ᴄᴀᴘíᴛᴜʟᴏ 17
Vida.
Vida.
Vida.
Aquela palavra já estava começando a me irritar, de tanto que ela se repetia em minha mente, sem fim. Como uma forma de tortura, parecia me deixar completamente maluca cada vez que aparecia.
Quando a claridade foi baixando e eu finalmente consegui enxergar novamente, tirei os braços da frente dos meus olhos devagarinho, tentando mantê-los em um ângulo que pudesse me proteger. Do quê? Eu não fazia a menor ideia. Mas seja lá quem havia me trazido para cá, com certeza esperava ver o meu choque.
Eu lembrava daquele lugar. Minha casa sempre foi próxima a um campo de flores e eu sempre adorei andar com minha bela bicicleta turquesa por entre as vielas simples de terra batida para chegar até aquela visão.
Tudo parecia estar igual. Pisquei lentamente ainda tentando me acostumar com a luminosidade. A grama esverdeada como esmeralda brilhava intensamente, expelindo seu cheio doce e confortável. A terra úmida e as árvores com folhas barulhentas por causa do vento suave e refrescante. O sol ardendo no céu, logo acima da minha cabeça. Tudo parecia exatamente como era antes. Como era no exato dia que o acidente aconteceu.
– Olá – ouvi uma mulher dizer.
Quando me virei, me senti em choque. Minha mãe estava ali, a poucos metros de mim. Com seu longo cabelo louro e olhos verdes como os meus. A mesma expressão leve e tranquila de quem já viveu de tudo, a mesma postura confortável e reta.
– Mãe? – perguntei, a voz falhando no final.
– Oh, não, minha querida – respondeu a mulher, quebrando toda a expectativa que eu havia criado até ali. Ela fez uma expressão culpada de quem brinca com sentimentos alheios, mas duvido que sequer se importasse. Meu peito doeu ao entender a falsidade que ela estava propondo.
Me coloquei em uma posição que mais representava a defesa, preocupada com quem ou o que essa duplicata da minha mãe poderia significar.
– Então, quem é você? – questionei entredentes. Preparada para qualquer ataque.
– Você não vai me atacar. Sabe que é só uma simples peça nesse vasto universo – retrucou a mulher, olhando-me com intensidade aterradora de quem sabia tudo. Seu olhar, assim como o de Morpheus, brilhava em um tom diferente da cor da íris, mas enquanto Morpheus possuía um dourado felino, este mostrava um prateado etéreo.
– Quem é você? – perguntei novamente, com mais ênfase.
Procurei uma forma de escapar dali, mas parecia que meu caminho estava fechado. A rua, de um momento para o outro, sumiu, nos deixando apenas um espaço de terra cercado de árvores. Arfei com medo daquilo. Senti meu corpo tremer levemente com a ansiedade da prisão que estava sendo colocada.
– Por favor, Zoe, tem certeza que não se recorda de mim? – a mulher com o rosto de minha mãe me fitou fazendo biquinho. Ela parecia curiosa por cada atitude minha.
– Não. Quando eu a vejo, só lembro de minha mãe – retruquei.
– Preste atenção, Zoe, nos detalhes que não está enxergando de verdade – então, ela chegou mais perto, me fitando de forma cada vez mais ameaçadora.
Levantei o olhar e a encarei. Fitei o fundo dos seus olhos enquanto ela fazia o mesmo comigo. Não. Aquela não era minha mãe. Definitivamente. Mas então, quem era? Quem era minha mãe? Minha cabeça começou a doer como se uma tonelada de pensamentos estivessem caindo juntos em cima de mim.
Pisquei algumas vezes, confusa.
– Pense, Zoe – disse ela. – Quem sou eu, pequena vida?
– Eu não... eu não sei...
Meu corpo parecia se negar a responder aquela questão, como se não quisesse me contar uma resposta que eu já sabia.
– Lembre-se daquela tarde ensolarada, aqui, neste lugar tão bonito e especial. Lembre-se do que aconteceu – continuou a mulher.
– Como você sabe disso? Quem é você? – repeti pela milésima vez a pergunta.
A mulher então deu mais um passo em minha direção, quase mergulhada em fúria, sem tirar os olhos dos meus. O brilho pálido que suas íris emitiam me deixavam zonzas, como se liberassem algum tipo de droga. Ouvia meu coração batendo intensamente. Tu tum. Tu tum.
– Diga-me você, Zoe, quem é você? – sua voz era quase um sussurro.
– Eu sou a Zoe – respondi simplesmente, como se fosse óbvio.
Tu tum. Tu tum.
– E quem sou eu? – perguntou novamente.
– Não sei – respondi.
Tu tum. Tu tum.
– Quem. Sou. Eu? – perguntou ela pausadamente.
– Eu não sei – respondi novamente, já frustrada.
Tu tum. Tu tum.
– VAMOS ZOE! QUEM SOU EU? – gritou ela em minha frente, inclinando-se por ser mais alta, me fazendo tremer.
Minha cabeça começou a latejar ainda mais forte. Eu queria saber quem era ela. Queria relembrar da história daquele dia. Queria muito saber o que tinha acontecido comigo e com a minha mãe. Então, tentei fechar os olhos para fazer a dor passar e quem sabe a memória voltar.
Foi quando eu senti. O choque. A surpresa.
Eu me lembrei de detalhes que ainda não haviam chegado em minha mente. De quando eu fui levada para aquele lugar frio, branco e cálido, cheio de médicos e enfermeiros. Eu lhes falava sobre o dragão no campo de lavanda e como ele parecia brilhar como ouro puro, falei-lhes das aves com cabeças e cobra e tigres com asas. Das flores coloridas e brilhantes.
Ninguém havia me escutado. Ninguém havia me levado a sério.
Senti a picada da agulha, minha mente se anuviando e as memórias se confundindo e se perdendo entre outras milhares. O quarto girava e se alterava, como sonhos perdidos na realidade. Então, foi como se eu me enxergasse de fora, como se estivesse desconectada do meu corpo.
Senti meu corpo sendo puxado, sugado para outro lugar. Fui arrastada para longe, o campo de lavanda sumiu e o dragão também. O dia virou noite e as estrelas começaram a surgir suavemente em um céu esplêndido. Tudo brilhou por um segundo, tornando-se apenas um borrão, me deixando completamente cega.
Percebi que havia mais alguém ao meu lado naquele instante, uma coisa, uma pessoa ou algo mais.
Sua silhueta brilhou.
– Se lembrou, não foi? – ele me questionou.
Naquele dia, foi a primeira vez, antes desta, que fiquei frente a frente com o Criador.
– O futuro da humanidade lhe aguarda – disse ele naquele dia, antes de me empurrar para o mundo dos sonhos onde Morpheus me encontrou. – Desperte-se!
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