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Nico recebe a notícia

— Nico. — O delegado estava parado em frente à janela da própria sala. As costas viradas em minha direção e as mãos seguravam as extremidades da cintura.

Tive a impressão de que ele diria algo realmente muito ruim. Sua secretária adiantou que o assunto era urgente, mas ele estava calmo demais.

— Delegado. — Confirmei minha presença com a palavra, caso ele ainda não tivesse percebido que eu já estava parado ali havia três minutos inteiros.

O delegado se virou e pude ver seu rosto, havia preocupação e algo que eu não conseguia identificar.

— Sente-se. — Ele acenou na direção de uma cadeira.

Aceitei a oferta. Sentei-me enquanto observava o próprio delegado andar até sua poltrona e se sentar. Ele colocou os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou os dedos das mãos. O homem me olhava como se eu fosse um cão atropelado.

Respirou fundo e apertou os lábios em uma linha severa. Remexi-me na cadeira sentindo um desconforto incomum. Em todos os meus anos de profissão eu ainda não tinha visto o homem naquele estado.

— Nico, eu preciso dizer duas coisas. — Expirou o ar com muita força e olhou para a mesa. — A primeira, é que, eu sinto muito, mas se você não pegar o assassino da rosa em no máximo duas semanas, seremos obrigados a dispensar seus serviços.

Meu coração deu um salto. Aquilo não era uma ameaça, não era uma possibilidade, era um aviso. Meu emprego estava realente na berlinda. Prendi a respiração enquanto olhava para o teto.

Meu único fracasso até então era aquele assassino. E apenas recentemente eu tinha conseguido pistas que se encaixavam em um rastro conciso. Claro que eu não tinha informado o delegado acerca da descoberta de novas pistas e os últimos acontecimentos fizeram com que a investigação andasse a marcha lenta, mas nunca pensei que a situação ficaria tão crítica ao ponto de o meu emprego depender daquilo.

— Você sempre foi muito bom profissional, Nico. No entanto esse caso não pode continuar como está. — Ele se mostrava tenso. — Eu sei que você fez seu melhor, mas tendo se envolvido nele de maneira pessoal, imagino que tenha sido mais difícil investigar. O sujeito pode estar debaixo dos nossos narizes.

E ao que tudo indicava, ele realmente estava.

— Delegado, tem algo que... — Era hora de eu contar minhas suspeitas. — Você tem razão, faltou profissionalismo, fui antiético, e isso pode ter afetado meu trabalho de alguma maneira, mas preciso dizer que eu tenho um novo rastro. — O delegado ergueu as sobrancelhas em uma reação genuína de pura surpresa. — Confesso que ajudei Isac a invadir a clínica do Schukrut e eu tive um bom motivo.

— Nico, você... — O tom indicava um sermão furioso, mas eu ergui a mão como um sinal de que ele precisava me deixar falar.

— Eu realmente tive um bom motivo. — Comecei a justificar minhas atitudes ou perderia o emprego naquele momento. — Primeiro, acredito que prendi Isac injustamente. Ele não pode ser o assassino e espero que seja solto o mais rápido possível. Em segundo lugar, preciso dizer que o principal alvo do assassino é a jornalista Petúnia Alves. Não sei os motivos desse psicopata, mas tenho pensado que tudo isso que ele tem feito é uma maneira de cortejar ela. — O delegado me olhava com atenção renovada. — Terceiro, eu não sei como lidar com essa informação e eu gostaria que ficasse entre nós, a interferência da imprensa pode atrapalhar tudo.

— O que é? — Ótimo, eu tinha toda a atenção dele, seria um bom momento para conseguir apoio.

— Segui as pistas de quem matou Naila aqui na prisão. — Foi minha vez de cruzar as mãos na frente do corpo e lançar ao delegado meu olhar mais franco e altivo. Eu precisava o apoio incondicional daquele homem. — E eu tenho um suspeito. Acho que ela era instrumento do assassino e por isso foi assassinada.

— Quem? Quem é o suspeito? — Ele estava claramente ansioso, talvez seu próprio cargo dependesse do meu sucesso.

— O marido de Nia. Miguel Tunísio. — O delegado arregalou os olhos com a surpresa da revelação. — Ou alguém com o rosto dele. — Observei enquanto ele se recostou na cadeira e colocou uma mão sobre a testa. — No dia que assassinaram Naila, havia um substituto no lugar do funcionário que servia a comida. Ele me deu o endereço da agência de emprego para a qual ligou. Apesar de eles terem registros de quem entra e sai, não tinha nenhuma foto do sujeito que foi enviado. Ela sumiu junto às imagens da câmera de segurança, mas eu consegui um retrato falado. O nome na ficha dele era “Juan”, mas o retrato falado... Bom, ele se parece com o marido de Petúnia.

— Então ele é o provável culpado e usou um nome falso. — O delegado se endireitou na cadeira enquanto chegava à conclusão mais óbvia.

— Não é tão simples. — Expliquei. — No escritório de Schukrut havia uma pasta dedicada ao Miguel. Isac roubou a primeira página, eu não a vi, mas acho que ele não mentiu quanto às informações contidas nela.

— Nico, você sabe que aquele homem faria tudo por ela. — A repreensão não foi surpresa para mim. — Inclusive mentir.

— Acontece que isso funciona a nosso favor. Ele sabe que o assassino a quer, então  não há motivos para atrapalhar a investigação. — Inspirei e expirei o ar com força. — E eu encontrei a pasta. O arquivo é manuscrito, estava faltando partes e as que li não tinham nada de muito relevante. A letra de Schukrut é péssima, Isac não conseguiu ler tudo, mas o arquivo mencionava o nome “Juan”. Veja delegado, apenas você e eu sabemos os resultados da investigação acerca do assassino de Naila. Não existe a menor possibilidade de esse homem ter mentido acerca disso.
O delegado se levantou e começou a andar de um lado para o outro em um claro gesto de impaciência. Estava pensando, aquela era minha deixa.

— Eu interroguei Schukrut, mas ele não se deixou coagir. — O delegado parou um momento e expressou a surpresa por eu ter interrogado o psiquiatra. — Porém, deve existir algum grande motivo para ele ter destruído quase todo o conteúdo da pasta. Pense comigo, delegado, o homem não destruiu pastas com informações sobre assassinato a sangue frio, mas tentou se livrar de um arquivo sobre um paciente saudável e vivo. A pergunta é... Por quê?

— Muito perspicaz, garoto. — O delegado apontava o dedo em minha direção enquanto me contemplava como se eu fosse um gênio.

— Então, preciso de apoio irrestrito. — Como eu imaginava que aconteceria, ele congelou no lugar. Eu estava pedindo demais, apoio irrestrito significava carta branca para fazer o que quisesse. — O assassino é uma pessoa muito inteligente e cheia de contatos. Ele trabalha com cúmplices, muito bem escolhidos, e depois ele os mata a sangue frio. Estamos sempre um passo atrás. Mas agora, temos uma chance e ele não pode saber que eu estou tão próximo da verdade, então você não pode justificar o apoio com as informações sobre a investigação.

— Isso é loucura. — Esbravejou em sussurro.

— Se não agirmos como loucos, nunca pegaremos um psicopata inteligente como o diabo. — Defendi minha posição porque eu precisava desesperadamente daquele apoio. Seria muito difícil sem ele, e eu ficaria sem emprego. — Entenda, ele têm informantes.

— Entendo. — O delegado se sentou novamente. — Nico...

— Delegado, isso é muito importante, eu sei que...

— O que vou dizer também tem relação com sua investigação. — Interrompeu. Era  um homem firme. — Assim como tem relação com sua vida pessoal.
O delegado pegou uma folha que estava sobre a mesa e me entregou. O conteúdo impresso estava virado para baixo.

— Sinto muito. — Disse com sinceridade. — Vai ser mais difícil trabalhar depois disso.

Virei a folha e fiquei horrorizado com a imagem. Jamais, em toda a minha carreira, imaginei que precisaria lidar com algo daquela magnitude. E jamais, em toda a minha vida até aquele momento, pensei que sentiria tanto ódio e repulsa.

— Você tem meu apoio. — O delegado interrompeu meus pensamentos. — E duas semanas.

Eu faria o tempo trabalhar a meu favor. Aquele assassino não fugiria mais.

— Meu primeiro pedido é a soltura de Isac. — Falei com a voz embargada por conter o choro. — Vamos precisar das habilidades dele.

O delegado me olhou como se eu fosse completamente maluco. Ele precisava confiar, afinal eu tinha carta branca.

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