UM - Por Rosa
Rosa
Os boatos correram no ano anterior sobre o Circo Minguante. Falaram sobre as tendas em seu interior serem mágicas. Alguns chegaram a afirmar que algo mudou suas vidas. Tentei me convencer de que não era para tanto, mas agora, ali dentro, a vibração mística que ele emanava tocava meus poros. Ou talvez, fosse apenas o medo do que me aguardava em uma tenda específica.
Caraca, parece que eu entrei no Céu!
Olhei para cima ao entrar. Estrelas artificiais salpicavam o teto da lona violeta em toda a extensão do Circo Minguante.
Esperei que os olhos se habituassem à luz negra. Uma aura mística vinha do tom arroxeado que se espalhava em uma iluminação difusa. Meu êxtase com certeza foi ampliado pelo cheiro de incenso, o aroma me lembrava de rosas.
Suspirei admirada, mas o terror pelo que me aguardava logo voltou. Bastou reparar nos traços fosforescentes no chão, que delineavam o caminho das tendas e serviam de indicação para a entrada de cada uma delas.
Descobri muito rápido que o percurso até o meu destino era curto. Cada movimento dos pés equivalia a um minienfarto. Parei a certa distância da entrada e li as letras brilhantes no alto:
"Tenda do Beijo"
Pode parecer exagero, mas planejei isso por algum tempo, ansiei por esse momento. Só que agora, a ideia parecia boba e sem sentido. Quem passa um ano esperando o dia do primeiro beijo? Isso não deveria acontecer com data marcada. Chegava a ser meio patético e não tinha nada de romântico. Nem perto do nível épico de Rose e Jack na proa do Titanic. Sem pôr do sol, sem palavras carinhosas, sem olhar apaixonado. Somente um lábio tocando o outro, por um segundo ou dois, e adeus.
Eu precisava me manter calma. Conter a ansiedade. Inspirar. Expirar. Relaxar e pronto. Afinal, as pessoas faziam isso o tempo todo. Logo, devia ser bom. Na verdade, se eu fosse levar em conta a maioria dos filmes, devia ser ótimo.
É isso, Rosa. Você já veio. Agora deixa de ser ridícula e aguenta.
Juro que me esforcei. Mas as mãos suavam frio. O estômago se remexia tanto, que imaginei um Alien lá dentro, revirando minhas entranhas.
— Anda, Rosa! Tem gente na fila atrás de mim! — Isis, a amiga PHD em insistência e responsável por me colocar na furada, me empurrou com a sutileza de um rinoceronte em direção à tenda.
— Se eu não morrer por enfarto, a primeira coisa que vou fazer ao sair da tenda será te estrangular.
— Sei. Vai é me agradecer depois. — Isis engoliu o terceiro brigadeiro e abriu um sorriso do tipo: você vai me agradecer depois.
As meninas da nossa frente conversavam e me arrependi de ter ouvido o que uma delas falou, precisei respirar fundo algumas vezes. O Alien voltou a se revirar pela área do meu estômago.
— Isis — me virei de frente para ela e a segurei pelos ombros — Ouviu o que a garota falou ali na frente? Se meu suposto par tiver interesse, ele vai me ofertar a rosa de plástico. Ou seja, ainda corro o risco de ser rejeitada. Re-jei-ta-da! Entendeu?
Ela ergueu a sobrancelha e me encarou com ar de desdém. Insisti desesperada, precisava convencê-la a ir embora:
— Não vai falar nada? Sabe meu pai? A pessoa calma como uma bomba que você conhece? Ele vai voltar da barraca de caipifruta daqui a pouco, vai me procurar na roda gigante onde eu menti que estaria, e quando não me encontrar, vou virar petisco de pombo!
— Ô exagero! Nem vou dar corda. Anda logo.
Faltavam quatro pessoas até chegar minha vez.
Calma Rosa. Você está surtando. Isso. Move a perna. Direita. Esquerda. Inspira. Expira.
Agradeci mentalmente pela luz arroxeada. Minha cara de pânico não devia estar nada boa. Mordi a língua.
A verdade era que a culpa da furada poderia ser considerada oitenta por cento pela minha burrice e vinte por cento, pela insistência da Isis.
A fila andou de novo. Dei mais um passo. Como uma condenada caminhando para o enforcamento.
Aí Senhor! E se meu par entrar, me ver, e decidir ir embora?
Vou correr esse risco de ser assassinada por meu pai, por nada?
Acima de tudo, eu também não queria enganá-lo. Ele fazia de tudo por mim. Isis me cutucou de novo.
— Que foi?! — Olhei para ela com um tambor batendo no peito.
— Andou de novo, Rosa. Presta atenção!
— Estão te pagando pra organizar a fila por acaso? - Aí! Só faltam duas pessoas agora! — Tô nervosa. Acho que não vou entrar mais não.
— Ah, vai! Não fiquei duas horas esperando até comprar os ingressos por nada. — Isis me empurrou de leve e dei um minipasso para frente.
— Meu pai vai fazer patê com meu pâncreas.
— Então faça sua morte valer a pena. Olha só o gatinho na fila masculina!
Olhei para onde ela apontou. Até parece que eu ganharia na megasena. Era o mesmo que tínhamos acabado de ver dando um beijo cinematográfico em uma sortuda, antes de entrarmos no Circo Minguante. Perdi de novo o fôlego ao olhar brevemente o rosto dele. Mesmo com a luz baixa, dava para ver que era anguloso e bem desenhado, com os traços esculpidos por deuses. Tinha os cabelos lisos e negros perfeitamente bagunçados e exalava aquela aura irresistível de perigo. Usava uma jaqueta de couro preta com uma espécie de emblema bordado no ombro. Igualzinho ao Tom Cruise no Top Gun.
Mas ele não acabou de beijar uma lá fora? E já veio para a fila da tenda do beijo?
Credo!
Senti a calça vibrar e dei um pulo. Era meu celular e só podia ser uma pessoa. Tirei o aparelho do bolso, olhei a imagem na tela e só piorou. Mostrei a imagem do sabre de luz vermelho e os dizeres Dark Lord para Isis, como se dissesse: a culpa é sua!
— Oi pai.
— Oi filha. Já comprei a caipifruta e estou aqui na barraca de antes, cadê você? AINDA na roda gigante? — Ele já soava como um detetive.
— É. Tá a maior fila. Umas sessenta pessoas na minha frente. Acho que vai demorar.
Ele ficou em silêncio e comecei a roer as unhas. Se eu fechasse os olhos, podia ver direitinha a expressão franzida que ele fazia por trás dos óculos quando ficava desconfiado.
— Por que o silêncio pai? Tentando usar seus poderes Jedi à distância? Com o celular vai dar interferência.
— Não faça nada para despertar meu lado negro, Skywalker. — Ele soou quase mesmo com o Darth Vader.
— Sou eu quem trará o equilíbrio à força, não esqueça. — Me esforcei para disfarçar o pânico na voz.
— Quero você aqui de volta na barraca de doces em dez minutos.
— Sim, mestre.
Brinquei para disfarçar o pré-ataque cardíaco, guardei o celular no bolso da calça e quase tive um ataque de verdade, ao perceber que havia chegado minha vez. Fitei a cortina de veludo negro que me separava do meu destino e suspirei. Mais um passo, e eu mergulharia na Tenda do Beijo.
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