O único toque do meu celular indicou que eu acabara de receber mensagem de alguém, enfiei rapidamente minha mão no bolso da mochila e tirei o aparelho prateado de dentro da mesma. Uma mensagem de Ísis.

"Assim que sair da coleta, me espera na frente do prédio, iremos à praia!!!"

Sorri com a audacidade da garota em nem perguntar se eu gostaria de ir, mas Ísis sempre foi assim, tomando a frente de tudo e me arrastando para os lugares. Ela sabe que por mim eu ficaria em casa o dia inteiro, saboreando o tédio com filmes ou livros. Respondi sua mensagem apenas com um "ok" e guardei novamente o aparelho.

Em alguns minutos, a enfermeira apareceu com Safira ao seu lado, a pequena veio até mim um pouco mais animada do que quando saiu desse perturbador cômodo de tom nevado. Algo dentro de mim amornou com seu sorriso genuíno.

— E aí como foi? — perguntei, enquanto acariciava gentilmente seu rosto com meus polegares e correndo meu olhar por todo seu corpo.

— Não doeu nada, Nani — sorriu e me deu um abraço rápido — E a doutora Bianca me deu um bombom por ter me comportado — Seu tom orgulhoso me arrancou um sorriso.

Dr. Manson apareceu com seu tablet em mãos em seguida, sentou-se rapidamente na sua cadeira sem desviar os olhos do aparelho antes de pousá-lo sobre a mesa.

— Exatamente o que conversamos, Alanys — reiterou— Sua irmã ficará em observação até os dez anos, no momento todos os resultados apontam para healer, como esperado — pausou — Em 48 horas entraremos em contato para que você venha buscar o dispositivo dela, tudo bem?

— Certo, muito obrigada Dr. Manson — Agradeci e levantei — Pode enviar o aviso diretamente para a minha agenda pessoal assim que estiver pronto, estou sempre pelo prédio de qualquer forma — Sorri e ele retribuiu enquanto assentiu com a cabeça.

— Até mais, Safira. Foi um prazer conhecer você — despediu-se da minha irmã e a enfermeira trocou acenos e gestos de beijo ao ar com ela.

Coloquei novamente a mochila em minhas costas enquanto caminhávamos para fora da sala branca, logo passando pela recepção. Acenei para Kate antes de seguir o rumo em direção ao elevador e apertei o botão para chamá-lo.

— O que acha de irmos à praia com a Ísis? — perguntei.

— Brian e Lya vão também? — indagou, levantando a cabeça para me olhar.

— Não sei, pequena. Ísis já está à nossa espera, perguntamos a ela — respondi assim que as portas abriram e entramos no elevador.

Quando chegamos no térreo, a visão da entrada principal do prédio inundou meus olhos. Uma recepção extremamente elegante e luxuosa, composta pelo enorme balcão arredondado no centro do local, o piso era liso e branco e as paredes pintadas em um tom de rubi.

Caminhamos até as enormes portas de vidro que iam do chão ao teto e se estendiam por toda fachada. A escadaria que dava acesso ao prédio era um pouco alta e com muitos degraus, a alguns metros a frente havia um enorme chafariz que golfava água a alguns centímetros para cima, enquanto nas beiradas alguns fios líquidos cruzavam entre si.

Os três prédios materializados que aos poucos ficaram atrás de mim, emanavam todo seu poder com seus arranha-céus e infinitas janelas de vidro. O principal, de onde saímos, acolhia todas as atividades relacionadas ao público, como as coletas. O segundo prédio logo atrás era onde todos os especialistas se encontravam durante seus expedientes de trabalho e o terceiro, construído ao lado do segundo, funcionava como uma acomodação exclusiva para os especialistas e demais funcionários do instituto.

Ao nos aproximar da calçada, um carro parou à nossa frente e no momento que os vidros desceram a figura de Ísis foi revelada. Uma ruiva de cabelo mediano, pele pálida, poucas sardas salpicadas em suas maçãs do rosto e nariz, faixas avelãs contornavam suas pupilas e a garota sempre carregava aquele maldito sorriso simpático nos lábios.

Ao seu lado, no banco do motorista, estava seu namorado, Brian. Um garoto de olhos castanhos escuros, cabelos acobreados e tom de pele, assim como o meu, levemente bronzeado. O lado sul da fronteira costumava ser mais quente que o norte, então era comum que as pessoas tivessem suas peles tonalizadas pelo banho solar de todos os dias.

— O que vocês estão esperando? — A ruiva indagou nos fitando — Entrem, quero aproveitar ao máximo esse sol maravilhoso de hoje — disse com entusiasmo, fazendo-me soltar uma risada com seu comentário.

— Está sempre um sol maravilhoso, Ísis — retruquei e abri a porta dos bancos traseiros do veículo — Olha só quem está aqui também. Olá, Lya — cumprimentei a garota de idade símil a da minha irmã.

Safira praticamente saltou para o interior do carro e ocupou o lado de sua amiga. O vínculo intenso que conectava as duas se assemelhava muito ao que eu e Ísis possuíamos, até mesmo na maneira gentil que se tratavam e como se protegiam.

— Oi, tia Lany — Lya caçoou. Lancei um olhar estreito em sua direção e a pequena riu com o ato.

Ela tinha um hábito de provocar me chamando de "tia" sabendo que eu me sentia mais velha toda vez que me denominava assim, era proposital, mas sempre entrei na brincadeira.

Troquei alguns cumprimentos com Brian, enquanto ele esticava seu braço para trás fazendo algumas cócegas em Safira. Decidimos que passaríamos em minha casa para trocar de roupa. O garoto girou a chave na ignição e partiu em direção ao destino combinado.

Durante o caminho, conversamos sobre alguns assuntos relacionados ao instituto, Brian e Ísis também trabalhavam lá. A ruiva dotava de habilidades de uma mentalist, era capaz de ler nossa energia corporal com extrema facilidade. Enquanto Brian era extremamente forte até mesmo para um portador, habilidoso com lâminas e conseguia também se teletransportar a curtas distâncias, era denominado como warrior.

Os dois namoravam há um tempo e Lya era filha de Brian, mas não com Ísis. A garota cumpria o papel de madrasta com excelência na vida da menina e ambas se davam muito bem. Já que a mãe verdadeira de Lya era um tanto ciumenta e se afastou da filha quando o ex começou a namorar com minha amiga.

Em alguns minutos avistei a fachada da minha residência, uma casa com dois andares, aparentemente pequena por fora, suas paredes foram pintadas em tons bege e o telhado escuro. Não tínhamos um jardim, apenas duas árvores medianas de um lado e do outro um acesso para a garagem que se localizava do lado da casa.

Brian estacionou em frente a calçada e eu rapidamente saí do carro, com Safira logo atrás de mim. Ambas fomos aos nossos quartos no momento em que avançamos pelo interior da residência.

Tirei o uniforme e procurei pelos biquínis, optei por um em tom azulado com a parte debaixo cavada, coloquei um short jeans escuro de cós alto, uma blusa crochê branca com mangas curtas e um chinelo da mesma cor. Fui até o armário e peguei outra mochila mais casual, guardei uma saída de praia e me retirei do quarto.

Decidi pegar umas frutas na cozinha, duas garrafas de água e um iogurte que Safira adora, coloquei tudo dentro da mochila e minha irmã apareceu descendo as escadas. A caçula vestiu um maiô alaranjado com uns desenhos na frente e aberto nas costas, um shortinho branco e calçou um chinelo da mesma cor do traje de banho.

— Estou pronta — anunciou vindo em minha direção.

— Vamos então — respondi.

Saímos da residência e entramos no carro de Brian novamente. Não demorou até estarmos na avenida principal em sentido ao litoral. Um suspiro escapou de meus lábios ao admirar o cenário quando nos aproximamos da praia. Ísis fez questão que fossemos em uma na qual a estrada atravessava a vegetação, descendo um morro em direção ao cristalino do oceano. A elevação ocultava a melhor praia do nosso setor, era simplesmente encantadora.

A luz do sol refletiu naquela imensidão azul, trazendo uma sensação acolhedora. Os pássaros voavam ao longe e por cima das árvores. Escorei minha cabeça no vidro fumê, sem tirar meus olhos daquela obra divina, os poucos metros de floresta que faziam contorno ao mar tinham os arbustos mais vivos e verdes do que qualquer outra parte do continente.

O céu e o mar colidiram e mesclaram seus tons celestes no horizonte e, de alguma forma, aquele espetáculo, que as nuvens brancas protagonizaram, me trouxe uma sensação de bem estar e calmaria. Minha mente divagou livre, igual as aves que, de longe, pareciam minúsculas e pairavam com graciosidade no ar.

Minha visão foi interrompida assim que entramos em um túnel, denunciando que estávamos bem próximo do nosso destino, pois do outro lado havia várias ruas com acesso a praia. Em alguns minutos os raios do sol voltaram a clarear tudo à nossa volta, até mesmo dentro do carro, senti uma pontada de animação percorrer por meu corpo e aprumei-me no banco.

Brian fez algumas manobras até encontrar uma vaga. Descemos todos do veículo e caminhamos em direção a areia, os borrões de antes aos poucos se personificaram na forma das pessoas ali presentes. Diversos pontos coloridos pelos guarda-sóis e trajes de todos os estilos se destacavam no solo alvo. Crianças corriam para todos os lados e alguns adultos alternavam entre caminhar e correr sobre a areia úmida próximo ao mar.

— Vamos alugar algumas cadeiras e sentar ali naquele canto onde tem menos gente, o que acham? — Ísis perguntou apontando para o local.

Meu olhar seguiu até o lugar indicado e realmente parecia mais reservado, não que a praia estivesse lotada, mas ainda sim era um pouco distante das outras pessoas. Antes mesmo de respondermos, Ísis correu pela areia branca indo em direção a um quiosque e provavelmente solicitando suas cadeiras de sol.

— Então, Lanys, o que deu no resultado do teste de Safira? — Brian ficou ao meu lado, enquanto minha irmã e Lya corriam atrás de Ísis.

— Aquilo que eu já suspeitava — Crispei os lábios ao sentir o sabor salgado que veio com a brisa do mar — Ela é uma healer, mas ficará em observação até os dez anos, você sabe, por...

— Por conta do histórico familiar — completou, e eu sorri afirmando.

— E Lya? — Desviei meu olhar para a garota que era um pouco mais alta que minha irmã, tinha um corpo esguio e a pele morena, assim como sua genitora.

— Shifter — respondeu rapidamente — Ela foi dispensada, o IEPL não está precisando de pessoas com essa habilidade no momento — murmurou, com uma entonação de alívio.

Tínhamos alguns especialistas com tais dons e realmente não era uma que o instituto necessitava em peso. Shifters eram uma categoria de portadores que conseguiam mudar suas formas físicas, criando uma cópia exata de outra pessoa, ou animal. Era um dom útil em alguns tipos de missões, no entanto poucos eram convocados.

— Eu queria que Safira tivesse sido dispensada — desabafei, em voz baixa para que somente ele ouvisse.

— Eu entendo — Ergueu sua mão e tocou de leve em meu ombro, como um gesto de apoio e eu o retribui com um sorriso agradecido.

Tirei os chinelos para curtir a sensação inebriante da areia formigando em meus pés enquanto os afundava a cada passo. O vento soprou em meu rosto e carregou com si a brisa fresca do oceano, meus cabelos esvoaçaram seguindo o rumo da ventania, algumas vezes precisei tirar alguns fios grudados em minhas bochechas e testa que me importunavam.

Ergui meu olhar e encarei ao fundo. Eu sabia bem que, seguindo pela costa até alcançar as praias do setor 2, uma certa estrutura gigante, segundo relatos de quem já o viu, parecia pairar sobre as areias brancas. O local mais misterioso do sul. O palácio da Rainha de Ouro.

Ninguém se atrevia a chegar perto do local, diziam que depois da tragédia entre as gêmeas todos que moravam no castelo saíram às pressas, alegando que o ambiente outrora gracioso, depois do ocorrido foi tomado por um clima amedrontador. Havia boatos que o espírito de Samara ainda vagava pelos corredores, que durante as madrugadas era possível ouvir as súplicas da mulher implorando por sua vida.

O palácio era o único lugar completamente protegido e proibido.

Assim como citar a tragédia era quase contra a regra cultural dos portadores de luz, não mencionávamos o acontecido e muitas informações sobre aquele tempo eram mantidas em segredos pelos os anciões.