Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 3 Um jogo que não deve ser jogado

Foi interessante assistir...

Quando a professora Henrietta entrou na sala, não disse uma palavra até alcançar a mesa. Instantaneamente, Mayo tirou os pés de cima da carteira e ficou olhando para ela, desconfiado.

Sem se alterar, a professora organizou suas coisas e só então lançou um olhar penetrante ao rapaz.

– Bom dia, Senhor Fortes Bustamante... – falou pausadamente, enquanto Mayo fazia uma careta diante do próprio sobrenome.

Dito assim tão articuladamente...

Os olhos dele voaram na direção dos colegas, empilhados junto à porta da sala. Ninguém ousou dar um pio. Sequer um olhar esperto.

Dando-se conta do aglomerado da porta, Rosa se afastou rápido rumo à própria carteira. Ouviu a voz sonora e grave da diminuta professora, as suas costas, mas as palavras estavam endereçadas ao bad boy.

– Suas espetaculares e machas botas trouxeram um rastro de vírus e bactérias para cima da sua carteira.

Machas? Rosa conteve um sorriso e espiou no dicionário. Significava "atrevidas". Lançou um olhar para o colega, curiosa quanto a sua reação. Mayo olhava fixamente para a professora. Percebendo que esperava uma resposta, resmungou: – Não, eu não fazia ideia.

– Então... – disse Henrietta, tirando um lenço umedecido com álcool 70, de dentro de um pacote de lenços, ela acrescentou: – Sugiro que limpe a superfície de sua carteira e nunca mais faça isso. Afinal, é uma flagrante falta de educação!

Ele levantou devagar, foi até a mesa, pegou o lenço e resmungou mais alguma coisa.

– O que disse Senhor Fortes Bustamante?

Com outra careta, ele se sentou; pôs-se a limpar a carteira.

– Nada, professora – falou em voz alta. – Eu disse apenas "obrigado".

– Ah, assim é melhor! Mas não se esqueça, Senhor Fortes Bustamante, que agradecer não é "nada"... É tudo!

Ela, então, virou-se para os outros alunos. Percebendo que continuavam empilhados na porta, disse: – Quanto aos senhores, estão esperando um convite formal para adentrarem o recinto?

Os demais alunos se apressaram em se espalhar pela sala, em busca das carteiras, mas se atrapalharam, pois ninguém mais se lembrava de seus lugares habituais.

Bom, alguns não lembravam... Outros lembravam bem até demais.

Depois de trombar com Teodora, diante da mesma carteira, Bárbara desabafou:

–Tanto faz! – e tratou de ocupar a próxima. Mas, daí, Joaquim parou diante dela com um olhar sombrio. Muito espantada, ela o encarou. – O que foi assombração?

Ele soprou o cabelo da testa, levou um esbarrão de outro colega que passou por ele, mas suportou estoicamente. Afinal, precisava marcar um ponto ali.

– Esta sempre foi a minha carteira – anunciou. – Desde antes da pandemia.

Bárbara não acreditou em seus próprios ouvidos. Trocou um olhar com Teodora, que ainda se ajeitava na carteira da frente, antes de dizer: – Tá, mas agora é minha. Já se passaram dois anos. A gente nem está mais no segundo ano...

Ele fechou os olhos e trincou os dentes. – Eu sempre me sento na segunda carteira, da segunda fileira, perto da porta.

– Por quê? – Bárbara passou da irritação à gozação. – Você por acaso tem alguma condição limitante? Ah, já sei! Precisa ficar perto do banheiro. Lamento te informar, – ela observou Joaquim fechar os olhos de novo, num esforço visível para se controlar – o banheiro não é nem perto dessa sala. Melhor vir de casa já usando uma fralda.

Quando Joaquim abriu a boca para retrucar, a professora se manifestou:

– Senhor Kowalsky, sente-se aqui! – disse ela, apontando para a carteira em frente a sua mesa. A única que sobrou.

Alguém murmurou: – Se deu mal.

Joaquim arrastou os pés até lá, mas não antes de lançar um olhar mortal para a rainha da festa junina de 2019, Bárbara Éden Silveira.

(Seu nome não era concidência... A mãe de Bárbara era fã de carteirinha de Jeannie é um gênio. Por sorte, os jovens desta geração não conheciam a referência e ela escapou ilesa da chacota coletiva. Seu nome era um segredo muito bem guardado que, talvez, um dia, Rosa usasse contra ela).

De repente, Henrietta reparou em Rosa e em como a sua carteira estava alinhada com a dos amigos.

– Senhorita Ciesco, Senhor Oliveira e Senhorita Calon – a professora disse o último sobrenome num tom mais arrastado, denotando o seu desgosto. – Em todo esse tempo, desde que se tornaram meus alunos, insistem em juntar as carteiras no fundão.

Thiago, eu e Sol nos entreolhamos, ligeiramente embaraçados, já que todo mundo virou para trás.

– As carteiras são individuais... Não foram feitas para formarem duplas nem trios, – ela os alertou. – A não ser que eu determine algum trabalho em grupo.

Os três empurraram as carteiras apenas um pouquinho, na esperança de conseguirem permanecer perto uns dos outros. Felizmente, a professora Casas não mandou que se afastassem mais.

Mayo soltou uma risadinha. – Trio "parada dura".

Rosa espantou-se, primeiro com o fato de Mayo conseguir rir. Ele não devia ter músculos suficientes para distender os lábios, porque sua cara permanecia séria o tempo todo. O tempo todo! Mas, nesse instante, Rosa o examinou com atenção, e detectou um quê de zombaria em seu olhar... Como se a desafiasse a dizer alguma coisa.

Segundo, havia o lance de estar prestando atenção demais nela e nos amigos desde que chegaram à escola – e Rosa estava ficando cada vez mais intrigada. Ele nunca fez isso, quer dizer, desde que se mudou com o pai para Passo Fundo. E isso foi lá no início do ensino médio.

Por sorte, não precisou dizer ou fazer qualquer coisa para tirar a atenção dele sobre si. A professora se encarregou disso.

– O que foi que disse, Senhor Fortes Bustamante? – perguntou a professora; ato contínuo, Mayo tornou a ficar carrancudo. Mas não sem antes lançar um olhar eloquente para Rosa. Agora ela não estava mais surpreendida. Estava chocada!

Sol inclinou-se para cochichar em seu ouvido: – The Rock está de olho em você... – Ela apontou com o queixo. – Te liga!

Rosa deu um pulo de susto na carteira. Ainda bem que ninguém ouviu.

– Bem, Senhor Fortes Bustamante... Se lhe interessa saber, também não gosto de trios, mas de quartetos – disse a professora Casas, em um tom misterioso.

Como sempre, sua fala sempre tinha entrelinhas.

-Ô, professora, dá para a senhora parar de me chamar assim? – ele indagou, em tom normal.

Ela abriu a boca, fingindo um espanto que mais beirava à zombaria total. – Assim como, Senhor Fortes Bustamante?

– Eu tenho nome...

– E sobrenome... – ela rebateu.

– Não tenho culpa de que o seu seja este, Senhor Fortes Bustamante – ela concluiu, e o povo não conseguiu segurar a risadinha.

– Eu detesto o meu sobrenome – ele desabafou baixinho.

– O senhor sempre pode processar o seu pai por lhe transmitir essa herança, por assim dizer, de exposição. Claro que o fato de ele não ter culpa disso, é um mero detalhe.

Todos nós imaginamos Mayo, que já era sombrio e assustador, processando o pai, um militar para lá de assustador. Na verdade, Antenor Fortes Bustamante era a versão adulta do que o filho prometia se tornar. Rosa pensou no ditado: "filho de peixe, peixinho é".

– Pode simplesmente me chamar de Mayo? – Ele insistiu.

– Não, o senhor ainda não fez por merecer tamanha intimidade. – A Professora Casas abriu um sorriso que mais pareceu o esgar de um crocodilo. – Sem mais delongas, quero dar a todos as boas vindas às aulas presenciais.

Seu olhar nos "varreu", por um instante. – Os senhores tiveram muito que estudar, em casa, e acredito que devem estar bem afiados. Continuaremos do ponto em que paramos. Para aqueles que encararam as aulas em casa como férias no Caribe, e não tiveram o menor comprometimento com os estudos, lamento, mas... Deverão correr atrás do prejuízo.

"Naturalmente, entendo o momento difícil que muitas famílias estão atravessando... Não sou insensível à situação de seus pais. Faremos o que for necessário para flexibilizar as mensalidades e para cuidar da higiene e segurança de vocês. Não queremos que se preocupem com nada, além do aprendizado".

"Os alunos cujos pais estiverem enfrentando dificuldades financeiras, devem me procurar após a aula. Nós daremos um jeito. Nenhum dos senhores será prejudicado".

Ela esperou que alguém falasse alguma coisa. Ninguém falou.

– Pois bem, agora, abram seus livros na parte sobre o Egito Antigo. Vamos tratar desse povo misterioso e avançado, que considerava o signo e o pensamento como sendo coisas concretas e mágicas a um só tempo. A palavra reunia ciência, magia, e igualdade de gênero.

Enquanto os alunos pegavam os livros, Sol não pode evitar uma exclamação de alegria. – Oba!

Henrietta lançou-lhe um olhar enviesado.

– Ah, senhorita Calon, imagino que deva estar contente! Hoje, porém, iremos pontuar alguns enganos bastante comuns a cerca dos egípcios... A começar pelo tarô.

Rosa dissimulou um sorriso, adivinhando o que aconteceria a seguir. Sol, pelo visto, também adivinhava... Sua alegria murchou um pouco. Rosa entendia a forma de pensar da amiga. Ela achava que sabe tudo o que precisava saber a respeito do seu precioso baralho. Não estava a fim de que lhe dissessem algo do tipo: "Meu bem, Papai Noel não existe".

– O que os senhores entendem por jogos adivinhatórios? – A professora lançou a pergunta a uma turma intimidada.

Sol levantou a mão, toda animada (um quezinho desafiante).

– Sim, senhorita Calon?

– Não sei nada quanto a definição de "jogos adivinhatórios", mas gosto de pensar na oportunidade de contatar seres evoluídos, nossos guias espirituais, que nos orientam sobre o passado, o presente e o futuro. E eles o fazem por meio dos "oráculos".

-Uau! – sussurrou Thiago. – Mandou bem!

A professora ficou levemente surpreendida pela resposta. – A sua explanação não deixa de conter certo grau de verdade e coerência, Senhorita Calon, mesmo que imiscuída em conceitos místicos estereotipados.

Os alunos ficaram sem entender se ela estava elogiando o argumento, ou criticando... Ou os dois.

– Ah, tá! – deixou escapar Clarice, num tom arrogante.

– Levante a mão, Senhorita Soares, caso deseje realmente falar.

Clarice ergueu a mão, irritada.

– Agora sim – elogiou a professora. – Por gentileza, traduza o seu "ah, tá" para um argumento válido e educado.

Clarice era outra que temia a professora acima de todas as coisas, embora gostasse de se gabar que o seu pai, o senhor prefeito, fosse o sujeito mais perigoso que já existiu na face da terra. Um verdadeiro poderoso chefão. No entanto, lá estava ela se remexendo na cadeira, enquanto lançava um olhar cauteloso para Henrietta.

– Até parece – começou a dizer, num tom desdenhoso – que os tais guias evoluídos não tem mais o que fazer além de ficar brincando de ver o passado, o presente e o futuro das pessoas.

Rosa sabia que no fundo, a garota queria atirar dardos envenenados em Sol. (Só não se sentia corajosa o suficiente.) Se fosse a aula de outro professor, com certeza não teria economizado no veneno.

Henrietta olhou para o teto, como se ponderasse sobre o comentário da garota. – Prossiga, senhorita Soares... Elabore melhor o seu raciocínio.

Rosa revirou os olhos. Agora a metidinha filha do prefeito iria se empolgar.

– Se os tais guias são tão evoluídos assim, não deveriam ter coisas mais interessantes para fazer ou se preocupar?

– E por interessantes – disse Rosa, levantando a mão previdentemente. – Aposto que está se referindo a fazer o pé, a mão e o cabelo, certo, Clarice?

A turma soltou uma risadinha. A professora varreu o recinto com o seu olhar, silenciando a todos. Então, encarou Rosa por um instante, antes de se dirigir a Clarice.

– Embora eu não goste do tom dos argumentos até agora apresentados pela Senhorita Soares e pela Senhorita Ciesco, devo concordar com a lógica.

– De quem? A minha ou a dela – Rosa bateu as pestanas para a professora. Mayo dissimulou um sorriso, concentrado em desenhar rabiscos em seu caderno. Desses rabiscos começaram a surgir o rosto de Rosa.

– Vejo que se tornou bastante ousada durante a pandemia, senhorita Ciesco – comentou Henrietta. – Voltando ao argumento da Senhorita Soares... Existe lógica e se sobrepõe ao argumento da senhorita Calon.

– Então, se não for para guiar as pessoas – Sol contrapôs, com a mão levantada – para que os oráculos foram criados?

– Aí está o grande xis da questão – a professora caminhou para frente de sua mesa e apoiou as mãos na beirada, uma de cada lado do corpo. Encarou Sol de forma enérgica. – As lâminas de Thot não foram criadas para jogar, tão pouco para servirem de oráculo... Isto é, aconselhar a vida das pessoas. Muito menos foram feitas para serem tocadas por qualquer um, quando bem entender. As lâminas foram criadas para guiar a humanidade como um todo.

– Não entendi – Sol franziu o cenho, desanimada.

– Eu explico... – a professora soou quase gentil. – Dizem as lendas egípcias que Thot veio de outro universo...

– Desculpa professora – Joaquim levantou a mão. – Outro universo?

– Sim, o conceito de múltiplos universos não era estranho aos antigos egípcios... E em tempos imemoriáveis, Thot teria feito a passagem de seu mundo para este, utilizando um portal. Trouxe com ele o conhecimento da linguagem e dos signos.

– Por quê? – indagou Mayo, com a mão levantada.

– Porque o quê, Senhor Fortes Bustamante?

Mayo suspirou, enquanto se recostava na cadeira. – Por que aqui? Por que não outro planeta? Outro universo?

Joaquim protestou veementemente sobre o absurdo da pergunta, já que Thot era parte de uma lenda; o que ele fez ou deixou de fazer não deveria ser motivo de análise. E considerando que o sujeito nem existiu, aquela discussão era uma perda de tempo.

Henrietta e Mayo o ignoraram.

Percebendo que falara sem levantar a mão, Joaquim ergueu o braço e esticou a mão. Assim permaneceu, feito um mastro, até que a professora lhe permitisse falar. Bárbara quase teve pena do garoto, pois ele fumegava, com a mão levantada. E dava para ver que tão cedo não teria a chance de expor o seu argumento, pois Henrietta ainda estava considerando responder à pergunta do bad boy.

– E quem disse que ele não viajou por diferentes planetas e universos, senhor Bustamante? – devolveu em forma de pergunta.

Mayo deu de ombros, meio espantado, meio divertido. A professora prosseguiu, ignorando a mão levantada de Joaquim.

– Bem, se Thot estava fugindo, se tinha algum inimigo e precisava esconder o conhecimento de mentes malévolas, o fato é que ele veio para cá e ensinou os egípcios a arte da escrita, da medicina e da construção.

– Mas não foi Inhotep? – insistiu Mayo, testa franzida e sem levantar a mão. Joaquim gemeu de indignação, pois sua mão continuava levantada.

– A-há! – A professora apontou o dedo para Mayo. –O senhor andou estudando! Só que procurou as informações da internet, não foi?

– Foi.

– Nem sempre a internet apresenta informações seguras. Deixe-me explicar uma coisa... Inhotep foi uma espécie de primeiro-ministro. Conselheiro do faraó Djoser. Em seu tempo, ele estudou muito os conhecimentos ancestrais de Thot a ponto de ser elevado ao status de um deus. Mas ele era apenas um homem.

– E Thot? – insistiu Mayo, espantando a todos pelo seu inédito interesse na aula. – Era um homem ou deus?

Henrietta sorriu. – Homens e mulheres com conhecimento se tornam deuses, senhor Bustamante.

Com essa frase na cabeça, Rosa olhou para a figura ilustrada de Thot no livro de história. Cabeça de Ibis, corpo de humano... Credo.

A professora continuou a explicação:

– Thot quis ajudar a humanidade, mas sabia que seu conhecimento não poderia se tornar acessível a qualquer um. Afinal, nem todos estão preparados para lidar com os diferentes véus da verdade. Ele codificou o seu conhecimento em 78 lâminas de ouro, cujos números e desenhos arquetípicos combinados explicam o funcionamento do multiverso.

– Não deixa de ser um jogo... – disse Sol, inconformada. – Para se desvendar o conhecimento, quero dizer.

Joaquim bufou, esticando mais ainda o braço.

A professora considerou o comentário de Sol, antes de responder:

– O conjunto de lâminas requer merecimento e perícia para ser decodificado. Note, senhorita Calon, que estou falando da combinação das lâminas originais, não das cartas... As cartas são pobres reproduções. Elas foram criadas pelos escribas egípcios para estudo e aperfeiçoamento dos estudantes das Casas da Vida.

– A sua Casa da Vida? – Sol indagou, empolgada.

– Não é minha Casa da Vida, senhorita Calon. – Ela meneou a cabeça. – Entretanto, a senhorita não deixa de ter razão. A Fundação inspira-se nos conhecimentos egípcios. À época deles, as Casas da Vida eram muito mais do que imensas bibliotecas, conjugavam templos, escritórios, classes de iniciados... Nos dias de hoje, seriam equivalentes às nossas universidades. – Diante da confusão de Sol, a professora voltou ao tema original. – Mas isso é assunto para outro dia, e retornaremos a ele. O importante é que compreendam o processo. Ao longo do tempo, o significado e as formas de utilização das cartas do tarô acabaram deturpando não só o conhecimento, mas a importância das lâminas originais de Thot.

"Elas consistem na quintessência da sabedoria e precisam da magia ancestral da Criação para ativar seus arcanos. Por isso, não é qualquer um que pode ousar tocá-las. Thot se encarregou disso ao protegê-las dentro de uma caixa de metal, outra de cobre, outra de ouro, outra de marfim e as escondeu no fundo do Rio Nilo".

– Mas se não era para encontrar as lâminas, como a humanidade vai se beneficiar do seu conhecimento? – indagou Thiago.

(Joaquim resignou-se em escorar o braço levantado na parede).

– Boa pergunta, senhor Oliveira – elogiou Henrietta. – Acho que a melhor resposta é: Tudo tem a sua hora... Mas até que a hora chegue, o livro de Thot deverá ficar bem guardado onde ninguém conhece o paradeiro.

– A senhora acabou de dizer que foi no Rio Nilo – objetou Clarice.

– Ei, um detalhe! – Ingrid levantou o dedo que estava no celular. – Aqui diz que Moisés encontrou a caixa e levou embora com ele.

– Em primeiro lugar, senhorita Soares, o Nilo é muito grande. Em segundo lugar, senhorita Meyer, os rumores sobre Moisés são apenas rumores. Em terceiro lugar, é proibido celular em minha aula – ela estendeu a mão e esperou que a garota lhe entregasse o dispositivo. Com muito má vontade, Ingrid entregou o seu bebê. Passaria o resto da aula de olho nele, sobre a mesa da professora.

– Fico só imaginando que lindas devem ser as cartas de ouro... – estava dizendo Sol, sonhadora. – Quer dizer, lâminas...

-Lindas, realmente... Mas este é um jogo que não se deve jogar! –ressaltou a professora.

Ela olhou para a bolsinha de pano de Sol. – Posso?

Sol levantou e levou o tarô para a professora, que tirou o baralho de dentro do envoltório com todo o cuidado (e respeito, diriam alguns).

Depois de uns minutos analisando as cartas, Henrietta anunciou: – Este conjunto nem é uma reprodução exata. Possui 78 lâminas, posso ver, mas os desenhos... – Ela fez um muxoxo. – Confeccionado para servir a um propósito adivinhatório e de consulta, um pouco de autoconhecimento... Eu diria self service.

Encarou Sol com desaprovação, antes de lhe devolver o baralho.

– Este tipo de instrumento até consegue captar alguma energia para acessar informações imediatas, mas não possui um décimo avos da potência das lâminas originais do livro de Thot.

Solimar colocou as cartas dentro do estojo e voltou para a carteira.

– Nas lâminas originais, – estava dizendo a professora – as pessoas seriam sugadas para os arcanos abrindo um vórtice que os físicos contemporâneos chamariam de buraco de minhoca. A combinação fatal de lâminas poderia até abrir um buraco negro doméstico...

– Nossa!

– Como é que é?

– Minha mãe!

– Por doméstico, está se referindo a um buraco negro dentro do nosso planeta?

Herietta não se alterou diante da enxurrada das exclamações de espanto e perguntas. Fez um gesto para que todos silenciassem, ignorando os braços agitados de Joaquim, que mais parecia um polvo em sua carteira.

– Imagino que todos aqui já ouviram falar dos vórtices perversos.

– Claro que a maioria dos que estão aqui não conhecem as doze aberrações magnéticas do planeta – mencionou Thiago. – Ao menos não com esse nome.

– Pelo visto, o senhor conhece – observou Henrietta.

– Bem, eu só li de passagem num livro de teorias da conspiração e...

– Tá, mas... – Mayo começou a dizer.

– Levante a mão, senhor Fortes Bustamante.

Mayo o fez, relutante. A essa altura, Joaquim estava dançando chá-chá-chá em sua carteira, todo descabelado.

– Pois não? – a professora deu a palavra a Mayo.

– Professora... Não sei se percebeu, mas a senhora fala como se conhecesse o livro original de Thot – ele apontou com a caneta, num tom indiferente. – Nada disso consta no livro de história.

Joaquim se sacudiu todo na carteira: – Isso! Isso! Isso! Aleluia! Alguém deu voz ao que eu queria dizer.

Todos se voltaram para ele, como se tivesse enlouquecido (inclusive a professora). Henrietta tornou a olhar para Mayo.

– Está corretíssimo, senhor Fortes Bustamante. Nada disso está no seu livro de história... – ela reconheceu sem o menor acanhamento, e até com alguma diversão na voz. –Está tudo nos pergaminhos. O dia que o senhor se tornar um decifrador de hierógrifos, poderá chegar a um tal nível de compreensão, digamos, além do básico que consta nos atuais livros de história voltados à educação... Básica.

– Professora – Joaquim finalmente deixou cair a mão sobre a carteira, exausto. – Eu não estou aqui para ouvir sobre curiosidades históricas. Estou aqui apenas para saber o que vai cair no ENEM. Não me interesso pelo Antigo Egito, meu pai não paga para eu saber das fofocas da corte... Enfim, do Egito, só quero saber o suficiente para passar na prova.

Henrietta estreitou os olhos. Joaquim engoliu em seco. Não porque se arrependesse do que falou, mas porque entendeu o quão longe foi em sua "sinceridade" ao se deparar com as expressões incrédulas dos colegas.

– Vacilão – murmurou Bárbara (alto o suficiente para que ele ouvisse).

– Senhor Kowalsky – a professora aproximou-se de sua carteira. Joaquim esforçou-se para manter a pose de despreocupado. – O senhor e todos os outros estão aqui para se formarem cidadãos conscientes e críticos. Pessoas que não aceitam tudo cegamente, mas questionam a realidade e sua história. Em outras palavras, o senhor não está aqui apenas para passar no ENEM, ou no vestibular. Por isso, e só por isso, eu vou lhes passar uma tarefa para casa...

Todo mundo começou a xingar o Joaquim. Mayo jogou a caneta nele. Joaquim levantou os braços para proteger a cabeça da chuva repentina de apontadores, bolos de papel e até chicletes mascados, os quais voaram sobre ele.

– Chega – disse a professora, de costas para a turma.

Os ataques cessaram, mas não os olhares homicidas. Henrietta tirou o bloco de anotações de sua pasta e se virou para a classe.

– E como já deixamos bem claro as nossas posições sobre trios – olhou significativamente para Mayo – vou formar grupos de quatro, cujos nomes divulgarei no final do período.

– No grupo de Whatsapp de tarefas? – indagou Ingrid, toda profissional.

– Não, senhorita Meyer, O papel contendo os nomes ficará aficçado na porta da sala dos professores.

– Papel – zombou Ingrid, baixinho. – Que pouco ecológico.

Por sorte, a professora não ouviu. Mas Bárbara ouviu e concordou, em silêncio. As duas se consideravam naturo-marxistas (conceito no qual vinham trabalhando a fim de construir todo um arcabouço teórico; em resumo, significava que eram contra os meios de produção primitivos e agressivos em relação à Natureza).

Ingrid virou-se para a professora e Rosa estremeceu, adivinhando o que viria a seguir.

– E qual vai ser o tema do trabalho? – Indagou a militante dialética, concentrada, como sempre. Nessas horas, o importante era ser objetiva.

– Cada grupo terá um ângulo de abordagem sobre o livro de Thot. Surgimento e história. Adaptações e usos. A figura de Thot e seus objetivos. A relação entre... – ela lançou um olhar esperto para um atônito Joaquim – as lâminas e a física quântica.

– Deus... – Thiago levantou os olhos para o teto.

– Meu pai não vai gostar nada disso – foi tudo o que Joaquim disse, em tom de desafio.

– Ah, senhor Kowalsky... – respondeu Henrietta com suavidade. – Diga ao seu pai para vir falar comigo, por obséquio. Eu gostaria muito de conversar com ele sobre o seu comportamento antissocial.

Joaquim engoliu em seco e se calou, descruzando os braços. – Acho que não será necessário, professora, vou fazer o trabalho.

– Claro que vai, senhor Kowalsky – ela meio que zombou. – Claro que vai.

Bárbara ia levar a mão à boca para rir baixinho, mas lembrou-se que não deveria tocar o rosto sem antes passar o álcool em gel nas mãos.

Joaquim percebeu o jeito gozador da garota. Virou-se para ela, viu o pote enorme de álcool em gel e mencionou: – Deveria usar o álcool líquido.

– E o que você tem com isso? – Bárbara respondeu, sem olhar para ele. Besuntava o gel como quem hidrata as mãos com o melhor creme francês.

Ele deu de ombros.

– Pelo menos não correria o risco de incendiar as mãos, mas... Você é quem sabe!

Bárbara olhou horrorizada para o pote como quem olha para uma cobra prestes a saltar sobre ela.

– Senhorita Silveira, não se preocupe – interveio a professora. – Só tenha cuidado para não se aproximar de fogões... Ou chamas em geral.

– Hein?

O sinal soou e a professora anunciou: – Para a próxima aula, irei cobrar as leituras dos capítulos vinte e três e vinte e quatro. – Então, reuniu seu material e colocou dentro da pasta de couro. Dirigiu-se à saída, oferecendo uma simpática piscadela à Rosa.

Que mulher tão esquisita quanto incrível, refletiu Rosa. Distraída, quase levou a ponta da caneta aos lábios, mas Thiago a impediu, lembrando-a que não deveria levar nenhum objeto contaminado aos lábios.

Rosa passou o álcool na caneta. Enquanto isso, Bárbara voava pelo corredor para lavar as mãos no banheiro feminino.

---

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro