Véspera
Era véspera do casamento e eu precisava estar apresentável para o grande dia, o dia no qual meu coração se partiria para não mais retornar a seu estado original, cheio de amor e alegria.
Algo morria em mim. Eu não ria mais, não havia alegria, euforia ou nada parecido. Apenas um instinto selvagem e poderoso. Em algum lugar da minha mente eu estava convencido de que fazia o que era certo, mesmo que ninguém pudesse entender, ainda que nem eu me entendesse. Eu protegia Nia.
Olhei-me no espelho do banheiro. O osso de meu maxilar não aparecia mais daquela maneira charmosa como nas pessoas magras e elegantes. Meus ossos estavam pronunciados, assim como as maçãs de meu rosto. A pele de minhas bochechas afundara na face. Minhas olheiras, grandes e arroxeadas, sugaram todo o brilho de meus olhos. Cabelo ressecado e mal cuidado, lábios rachados pela desidratação. Minhas costelas apareciam de uma maneira que eu não conseguia esconder bem, precisava apertar bem os cintos das calças ou usar trajes com elástico.
Fui ao alfaiate e pedi para ajustar o conjunto que usaria no casamento. O olhar de piedade do homem foi mais dolorido que qualquer tiro que eu tomasse. Fui também a uma equipe de esteticistas. Era importante disfarçar meu estado. Não queria que Nia ficasse triste no dia de seu casamento, ela devia ser feliz.
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Parecia-me que Isac se daria uma folga antes do casamento. Eu não entendia seus motivos, sabia apenas que era algo doentio e precisava ser tratado com máxima urgência. Era possível que ele nem soubesse que estava doente, isso acontecia.
Com toda a sinceridade me causava pena a situação do rapaz. Visivelmente abatido, era um desperdício.
Por ironia do destino frequentávamos o mesmo alfaiate. Consegui algumas informações com o homem, que gostava de fofocas. Era meu trunfo. Segundo ele, Isac estava anoréxico, como eu já desconfiava. Voltei ao meu trabalho na delegacia, o de praxe, não havia muito mais a ser investigado.
Liguei para um renomado amigo que tinha uma clínica psiquiátrica. Ele sugeriu a internação de Isac, mesmo contra sua vontade. Segundo ele o casamento seria um bom momento, pois o paciente não iria querer magoar o objeto de sua adoração.
Refletia sobre isso quando ouvi um burburinho vindo do lado de fora da minha sala. Aproximei-me para ver o que acontecia. Era no setor de relações humanas.
— Você me descontou um dia de trabalho! — O moço que servia as refeições noturnas estava visivelmente exaltado.
— Sim, o senhor precisa compreender, sem o registro de ponto é como se não tivesse vindo. — A secretária explicou com toda a calma.
— Mas eu mandei substituto! — Ele bateu uma mão na mesa da mulher, o que me deixou em estado de alerta.
— Sinto muito, mas ele não registrou a presença, portanto não tem como contabilizar aquele dia. — A moça estava calma.
— Isso que eu ganho por confiar nos outros. — Desistiu da discussão e saiu da sala a resmungar impropérios.
— Qual o problema? — Me sentei na cadeira que ficava ali para as pessoas que eram atendidas.
— Ele ficou chateado porque não recebeu por um dia no qual ficou doente — respondeu. — O dia que a moça morreu envenenada.
Senti um destrave na mente.
Naila tinha sido envenenada dessa forma. O homem que carregava o carrinho com as refeições colocou o veneno na comida dela antes de entregar. Corri para minha sala e procurei o vídeo da câmera de segurança daquela noite. Encontrei em uma pasta bem guardada. Assisti três vezes, com toda a atenção. Parecia a distribuição rotineira, mas não era. O homem se abaixou e pegou uma refeição que estava na parte de baixo do carrinho. Ele alguns segundos mais que o normal para se levantar e estender a marmita. Não vi seu rosto, pois estava de máscara, touca e óculos.
Procurei o funcionário que ainda se sentia injuriado. Questionei-lhe acerca de quem era seu substituto e quanto ele pagou. O rapaz disse que seu nome era João Batista e tinha sido indicado por uma agência de empregos.
— Disseram que era bom, eu acreditei, fui bobo. — Reclamou.
— Como era sua aparência? — Meu coração estava acelerado.
— Não sei, eu não vi ele. — Respondeu, e a decepção me tomou.
— Nem uma foto? — Qualquer pista era essencial, estávamos lidando com um assassino abusado e perigoso, além de ardiloso, claro.
— Não.
Era a primeira pista que eu tinha que me ligava diretamente ao assassino. Ousado, esteve dentro no departamento de polícia e não temeu ser descoberto. Ele sabia o que fazia e executava cada ação com uma maestria admirável.
— Então o nome da agência. — Pedi impaciente.
Ele anotou em um papel. Se ambos não tinham se encontrado, ao menos o nome da agência ele deveria saber. Liguei o lugar, mas ninguém atendeu. Resolvi ir até o prédio, e encontrei uma placa com os dizeres “Fechado até segunda”, porque o azar me perseguia.
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A última prova do vestido antes do grande dia.
Arlete quis fazer uma despedida de solteira, então eu precisava estar desocupada para minha noite. Miguel não iria fazer despedida, segundo ele já estava em tempo de casar e não gostava mais da vida noturna. Isso decepcionou principalmente meu pai e meu irmão.
A lista de convidados tinha ficado relativamente grande e eu estava ansiosa. Isso também devido o fato de ir para um cruzeiro durante a lua de mel.
Isac ainda não tinha aparecido, era possível que tivesse uma nova namorada, talvez a apresentasse para mim no dia seguinte. Minha mãe estava muito feliz, ficava a saltitar para todo lado e arrumava coisas que nem precisavam de ajuste. Acho que ela secretamente pensava que eu nunca me casaria.
Após a prova do vestido passamos pela igreja para analisar se estava tudo de acordo com o planejado.
Estava.
Como é costume no Brasil, muitas vezes as igrejas tem salões de festa que ficam próximos ao prédio principal. Eu e Miguel não queríamos que os convidados tivessem o trabalho de se deslocar para um local distante, então alugamos o salão da própria igreja. Já estava um pouco enfeitado quando passamos por lá, faltavam apenas as flores. Havia um tecido enorme preso ao teto que descia sobre o salão como se fosse um dossel. Em uma parede estava uma foto minha e de Miguel, de um dia frio, vestidos em moletom e meias.
Mesas de madeira com cadeiras confortáveis foram organizadas por todo o salão, e sobre elas toalhas de cor lilás com pequenos arranjos artificiais em seu centro. Para lembrancinhas pedimos que uma artista fizesse mini jornais de biscuit. Neles estaria escrito em forma de manchete o anúncio de nosso casamento. A mesma artista fez os bonecos do bolo. Pedimos que fôssemos envelhecidos e colocados abraçados em um banquinho que simulasse um banco de praça, daqueles de madeira que tinham um formato charmoso e confortável.
Não era o casamento de meus sonhos. Era melhor que ele. Eu não poderia estar mais feliz.
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Olhei minha imagem no espelho.
Eu era um atraente homem de meia idade e me casaria no dia seguinte. Era doloroso pensar que não tinha mãe ou pai para acompanhar a cerimônia, mas começaria minha própria família. Nia era perfeita para isto. Era a mulher que eu havia procurado durante toda a minha vida.
Muitas vezes eu sentia como se já a conhecesse, mas era impossível, eu não teria esquecido seus olhos de cor tão singular. Turquesa. Minha vida seria turquesa. Eu pintaria a parte exterior das paredes de nossa casa dessa mesma cor. Combinariam com os olhos de Nia.
Eu não quis despedida de solteiro, aproveitei muito minha vida de homem solteiro enquanto era solitário.
Analisei meu quarto. Eu manteria o sobrado. Apesar de o combinado ser vender, não conseguia me desfazer dele. Havia um vínculo emocional.
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O mandado de busca e apreensão saiu quando eu já estava no final de meu expediente. Meus pensamentos ficaram completamente inquietos com as novas pistas que eu tinha. O caso já caía em esquecimento e isso facilitaria as investigações.
Eu não poderia fazer a busca, devido o casamento na manhã seguinte, então precisaria pedir que algum colega fosse ao apartamento de Isac.
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Arlete exagerou na dose. Literalmente e figurativamente.
Havia balões em forma de pênis em toda parte de seu apartamento. Foram cheios com gás hélio, pois levitavam sobre nossas cabeças.
Pene levitantis.
Ela já tinha tomado alguns coquetéis e, junto a minha mãe, se divertia ao analisar alguns produtos eróticos que eu deveria usar em minha lua de mel.
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