Hotel
— Viajaram. — Ricardo contou.
Não era necessário que ele explicasse o quanto estava surpreso por ver-nos ali. Sua expressão de desconcerto era auto-explicativa.
— Como assim, viajaram? — Nico passou uma mão pela cabeça.
Fomos até a casa de Adamastor o mais rápido que pudemos. Tudo sairia conforme o planejado se não fosse um pequeno detalhe: Nia e Miguel não estavam mais ali.
Ricardo nos convidou a entrar na casa, mas Nico recusou, preferiu continuar na soleira da porta.
— Na verdade eles se mudaram. — Ricardo explicou. — Minha irmã estava muito debilitada e, segundo uma psicóloga, Nia está traumatizada. De fato é verdade, liguei para a profissional e confirmei o diagnóstico. Miguel achou melhor tirar ela da cidade. Faz pouco tempo que pegaram o voo.
Meu coração acelerou sob a perspectiva de não vê-la mais. E Nia viajava apenas com Miguel, que era a pessoa mais suspeita até o momento. Não poderia estar certo, mesmo que fossem casados.
— Entendo. — Nico pronunciou a palavra de um jeito misterioso. — Ele deixou algum endereço?
— Sim, deixou. Espera um minuto. — Ricardo entrou na casa para buscar o endereço.
— Então... — Eu não sabia o que dizer, mas entendia a gravidade da situação.
— Logo conversaremos sobre isso. — O detetive lançou um olhar sobre Ricardo que se aproximava de mãos vazias.
— Desculpa, não consegui achar o endereço. — A testa de Ricardo estava franzida. — Talvez meu pai tenha pego. E ele não está em casa.
Nico expirou com força. Um sinal de impaciência, mas ele não extravasaria a raiva ali.
— Você tem pelo menos noção de onde é? — As palavras, mal colocadas, poderiam fazer com que Ricardo se sentisse um idiota, porém, Nico sabia ser direto e neutro.
— Uma ilha, eu não conhecia. Sei que fica em outro estado. Segundo ele, lá chove muito e minha irmã gosta dessas condições climáticas.
— Entendo, quando você conseguir o endereço, entre em contato comigo. — Nico pegou a carteira de onde retirou o cartão que foi entregue para Ricardo. — Só mais uma coisa: sua mãe disse algo sobre Nia estar com hematomas?
Ricardo lançou um olhar confuso, era claro que ele não sabia muito.
— Não. Por quê? — O rapaz assumiu uma postura tensa ao perguntar.
— São apenas suspeitas. — Nico falou de uma maneira apaziguadora. — Talvez seu pai saiba de algo. Nos comunique se ele souber. Agora precisamos ir.
Nico estendeu a mão e cumprimentou Ricardo que nos analisava com suspeitas. Ele, por sua vez, devolveu o cumprimento porque acima de tudo era um jovem educado.
— Foi bom vê-lo outra vez. — Estendi minha mão para cumprimentá-lo.
— Digo o mesmo. Faz algumas semanas desde a última vez.
— É. — Era uma resposta monossilábica que só um palerma como eu poderia dar, mas não sabia como reagir.
— Você mudou. — Comentou enquanto colocava as mãos na cintura e me analisava de cima a baixo.
— A prisão muda um homem. — Falei em tom de humor, todavia era uma grande verdade. A prisão e a culpa pela perda de pessoas queridas. — Bom, depois conversamos mais, o detetive é um homem ocupado.
— Por que você está com ele? — Ricardo apontou com o polegar na direção de Nico.
— Trabalho escravo. — Forcei uma risada curta e me retirei antes que ele fizesse mais perguntas.
Nico me seguiu.
Foi uma grande falta de educação deixar o irmão de Nia plantado na porta, mas havia coisas que não poderíamos explicar por serem de caráter confidencial.
Entrei no carro e coloquei o cinto de segurança enquanto esperava Nico fazer o mesmo. Ricardo ainda estava na porta. Observava nossa partida brusca e enigmática.
— E então... Eles não estão mais aqui, o que você vai fazer? — Questionei enquanto Nico ligava o motor e executava uma manobra para sair do estacionamento.
— Precisamos de todas as provas que pudermos conseguir para trazê-los de volta. — O rosto de Nico se transformou em uma carranca mal humorada. — Não gosto disso. Precisarei pedir favores à polícia federal, e são um bando de cretinos, não vão colaborar muito. Teremos apenas uma chance e ela não pode ser desperdiçada.
— Polícia Federal? — Era de se esperar que mais nada me surpreendesse, mas isso não era real. O caso ficava cada vez mais grave e envolvia mais e mais pessoas.
Nico me lançou um olhar de descrença.
— Ela mudou de estado, você conhece uma forma mais eficiente de buscá-los? — Ironizou.
Claro que eu não conhecia. Eu nem mesmo era um detetive.
— Aonde iremos agora? — Mudei o foco da conversa. Nada de proveitoso sairia da temática anterior.
— Iremos visitar Schukrut.
Nico acelerou o carro.
♠♠♠♠
O vôo não foi muito longo, fato que me deixou aliviado. Quanto mais confortável Nia estivesse, melhor seria. E ela não ficaria confortável fora de nosso lar, fosse onde fosse.
Pegamos um táxi para chegar até o hotel. No caminho, eu apontava as belezas locais. Tinha sido uma boa escolha de lugar. Ainda não estávamos na ilha, mas era possível vê-la do litoral. O dia se mostrava ensolarado, e as folhas das árvores, verdes como só elas poderiam ser durante o início da primavera. Brilhavam sob os raios de luz. Havia muita vegetação, e sombras longas sob as quais um homem poderia passar dias deitado em uma rede. Uma quantidade agradável de vento refrescava a pele e fazia os cabelos voarem de maneira charmosa.
O local era o paraíso, mas evitei deixar Nia exposta ao sol por tempo demais, porque eu não tinha passado bloqueador solar em sua pele.
O hotel era fresco e alegre com um hall de entrada todo trabalhado em mármore e madeira. O taxista nos seguia enquanto carregava nossas malas. Eu não poderia fazê-lo porque precisei guiar Nia - naquele dia ela conseguiu andar - até uma elegante poltrona próxima à recepção.
Fiz nosso check in e pedi ajuda para levar as malas até o quarto, assim como um carro alugado para resolver tudo com mais agilidade.
Quando tentei levantar minha esposa, ela não conseguia mais se manter em pé. Foi preciso carregá-la no colo. Não era esforço, sempre fui um homem grande, forte, e não seria a primeira vez que a carregava. Ainda assim, se ela estivesse consciente da situação, talvez se sentisse envergonhada porque chamamos atenção de meia dúzia de pessoas. Para amenizar a situação, beijei seus lábios de leve e sorri. Passaria a impressão de sermos um casal apaixonado que chegava para a lua de mel.
Quando chegamos ao quarto, pedi que colocassem as malas em um canto enquanto deitei Nia sobre a cama. Uma lágrima solitária desceu por sua bochecha esquerda. Eu não sabia como interpretar aquele sinal e meu coração ficou apertado pela angústia, mas tentei manter uma fachada de serenidade e sorri enquanto enxugava a lágrima com o polegar. Pelo menos ela não estava agitada.
Quando ficamos a sós, levei Nia para o banheiro e tirei sua fralda. Estava limpa, mas poucos segundos depois de ser colocada sobre o sanitário ela atendeu ao chamado das necessidades fisiológicas. Tinha segurado até aquele momento. Era um sinal de melhora.
Peguei uma toalha e a banhei para que ficasse completamente limpa. Talvez ela preferisse assim.
— Que tal colocar uma bermuda? — Perguntei enquanto pousava seu corpo sobre a cama, um pouco úmido e enrolado na toalha. A parte mais complicada era não molhar o cabelo para não precisar refazer todo o penteado. — Acho que vai ser melhor. Colocarei a fralda outra vez, não precisa sentir vergonha, as pessoas às vezes precisam delas. Quando eu ficar velho você também vai me vestir com elas.
A imagem de Nia me vestindo fraldões arrancou-me um sorriso.
— Que tal aquela bermuda cáqui com a camiseta branca? — Perguntei enquanto selecionava uma lingerie limpa de aparência confortável.
Vesti a fralda em Nia, depois a lingerie e por fim a roupa escolhida. Não seria bom carregá-la no colo enquanto usada vestido, eu poderia acidentalmente expor suas partes íntimas.
— Está linda. — Elogiei. — Sempre linda. Agora falta apenas arrumar o cabelo e passar protetor solar. Farei um rabo de cavalo.
Peguei a escova dela e arrumei seus cabelos. Estavam tão curtos que quase não era possível amarrar. Refiz a maquiagem corrigindo pequenas falhas e escovei sua franja outra vez para que ficasse bem arrumada. Nia estava completamente alinhada. Se ninguém soubesse de sua condição, talvez até se enganasse pensando que ela mesma tinha se arrumado.
— Agora precisamos resolver uma série de burocracias. Se tudo der certo, estaremos em casa amanhã. Testei se Nia conseguia andar, mas não conseguia. Peguei-a no colo e saí.
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