Capítulo 04: Vivendo nas nuvens
Afundo os dedos nos meus fios de cabelo, dividindo em partes e trançando as mechas, enquanto estou sentada no braço do sofá da casa da Brieta.
Está uma bagunça aqui.
Não há paredes entre a cozinha e a sala, apenas uma bancada de pedra, onde há um rastro de copos sujos até as panelas e os pratos amontoados na pia.
Eu disse a Brieta que poderia ir lavando, nem que fosse apenas os talheres.
Não lavei muitas louças na minha vida, a maioria foi numa minha pia de brinquedo quando era criança, mas eu sei como se faz.
É horrível ficar parada a assistindo perder a batalha para o aspirador de pó.
— Eu nunca sei mexer nesse troço! — Ela reclama. — Ele tá quebrado há um mês! Essa porcaria funciona quando quer!
Me coloco de pé.
— Eu posso...
— Ficar bem quietinha aí...
Brieta para de soquear o aspirador, aponta para mim e me encara.
A cada dia que passa eu me certifico de que eu tenho a amiga mais cabeça-dura da humanidade.
— Brie você tá atolada de coisa...
— Não tô não. — Prende a cabeleira loira e desarrumada em um coque, se aproximando de mim. — Fecha a matraca e liga a TV. O Lie vai chegar daqui a pouco e ele vai me ajudar com a comida.
Ela começa a tirar as pilhas de livros de cima dos sofás.
— Você já tá com essas mãozinhas bem machucadas e... — Diz sem parar por um segundo, batendo as almofadas. — Minha mãe me esganaria se soubesse que eu deixei a filha do patrão dela limpar a nossa casa.
— Eu vou dormir aqui, não vou? É o mínimo. — Digo arrumando a tiara na minha cabeça, me certificando de que nenhum fio vai ficar caindo no meu rosto. — Deixa de bobeira e ela nem precisa saber...
— Ah, mas vai. Minha mãe sempre sabe das coisas... Ela sabe de tudo!
Isso até pode ser a mais pura das verdades, só que eu não quero a Ruth pensando que eu sou preguiçosa, mimada ou qualquer coisa assim.
Ela é tão cuidadosa com as coisas em casa, sempre caprichosa e atenciosa.
É bem esquisito perceber que não tem tempo o bastante para ter o mesmo zelo com o próprio lar.
Eu ainda me lembro muito bem de como era antes.
Não aqui. Não nesse apartamento. Na antiga casa dos Wyatt, antes do pai da Brieta morrer.
A casa era maior, modesta, mas bonita. Tinha um jardim, uma varanda e se eu não estiver ficando doida, um quintal nos fundos com um balanço na árvore.
O Sr. Wyatt era legal, incrivelmente legal. Sobre ele, guardo na memória a imagem de alguém sempre sorrindo. Ninguém jamais poderia imaginar que ele iria tirar a própria vida.
Mas eu entendo melhor disso agora. Se tem algo que os últimos anos me ensinaram, é que as pessoas mais tristes carregam os sorrisos mais bonitos.
Asriel Wyatt tinha um sorriso bonito. Bonito e marcante.
Brie nunca toca no assunto e é claro que ela sente falta. Dele, do antigo lar. Embora eu também acredite que devia ser muito difícil estar num lugar onde cada pedrinha da construção parecia existir para lembrar dele. Quando estava vivo e bom... Quando foi encontrado morto.
Desde então, eles moram nesse prédio. Ouvi papai e mamãe aconselhando a Ruth na época, quanto a vender uma moradia para comprar outra.
A parte da conversa em que a alertaram sobre esse bairro ser horroroso ainda está bem fresquinha na minha cabeça.
Tanto que, essa é uma das razões do meu pai pensar um trilhão de vezes antes de liberar as visitas a Brie.
Particularmente, não acho tão ruim assim. Tirando a miadela dos gatos brigando no meio da noite, é até bem tranquilo.
Consegui convencer Brieta me deixar pelo menos secar os pratos enquanto ela terminava de lavar a louça.
A principio pareceu ser uma tarefa sem fim; aproveitei para contar o que eu havia escutado no banheiro feminino hoje de manhã. Sobre a Milie, sobre o Luther, sobre os pais do Luther se divorciando.
É estranho para mim, imagine para ele.
O Sr. e a Sra. Fischer demonstravam ser tão unidos. Em todas as vezes em que eu visitei o Luther jamais presenciei uma briga ou discussão, por menor que fosse, mas vai saber...
Eles trabalham juntos em um hospital no centro da cidade. Ela é cardiologista e ele neurocirurgião. Talvez o ambiente de trabalho possa ser estressante, com toda a correria e preocupações.
Disso eu entendo um tiquinho. Flynn nem se formou ainda e mesmo assim eu vejo a exaustão transbordando das suas órbitas quando ele vem me ver e conta da universidade, do curso. Não que não goste, meu irmão ama, segundo ele, não se vê fazendo outra coisa.
Inclusive e curiosamente, é o único assunto entre ele e Diana: Hospitais.
Ela é enfermeira instrumentista e é fascinada pelo que faz, e meu irmão deseja ser oncologista. Sempre esteve certo disso.
Acho que eu não herdei certas certezas que Fallow e Flynn possuem. Não mesmo. Acho que toda a confiança foi repartida entre eles, ficando escassa quando a minha vez chegou. É muito possível.
— Eu sei que você se preocupa com ele... Ele foi seu primeiro namorado e Blá-blá-blá... — Brie diz sobre o Luther, enquanto ensaboa os talheres. Ainda estamos falando sobre o ele. — Mas eu acho que você não deveria encher essa cabecinha com isso agora. Pelo o que eu bem me lembro, ele terminou com você sem se preocupar com os seus problemas.
Me arrisco a dizer que foi justamente por culpa dos meus problemas.
— Não foi bem assim... Ele disse que se sentia sufocado. Eu sufocava ele, Brie. E até entendo... Aquelas crises de ciúmes, todas as vezes que eu ficava ligando pra ele ou enchendo o saco porque achava que estava zangado comigo...
— Nem todas as crises de ciúmes eram neurose. Luther sabia como você era... ou é... Eu sei lá. Ele escolheu namorar com você e não tomava cuidado nenhum na hora de soltar piadinhas babacas pra te deixar insegura.
Mordo as bochechas e apoio o meu corpo em um dos cantos da bancada, encarando o guardanapo com um desenho de uma galinha usando bermudas. Bermudas.
— Não fica assim... — Ela pede fechando a torneira. — É a minha função xingar o seu ex-namorado, não me leva a mal.
— Não estou. — Ergo o queixo para encará-la. — É que... Eu nem lembro de ser tão ruim, sabe? Do jeito que você fala...
— Não seja por isso, a minha outra função como supermelhor-amiga é te ajudar a lembrar da roubada que você saiu. — Ela faz uma careta, ficando vesga.
— Ele que terminou comigo, Brie. — Comprimo os lábios para não rir.
— Ah, então pelo menos alguma coisa boa ele fez. — Torna a abrir a torneira para tirar a espuma das coisas.
É quando ouvimos o barulho de chaves na entrada, onde a porta é aberta segundos em seguida, revelando o Lionel segurando algumas bolsas.
— Lie! Ainda bem que você chegou... — Brieta solta um suspiro de alivio. — Tem como terminar o jantar? — Ela aponta para a carne crua numa vasilha e o macarrão no escorredor em cima da bancada.
— O.k. — Diz.
Não olhou para nenhuma de nós duas ainda e encarou o chão durante todo o percurso da entrada até a cozinha.
— Comprou o leite e o sal? — Brie questiona.
Lionel evidência as sacolas em mãos antes de colocá-las em cima da mesa com as chaves. Nos minutos posteriores, se livra da jaqueta jeans, dos fones de ouvido e das alças da mochila que afundavam os seus ombros.
Só depois disso ele correu os orbes até os meus e até a irmã.
— Tá tudo bem? — Ela pergunta baixo.
Ele apenas assente.
— Tá, eu só vou ter que voltar daqui a pouco. — Lie caminha até o geladeira empanturrada de imãs enfeitando a porta, para pegar a jarra com água. — Me pediram pra fazer hora extra.
— Avisou a mamãe?
— Uhum.
Ele está presente de carne e osso, mas não está realmente aqui. Sua mente vaga em algum lugar entre Londres e Plutão.
É difícil saber com certeza se está chateado com alguma coisa ou só cansado do trabalho. Talvez, chateado por estar cansado.
Embora o seu apelido seja literalmente "mentira", Lionel não tem costume de mentir para a irmã. Pelo menos, eu acho que não.
Ajudo a Brie tirar as compras das sacolas e ela retoma o assunto comigo:
— Mas então... A vida de ninguém é perfeita, você não deveria ficar se preocupando com a do Luther. Ele não tem mais nada a ver com você.
Luther. Falávamos dele.
Eu sei que ela está certa, mas a prática não tem sido simples como a teoria. Raramente é.
Em resposta, suspiro fundo e dou de ombros.
— O que aconteceu? — Lionel pergunta, recostando o seu corpo sobre a pia, depois de beber um copo d'água.
Ele deve saber um pouco sobre mim e Luther, não só pelo o que a escola inteira diz, mas porque Brieta e eu temos o costume de conversar na frente dele.
Brie costuma dizer que essa é a única parte boa do irmão não ter amigos, ele não ter para quem contar essas coisas.
— Parece que o Luther tá com uns problemas. — Explico meio por cima.
— Jura? — Lionel solta um riso súbito. — O papai cortou a mesada?
Meus olhos se arregalaram no mesmo instante. Eu não acredito que ele disse isso.
Mas é claro que ele disse. Ele é o Lionel; Lionel faz esses tipos de comentários.
— Credo, quanta apatia! — Não escondo o quanto o seu tom amorfo me incomoda.
— Apatia? — Levanta as sobrancelhas, incrédulo, talvez.
E Brie só assiste.
— É... — Engulo em seco. — Quando você é insensível e não consegue se colocar no lugar do outro.
— Sei o que o termo significa.
— Então... Também deveria saber que só porque as pessoas tem problemas diferentes não significa que são menores que os seus.
Ele morde o lábio inferior, apertando os olhos como se pensasse.
Quero acreditar que ele está pensando de verdade no que eu disse, e considerando, mas eu o conheço, e o conheço bem demais para saber que não.
Lionel está apenas fingindo, assim como eu deveria ter sabido que ele estava fingido se importar quando perguntou "o que aconteceu?".
— Certo... — Diz após um curto infinito. — É tocante, só está dizendo isso para a pessoa errada, Gandhi. — Não há um pingo ou uma fresta de remorso ou arrependimento navegando no seu olhar. — Eu não disse que os problemas do Luther são menores que os meus, só perguntei se o pai dele cortou a mesada.
— Num tom de deboche, Lionel. — Apoio minhas mãos na cintura.
Sem dizer nada a respeito, ele estala a língua e maneia sua atenção para a Brieta, na mais plena quietude.
— Eu não devia ter dito nada a você, você não sabe da história toda e fica desdenhando. — Bufo e solto os braços. — Nem sei porquê perguntou.
Me afasto deles sem dizer mais nada. Não quero mais falar com ele. Lionel as vezes me arranca o juízo, me tira do sério, e a Dra.Creed disse que eu se eu puder, devo manter distância do que faz meus neurônios borbulharem de raiva.
Cruzo o cômodo minúsculo até o corredor que dá acesso aos quartos, e entro num deles, mais especificamente no quarto da Brieta.
Ela o arrumou um pouco depois que chegamos do Georgiana. O quarto dela também não é tão grande, o lugar de paredes amarelas tem espaço para uma cômoda, um guarda roupa, uma cama de solteiro e para o colchão que colocamos no canto da parede no mais puro improviso.
Vou até o pé da cama, onde há uma tomada e onde meu celular está carregando. Tem algumas mensagens da Fallow, do Flynn e da minha mãe, ela diz que sente a minha falta.
Meu pai me ligou mais cedo, deve estar tranquilo, embora seja uma questão de tempo até meu celular começar a apitar só com as notificações dele.
Sento na cama da Brie, com a cabeça escorada na cabeceira e não demoro responder todo mundo.
Perguntei a Fallow se a mamãe já estava sabendo do noivado do meu pai com a Diana. A resposta eu já esperava: Não, minha mãe não sabe. Fallow não sabe como contar e tem medo que ela tenha alguma recaída.
Quanto ao Flynn, me avisou que vem me ver muito em breve.
Talvez eu devesse contar para a mamãe sobre o meu pai e a Diana. Talvez Fallow devesse fazer isso de uma vez. Talvez o Flynn... Flynn é ótimo com as palavras.
Na verdade. Eu sou. Eu também sou muito com palavras. Eu conheço muitas palavras. Posso usá-las como um quebra-cabeças, elaborar um bom texto explicando a situação, apenas para não aborrecê-la. Como? Como eu poderia fazer uso?
Minutos correram no relógio, talvez eu devesse voltar para a cozinha e oferecer ajuda.
Coloquei o celular próximo ao abajur da Brie, onde encontrei uma dessas embalagens de balas atrás dele. Ela adora esses doces, e eu não julgo, são muito bons.
Quando éramos crianças, comprávamos inúmeras dessas, dos mais variados sabores e passávamos boa parte dos recreios sentadas no topo do escorregador, enfiando o quanto conseguíamos na boca como dois esquilinhos, até as mandíbulas ficarem dormentes.
Sempre tive preferência pelas de melancia e ela pelas de morango, mas nenhuma de nós tivemos preferências pelas cáries.
Lembrar disso me faz sorrir por meio segundo.
Abro a caixinha de balinhas mentoladas e tomo um susto quando percebo que não são balinhas mentoladas.
Cacilda, cacilda, cacilda.
— Cabeça de Abóbora, não liga pro Lie ele só quer... — Ela trava na entrada do quarto quando vê o que eu tenho em mãos.
— Brie, isso é maconha?
A garota parece ver alguma assombração.
— Shi! Fala baixo. — Pede levando o indicador até a boca, se aproximando de mim e tirando a caixinha da minha mão. — Se meu irmão souber vai me dedurar pra minha mãe e a minha mãe vai me matar!
Ela vai até uma das gavetas da cômoda e esconde entre alguns sutiãs.
— Por que tá usando isso? É porcaria, Brie. Dizem até que mata os neurônios das pessoas!
— Isso é puro achismo. É mentirada, meus neurônios estão muito bem. Estresse mata os nossos neurônios, isso aqui me relaxa.
Eu não tenho como argumentar. É verdade, estresse mata os neurônios, mas a Brie não deveria estar se drogando.
— É tipo você com aqueles remédios que você diz te deixaram lelé. — Argumenta num tom de brincadeira.
— Não tem graça. — Sussurro de volta. — Eu não queria estar tomando esses remédios!
— Mas precisa deles.
— E, você precisa de um baseado? Se te pegarem você tá frita!
Brieta cruza os braços e desvia o olhar para a parede repleta de posters do One Direction.
Cruzo os braços igualmente, mas mantenho meus olhos fincados nela, enquanto o silêncio se apossa da situação.
— Eu vou tomar banho. — Ela diz, tornando a me encarar. — A gente pode conversar sobre isso depois que o meu irmão sair?
Engulo em seco e concordo com a cabeça a observando pegar uma toalha no guarda-roupa.
Ruth e Lionel devem trabalhar só para pagar os banhos longos da Brieta. Ela está quase há meia hora lá.
Talvez só esteja adiando uma conversa inevitável. Quero falar com ela sobre o que eu vi, quero entendê-la.
O tempo passa devagar, arrastado. Larguei a redes sociais e tentei ler, mas não tem funcionado. Não nesse instante.
Deixo a leitura de "Os irmãos Karamazov" de lado e tomo o caminho de volta para a sala.
Ouço um mero sussurro da televisão passando um comercial de geleia e só depois de me aproximar o suficiente, vejo Lionel dormindo no sofá.
Os fios dourados estão cobrindo boa parte do rosto, há um caderno de capa cinza debruçado sobre o seu peito, e celular está caído no chão. Deve ter adormecido sem querer;
A camiseta branca do Margueritte e a calça preta — já não tão preta assim — estão completamente amarrotadas. Espero que ele não leve uma bronca do chefe por causa disso.
Corro os olhos em volta e ele deixou o macarrão pronto em cima da mesa, também temperou e fritou os bifes.
É interessante ver como os dois deram conta da situação, da bagunça, de preparar o jantar. Desde que perderam o pai, eles tem vivido nesse corre-corre.
Brieta diz que de vez em quando, Lionel parece tentar preencher o lugar dele, como se sentisse responsável de alguma maneira, por elas, pelo o que aconteceu.
Sei que ambos fazem o que podem para ajudar a Ruth, mas confesso que me assusta. Parecem tão cansados. A maneira como Lionel dorme tão serenamente tranquiliza, e é a mais pura retratação disso.
Vagamente parece aquele menino magrelo, dos óculos redondos vitrinando o par de olhos verdes; Ainda me lembro das roupas largas e puídas, o fazendo parecer ainda mais magro; dos joelhos ossudos ralados ou sujos de terra.
Isso deve ter me encorajado a me aproximar do sofá.
Devagar, inclino o meu corpo para pegar o celular do chão, pendurado pelos fones de ouvido, e eu o coloco na mesa de centro.
É, estou perto do sofá, estou perto dele. Posso sentir o cheiro do perfume numa combinação curiosa com manjericão, sou capaz de ver uma manchinha ou outra nas bochechas, além de conseguir ler um post-it dividindo as páginas do caderno, numa letra quase ilegível.
"Nefelibata: Quem vive nuvens".
Repentinamente, vejo os dedos dele se moverem, depois as mãos, braços... Ele está acordando!
Pulo imediatamente para o outro lado da sala, o assistindo erguer o corpo de modo brusco e assustado.
— Merda. — Pragueja coçando os olhos, olhando tudo em seu entorno, incluindo a mim. — Que horas são?
Ignoro meu coração num ritmo muito acima do que o comum e recordo a mim mesma que tenho voz para responder.
— Quase oito.
— Ah... — Ele esfrega o rosto. — Eu vou me atrasar... Eu já me atrasei! — Parece extremamente aborrecido.
Ele se levanta, caçando as suas coisas.
Pega a mochila que estava em cima de uma das cadeiras da cozinha. Nela, ele guarda o seu caderno, em seguida, procura pelas chaves enquanto penteia o cabelo com os dedos.
Lionel se move de maneira tão frenética, tendo o seu corpo jogado para esse estado de alerta, que nem parece estar em solo terrestre. Caminha desesperadamente, vivendo nas nuvens.
Ele tateia os bolsos da calça e gira a cabeça procurando pelo celular, estou prestes a abrir a boca para dizer onde está, mas também há outra coisa que ele não enxergou imerso em tanta pressa.
Só que eu reparei, no líquido vermelho e espesso fazendo uma trilha pelo seu braço direito.
Minha mãe se cortou uma vez. Foi profundo. Foi depois de ter jogado uma garrafa de whisky contra a parede.
É difícil esquecer a mistura do cheiro do álcool misturado ao de ferrugem enquanto o sangue escorria pelos braços dela.
— Vo-você tá bem? — A minha pergunta faz ele desacelerar e me encarar.
Lionel junta as sobrancelhas, realmente não me entendeu.
— Tá sangrando. — Aponto.
Ele começa a revistar o próprio braço e solta um suspiro de frustração no segundo que vê.
— Acho que foi na hora que eu esbarrei no faqueiro. — Diz pegando um pouco de papel toalha em cima da geladeira.
— Como isso é possível?
— Só mais uma das minhas proezas. — Ele vai limpando como dá, o sangue já está até meio seco. — É só um furo, nem é fundo...
— Eu tenho... — Me aproximo em dois passos, beliscando o tecido da saia do meu vestido. — Eu tenho Band-Aid na minha bolsa se você quiser.
— Não, valeu. — Ele torna a dar voltas, terminando de limpar o braço e provavelmente procurando o celular.
— Pode acabar se sujando e vai manchar a camiseta.
— Eu trabalho num restaurante, Fire. Falo que é molho de tomate.
— Não tem graça! Pode inflamar... Acredite, eu sei bem que pode.
Ele encontra o celular, joga o papel toalha no lixo, logo após pega a sua mochila e a jaqueta.
— Eu vou sobreviver, prometo. — Meio que tenta sorri. — Avisa a Brie que eu volto umas onze.
Abro a boca para dizer alguma coisa, mas sou incapaz de fazer isso quando vejo Lionel dando as costas, caminhando em passos largos até a porta.
Acontece que, ele para. Lionel para antes mesmo de pensar em girar a maçaneta.
O garoto gira sobre os calcanhares, e finca os olhos nos meus, antes de levar sua atenção para o tremelique nos meus dedos.
Com os olhos arregalados, não digo nada. Nem saberia o quê dizer.
— Eu já estou atrasado mesmo... — Ele deixa a mochila escorregar para longe das suas costas e aproveita para relaxar os ombros. — Pega lá.
Indica com o queixo para os quartos e eu faço que sim.
— Um minuto! — Ergo o indicador, antes de dar pernadas até o quarto da Brieta, a senhorita de banhos intermináveis.
Sou eu quem corre e caça agora. Corro pelo curto corredor, caço minha bolsa pelo cômodo, caço a bolsinha de primeiros socorros, caço os band-ais dentro da bolsinha. Pego também o remédio que a Diana passa quando as feridas sangram.
— Antes que você diga alguma coisa, só tenho da Hello Kitty! — Eu digo quando já estou voltando para a sala.
Lionel está apoiando o peso do seu corpo no braço do sofá e segurando as suas feições para não rir.
— Não ri! — Peço abrindo o frasquinho do remédio e dando a caixinha de curativos para ele segurar. — Meu pai disse que era os últimos que tinha na farmácia.
Ele estende o braço para mim e tento ser cautelosa pincelando o lugar atingido pela ponta da faca.
Espero estar fazendo isso direito. Sempre assisti Diana e os outros enfermeiros, e pelo meu histórico precisei aprender a cuidar desses ferimentos bobos sozinha. Acontece que, em outra pessoa é diferente.
— Dizem que ela é do capeta. — Lionel comenta, analisando bem o desenho da embalagem.
Meus olhos oscilam entre a ferida e ele lendo o rótulo da Hello Kitty.
— É, eu não acredito nisso, mas a minha tia avó materna não iria me deixar usar. Nem isso e nem nada que ela achasse que é obra do tinhoso. Ela nem bebe e nem deixa ninguém beber Coca-Cola na casa dela.
O escuto rir num suspiro súbito.
Abano com as mãos para acelerar a secagem do remédio, não serve de grande ajuda, por isso, seguro meu cabelo com uma mão e aproximo o meu rosto do braço dele, assoprando devagar.
Eu não sei se isso o incomoda, talvez sim, Lionel apruma a postura e passa a encarar outro lugar. Provavelmente extrapolei a minha cota de constrangimentos e esbarrões relacionados a Lionel Wyatt no dia de hoje, e não estou intencionada a agravar a minha situação.
Contudo, seu braço permanece estendido e seus dedos acabam tocando a lateral do meu corpo, traçando uma linha suave até os meus cotovelos.
Paro de assoprar, sou eu quem move os ombros dessa vez.
O som da água do chuveiro caindo parece aumentar a esquisitice da situação.
— Eu não quis soar daquele jeito sobre o Luther. — Diz me entregando a caixa dos band-ais, de onde eu tiro um.
Eu deveria acreditar nisso? Talvez seja verdade, talvez não, mas ele nunca gostou muito do Luther.
— Tudo bem... Já foi. — Falo só para encerrar esse assunto. Quanto mais eu evitar desdobramentos melhor. — Prontinho.
Não ficou tão ruim assim. Rosa meio que combina com tudo, não é muito difícil combinar com o Lionel.
Quando é verão e as nuvens não são capazes de tapar os raios de sol, as bochechas e o topo do nariz dele costumam ficar mais rosados. E combina. Eu acho que combina.
— Obrigado, Fire. — Me fita, erguendo o canto dos lábios.
E seu sorriso cresce enquanto ele analisa o braço.
Ele devia sorrir mais vezes.
— Não há de que. — Comprimo os lábios numa linha reta.
Lionel passa por mim, veste a jaqueta e torna a colocar a mochila nas costas.
— Pra fazer ela sair de lá é só desligar a água quente. — Me avisa sobre a irmã antes de fechar a porta.
Olá cabras salamândricas apocaliptianas! Apareceu a margarida!
Nay Nay pede desculpas se o capítulo está horroroso ou mal escrito. Eu estou há meses com ele pronto, mas não tinha coragem pra postar, não sei porque.
Estou lendo pouca ficção e já ficando maluca com o Freud, então me desculpem mesmo qualquer coisa.
Como eu disse, eu só estou escrevendo, quando eu resolver revisar mudo o que me incomoda e é isso.
Mas o que vocês acharam?
Querem mais capítulos?
O que acharam da Fiorella nesse capítulo?
E da Brieta?
Ela é maconhada?
O que acharam do Lionel?
Foi apático quanto ao Luther?
O que acha que rolou entre Fire e Luther?
Da fire colocando bandaid da Hello Kitty no Lie?
Me contem aí.
O que esperam dos próximos capítulos?
Talvez eu ainda poste alguma coisa esse ano, mas, por guia das dúvidas. Tenham um feliz Natal e um feliz ano novo!
Alguns trequinhos existentes a décadas:
Essa ilustração acima e estava começando a praticar cenário, então não me julguem, hein kkkkkk
Próximos capítulos explanados:
Por hora é só... Vejo vocês muito em breve de Deus quiser. Beijos e salamandras!
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