O Grande Dia
Meu corpo transpirava ansiedade. Eu me resumia a um grande sistema nervoso tensionado.
Mal consegui me embebedar na noite anterior. Apesar de meu esforço, o estômago não quis aceitar a bebida, mesmo assim foi divertido. Arlete bebeu tanto que arrancou a roupa e dançou a conga em cima de uma mesa. A vaga lembrança já me fazia sorrir, o vídeo em meu celular era de gargalhar.
Fora ela que me arrumara uma vaga no estúdio de beleza onde me aprontei.
Era um dos locais nos quais ela trabalhava eventualmente. A mulher até mesmo manifestou interesse em me ajudar a me arrumar, mas a ressaca tinha sido mais forte que o compromisso. Não tinha problema, logo ela chegaria para ser arrumada. Minha mãe também estava no estúdio, porém na área da banheira. Enquanto isso eu era massageada de maneira relaxante.
A massagem não funcionava tão bem quanto deveria, ainda assim era boa.
Arlete era madrinha de meu casamento. Apesar de toda sua empolgação, certo dia ela me perguntou se nosso relacionamento - meu e de Miguel - não estaria evoluindo rápido demais. Respondi que não, ainda assim me sentia um pouco insegura em relação a isso. Ele era um homem perfeito e apesar de não ser rico, tinha suas garantias para construir uma vida confortável, além disso, ele era belo e inteligente.
Um dia me perguntei: será que está errado? Eu deveria estar em outro lugar? Deveria me dedicar a algo que não esse relacionamento? Existiria alguém que me amaria mais que Miguel?
Dúvidas que tinham suma importância, mas que não permaneceram por mais que algumas horas.
Eu tinha certeza que o grande questionamento era: eu amaria alguém mais do que amava a Miguel? A resposta era não, mas em seguida, por algum motivo que me era desconhecido, eu sempre me lembrava de Isac.
Estava com saudades dele, mas seria hipocrisia de minha parte dizer que fiz algo para que ele estivesse presente nos meus dias. Sequer uma ligação eu havia feito, apenas o convidei como padrinho. Péssima amiga eu era.
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Da mesma maneira que existem estúdios de beleza para mulheres, também existem para homens. Uma espécie de SPA e barbearia gourmet. Só não conseguia entender o motivo de uma moça de biquíni desfilar pelo local para servir chopp artesanal. Minha cabeça estava terrivelmente dolorida e meus lábios ressequidos. Era sensação de ressaca, mas eu não bebi no dia anterior.
Em verdade fui dormir muito cedo. Estava ansioso para o dia seguinte. Se pudesse, iria acelerar o tempo para a lua de mel. Não queria mais ficar apartado de Nia, já tivemos nossa cota de vidas separadas.
Uma moça magra, branca e muito loura se aproximou para me oferecer uma cerveja. Não havia nada de belo nela, apenas se encaixava de alguma forma em um padrão estético que agradava uma parte da clientela. Na verdade, naquele local as moças de quadris avantajados faziam mais sucesso, por esse motivo era difícil vê-las, quase sempre estavam a atender algum cliente em particular.
Eu gostaria que algum lugar especializado em cuidados estéticos masculinos não fosse metade prostíbulo.
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Foi preciso hidratar o cabelo e a pele. Aceitei uma maquiagem leve para dar um tom de saúde à minha cútis e destacar meus cílios. No final de tudo eu estava belo como jamais estive. Algumas horas antes eu era uma propaganda ambulante do fracasso e da derrota.
Analisei-me no espelho. Os cachos de meus cabelos estavam maiores e bem definidos. Minhas olheiras foram amenizadas por um tratamento com pedras quentes e uma boa noite de sono. A maquiagem me deixou corado, com ar de saúde. O ajuste do traje tinha ficado perfeito. Eu parecia um modelo em roupas sociais. Bons profissionais faziam milagre em um visual.
Eu tinha alugado um carro. Peguei a mochila com o revólver e munição e saí de casa. Precisava passar em um lugar em comprar algo essencial para aquele dia, além de um presente, claro.
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Apesar de todas as preocupações, me concentrei em me arrumar bem. Eu já era naturalmente atraente, mas gostaria de estar perfeitamente alinhado. Como padrinho, esta era uma de minhas obrigações.
Fiz uma maquiagem em tom nude, destacando sobrancelhas, cílios e lábios. Coloquei meu traje com todo o cuidado para não amassar. Peguei o celular e liguei para um colega de trabalho fazer a busca no apartamento de Isac. Depois telefonei para pedir que posicionassem uma ambulância da clínica psiquiátrica.
Borrifei perfume no pescoço e atrás das orelhas. A partir de segunda eu acharia o verdadeiro rastro do assassino.
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Não alugamos algum carro elegante para a ocasião, portanto usei o carro de Miguel, que já estava de bom tamanho. O motorista estacionou em frente à igreja. Meu nervosismo havia se elevado aos céus. Meu pai me esperava na porta. Pisei com o pé direito na calçada. O casamento iria começar.
Escolhi um vestido de corpete forrado em cetim, saia medianamente volumosa e o véu de tule vermelho. Sentia-me como uma prostituta do Moulin Rouge que resolveu se tornar freira. Minha tiara havia sido fabricada especialmente para mim. Era encimada por um pescoço de cisne com pequenas luas em sua base. Não quis que fossem rosas, não trazia boas recordações.
Subi os degraus da escadaria, que não eram muitos, mas eu estava de salto e isso tornava qualquer gesto simples muito mais trabalhoso principalmente quando havia vinte quilos de tecido pendurados e atados pelo seu corpo.
— Está pronta, meu amor? — Meu pai me estendeu o braço.
Não consegui falar. Senti um nó na garganta, eu estava à beira das lágrimas. Ele compreendeu meu estado e não esperou uma resposta. Um coroinha abriu as portas de madeira e pude ver todos se levantarem.
Dei meu primeiro passo e entrei no corredor. Um quarteto de cordas começou a tocar a tradicional marcha. Daí em diante não parecia que eu andava. Cada passo era como flutuar. Eu ouvia a música e sentia o cheiro das flores frescas. Pude ver Miguel no altar. Lindo, com um sorriso elegante, largo, branco e totalmente radiante. Seus olhos negros brilhavam como estradas para o infinito.
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Ela vinha pelo corredor como uma poesia em forma de mulher. Seus olhos turquesa brilhavam sob a iluminação, o vestido era sexy e comportado, de muito bom gosto. O buquê, de flores vermelhas como sangue sobre papel. Ela flutuava pelo corredor como nenhuma noiva jamais flutuou. Seu sorriso era a estrela mais brilhante que o céu jamais teria.
Meu coração acelerou. Saí de minha posição e fui tomar sua mão. Seu pai a entregou a mim e exigiu que eu a fizesse feliz. Assenti. Claro que a faria feliz, ela era a pessoa perfeita que.
Nia entregou seu buquê para Arlete e nos ajoelhamos. O sermão era longo e me deixou impaciente, mas eu precisava passar por isto, era uma experiência única.
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Com toda a sinceridade era um casamento perfeito. Uma lágrima atrevida desceu pelo meu rosto. Em todos os meus anos como detetive eu nunca tinha presenciado algo tão certo. Meu telefone tocou no bolso, mas eu não poderia atender. Isac havia escondido uma mochila atrás do altar, apesar de curioso, deixaria para revistá-la depois.
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Às vezes parece que nosso coração é uma grande parede de vidro. E alguns acontecimentos são como uma pedra arremessada na parede. Eu me sentia como cacos jogados na lama. Se existisse dor maior, eu desconhecia. Nem mesmo perder minha mãe era tão triste quanto perder Nia
Piorava tudo o fato de a cerimônia ser perfeita assim como o futuro que os esperava. Eu queria proteger Nia, mas não havia razão para tal. Então eu acabaria com tudo.
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Fizemos nossos votos e demos um beijo casto. A saída foi como um borrão. Tudo que eu sabia era que Miguel segurava meu braço.
Fizemos diversas poses para os fotógrafos e passamos pelo tradicional ritual da chuva de arroz. Depois nos deslocamos para o salão de recepção. Eu não trocaria de vestido. Tiramos mais fotos no local, fotos com o bolo, nas mesas, juntos e muitas outras.
— Quero cumprimentar Isac — falei para Miguel enquanto o fotógrafo tirava nossa milionésima foto. — Antes que se forme a fila dos cumprimentos e sejamos obrigados a tirar foto com cada convidado presente.
— Claro. — Ele me deu a mão e me ajudou a me levantar da posição na qual eu estava.
Procurei Isac pelo salão e o encontrei sentado na mesa dos padrinhos, junto a Nico, Arlete, meu chefe e Liliane.
Miguel me escoltou até a mesa e dispensou os fotógrafos. Fomos obrigados a nos deter para cumprimentar duas pessoas, mas no fim conseguimos chegar à mesa.
— Vou pegar uma bebida. — Miguel quis nos deixar “a sós”.
Todos na mesa o observaram se afastar. Antes que os padrinhos iniciassem uma conversa na qual fosse obrigada a participar, estendi minha mão para que Isac se levantasse.
— Isac, faz tempos que não o vejo. — Aproveitei que ele estava de pé e o abracei forte.
— Você é a noiva mais perfeita que o mundo já presenciou. — Ele respondeu. Seu olhar indicava que ele falava com sinceridade.
Senti vontade de chorar.
Prendi o rosto de Isac entre minhas mãos e o reparei bem. Apesar do sorriso bonito, os trajes perfeitos e o cabelo impecável, um conjunto fazia dele belo como um deus, havia algo errado. Ele estava maquiado e visivelmente mais magro. Se emagrecesse mais, se tornaria um anoréxico.
— O que houve com você? — Perguntei preocupada.
— Gripe. — Havia uma mentira ali, seu olhar estava distante.
— Tem certeza? — Alisei seu tórax e senti os ossos de suas costelas.
— Sim. — Ele sorriu.
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Aproveitei-me da presença de Nia e a distração das outras pessoas que estavam na mesa. Abri a mochila de Isac e tirei uma foto de seu conteúdo. Fui ao banheiro analisar a foto e retornar as ligações que eu havia ignorado.
— Enfim você retornou a ligação. — Era o delegado.
— Perdão, estava na cerimônia. — Me desculpei.
— O apartamento estava quase vazio, mas havia munição calibre trinta e oito. Certamente ele tem uma arma consigo. — Isso era péssimo. — É preciso detê-lo agora.
— Chefe, acredito que ele esteja com alguma psicopatologia. O homem seguiu Petúnia como um lobo, parece ser uma espécie de obsessão doentia. — Eu precisava ser prático. — Já tomei as providências para interná-lo em uma clínica.
— Rápido com isso, antes que ele fuja. — Desligou.
Meu coração estava apertado, mas eu precisaria acelerar o processo. Procurei na galeria de imagens a foto do interior da mochila.
Não podia ser, mas era. Um pote de estricnina e um revólver.
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Uma longa fila se formou para cumprimentar Nia e Miguel. Meu coração estava pisado desde o momento no qual ela me procurou. Eu sabia que aquilo era uma atenção especial e eu me senti tão mal quanto me sentiria se ela tivesse me ignorado. Nia não entendia e não entenderia como eu me sentia.
Tive vergonha quando ela passou a mão em meu tórax e sentiu minhas costelas protuberantes, sua feição denunciou nojo.
Quando ela se afastou, agarrei minha mochila. Mais um pouco e eu faria o que precisava fazer.
— Isac, preciso de um favor. — Nico acabara de sair do banheiro.
— Sim, o que aconteceu? — Já estava de pé, disposto a ajudá-lo no que precisasse.
— Meu carro, não está funcionando.
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Precisava de uma desculpa para atrair Isac para fora do recinto, então menti que meu carro estava com problemas mecânicos. Para minha sorte ele consentiu em ajudar.
Na verdade dois fortes enfermeiros já estavam dispostos na saída do salão. Eu esperava que não fosse um escândalo.
Paciente, segui devagar enquanto conversava sobre a decoração.
Quando finalmente ultrapassamos o portal e estávamos do lado de fora, pude revelar a verdade.
— Isac, sinto muito, mas por precaução você precisa ser internado — ambos os enfermeiros seguraram seus braços —, sei que você estava seguindo Nia — a expressão do rapaz era surpresa — e isso não é algo comum.
— Mas eu não fiz nada, nem machuquei ninguém. — Ele estava em choque.
— No entanto é suspeito de assassinato. Vi a arma e o veneno em sua mochila. Será preciso explicar muitas coisas.
Tentei me manter calmo, minha intenção era deixá-lo com esperanças de uma recuperação.
Então ele fez o que jamais imaginei que faria.
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Ouvi os gritos do lado de fora do salão. Era a voz de Isac. Deixei os convidados cumprimentado o vento e saí às pressas. Quando cheguei lá fora, Isac estava seguro por dois brutamontes vestidos com roupas brancas. Não pensei muito, apenas parti para cima de um deles e comecei a agredi-los, mas Nico me segurou.
— ME SOLTA! — Isac gritou.
— SOLTA ELE! — Berrei.
— Infelizmente não posso. Ele é suspeito de assassinato, possui uma arma roubada e estava seguindo a senhorita. — As palavras de Nico caíram em meus ouvidos como bombas.
Eu estava em choque, não sabia o que pensar. Isac me seguira? Por quê?
— Me diz que é mentira — olhei para ele, mas ele fitou o chão. Eu não podia acreditar naquilo. Não podia ser verdade. — Me diz que é mentira, Isac. Por favor. — Não consegui segurar as lágrimas.
— Nia, eu posso explicar, eu não matei pessoa alguma. — Ele me olhou com a expressão mais triste que eu já tinha visto em toda a minha vida. Em seu rosto não havia sequer a sombra do sorriso luminoso de um Isac de outrora.
— Então o que está acontecendo? — As lágrimas desciam como cascatas pelo meu rosto.
— Eu... Eu... — Ele não conseguia falar.
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Eu não conseguia suportar a expressão de sofrimento no rosto dela. Eu não podia deixar que ela pensasse que eu era um assassino. Era melhor contar a verdade e destruir nossa amizade. Era o único caminho viável para que ela não pensasse o pior de mim.
— Eu amo você. — Sussurrei.
— Não entendi. — Ela franziu o cenho, mas ainda chorava. Aquilo era demais para mim.
— EU TE AMO, NIA! — gritei. — EU AMO VOCÊ!
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Ele me amava. Era isso. Ele gritava que me amava.
— Não pode ser — eu não conseguia acreditar. — E mesmo que me amasse, qual a relação entre todas essas coisas?
Eu não conseguia parar de chorar. Isac estava muito magro, triste, preso por dois brutamontes, chorando como um menino enquanto dizia que me amava.
— Eu te amo, Nia. Eu quis proteger você. Você nunca vai poder entender como eu me sinto. Nunca! Você é meu ar, meu chão, meu céu, meu tudo, é a minha razão de viver. Eu sempre te amei, sempre respeitei seu tempo e seu espaço, porque pensei que você me amaria também, mas você conheceu o Miguel e tudo mudou. Tudo ficou certo para você. Nia, eu quis não ter inveja ou ciúmes, mas não consegui. — Ele ainda chorava. — Eu só queria proteger você. Comprei uma arma e te segui porque eu não confiava no Miguel. Comprei uma moto também. Eu tinha medo, medo que você morresse, medo que ele te fizesse mal, e eu não estivesse lá para proteger você, como quando aquele cara estuprou você.
Se eu pudesse descrever meu coração com uma imagem, seria um coração amarrado e apertado por cordas a ponto de se partir. Isac não era mau. Nunca foi mau e nunca seria. Ele era a melhor pessoa que eu conhecia. E eu sabia que ele tinha um afeto especial por mim, mas não sabia que era amor e nem a que ponto isso chegaria.
— Nia eu te amo. — A súplica estava em seus olhos. — Eu mataria e morreria por você.
Eu queria responder que eu entendia e tentar achar uma solução para tudo, mas não fui rápida o suficiente. Eles o carregaram para a ambulância da clínica psiquiátrica mais famosa da cidade.
— Eu sinto muito Nia. — Nico também se foi.
E eu fiquei com um vazio.
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