TRÊS - Por Gastão
Gastão
Eu recordava da última briga com meu pai. O crápula que fazia questão de esbravejar ofensas a cada oportunidade, que parecia sentir prazer em esbanjar suas riquezas na minha cara, somente para me dizer a mesma frase repetitiva:
"Talvez, quando você passar a agir como um homem, as franquias sejam suas. Talvez."
Meu pai reforçava essa convicção constantemente. Para mim, ele mereceu ter sido traído por minha mãe e abandonado pelo cofundador da Grão Puro. O amante dela.
Fui eu, quem não mereceu todas as surras que levei até atingir idade e tamanho o bastante para revidar. Cresci sendo tratado por meu pai como se tivesse culpa pelo que aconteceu. Como se tivesse apreciado o fato, de também ter sido abandonado por minha mãe. A última briga entre nós dois foi o que me levou à Itaipava, onde abri meu próprio negócio três meses atrás:
— As pessoas hoje em dia acham que merecem tudo de mão beijada. Vivem das esmolas do governo e da sociedade e culpam os outros pela sua falta de oportunidade. Que corram atrás do prejuízo, que trabalhem! — meu pai esbravejou.
— Eu não sou como essas pessoas, já disse mil vezes! Passe as franquias para o meu nome e eu te provarei!
— Você? Gerir as franquias? — O sorriso debochado dele fez meu sangue ferver.
— Você tem vinte anos e nunca trabalhou, Gastão. Só sabe torrar o meu dinheiro em noitadas, roupas, carros e passa o dia malhando. Por que não arruma um emprego na academia?
A pergunta me deixou enojado. Achei prudente não detalhar que o tempo gasto na academia, servia para amenizar o constante desejo de esmurrá-lo. Meu status, dinheiro e até mesmo aparência me colocavam muito acima de um funcionário qualquer de uma academia. Meu pai sabia perfeitamente como me ofender, enquanto ria emplumado como um pavão em seu terno de alfaiate.
— Enquanto você não me provar que pode gerir um negócio sozinho, não sentirá nem cheiro das franquias. Ouviu bem? Torne-se um homem de verdade, moleque.
A vontade de socá-lo foi enorme. Assim, deixei-o com meu silêncio antes que a discussão ganhasse proporções maiores.
Mas agora em Itaipava, as coisas funcionavam de forma diferente. Ali, ninguém duvidava de mim. Ninguém ousava me questionar. Havia comprado um bar com duas mesas de sinuca e outros jogos. Uma reforma rápida e ficou pronto em pouco tempo. Resolvi chamá-lo de Taberna do Soberano.
Quem visse, poderia considerar que eu estava louco. Investir em um mero bar de interior? Mas o interesse real da transação residia no galpão, onde eu colocava em prática o verdadeiro negócio, acessível apenas pelos meus comparsas e pessoas de confiança. Ninguém suspeitaria dos meus serviços de agiota.
E tudo corria dentro do esperado até essa noite, três meses após ativar o bar. Que deveria ser de fato simples. Eu só fecharia a contabilidade do mês, tomaria umas cervejas geladas, quem sabe passaria a noite com alguma garota e depois desceria a serra, de volta ao meu apartamento no Rio.
Mas após checar a contabilidade com os comparsas, percebi um atraso no pagamento de um devedor. O homem já havia recebido uma segunda chance, com juros de 25% no empréstimo. E teve a coragem de não cumprir o acordo. Possivelmente, um drogado estúpido. Como todos eles.
Liguei na hora para o sujeito. Gostava de intimidar. Sabia que meus músculos deixavam as pessoas acuadas. O otário gaguejou algumas desculpas esfarrapadas antes de aceitar a hora e o local marcado por mim para receber a dívida, que não seria longe dali. Poucos minutos depois, fui com meus dois capangas até uma rua isolada próxima a Taberna e esperei. Por tempo demais. O infeliz não apareceu.
Desgraçado!
Os outros dois comparsas se dirigiram sorrateiros até a residência do devedor prestes a virar enlatado. Descobriram que o endereço era falso e que ninguém conhecia o sujeito naquele prédio. Meu ódio cresceu. Não seria tachado de palhaço, nem me desmoralizaria perante outros. O cara podia conhecer pessoas na cidade e por isso achar que se daria bem em cima de mim, mas se meteu com a pessoa errada. Eu não perdoava falhas e levava o negócio a sério. Não fui ali para brincadeiras e provaria isso essa noite.
Se teve algo de bom que aprendi com meu pai miserável, foi que o medo e o respeito caminham de mãos dadas. E esse panaca receberia a lição.
Rodaram de carro algum tempo procurando pelo infrator. A vantagem das cidades pequenas é que ninguém consegue se esconder por muito tempo. Perguntaram a algumas pessoas. Esbarraram com Manel, dono de um dos bares na beira da estrada. O cara não valia nada. Bastou molhar a mão dele, para que me afirmasse ter visto o devedor indo em direção a Festa do Inverno.
Claro que o panaca escolheria um lugar lotado. Eram os piores para suas cobranças. Por outro lado, quanto maior o barulho, menos escutariam seus gritos. A não ser que o fugitivo tivesse o dinheiro, o que devido às circunstâncias, eu duvidada fortemente.
Estacionamos a lataria velha comprada para manter as aparências, no terreno da festa. Ninguém suspeitava que o dono da Taberna do Soberano fosse o filho do magnata das franquias Grão Puro. E isso precisava permanecer assim.
Não demorou muito para localizarem o otário. A festa estava bem cheia, mas o infeliz se entregava pelo modo como agia. Ao andar, espiava por sobre os ombros e mantinha o capuz do casaco apertado no rosto. Adorei ver o medo em seus olhos arregalados quando o cara me reconheceu, e ordenei aos comparsas depois de sorrir cinicamente:
— Peguem!
Obedientes, eles correram atrás do magricela. O cara parecia um frango descoordenado. Andei rápido e tranquilo atrás deles, e ri mais uma vez ao ver onde o infrator se enfiava.
O idiota se esgueirou nos fundos de um circo esquisito, em um formato tipo de meia lua, forrado por uma lona violeta. Ao alcançá-lo, me impressionei com a ação ridícula do cara em tentar se arrastar por debaixo da lona. Claro que ele não conseguiu fugir e seus comparsas o arrastaram pelo tornozelo até Gastão.
Pensei se teria pena daquele ser franzino tremendo aos meus pés, mas não. Tarde demais. O frango cavou a própria cova, pois nitidamente não tinha intenção de pagar a dívida. O que acabou sendo ótimo. Pois ao puni-lo ainda serviria de ilustração aos meus capangas.
Por isso, meu dia passou de simples ao de ensinar lições. Busquei minha faca no bolso, e estalei o pescoço antes de começar. Isso é o que acontecia com quem tentava me passar a perna.
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Espero que estejam gostando, amores! Quarta teremos mais!
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