Preparativos
Contagem regressiva para minhas férias. Contagem regressiva para o casamento.
♠♠♠♠
Para proteger Nia, eu precisava de muito tempo livre, então resolvi adiantar o trabalho de duas semanas em apenas vinte e quatro horas.
Quase fiquei louco com tantos cálculos, mas era absolutamente necessário.
♠♠♠♠
Documentos. Roupas. Convidados. Novo livro.
Estava tudo um caos e apesar de voltar para o sobrado, eu passava mais tempo com Nia.
♠♠♠♠
Um assassino que implantou o caos na cidade e sumiu em um repente.
Eu não podia aceitar isso. Para as pessoas comuns era como se o assassino fosse Naila, mas não para mim. Precisei me dedicar a outros casos, mas não me saía da cabeça o caso do assassino das rosas amarelas.
♠♠♠♠
Faltavam quatro dias para o casamento. Eu estava eufórica. Totalmente tomada pelo êxtase dos preparativos. Minha mãe tinha se deslocado do bairro dela para o meu, que ficava na região mais central da cidade.
Convidamos para o casamento todos os nossos amigos e alguns familiares que tínhamos.
Eu e Miguel compramos uma charmosa casa, e muito em breve eu não moraria mais naquele apartamento. A nostalgia antecipada me tomava a cada vez que eu olhava para as paredes. Sobre nosso novo lar, o combinado era mudar de residência após a lua de mel.
Naquele dia, quatro antes do casamento, tratamos de carregar alguns pertences que não eram de uso constante, como porta retratos, álbuns, livros, algumas roupas e outras quinquilharias.
Encontrei-me com Miguel na porta de nosso novo lar, cada um tinha uma cópia da chave e minha mãe ficou com outra. Meu amor me beijou apaixonado e me carregou no colo casa adentro. Já tínhamos comprado alguns móveis novos, traríamos outros das velhas residências e venderíamos os demais quando nossa mudança estivesse completa.
Miguel pegou em minha mão e valsou comigo pela sala. Era meu príncipe encantado e eu não podia estar mais feliz.
♠♠♠♠
Segui Nia como se fosse sua sombra.
Ela não havia notado, nem ele. Estavam felizes demais com o matrimônio.
Estavam na casa que tinham adquirido recentemente. Havia uma grande janela de vidro na sala, localizada a cerca de um metro do chão. Peguei meus binóculos e observei a atividade dos pombinhos apaixonados. Eles dançavam pela sala.
Meu coração doía sempre que os via juntos, mas se eu queria proteger Nia, suportar qualquer dor, qualquer tristeza, era necessário ultrapassar meus limites humanos. E muitas vezes consegui. Frequentemente eu passava o dia sem comer, apenas para segui-los. Eu emagrecia, mas era um sacrifício que valia meu esforço, porque amava aquela mulher mais que minha própria vida, e faria tudo por ela.
Miguel a levava a restaurantes. Jantavam e sorriam à luz de velas. Era como se um punhal fosse fincado em meu coração cada vez que eles se tocavam e eu via. Os pais dela deram um jantar em família e não fui convidado, pude ver tudo. Foi no apartamento de Nia.
Aluguei um apartamento em um prédio próximo ao dela para cuidar de seu bem estar. Eu não poderia deixá-la saber, ela não entenderia. Não havia como explicar tudo aquilo de maneira racional, mas eu nem precisava. Pude ver todos felizes no jantar, Ricardo conversava com Miguel como se fossem velhos amigos. Eu via tudo da janela do apartamento que aluguei.
Vez ou outra eu me sentia só e me perguntava o que eu fazia de minha vida, mas então lembrava que era necessário proteger Nia, que eu faria tudo por ela.
Uma das vezes, por acaso, vi ela nua em seu quarto. Era bela, a mais bela de todas as mulheres. Fiquei excitado, mas era errado me masturbar pensando em Nia, porque ela era um anjo.
Vi que pararam de dançar e começaram a abrir algumas caixas. Fiquei tranquilo por enquanto, peguei um pão seco em minha mochila e o comi. Fiquei com sede, mas só poderia beber água quando, ao seguir Nia, ela passasse em frente à algum estabelecimento comercial.
♠♠♠♠
Peguei a foto de um garotinho, emoldurada por um porta retratos. Era franzino, com olhinhos negros e cabelo liso, mas sua feição parecia um pouco diferente da de Miguel. O nariz me pareceu levemente mais largo e o rosto arredondado. Senti uma sensação de familiaridade ao olhar a foto, mas não a familiaridade de quem conhece aquele que está retratado e sim a familiaridade de quem já viu alguém uma vez na vida e revê outra vez muito tempo depois.
Perguntei a Miguel quem era o garotinho e ele respondeu que era ele mesmo, porém mais novo. Estava mudado, de fato. Questionei esse fato e ele respondeu de maneira simples, que mudou durante a puberdade. Isso era comum. Muitos garotos mudavam durante a puberdade, Isac, por exemplo, era magérrimo, mas depois ganhou um pouco de peso.
Fazia muitos dias que eu não via Isac. O convidamos para o casamento porque era um amigo muito querido e especial, sua presença seria de suma importância.
Comecei a sentir muita falta de Isac quando ele sumiu, era quase como se alguma parte de mim tivesse sido arrancada e levada para outro canto do mundo. Ele sempre esteve presente, me protegeu dos acontecimentos ruins e me deu forças para me tornar alguém melhor e mais firme. Não tê-lo perto abalava minhas estruturas. Muitas vezes eu ficava insegura sobre o casamento, mas não havia com quem desabafar.
Esqueci aqueles pensamentos e me concentrei em arrumar as caixas que estavam espalhadas pelo chão.
♠♠♠♠
Nossa lua de mel seria em um cruzeiro. Ganhei esse presente da editora. Um passeio com tudo incluso. Nia ficou radiante com a idéia de ver o mar, uma vez que ela nunca teve a oportunidade.
Além das roupas do casamento era preciso preparar roupas para a viagem. Eu dormia meia noite e acordava meio dia, tamanho o cansaço. Todavia, apesar de esgotante, era incrível estar noivo. A família de Nia me tratava muito bem, até mesmo nos deu um jantar para que eu me sentisse parte do clã.
Não chamaram Isac. Aquilo poderia ser uma grande ofensa se ele soubesse do jantar, mas ele não sabia e eu agradecia por isso. Não gostaria de magoá-lo. Nia insistiu em chamá-lo para o casamento. Eu sabia que aquilo era praticamente uma humilhação, mas não consegui demovê-la da idéia.
♠♠♠♠
Foi em um dia comum.
Passava próximo à casa de Isac – que ficava no mesmo bairro onde eu morava - quando o vi descer de uma moto. Não sabia que ele tinha comprado moto e aquilo me pareceu estranho, principalmente por ele estar em casa em um horário no qual deveria estar no trabalho. Anotei a placa para averiguar a procedência da motocicleta. Todas as vezes que vi Isac, ele estava a pé ou em sua bicicleta.
Faltavam oito dias para o casamento de Nia e Miguel. Fui ao alfaiate ajustar meu traje para a cerimônia e quando voltei, a casa de Isac parecia estar vazia. Toquei a campainha, bati na porta e ninguém me atendeu. Observei se algum vizinho me vigiava, mas nenhuma janela ou porta das cercanias estavam abertas.
Testei as portas de Isac, mas estavam trancadas. Testei as janelas e encontrei uma destrancada. Entrei sem fazer alarde por ser contra a lei invadir uma propriedade privada sem um mandado.
Era a janela da sala.
Tudo parecia normal. Andei pelo quarto, estava arrumado, o banheiro também, exceto pelo cesto lotado de roupas sujas. Em um suporte na parede encontrei pendurado um traje de gala protegido um plástico. Supus que fosse a roupa para o casamento. O quarto de hóspedes também não tinha algo de incomum.
Fui para a cozinha. Estava arrumada. Nenhum sinal de comida recentemente feita. Abri os armários e não tinham suprimentos. Na geladeira, apenas algumas garrafas de água e três unidades de pão francês. Encostei de leve nos pães apenas para constatar que estavam ressequidos.
Algo parecia errado.
Coloquei minha atenção na parte de cima da geladeira onde alguns papéis, documentos de aluguel, descansavam. Um apartamento próximo à casa de Nia. Devolvi os papéis ao lugar após checá-los. Estaria ele morando em dois locais?
As informações sobre a moto chegaram por SMS. Era propriedade dele, já havia um bom tempo que ele tinha comprado. Pedi informações sobre o apartamento indicado pelos documentos, depois fui até minha casa para tomar banho e pegar alguns suprimentos. Seguiria Isac.
No caminho para casa liguei para a empresa na qual Isac trabalhava. Ele estava de folga, por ser um pequeno gênio. Conseguiu agilizar o serviço. Se estava de folga, por que não ficava em casa?
Pedi um mandado para revista do apartamento, mas o juiz não estava na cidade, então iria demorar um pouco a sair. Estacionei meu carro próximo ao prédio no qual ficava o dito cujo. Já era noite. Isac demorou a chegar e logo saiu novamente, vestido com roupas diferentes e carregando uma mochila.
O segui e descobri que ele seguia Nia. Em todas as situações seguintes pude ver que ele a seguia onde quer que fosse. Às vezes usava um binóculo para vigiá-la a uma maior distância.
Fiquei pasmo com sua atitude. Comecei a carregar um binóculo comigo para ver o que ele via e descobri que eram situações quotidianas da vida de Nia.
Faltavam quatro dias para o casamento e ele observava os noivos em sua futura morada. Nada especial, apenas uma dança e arrumações. Tirou um pão da mochila e comeu. Parecia seco, deixaria qualquer pessoa com muita sede, mas ele permaneceu compenetrado em sua tarefa. Mais tarde, quando Nia adormeceu, voltou para o próprio apartamento. Pude ver as luzes acesas.
Eu precisava revistar aquele lugar e ter uma conversa muito séria com um psiquiatra. Algo naquele garoto havia mudado muito. Antes ele era jovem, alegre, belo e cheio de vida, mas se tornara magro rapidamente, de maneira doentia, e vivia apenas por uma obsessão que eu não entendia exatamente qual era, mas não era boa.
Comecei a considerar a hipótese de que ele era o assassino.
♠♠♠♠
Pela noite, resolvi comer melhor. Se aparecesse muito fraco no casamento seria preciso explicar os motivos e eu não queria desperdiçar meu tempo a pensar em álibis.
Coloquei a lasanha congelada em um forno microondas. Era o que eu tinha ali. Algumas roupas, sabão, bucha, escova, prendedores para as roupas que eu lavava, um forno microondas, uma colher, um copo, um colchonete de acampamento, algumas caixas de munição e o restante eu carregava na mochila.
Minha lasanha ficou pronta. Seu gosto não era tão bom, mas eu não precisava comer bem, era necessário cuidar de Nia.
Às vezes meu corpo me traía, como no dia que eu salivei ao sentir o cheiro vindo de uma churrascaria, reação seguida de uma forte tontura, todavia me mantive firme em meu propósito.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro