TRINTA E OITO - Por Rosa
Não acredito que deixei mesmo a Isis me arrastar! Em vez de ficar e organizar a zona emocional que se instalou dentro de mim, fui parar ali. No meio de um feriado romântico, entre minha amiga e Valente.
Faziam uns 219 graus e eu precisava de água desesperadamente, ainda mais depois do safari que fizemos para conseguir chegar. Larguei a mochila no chão da recepção e botei a língua para fora. Me sentia um camelo no deserto.
Uma hora no ônibus de Itaipava até o RJ, mais quatro horas para chegar em Paraty. Um barco, um trem, um avião e uma charrete para chegar em Trindade. Além do trajeto de canoa e pau de arara, para completar, a pousada era um chiqueiro.
Eu devo ser sadomasoquista.
Isis apresentou o cupom ao recepcionista, que nos olhou de um jeito que jamais me faria esperar boas notícias.
— Vocês estão no quarto 106. Lamento pela inconveniência, mas a pousada passou por uma reforma recentemente e estamos sem ar condicionado.
Fuzilei Isis enquanto voltava a segurar minha mochila. Ela não deu a menor bola. Seguiu o recepcionista, toda animada, o que só me deixou com mais raiva.
—Não tem problema. Ainda vamos fazer a trilha para a Pedra que Engole. —Disse a doida com a maior naturalidade.
—Quem vamos? — Por pouco não gritei. — Pirou, Isis? Eu mal cheguei e já tô quase morrendo.
— Não começa, Rosa. Vai preferir ficar enfiada nesse cubículo?
Isis apontou para a porta aberta pelo recepcionista. Olhei para o quarto e quase chorei. Uma beliche de madeira visivelmente roída por traças com colchões puídos nos aguardava para uma péssima noite de sono. O cheiro de poeira me fez espirrar.
O recepcionista pediu licença e se retirou.
— É agora que aparece o apresentador atrás da TV dizendo que isso é uma pegadinha, Isis?
—Ô garota exagerada.
—Deviam me pagar pra dormir aqui. Não é possível. – Joguei a mochila na cama de baixo. — Já que você me botou nessa furada, você dorme na de cima.
— Tá bom. — Isis deu de ombros.
O bom humor excessivo dela obviamente se dava ao fato de suas fantasias românticas com Valente. E o meu péssimo estado de espírito, obviamente, se manifestava pelo mesmo motivo.
O que eu vim fazer aqui?
—Vai botar o biquíni, Rosa. Vamos curtir esse solzão.
Abri um sorriso azedo para ela enquanto preparava uma bolsa para a trilha. Fechamos a porta do chiqueiro e voltamos à recepção, e só então vi a geladeira atrás do balcão. As garrafas d'água reluziram como moedas de ouro. Praticamente virei três delas antes de iniciarmos o trajeto nada simples até o começo da trilha.
Isis pediu informação a meia dúzia de pessoas e perdemos uma meia hora só nisso. Atravessamos o rio que desembocava na praia do Meio e andamos um pouco para o lado direito até que encontramos uma entrada, onde o rio avançava num pequeno canal para dentro da mata. Eu me sentia rodando em um labirinto e só pensava numa cama fofinha dentro de um quarto com ar condicionado e banheiro. Ah, se eu pudesse voltar no tempo... Minha bexiga começava a dar sinal de vida, e eu não avistava nenhum sinal de trilha.
Pra que fui beber tanta água?
Alguns muitos passos depois, avistamos uma placa indicativa do início da trilha. Mal havíamos pisado no caminho de terra e eu já suava.
— Credo. Aqui está tão quente que Dante Alighieri precisaria de desodorante 24 horas.
— Quem? — Isis andava na frente.
Parecia até que tinha o hábito de escalar montanhas, pela sua disposição física.
— O autor do livro A Divina Comédia. — Apoiei a mão no joelho para tomar fôlego. — O personagem faz uma jornada espiritual pelos três reinos do além-túmulo. Inferno, Purgatório...
—Você e suas comparações loucas! Eu tô curtindo. Vou aproveitar e pegar um bronzeado. Você não cansa do clima de Itaipava?
— Não. — Rosnei ao escorregar em uma pedra. — Tá vendo porque eu detesto trilhas, Isis? Sou um imã pra desastres! E nunca tem banheiro. — Acrescentei quando minha bexiga começou a doer.
— Óbvio que não tem banheiro, sua maluca. A graça é a natureza. — Isis parou para me esperar e tirou um sanduíche da bolsa.
— E como eu faço xixi, posso saber?
— Olha quanto mato aí, Rosa. — Isis apontou para uma moita atrás de mim e riu.
— Tomara que a pedra te engula e nunca mais devolva.
— Anda. Vai um pouquinho pra trás da moita fazer xixi enquanto eu vigio — acrescentou com a boca cheia do sanduíche que devorava.
— Vou ter que ir né? No desespero que eu tô...
Eu detestava mata fechada. Sempre aparecem animais selvagens ou psicopatas em filmes quando a garota fica sozinha.
Andei alguns passos para dentro depois de atravessar a moita. Me certifiquei de gravar o caminho para conseguir voltar. Havia esquecido desse detalhe.
Eu não tenho o menor senso de direção!
E não levei nenhum miolo de pão para espalhar migalhas estilo João e Maria.
Agachei sobre uma pedra em um cantinho onde ouvi o som de água corrente. Pelo menos meus vestígios não ficariam ali. Eu já acabava com meu martírio, quando um rosnado me fez congelar. Fiquei parada com o short jeans arreado.
Eu sabia que alguma coisa apareceria!
Levantei correndo. Não ia ficar para descobrir do que se tratava. Pela distância do barulho, talvez eu tivesse alguma chance. Fiquei tão nervosa que pensei que vomitaria as tripas. Refiz o caminho de volta o mais rápido que pude, mas Isis não estava lá.
—Aí, não! Isis!
Lembrei que minha bolsa de praia havia ficado com ela. Com meu celular, meu almoço, meu filtro solar. Girei 360 graus. Ela não me deixaria sozinha no meio da trilha. Tinha alguma coisa errada. Observei o caminho e notei algo diferente. As árvores também não pareciam as mesmas, estavam mais espaçadas.
Eu havia saído pelo lugar errado. Eu estava perdida!
O que é mesmo que sempre dizem ser o certo a se fazer quando nos perdemos?
Ficar parada. É isso. Vou ficar aqui.
Mas se ninguém se move, como as pessoas se encontram? Droga!
Calma Rosa.
Devia ser quase uma hora da tarde. Isso me daria algumas horas antes do anoitecer. Pelos meus cálculos, havíamos andado uns quarenta minutos na trilha. Eu só precisava retomar o caminho certo e voltar ao centro da cidade.
Mas e se eu descesse e acabasse em uma cachoeira cheia de moleques pervertidos? Eu devia subir, então? E se isso me deixasse ainda mais distante de Isis?
Jesus!
Só de imaginar, as pernas tremeram. Será que eu já estava com sintomas de insolação? Ou isso era desidratação? Não seria de todo ruim. Melhor morrer desidratada do que devorada por algum predador.
Subi a passos de lesma. Perdi a noção do tempo e comecei a me desesperar cada vez mais. Não havia nada além de mato dos meus dois lados. À minha frente, apenas uma subida interminável. Meus braços já estavam todos picados por mosquitos e o estômago manifestava o primeiro sinal de fome.
Que buraco é esse onde me enfiei?
Enxuguei o suor com o dorso da mão e suspirei. Minha garganta queimava pelo esforço físico. Cheguei a uma espécie de bifurcação e parei. À esquerda, a ladeira continuava, e se eu não estivesse errada, com ainda mais inclinação. À direita, um estreito caminho de terra.
Andei alguns passos por ele, já que o outro com aquela subida eterna não me levava a lugar algum. Não me distanciei muito, assim poderia retornar, caso precisasse. Até que o som de água caindo me encheu de esperança.
Cheguei a uma clareira onde uma cachoeira jorrava com força dentro de uma piscina natural. Estava deserta. Ao menos eu daria um mergulho para aliviar o calor e as picadas de mosquito.
Descalcei a rasteirinha e subi em uma pedra, pronta para pular. Meu pé escorregou no limo e quando pensei que fosse rachar o crânio, alguém me segurou por trás. Caímos os dois sentados no chão de terra antes das pedras. Virei o rosto e por pouco não tive um troço com a surpresa.
Valente. De bermuda, sem camisa, com aquelas tatuagens aparecendo e aquele abdômen quadrado perfeito, eu teria caído de novo se não estivesse sentada.
Ele riu alguns instantes, provavelmente da minha quase queda.
— O que você está fazendo aqui, Isabela?
— Longa história. Eu vim arrastada. — Bufei.
Bruce se aproximou e lambeu minha bochecha.
— Eu apostaria que você está perdida. —Valente saiu de trás de mim e levantou.
— Claro que não estou! — Cruzei os braços, convicta.
— Ah, então me diz: qual é o nome dessa cachoeira?
Mordi a língua e o encarei, séria.
— Vem – ele me puxou pela mão. – Minha cabana fica aqui perto. Se você andou o quanto acho que andou, deve estar no mínimo com fome.
Meu estômago fez um movimento semelhante ao de plantar bananeira com a oferta de Valente. E não tinha nenhuma relação à falta de comida.
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Olá meus amoresss, desculpem pela demora, estou sem computador em casa, postando o capítulo novo aqui do trabalho. Temos mais um capítulo a seguir.
O que será que acontece se unirmos em uma frase as palavras: Cabana, Rosa e Valente?
Ui! Vamos descobrir!
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