TREZE - Por Rosa
Rosa
"Qualquer um pode entrar na sua casa, sabia?"
A ameaça de Gastão me desnorteava quando cheguei incrivelmente viva na minha sala. E se ele tivesse me seguido? Ou pior, decidisse aparecer de madrugada e me pegar de surpresa?
Eu não conseguia relaxar. Liguei a tevê da sala e sentei no sofá. Imaginei que por estar mais próxima da porta, estaria mais segura.
Então lembrei das janelas. Levantei e coloquei um copo de vidro em cada uma delas de forma estratégica, se alguém tentasse invadir, o copo quebraria e o som me alertaria. Perdi a noção de quanto tempo andei pela casa feito uma barata tonta, em busca de brechas que me deixassem vulnerável. Mesmo que parecesse ridículo, enchi o corredor de objetos. Espalhei panelas pelo chão e fiz um X com uma vassoura e um rodo. Se algum invasor aparecesse de madrugada, esbarraria naquilo e eu provavelmente acordaria.
Ainda assim, antes de deitar, alertei Isis sobre o ocorrido. Se algo acontecesse comigo, o mauricinho macabro seria o principal suspeito. Ela ficou preocupada e chegou a brigar com a mãe dela para poder dormir comigo, mas me contou que estava de castigo por ter roubado dinheiro da carteira da mãe.
Para meu pai, claro que contei o oposto. Falei sobre meu dia calmo e tranquilo.
Além dessa, ainda tenho mais duas noites sozinha para encarar. Socorro!
A noite foi horrível. Deixei todas as luzes acesas e fiquei horas na cama me revirando para os lados. Mantive o celular na mão, pronta para ligar para a emergência ao menor sinal de ruído. Mergulhei num sono confuso. Eu dormia e acordava. Dormia e acordava. Cheguei a levantar de madrugada, jurava ter escutado um copo de vidro se espatifando, mas tudo não passava de impressão.
Quase perdi a hora de manhã. Devo ter desmaiado por exaustão em algum momento.
Saí correndo de casa para chegar à biblioteca. Tomei ônibus em cima da hora e fiz o trajeto dispersa, o rosto de Gastão aparecia quando eu piscava os olhos. Eu ainda teria mais duas noites sozinha em casa. Com esforço afastei o pensamento, agora era a hora de encontrar meu fofo e educado chefe.
Por algum milagre, três minutos antes do horário, estava diante da grande porta de madeira do castelo.
Consegui!
Alcindo declarou que havia se esquecido da chave da porta principal e voltou para buscá-la em algum lugar pelo castelo.
Fiquei ali esperando.
Bruce choramingou na casinha de madeira ao lado. Suas unhas arrastaram sob o pino que prendia sua coleira no chão. Fechei os olhos agoniada.
Por que eu preciso sentir tanta pena de cachorro?
Obriguei-me a lembrar da restrição do meu chefe nazista:
"Só mexa no cachorro se eu estiver por perto."
Aposto que foi só para me aterrorizar. Coitadinho dele, ali, preso e chorando.
Não resisti. Me ajoelhei de frente para Bruce.
— Você é um babão, não é? — Esfreguei suas orelhas. — Cadê o mala do seu dono? Caiu da escada e quebrou o pescoço? Não, né? — Minha voz soou esganiçada, como se eu me dirigisse a um bebê.
Bruce se agitou e colocou suas patas nos meus ombros. Quase tombei para trás.
Me levantei e ele latiu alto.
— Shhh. Você vai me delatar — sussurrei. — A fera não pode saber que falei com você.
Deixei sua língua encharcar minha mão. Andei nas pontas dos pés e voltei à porta do castelo.
Bruce ganiu. Um choro de dar dó.
Finalmente Alcindo retornava com a chave. Avistei-o se aproximando pelo gramado. Bruce latiu mais uma vez e forçou a corrente que o prendia pelo pescoço. A casa de madeira se moveu junto.
Cruzes, que cachorro forte.
— Sossega, pelo amor de Deus! — sussurrei e voltei a me abaixar de frente para ele. Bruce passou uma pata em meu ombro e ao descê-la, deixou um corte.
Ai!
Me levantei e Bruce forçou a corrente mais uma vez. O pino que o mantinha preso no chão se soltou. Ele correu enlouquecido. Não tive outra opção a não ser ir atrás dele. Tentei pisar na corrente se arrastando entre suas patas. Não consegui. Bruce parecia um cão de corrida. Sua distância de mim só aumentava. Quando ele se aproximou do mordomo, gritei:
— Sr. Alcindo, me ajuda!
O mordomo não pestanejou. Girou sob os calcanhares e o seguiu cambaleante. Os dois desapareceram de vista na entrada lateral do castelo. Desacelerei e caminhei trôpega, arfante.
É isso. Vou durar três dias no meu primeiro emprego. E ainda, matei um mordomo ao lhe pedir socorro para conter um rotweiller fofinho.
Percebi que fui parar nos fundos do castelo. Pela primeira vez eu via aquela área, especialmente, uma piscina de tamanho olímpico que ocupava um amplo espaço entre coqueiros enfileirados.
Quase desfaleci ao ver o movimento dentro da água. Valente nadava. A cada braçada, os músculos de suas costas se pronunciavam. Quem diria que o Shrek cabeludo estava mais para Thor! Me escondi inocentemente atrás de um coqueiro. Eu teria sérios pesadelos se não o esperasse deixar a piscina e visse também o abdômen.
A visão de sua pele molhada e bronzeada com músculos reluzentes no sol atrasou meu raciocínio. Demorei a entender que Valente completava uma volta e a qualquer segundo me flagraria ali.
Não deu outra. Ele subiu pela beirada em um pulo. Ao me encarar, se deparou com a minha boca em forma de "O", minha fala travada e toda a minha dignidade perdida atrás do coqueiro.
— Gostou da vista?
Não respondi. Valente vestia uma sunga preta. Me ocupei em memorizar cada quadrado de seu abdômen, cada linha de seu largo peitoral. Estranhei minha própria reação. Em primeiro lugar porque eu continuava aterrorizada com a ameaça de Gastão, e em segundo porque eu raramente me sentia atraída de tal forma, e em terceiro porque aquele era o meu chefe. O rude. E a última pessoa do mundo pela qual eu deveria me interessar.
Mas eu quase nunca tinha uma visão daquelas. Uma tatuagem tribal, com o formato de um leão em perfil, cobria seu ombro direito indo até o antebraço.
Notei o tamanho do meu descaramento e inventei alguma coisa:
— Pensei que tinha um Kraken esvaziando a água da piscina e vim checar.
Nossa Rosa, podia ter se saído melhor.
Podia, mas agora não posso mais.
— Sei.
Ele sorriu de lado, presunçoso. Pegou a toalha em uma espreguiçadeira e a esfregou na cabeça, espalhando água para todo lado. Respingou em mim. Será que foi proposital?
— Espera aí, poodle. Está me molhando toda!
— Me chamou de quê?
— Na...da. — Não acredito que falei isso.
— Me esclareça uma coisa: Você trabalha aqui na piscina ou na biblioteca?
Ele tinha razão, mas mesmo assim, mordi a língua. Deixei a visão de minhas costas e o silêncio para Valente. Enxuguei os respingos de meu rosto e por um segundo me imaginei sendo a gota que descia por seu tanquinho. Meu braço arrepiou.
Eu, hein! Já guardava uma grande lista de tormentas com Valente. Não precisava adicionar mais um item.
Pensei que tivesse me livrado da demissão precoce e orei aos Céus para que Alcindo tivesse sucesso em controlar a besta fugitiva, quando a mão molhada de Valente segurou meu cotovelo e me puxou. Olhei para trás e não entendi o misto de ira e divertimento em seu rosto.
— Sua teimosa. Eu acho que fui bem claro na lista de restrições. — Sua voz saiu brusca. — Por que não seguiu?
— Do que você está falando? — Movi o braço para ele soltar meu cotovelo. — E ninguém nunca te ensinou a falar com as pessoas, não? Só porque trabalho pra você não significa que vou aturar isso!
— Seu ombro, Isabela. Está sangrando.
— Ah — olhei e vi o filete de sangue que escorria.
A marca de unha era incontestável. A adrenalina e a visão da versão morena do Thor cabeludo na piscina, provavelmente camuflaram a dor.
Droga, e agora?
Não havia planejado nenhuma desculpa. Valente poderia ser o brucutu que fosse, mas não havia escapatória. Ele deixou claro desde o início a lista de restrições. Olhei encabulada para meus pés. Seria demitida pela incapacidade de respeitar regras. Pior, pela incapacidade de resistir a um cachorro. Que bela experiência para um currículo! Infelizmente não havia solução. A não ser que um milagre divino o fizesse relevar. Desvencilhei-me da mão de Valente e falei envergonhada:
— Desculpa. Obrigada pela oportunidade do emprego. Já estou indo embora.
Comecei a andar. Valente apressou o passo e bloqueou meu caminho com seu abdômen definido. Suas safiras me sondaram com apreensão.
— Está doendo?
— Não. — Ele está preocupado comigo?!
— Está se fazendo de durona? Precisa limpar isso para não infeccionar. — Valente examinou delicadamente a ferida com o polegar.
— Não estou demitida?
Minha pergunta o fez desviar o olhar do machucado e cravar o olhar penetrante em mim. Me irritei com a fraqueza dos meus joelhos.
— Você quer ir embora? — perguntou ríspido.
— Não.
— Então me faz o favor de aprender a ler e siga as regras. Sou seu chefe, não sua babá.
Logo vi. Sua amabilidade havia desaparecido tão rápido quanto surgiu.
Bufei e me livrei de suas mãos novamente. Valente balançou a cabeça e me puxou pelo pulso.
— Vem. Tenho um kit de primeiros socorros no meu quarto.
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Olá amoresss! Espero que estejam gostando, sexta teremos mais!
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