Não grite
Eu corria pela mata enquanto era perseguida por um animal selvagem e feroz. A besta rosnava meu nome. Minha garganta estava seca, meus pés se moviam com dificuldade no solo fofo que oferecia o obstáculo das raízes. Meus músculos travaram. Sentindo o coração bater como mil trovões dentro de meu peito, tombei ao chão. Meu rosto e minhas mãos machucados pela caminhada do dia sentiram o solo áspero.
A fera pulou sobre mim e rosnou.
Nesse instante acordei.
A parede rochosa na qual tinha me encostado para dormir estava iluminada pela fraca luz da fogueira, cujas chamas morriam aos poucos. Eu precisava colocar mais lenha ali.
Tentei me levantar, mas meu corpo exausto reclamou. Entreguei-me à derrota por alguns segundos, porém lembrei que não era esse meu objetivo. Fugir para morrer na mata. Meu objetivo era sobreviver.
Suspirei e me apoiei na parede rochosa usando-a como suporte para me levantar. Não foi fácil. Minhas pernas estavam fracas demais.
Tentei me firmar sobre os pés. Encostei a testa na rocha gelada tentando ignorar a dor dos nos membros inferiores. Puxei o ar cor força alimentando minha coragem para em apenas um impulso fazer o que era preciso.
Contei até três e me virei em direção à fogueira.
Por um segundo ou dois meu coração errou uma batida. Limpei uma das mãos em minhas roupas e esfreguei os olhos para ter certeza de que não via uma miragem. Não, não era uma miragem, era real.
Afastei-me um passo para trás e me encostei-me à parede da caverna.
A figura alta e imponente que um dia eu achara tão bela estava ali, do outro lado do recinto. Brilhos alaranjados lançados pela labareda cintilavam sobre seus olhos negros, ameaçadores, repletos de ódio. Os lábios estavam comprimidos em uma expressão clara de descontentamento. Um lado do nariz estava franzido como se sentisse nojo do que via.
À medida que diminuía o espaço entre nós, tudo ficava mais iluminado. Os cabelos negros, lisos e em um corte médio. Sedosos, que um dia eu amei tocar. A silhueta coberta por roupas fechadas. E uma faca pequena em uma das mãos. Eu não saberia dizer se era um punhal, tudo que me ocorreu foi que o brilho do fogo cintilou na lâmina, anunciando minha morte.
Um dos cantos da linha dos lábios se ergueu. Não era um sorriso, era sarcasmo.
Tive a certeza de que sairia dali morta.
— Ora ora, querida. — Juan falou enquanto ainda se aproximava em seu passo felino. — Dormiu bem?
Engoli seco.
— Uau! Está tão surpresa e feliz que nem consegue falar. — Ele estava a dois passos de distância. Já passara pela fogueira e a luz iluminava suas costas. A expressão de seu rosto se alterou para a mais completa raiva. — Fico feliz por isso.
Ele diminuiu mais ainda a distância entre nós. Fitei seu rosto. Era possível sentir sua respiração firmemente controlada para que parecesse tranquila.
Todos os meus instintos gritavam para eu correr, mas meu corpo não obedecia. Fui tomada pelo pânico.
Eu, Petúnia Alves, a destemida jornalista que enfrentou a polícia, que foi para um beco escuro com um desconhecido, que invadiu cenas de crime e subornou policiais... Eu, a jornalista cruel que quis ascender ao topo sem nenhum escrúpulo... fui tomada pelo mais puro e paralisante pânico.
Era impossível respirar. Impossível desviar o olhar.
Meu corpo estava tão paralisado que não consegui sentir o contato da pele da mão de Juan quando apertou meu pescoço.
Eu sabia que ele podia sentir cada batida do meu coração, assim como o sangue que corria veloz pela artéria de meu pescoço.
— Você é uma ingrata, Petúnia Alves. — Sussurrou. Pude sentir o hálito quente acariciar meu rosto. Um presente do medo. — Eu fiz tudo por você. Tentei te dar o céu e o inferno. EU! — Com a mão livre apontou para o próprio peito. — Te dei alguém para odiar. Presenteei-te com alguém para amar. Fiz suas vontades. Construí um caminho seguro para nós.
Se existisse algum metal negro e ele fosse derretido até ficar líquido, esse metal ficaria como os ameaçadores olhos de Juan estavam naquele momento.
— Eu, Petúnia... Nós... Demos a ti até mesmo um filho que você vai poder amar e proteger até seu último suspiro... — Sua respiração pesava a cada palavra. — Eu te dei propósito!
Os dedos que apertavam meu pescoço se estreitaram mais.
A faca que ele segurava antes devia estar em algum bolso porque uma mão livre atingiu meu rosto com uma tapa tão forte que poderia ter arrancado minha cabeça do lugar.
— Você poderia ter me aceito. Poderia ter amado a mim, vadia! — Sua fala se transformou em um rosnado. A pele do meu rosto começou a queimar e arder no local onde sua mão tinha me acertado. — O que há de errado comigo, afinal? — Perguntou. — Não sou bonito o suficiente? Não sou bom o suficiente? Não sou rico o suficiente? Meu irmão detestável não é amoroso o suficiente?!
Juan desferiu outra tapa, igualmente cruel.
Um bolo se formou em minha garganta quando ele falou de Miguel. O homem que eu amara verdadeiramente.
— ELE NÃO ERA BOM O SUFICIENTE?! — Gritou. — Ele não amou você? Não fez todas aquelas coisas que você gostava? Por que até mesmo dele você fugiu? O que há de errado comigo?!
As lágrimas escorriam pelo meu rosto. Uma dor aguda cortou meu corpo e minha alma como uma lança cruel.
Tentei articular uma palavra, mas apesar de a boca se mexer, a voz não saiu. Juan afrouxou os dedos, no entanto, ainda me manteve firme contra a parede de pedra.
Puxei um pouco de ar e falei.
— Você me estuprou. — Minha voz era um sussurro sofrido. Um fino fio de agonia. — A primeira vez, você me estuprou. — A última palavra saiu tão baixa que não tive certeza se ele tinha ouvido.
— E você queria que eu tivesse feito o quê? — Sua voz estava macia outra vez, daquela maneira perigosa. — Você é a culpada, Nia. Você nunca me deu escolha. A culpa é toda sua.
Juan aproximou seu rosto do meu até que nossos narizes se tocassem.
— Você não me deu escolha. — Continuou. — Eu amei você desde a primeira vez que te vi, mas você não quis se entregar de maneira espontânea. A culpa é toda sua.
— Não. — Sussurrei. Meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas. — Posso ter muitas culpas, Juan, mas essa situação não foi minha culpa. — Pausei por alguns segundos para recuperar o ar. — Ninguém é obrigado a fazer sexo com alguém que não desperta desejo, com uma pessoa que não te faz sentir vontade. Não... Você é completamente doente. Eu jamais poderia amar você! — Cuspi as palavras em um lapso de coragem.
E me arrependi logo em seguida, quando outra tapa atingiu meu rosto.
Senti uma tontura forte. Mais uma e eu perderia os sentidos.
— Mas você transou com o Miguel, sua puta. — Riu com sarcasmo. — Você quis transar com ele na primeira noite. E na segunda... E muitas vezes depois.
— Eu amei Miguel desde o primeiro dia. — Contrapus. — Eu o desejei porque ele era tudo o que eu sonhava em um homem: bonito, inteligente, ousado, atencioso... Ele pediu permissão e eu quis permitir. Eu o desejei em mim...
Não consegui falar mais porque Juan apertou meu pescoço.
— Sabe, eu pensei em manter você viva, mas já que você repudia tanto minha presença, é melhor matá-la. — Havia nojo na forma como pronunciava as palavras. E verdade.
Não era uma ameaça. Era uma promessa.
— Vi que tem um barranco perto daqui. — Sorriu daquela maneira sádica. O prenúncio de acontecimentos ruins. — Vamos fazer uma visita.
Juan enfiou a mão debaixo da blusa de frio e tirou uma corda que devia estar amarrada em sua cintura.
Habilidosamente me virou contra a parede e amarrou meus braços.
Depois me colocou à sua frente e a faca que tinha sumido, agora ameaçava meu pescoço.
— Anda! — Ordenou. Ao mesmo tempo me empurrou com o corpo. — E não grite! Ninguém vai ouvir você, poupe energia.
Eu sabia que ninguém me ouviria.
Ninguém sentiria minha falta. Não ali.
Eu estava longe de tudo e de todos de me amavam ou me amaram um dia.
A imagem de Isac surgiu em minha mente. Suas respostas duras no dia que o visitei na prisão.
A pressão da dor aumentou, meu peito parecia pequeno para todos os sentimentos que se acumularam.
Não, eu não gritaria.
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