TRINTA E DOIS - Por Rosa
Entrei no carro e somente quando a adrenalina passou, meu corpo pareceu reagir a gravidade da situação. Respirei fundo algumas vezes na tentativa de diminuir a tremedeira porque o pior ainda não havia passado.
Precisava falar urgentemente com meu pai. Meu coração esmurrava as costelas. Eu estava indignada. Assustada. Revoltada.
Arregalei os olhos quando a pessoa no banco da frente virou o rosto para trás e me encarou de cara feia. O que Isis fazia ali?
Eles saíram juntos?
Eu não tinha tempo para aquele drama no momento. O celular balançava na minha mão trêmula, cheguei a discar o número errado antes de conseguir digitar corretamente.
Se meu pai estivesse no aeroporto, eu não teria outra saída. Precisaria contar o que Gastão fez e o avisar da cilada. Disquei de novo para Dark Lord na agenda. Ouvi aflita o telefone chamar quatro vezes, meu Deus, se ele não atendesse, se ele não atendesse...
— Oi, filha.
— Pai — levei a mão ao peito e suspirei. — On...de vo...cê tá?!
— Indo para a rodoviária. Que aflição é essa, Rosa? O que aconteceu?
Levei alguns segundos para responder. Enfim, a calma voltava a circular no meu sangue. Isis me olhava como se eu tivesse enlouquecido, e Valente mantinha o olhar vigilante e a expressão preocupada pelo retrovisor.
— Ah, nada, pai. Queria saber se quer que eu compre o jantar — inventei na hora.
— Pode comprar qualquer comida, filha.
— Espera um pouco. A Grão Puro não cobre o traslado do aeroporto? — resolvi sondar.
— Ah, quem me dera ter essas regalias.
Me joguei no banco e soltei o ar com força. Foi um blefe.
Desgraçado! Se eu fosse um homem forte, ia quebrar a cara dele!
Valente me fitou pelo espelho retrovisor enquanto seguia o trajeto até a minha casa. Murmurei um: obrigada. Ele assentiu, sério. As sobrancelhas grossas e unidas lhe conferiam um ar de preocupado, nervoso.
Mais uma vez ele me salvou. Eu não sei o que teria sido do drive-in em diante. Meu corpo voltou a tremer quando revivi as cenas de pouco tempo atrás. Aquele monstro tentando me beijar à força, seu olhar asqueroso sobre meu corpo quando abriu a porta do carro, e o esclarecimento assim que entrei em seu conversível:
"Eu não vou te dar flores, Rosa. Não serei romântico com você. Vou te pegar com força, de um jeito que você nunca mais irá esquecer."
E seria isso mesmo o que ele faria. Eu não queria nem imaginar onde estaria agora se não fosse pela aparição de Valente.
O bufar de Isis me tirou do transe, reparei que ela tinha os braços cruzados e olhava fixamente para a frente. Sequer falou comigo, e só então reparei que ela usava o vestido azul. A minha roupa de ocasiões especiais.
Céus, ela está mesmo querendo o Valente!
E com raiva de mim, pelo visto.
Eu, hein?
Valente estacionou o carro na entrada da minha casa. Quando abri a porta, ele já me esperava do lado de fora.
— Você está bem?
Meneei um sim. Suas safiras cheias de carinho e ternura me deixaram zonza demais para dar alguma resposta coerente.
— Ouvi você dizer alguma coisa sobre comprar o jantar. — Ele pigarreou, parecia meio deslocado entre nós duas ali. — Vou comprar e já volto, tudo bem?
Seu tom de voz suave fazia carícias em minha pele. Percebi com o canto dos olhos que Isis nos observava da janela. Eu sabia que poderia dispensar a ajuda dele, mas eu continuava sozinha em casa, e minha amiga não demonstrava nenhum interesse em descer do carro.
— Tudo bem. Obrigada.
Valente voltou para o banco do motorista e me perguntou da janela:
— Alguma preferência?
— Qualquer coisa fácil de preparar.
— Ok. — Ele concordou e se virou para Isis. — Você pode ficar com a Rosa enquanto eu vou comprar comida?
Isis abriu a porta e desceu cuspindo fogo pelos olhos.
Valente abriu um sorriso charmoso demais para as pobres forças de minhas pernas e saiu com o carro. Andei até o portão e entrei. Isis ficou parada ao lado de fora.
— Vem, Isis. Preciso sentar, estou meio zonza.
Sem responder, ela passou por mim ainda bufando.
Sentei no sofá e massageei a têmpora. Uma enxaqueca brutal começava a se instalar.
— Por que você não pede para ele te fazer uma massagem, também? — Isis jogou uma almofada em cima de mim no sofá.
— Oi? — Fitei-a incrédula. Precisei conferir se não ela não estava possuída pelo espírito de Carrie, A Estranha.
— Não sei se você percebeu, Rosa. Eu estava no meio de um encontro. — Pela cara de fúria dela, a qualquer momento alguma coisa de vidro se quebraria e me atingiria direto na artéria aorta.
Fiquei louca para perguntar o que os dois faziam no drive-in, e principalmente o que fizeram dentro daquele carro, mas não dei o braço a torcer. Só de imaginar, quase tive uma crise de nervos.
— Não acredito que tô ouvindo isso, Isis, logo agora.
— É, logo agora. Logo agora que podíamos continuar o encontro, mas não vamos, porque ele saiu pra buscar o seu jantar!
— Foi ele que se ofereceu pra comprar! E não sei se você percebeu, mas estou péssima!
— Você podia ter dito que não precisava. Se não tivesse aceitado, eu e ele só deixaríamos você aqui e iríamos embora.
— Desculpa se ser agarrada à força atrapalhou seus planos românticos com seu novo chefe. — Fiz questão de ser bem sarcástica. — Da próxima vez que eu sair com um psicopata, vou tentar ficar longe de você, pra não te atrapalhar. Que grande amiga você é!
Eu não acredito que essa discussão está mesmo acontecendo. Isso só pode ser um pesadelo!
— Olha só quem fala. E como fala: Seu chefe. Fica aí me acusando. E você que dormiu no castelo? — Ela continuava de pé, agindo como uma louca, e como se a minha casa fosse um ambiente inóspito.
— Você nem sabe por que, né, Isis? — Balancei a cabeça. — Está com tanto ciúme que foi incapaz de me perguntar antes de me julgar.
— Você é que está com inveja porque peguei o horário da manhã na biblioteca.
— Isis, você enlouqueceu. — Tentei soar mais calma. — Sério. Fui eu que pedi pra trabalhar meio período.
— Ah, claro! E como o Valente é caidinho por você, faz todas as suas vontades. — Ela concluiu a frase e pegou uma almofada no sofá, depois enterrou seus dedos no tecido.
— Está querendo dizer o quê, Isis?
— Me poupe dessas mentiras, Rosa!
Isis jogou a almofada em mim, me deu as costas e bateu a porta da minha casa. Como se não bastasse toda a injustiça que cometia, resolveu voltar e falar com o rosto entre a fresta:
— Bom jantar pra vocês!
Fiquei ali engasgada, com vontade de quebrar alguma coisa. De gritar. De chorar. Minha vida estava se transformando numa soma de desastres. Eu sobrevivia, respirava, e vinha outro. Sequer tinha tempo de me recuperar. Isis sempre foi minha melhor amiga. Desde que me entendo por gente. Como podia fazer isso comigo? Qual foi a vez que eu menti para ela? Ser acusada assim foi muito injusto, e completamente sem motivo, nunca, nunca imaginei que ela pudesse fazer isso comigo.
Ainda mais logo depois de quase ser agarrada à força por Gastão. Isis sabia de todas as histórias. Conhecia o medo que eu sentia dele. Onde estava o apoio dela no momento que eu mais precisava?
Inacreditável.
Eu precisava mesmo dar o fora de Itaipava. Conseguir a bolsa na faculdade de cinema em São Paulo e nunca mais colocar os pés na cidade.
Isis ia ter que fazer um belo pedido de desculpas, caso esperasse me chamar de amiga alguma outra vez na sua vida.
Posso ser coração mole, mas também não sou idiota.
Lágrimas escorreram de meus olhos contra a minha vontade.
Ouvi duas batidas na porta e entrei em pânico. Se fosse meu pai, eu precisaria inventar uma desculpa muito boa para a minha cara de acabada.
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Gennnnnte, eu já tô ficando com pena da Rosa, e vocês?
Beijossss e até segunda!
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