6 - Lighter
Um arrepio singelo percorreu meu corpo, deixando meus pelos eriçados e minha mente em alerta máximo. Não desviei meus olhos por nenhum segundo sequer. Toda aquela obscuridade estava me chamando com cada vez mais intensidade e sugando minha atenção. Meu coração palpitou forte em meu peito e dessa vez não foi pela batida da música, porque de repente não existia mais ninguém ao redor, era apenas eu e ele.
Notei seu maxilar travado e as linhas se tornaram mais expressivas que antes. Um terror intenso latejava em minhas artérias, deixando-me completamente inerte e letárgica. Não tinha como lutar contra tanta escuridão, eu havia o subestimado. Minha garganta protestou pelo nó que se formou no meu interior, era um sentimento novo para mim. Minhas pernas queriam correr para longe daquele olhar assustador, mas ao mesmo tempo não conseguiam sequer tremer.
Meus pulmões expeliram um forte suspiro quando o homem sombrio se virou e continuou seu caminho. O ar que eu nem havia percebido que tinha prendido, voltou a circular por mim, golpeando-me com todos os meus sentidos regressando ao normal.
A música retornou a pulsar em minha cabeça, minhas pernas se moveram para girar meu corpo no banco e ficar de frente para o bar. Fechei meus olhos, inspirando o máximo de oxigênio possível e tentando recuperar o fôlego, como se tivesse corrido em uma maratona.
— Vocês estão bem? — Boris se aproximou de mim e Ísis, tocando sutilmente no meu ombro e no da garota ao meu lado.
De forma alguma eu compartilharia naquele momento o que tinha acontecido a meus amigos. Aquele homem tentou invadir minha mente e usou meus sentimentos contra mim, me paralisando o suficiente para que eu tivesse um gostinho do que ele era capaz de fazer. Tinha algo ali... Eu sabia que tinha alguma coisa naquele olhar que não era tão estranho assim para mim. Eu já tinha o visto antes, mas minha mente estava aos poucos se dopando com o que quer que estivesse no ar.
Se eu identifiquei um tsunami lúgubre e aterrorizante dominando minha cabeça e meus sentidos, não queria nem pensar no que minha amiga conseguiu sentir. Deve ter sido apavorante. Abri meus olhos e confirmei com a cabeça para Boris, eu mal conseguia formar uma frase e notei a ruiva virar toda sua bebida de uma vez só.
— Eu preciso esquecer isso, vamos dançar — Ísis falou, nos puxando para a pista de dança. Não tivemos oportunidade de sequer contestar ou perguntar qualquer outra coisa.
E eu queria muito saber se eles conheciam o tal homem para confirmar minhas suspeitas, porém depois de ser atingida por um poder tão devastador vindo de uma única pessoa, eu só sentia vontade de... dançar. Decidi apenas seguir os dois animadinhos à minha frente.
Ambos rapidamente se soltaram graças ao licor no sangue, eu demorei um tempo até esquecer completamente o que havia acontecido há alguns minutos atrás. As músicas que tocavam provavelmente eram muito bem selecionadas, pois todas agradavam meus sentidos auditivos e no momento que comecei a dançar com meus amigos, poderia jurar que o círculo da pista de dança se movia. Ele realmente girava.
Em alguns momentos, eu e Ísis ficamos dançando agarradas uma na outra, enquanto Boris enfiava a língua na boca de algum garoto bonito por aí. Quando o som estrondara o ambiente, as pessoas saltitavam em seus lugares gritando euforicamente, fizemos o mesmo indo cada vez mais para o centro.
Meus seios estavam prestes a saltar para fora do body, mas nada mais importava naquele momento, apenas os movimentos do meu corpo acompanhando a melodia eletrônica. Senti-me completamente inebriada pelo som. Boris nos encontrou e se juntou à nossa dança.
Ficamos os três desfrutando de cada batida juntos, entretanto quase voltei a realidade quando um arrepio escalou minha espinha até a nuca. Olhei em volta pela pista de dança, mas não identifiquei nada além de corpos movendo-se para todos os lados e se pegando à minha volta.
Ergui a cabeça à procura de alguma possível ameaça que tenha feito meus sentidos entrarem em alerta e notei algo no mezanino. A mesma figura masculina que havia me deixado paralisada, estava com os olhos novamente fixados em mim e suas mãos dentro dos bolsos da calça. Ele estava parado em pé, de frente ao guarda-corpo de vidro e sua atenção permanecia fixa recaindo sobre mim.
— Vou pegar algo para beber, já volto — avisei, desviando o olhar para meus amigos e os dois assentiram.
Provavelmente eu estava começando a ficar paranoica. Andei entre as pessoas e me afastei da pista de dança, encontrando a rota até o bar. Dei uma espiada para trás e percebi que agora o homem não mais me olhava, estava de costas conversando com um daqueles irmãos Sartori. Virei meu rosto encontrando o mesmo barman de antes e ele sorriu ao notar minha aproximação.
— E aí, estão gostando? — perguntou em tom alto quando sentei na banqueta.
— Até que estamos nos divertindo mais do que esperávamos — respondi em tom gentil, curvando os lábios em um sorriso. — Acho que vou arriscar experimentar a bebida que você tiver para mim. — Um brilho de satisfação cintilou em seu olhar ao mesmo tempo que ele secava um copo com um pano branco.
— Deixe-me adivinhar — disse, estreitando o olhar — Você tem uma amiga mentalist, um amigo mindhunter... — comentou à espera de uma confirmação e eu assenti com a cabeça — Meu primeiro chute vai para aeros, acertei?
Soltei uma risada simpática com sua tentativa. Manipular o ar não era minha especialidade, mesmo que eu achasse uma habilidade um tanto intrigante. Ethan carregava esse dom dentro de si. Os aeros costumam ser assim como seu poder, livres de julgamentos e de repreensões, capazes de criar um tornado com suas atitudes.
— Bem longe disso — neguei — Tente mais uma vez. — Apoiei meus cotovelos no balcão, esperando sua próxima adivinhação e sentindo no meu interior que ele iria errar.
— Hum... — observei ele colocar o copo vazio e seco à minha frente e apoiar as mãos na beirada do balcão — Pela forma como se veste, o olhar marcante e sua postura... Eu poderia chutar que é uma flamer.
Balancei a cabeça em negativa e demos algumas risadas. Foi uma opção um tanto audaciosa, no entanto muito interessante pela forma como ele havia me analisado. Se eu não fosse quem era, desejaria ter nascido com o poder de uma flamer e conseguir controlar o fogo. As chamas sempre me cativaram.
— Droga! — Um sorriso bem-humorado despontou em sua face. — Eu desisto, claramente sou péssimo com isso. — Seu tom esbanjava pura diversão e isso de alguma forma me divertia e me deixava à vontade.
— Eu sou uma lighter — relevei. Sua expressão estarreceu em seguida.
Ele ficou alguns segundos com uma feição atordoada, processando a informação e eu lancei uma risada com a confusão que notoriamente cercava sua mente. Entretanto, aquele sorriso hilário esboçou novamente depois de uns segundos.
— Bom, eu tenho algo para você também, lighter — falou, pegando algumas bebidas e fazendo suas misturas.
Fiquei observando-o fazer o drink. De início, um tom esverdeado assim como a bebida que fez para Ísis, depois acrescentou outro líquido e a cor eclodiu em um prateado, quase transparente. Fiquei com os lábios entreabertos admirando a reação química. Para aperfeiçoar, adicionou um meio limão e um pó espesso de cor rosada que eu não identifiquei o que seria. Pequenos grãos decoravam por cima do fluído. Visualmente, deveria admitir que a bebida estava chamativa e parecia saborosa.
O barman esticou o braço com o copo em minha direção e deixou que o mesmo deslizasse pelo balcão até mim. Encarei por pouco tempo o conteúdo à minha frente, o suficiente para sentir minhas papilas gustativas serem estimuladas.
— Não tome isso — alertou. Eu ergui meu olhar rapidamente e o encarei confusa — Finja que está bebendo com esse canudo — sugeriu, inserindo o material cilíndrico de vidro dentro do copo. Eu continuava sem entender nada.
— O qu... — interrompeu-me.
— Vá ao banheiro discretamente, jogue essa bebida fora, chame seus amigos e vá embora daqui. Não é seguro para alguém como você. — Seu tom baixo manifestava honestidade e algo mais que eu não conseguia identificar. Ele começou a limpar o balcão com uma expressão neutra no rosto, como se nada estivesse acontecendo. — Faça isso, agora!
Não esperei um segundo aviso para levar o canudo até meus lábios, mas em momento algum suguei o conteúdo para minha boca. Virei meu corpo e procurei com o olhar por Boris e Ísis e, assim que os encontrei, levantei e caminhei em passos rápidos ao seus encontros. Puxei Ísis pelo antebraço e ela fez o mesmo com o Boris.
Cortamos a pista de dança, atravessando entre as pessoas. Minhas pernas suplicaram para apressar as passadas, porém tentei soar o mais natural possível. A ruiva ficou me perguntando o caminho inteiro o que havia acontecido. No momento que chegamos ao banheiro, empurrei a porta e para meu alívio não havia ninguém. Puxei ambos o interior e fechei rapidamente.
— Boris por favor não deixe ninguém entrar — pedi um tanto desesperada. Corri até um sanitário e despejei todo o líquido dentro dele, acionando o botão de descarga em seguida.
— Você está me assustando! — Ísis quase gritou olhando para mim — Consigo sentir Lanys, o que tá acontecendo? — Ambos me olhavam atônitos, porém Boris não contestou meu pedido e ficou escorado na porta, obstando a entrada de qualquer um..
Passei os dedos pela testa em rumo aos cabelos, meu coração estava agitado e minha respiração se tornou pesada e ofegante. Todos meus sentidos aos poucos retornavam. Eu sabia que não estava segura ali.
Fui até a pia e lavei minhas mãos enquanto resfolegava. Quando consegui reagir, contei a eles o que o barman havia me falado. Ambos esboçaram expressões atordoadas. A ruiva ressaltou que eu não estava bem e concordamos em ir embora. Esperamos alguns minutos no banheiro e depois saímos, indo ao bar novamente.
— Tem alguma saída sem ser pela principal? — Ísis perguntou com um grande sorriso ao barman que havia nos atendido. Ele captou o recado silencioso de seguir a discrição e manteve uma feição amigável.
— Ali. — Apontou para um canto próximo — É uma saída lateral, podem usá-la.
Minha amiga agradecera a informação e me puxou pelo antebraço. Virei meu rosto em direção ao homem e murmurei um "obrigada", ele apenas assentiu de maneira discreta. Andamos até o local indicado e realmente tinha uma porta semiaberta, com dois seguranças, que nos deixaram sair sem contestações. Uma vez do lado de fora, inspirei o ar na tentativa de puxar toda a pureza de volta para meus pulmões.
Por algum motivo aquele barman me avisou de algo que eu não tinha como saber e não fazia ideia do que poderia acontecer. A atmosfera daquele local nos dopou e com as bebidas nem mesmo Ísis poderia ter sentido alguma ameaça. Fiquei aliviada estando do lado de fora. Nós três estávamos revigorando nossas energias antes de ir embora. Quando melhoramos, começamos a caminhar para longe dali.
— Aonde você pensa que vai? — Uma voz masculinamente grave ecoou atrás de mim e me virei lentamente para a figura que surgia das sombras.
— Falou com nós, senhor? — Ísis perguntou, tentando ser educada e disfarçando o receio em seu tom.
O homem era enorme, seus músculos estavam bem expostos, havia tatuagem por todo seu corpo. Ele usava uma calça jeans e um colete de couro estilo motoqueiro. Seus passos avançaram cautelosamente em nossa direção, seus olhos reluziam um azul forte e pela aura negativa que captei em meu interior, soube bem o que ele era. Um portador das sombras.
— Com vocês, não — disse, olhando para Ísis e Boris — Mas com você, sim — gesticulou indicando a mim — Você não é bem vinda aqui, lighter. — O desdém era enaltecido em seu tom ríspido, como se minha habilidade fosse uma ofensa a ele.
— Já estamos de saída — respondi tranquilamente, mas curvei o pescoço quando o homem emitiu uma gargalhada azucrinante.
— Não é assim que funciona. Temos uma regra e você teve audácia suficiente para quebrá-la — esbravejou. — Você será punida por isso e se arrependerá de ter vindo aqui. — Seus olhos focaram em Ísis — Você tem poderes da mente, não é? Lê a minha e fala para sua amiga tudo o que estou planejando fazer com ela. — Desviou seu olhar para mim novamente, estudando meu corpo dos pés à cabeça.
— Acho que essa é a lighter mais bonitinha que já encontramos, irmão — Um outro homem surgiu da penumbra antes que eu pudesse responder. Ele se posicionou ao lado do primeiro. — Vai ser uma pena — lamentou com sarcasmo, mascando um chiclete de modo desleixado.
O rapaz não era tão amedrontador quanto o brutamonte musculoso. Seu corpo era mais esguio e sua postura tentava emanava superioridade, fazendo-me emitir uma risada sem humor quando sua tentativa de me intimidar falhou miseravelmente.
— Primeiro, pare de tentar assustar minha amiga. — Direcionei um olhar afiado para o que estava a minha frente — Segundo, estou indo embora e ninguém vai me impedir. — Dividi olhares entre os dois que permaneceram silenciosos.
Girei o corpo insinuando a continuar meu caminho, mas fui impedida por um toque áspero e quente se fechando em meu braço esquerdo e me puxando. Instintivamente, ergui minha outra mão até a sua e segurei seus dedos com violência, virando sua mão para o lado oposto. O homem rugiu com a dor de ter estado tão perto de ter as falanges quebradas.
Seu corpo curvou pela agonia e eu aproveitei para o golpeá-lo com o joelho na altura do estômago. Soltei sua mão e o empurrei com força. O homem desequilibrou-se e despencou ao chão.
— Lanys! — O grito desesperado de Ísis me fez erguer o olhar.
Vários vultos permeavam entre sombras e penumbras, nenhum deles ousou sair delas como os dois primeiros, mas pude concluir que estávamos cercados. Reparei no homem caído no chão, observando-o resmungar alguns xingamentos à medida que erguia sua estrutura corporal robusta. Certamente, sua regeneração já estava o livrando da dor temporária que causei.
— Você vai pagar por isso, garotinha atrevida — vociferou, avançando em meu rumo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro