TRÊS - Por Rosa
Rosa
Travei na entrada da tenda, de boca aberta. O coração estava pulando feito uma rã em desespero.
A funcionária do circo vestida com um manto branco esvoaçante, me entregou um número que indicava onde eu deveria aguardar meu par, e um cravo artificial feito de plástico:
— Agora, basta atravessar a cortina e esperar por seu par onde está o número quinze. — Ela fez uma pausa para criar suspense. — Se ele desejar beijá-la, lhe entregará uma rosa. Se a senhorita aceitar, entregue esse cravo para ele.
Então era verdade o que a garota lá fora na fila havia falado. Lógico que isso fazia todo sentido, mas não havia me preparado para o "não".
Acompanhei o tecido branco do manto da mulher se elevar para o lado e vi seu dedo fantasmagórico puxar a cortina de veludo preta:
— Ao terminar, atravesse pela cortina onde está seu número e deixará a tenda — acrescentou.
Assenti após vislumbrar o número quinze vibrante ao final de um curto corredor escuro. E munida de uma quase coragem, por não ter outra escolha, me guiei pelas marcações no chão e o número brilhoso. Parei de costas para o número quinze e bufei.
A qualquer minuto, agora.
Mas não levaram minutos. O tempo se arrastou.
Será que a Ísis já entrou?
Peguei o celular e abri o aplicativo de mensagens:
Rosa Skywalker:
20:57 - Só queria dizer que foi um prazer te conhecer, sabe, caso eu não saia viva dessa tenda. Estou prestes a ter um troço, e é tudo graças a sua insistência.
A resposta chegou em poucos segundos:
Ísis (PHD):
20:57 - O prazer foi todo meu! =)
Safada!
Eu já ameaçava suar, desmaiar e vomitar, tudo ao mesmo tempo, quando um perfume masculino se sobrepôs ao incenso. Congelei. Havia alguém ali, absurdamente cheiroso e intenso. Bem atrás de mim. Ouvi sua respiração leve, calma. O oposto da minha, ofegante. Levei um susto ao descobrir que era possível sentir os batimentos cardíacos pulsarem na testa.
De repente, seus dedos me puxaram de maneira sutil. Como não havia mais chance de fugir, aceitei o convite irresistível e virei. Ao erguer o olhar, perdi o fôlego.
Meu par era alto e talvez forte, ou no mínimo de porte largo, uma vez que sua sombra imponente me cobriu. Fiquei na ponta dos pés e tentei mirar seu rosto, porém na luz turva e arroxeada da tenda, não pude vê-lo como gostaria. Não sei o motivo, mas suas íris me trouxeram a imagem de duas safiras, brilhantes e profundas.
Inalei sua fragrância cítrica e envolvente, misturada ao cheiro de couro que deduzi ser de sua jaqueta.
O clima entre nós pesava, íntimo e tentador. Eu podia ouvi-lo respirando fundo, e apesar da escuridão, sentia seus olhos me avaliando, como se cada parte do meu corpo esquentasse pela sua proximidade. Ele deu um passo curto para frente e cheguei a estremecer.
Notei as pessoas nas outras marcações dentro da tenda, elas murmuravam. Talvez estivessem se apresentando antes de chegarem ao finalmente. Por que ele não falava alguma coisa?
Será que ele está se decidindo? Não acredito que serei rejeitada!
Até que uma rosa de plástico brilhou na escuridão em minha direção. Quase gritei "Ufa!" Aceitei aliviada, meus batimentos pulsavam na garganta e ofereci o cravo em troca com as mãos trêmulas. Ainda em silêncio, ele deu um passo, e colou o corpo no meu. Acho que arfei nessa hora. Busquei as palavras para perguntar seu nome, mas elas caíram dentro da minha turbulência de nervos.
Sem pensar no que fazia, na ponta do pé estiquei meus braços e enlacei sua nuca. Brinquei com alguns fios de seu cabelo sedoso na ponta dos dedos.
Ele me envolveu pela cintura em um abraço forte, e exalou ruidosamente. Sua cabeça inclinou para ficar a altura do meu rosto e fechei os olhos.
Esperei com a garganta seca. O tempo parecia suspenso.
Suspirei ao sentir os lábios dele traçarem uma linha de beijos macios, que foram subindo devagar da clavícula até o meu queixo. Ao chegar lá, ele parou. Sua barba provavelmente por fazer, me roçou na bochecha antes de sua boca surgir a milímetros da minha. Nossas respirações se uniram.
O ar passando naquele breve espaço foi denso. Torturante. E ao mesmo tempo, prazeroso.
Dá pra me beijar de uma vez e acabar com isso?
Como se lesse pensamentos, ele eliminou a distância trazendo a tortura ao fim. Seus lábios grossos e macios se moveram gentilmente no início. Acariciaram os meus de uma maneira que eu jamais esqueceria. Como se uma boca se apresentasse a outra. Depois ele me devorou, faminto. Apertei-me mais a ele e, como resposta, uma de suas mãos passeou por minhas costas enquanto a outra me segurou por trás do pescoço.
Não havia um milímetro de distância entre nós e, eu ainda o desejava mais perto. Os joelhos amoleceram quando ele mordeu meu lábio inferior. Soltei o ar e repeti o mesmo gesto nele. O que era isso?
É normal se sentir dessa forma em um primeiro beijo? Como se o universo tivesse derretido e se transformado em desejo e atração?
De repente a realidade me puxou de volta. Eu era um barco prestes a naufragar e precisava agir antes de me afogar e não ter mais volta. Me arrependi dessa escolha. Um beijo forjado, com um completo estranho. Eu já queria saber mais sobre ele, ver seu rosto, ouvir sua voz, descobrir seu nome. Queria que saíssemos juntos dali. Queria que fôssemos ao cinema e repetíssemos esse beijo enquanto o filme passasse na tela.
Meu celular apitou na calça. Um lembrete de algo ainda pior: eu havia enganado meu pai. Que péssima filha. Ele devia estar lá, atrás de mim como um louco pela festa, morto de preocupação e eu na tenda, agarrada a um estranho. Pior, desejando que o estranho passasse de desconhecido a algo mais. E sem a menor intenção de soltá-lo. Justo o que eu mais precisava fazer.
Isso é ridículo, Rosa. Esse beijo, esse contexto e essa sua vontade.
— Não! — afirmei ao interromper o beijo bruscamente. Dei um passo para trás, assustada demais com o desejo que me percorria e me atrapalhava a pensar direito. Ele tornou a se aproximar e me segurou pela cintura, quando ameaçou me perguntar o que havia acontecido, me desvencilhei de seus braços e atravessei a cortina de veludo correndo, antes que fosse tarde para ser capaz de esquecê-lo.
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