo Salazar. Ele deve chegar a Passo Fundo nos próximos dias.

Ah, então essa era a ocupação do misterioso Salazar?

O prefeito tinha as suas dúvidas... Pelas coisas que disse e perguntou, Salazar lhe deu a impressão de ser um chefe de segurança. Mas, sem tecer comentário sobre o dito homem, Teófilo apenas concordou com um aceno de cabeça, outra vez.

Deduziu acertadamente que, dali em diante – até o dia em que ficasse pronta –, a construção da biblioteca tornar-se-ia uma incógnita para ele e todos na prefeitura. Uma incógnita para todos os moradores de Passo Fundo, aliás. Eles veriam os caminhões levando e trazendo; descarregando os materiais ou partindo com os entulhos; acompanhariam com interesse o fluxo de operários, indo e vindo à mesma frequência que os caminhões, às vezes aboletados nas caçambas.

Um grande muro de compensado erguer-se-ia em velocidade recorde, a cobrir toda a volta do terreno; no qual, escutar-se-ia o martelar cruel das britadeiras, e onde a poeira iria bailar de maneira expansiva em dias mais secos (deixando as donas de casas malucas de raiva, pois a poeira penetraria em suas casas e cobriria os preciosos móveis).

Embora a fundação pareça misteriosa aos olhos do prefeito, ele ouviu falar muito bem, pelas bocas de outros prefeitos, que receberam a biblioteca da fundação em suas cidades. O Brasil já tinha duas, uma no Rio e outra em São Paulo. A de Passo Fundo seria a terceira. A fundação alcançava as Américas, a Europa, a Ásia, enfim, as Casas da Vida pareciam com uma grande rede McDonalds espalhadas pelo mundo.

As "Casas da Vida" serviam como faróis para a promoção da literatura e tudo o que havia entre a comunicação, a leitura e a escrita, subsidiando as bibliotecas no mundo inteiro. A fundação se encarregava do pessoal que cuidaria das bibliotecas, a começar pelos bibliotecários chefes e seus assistentes.

Até onde conseguiu investigar, Teófilo passou a compreender o funcionamento da instituição. Estava satisfeito com o majestoso projeto e o fato de que a prefeitura não teria que desembolsar nada por isso.

Uma vozinha lhe dizia: Cuidado que o barato sai caro. Mas ele ignorou. Pois, afinal de contas, que perigo poderia desencadear a construção de uma biblioteca.

Em um ano, o prefeito estaria inaugurando a nova biblioteca da cidade. Henrietta Casas não compareceria à cerimônia, muito menos Tot Casas. No entanto, sua filha não demoraria em volver à cidade, pois era a guardiã de um segredo muito bem guardado, cujo recipiente escolhido para tal era justamente a biblioteca de Passo Fundo.

Por um momento, Henrietta permitiu-se admirar a sagacidade de seu pai. Iriam procurar a vontade, mas de todas as Casas da Vida, apenas uma abrigaria a caixa.

Era assim que deveria ser, pois certos jogos jamais deveriam ser jogados.

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Rodapé: clima, retrato, época.

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