Valente

Pensei que me livraria da garota grudenta quando aceitei lhe dar um último beijo. Não acreditei no meu azar ao dar de cara com ela. Uma figurinha do passado, logo na entrada do Circo Minguante. Todas que me conheciam sabiam dessa regra, sempre deixei claro desde o início. Eu nunca saio mais de uma vez com a mesma pessoa.

O motivo é bem óbvio, pois é o mesmo motivo que me trazia naquela festa no parque de Exposições. Mulheres só me arrumavam problemas. Mas nessa noite, eu estava furioso. Pela primeira vez em muito tempo, chegava a uma festa com outro intuito. E nada de bom poderia vir dela. Laura, um fantasma do passado, teve a audácia de enviar um bilhete para o Castelo ameaçando minha avó se eu não viesse encontrá-la.

E como se não bastasse, além desse pedaço de papel queimando em meu bolso, a grudenta que insistiu por mais um beijo ainda tocou no assunto proibido antes que eu conseguisse fugir dela: meus pais.

— Diga a verdade, Valente. Ficou frio assim depois do que aconteceu aos seus pais?

Só de recordar das palavras, trinquei o maxilar e fechei os punhos. Por isso, ignorei o apelo e as lágrimas dela, me embrenhando na primeira fila que vi ao entrar no Circo. Com os ingressos esgotados, ela não poderia me seguir. Sempre que alguém citava meus pais, eu sentia o incômodo, como uma ferida reaberta. Chamar de incômodo, na verdade seria um belo eufemismo.

Um buraco fundo no peito, seria melhor denominado se fosse chamado de quê?

Mais do que nunca, eu desejava esclarecer de uma vez o recado ameaçador no bilhete e ir embora dali. As lembranças daquele dia piscaram como flashes por trás dos meus olhos. Eu não queria recordar. Não queria trazer o sofrimento à tona mais uma vez. Levei anos para me reestruturar, virei noites e mais noites acordado, revivendo cada segundo dos piores dias da minha vida. Infelizmente, percebi que minha muralha permanecia frágil. Porque bastou um leve roçar na superfície para o familiar desespero me visitar.

Talvez tivesse chegado a hora de deixar Itaipava e o Castelo, mas eu não podia simplesmente abandonar minha avó e largar a herança de família.

Suspirei para me acalmar. Daria um tempo ali dentro do Circo até a grudenta ao lado de fora desaparecer e em seguida sairia em busca de Laura. A cobra venenosa, que sequer teve coragem de dizer onde ele a encontraria, apenas profetizou no bilhete:

"Essa será a noite, em que uma alma inocente pagará por seus erros. A única ainda capaz de amá-lo. Se tiver coragem de encarar seus pecados, me encontre na Festa de Inverno, às nove horas, perto do Circo Minguante."

Claro, Laura devia planejar o bote de surpresa. Mas sou eu quem vai colocar um ponto final nessa história. Ela sim foi um grande erro.

Voltou minha atenção para uma das tendas à esquerda e contive uma gargalhada ao ler as palavras brilhantes no alto. Mas concluí que ali seria perfeito para me esconder por um tempo. Também não existia a possibilidade da garota chorosa e apaixonada implorar por meu afeto naquele contexto.

Achei a situação toda um pouco ridícula, mas entrei assim mesmo na Tenda do Beijo. E de repente, não soube dizer de onde veio, mas um calafrio me gelou as veias. Tive a sensação muito estranha, de que algo ruim aconteceria essa noite.

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Meus amoressss! Que saudade de vocês! Segunda-feira teremos mais! E aí? O que acharam? Comentem e deixem uma autora feliz! Bjosss e bom final de semana!