Considerações - Parte I
Sábado fora, de fato, um dia muito agitado.
Eu tinha consciência da lembrança amarga que Nia teria de seu casamento, mas realmente era preciso continuar minhas investigações. Isac era meu principal suspeito, porém eu não gostaria que fosse assim. Ele parecia ser sincero quando falava de suas intenções e era nítido, como um dia ensolarado, que ele amava Petúnia. No entanto, era impossível esquecer o que ele disse para ela: “eu mataria e morreria por você”. Era um sentimento intenso demais, e como todo sentimento muito intenso, esse também tinha consequências.
Olhei-me no espelho, meu reflexo, de roupão cor champanhe enquanto segurava uma taça de vinho. Era meu momento sagrado de reflexão.
Claro, poderia ser que Isac estivesse com intenções de matar quem a ameaçasse e morrer por ela, mas ele poderia ter cometido assassinatos unicamente com a intenção de alavancar a carreira de Nia, era o sonho dela afinal, que a carreira tivesse uma alta projeção.
Andei até minha sala onde, na parede, havia um quadro de recados. Já estava na hora de esquematizar toda a informação que eu tinha. Comecei a anotar no quadro tudo o que eu sabia.
1. Tudo estava de alguma maneira, relacionado à Petúnia, a jornalista;
2. Morte no beco: De alguma forma a pessoa que levou o cadáver passou despercebida, ou a vítima poderia estar viva até pouco tempo antes de ser encontrada. Havia possibilidade de a vítima ter se deslocado até lá por livre e espontânea vontade;
3. Morte no cinema: Alguém colocou um cadáver dentro do cinema e saiu sem que fosse percebido, havia engenhosidade no esquema;
4. Morte do floricultor: Executado por saber mais do que deveria. Sua filha não tinha informações sobre o assassino, mas Yamma o vira, o que significava que ele teve algum contato com o floricultor.
5. Morte de Lia: Acidente de carro. Talvez o assassino estivesse a conduzir o caminhão, mas poderia ter sido puro acaso.
6. Morte da mãe de Miguel: Morava em um local distante, mas algo a trouxe à cidade. Seu cadáver estava fresco.
7. Morte de Naila: Clara “queima de arquivo”.
8. Morte do funcionário de Naila: “Queima de arquivo”.
9. Morte do informante de Nia: “Queima de arquivo”.
Certo, todas as mortes estavam ali? Parecia-me que sim, era necessário pensar em cada morte e em como o assassino agia. Pensar mais, pensar além. Peguei um bloco de notas e comecei a anotar algumas considerações relacionadas a cada morte.
1. Se alguém queria chamar a atenção da jornalista, quais poderiam ser os motivos?
Ela era uma jornalista. Era comum que alguns assassinos em série fossem pessoas egocêntricas que desejavam a atenção da imprensa para seus feitos. No entanto, por que o assassino escolheria Nia? Quisera ele que seu trabalho fosse exibido no jornal? Por isso a morte “9”? Nia recebia relatórios da perícia, ela poderia escrever com detalhes.
Mas era preciso considerar outras possibilidades. Se o maior sonho de Nia era ser uma grande jornalista, o caso de um assassino em série alavancaria sua carreira. Deste ponto de vista, Petúnia poderia ser a assassina, mas não era viável pensar assim, pois ela tinha álibis incontestáveis, inclusive minha própria presença.
Existia o “fator Isac” e sua impactante revelação. Ele a amava e seria capaz de ajudá-la como pudesse. Segundo as informações ele não estivera no bar, mas estivera no shopping na noite do assassinato no cinema. Estava com Nia quando ela recebeu o buquê e foi quem levou Lia à festa do jornal. Como amigo próximo, era possível que ele soubesse que Petúnia recebia informações da polícia. Mas, como Isac teria acesso à mãe de Miguel?
E, havia a possibilidade de alguém odiar Nia a ponto de matar pessoas para prejudicá-la de alguma maneira. A questão era “por quê?”.
Servi mais vinho na taça, me acomodei no sofá e coloquei o bloco sobre o colo. Olhei para a tela em uma parede: um cigano na praia trajando apenas calças.
Suspirei. Tomei um gole do vinho desfrutando ao máximo seu sabor.
Peguei novamente o bloco de anotações.
1. Se alguém queria chamar a atenção da jornalista, quais poderiam ser os motivos?
a) Ego;
b) Amor;
c) Ódio.
2. Morte no beco. Nia e Miguel foram ao beco para troca de intimidades que não poderiam ocorrer em público sem chamar atenção. O local era escuro, mas no canto no qual o cadáver fora colocado a iluminação era impossível, a equipe de perícia usou iluminação artificial para a remoção do cadáver. Sinceramente, o que poderia ter ocorrido? Havia inúmeras possibilidades.
2.1. O assassino vigia Nia com frequência, sabe que ela vai ao bar toda sexta feira. Seguindo sua rotina, o assassino:
2.1.1. Carrega o homem - já morto - até o beco. O deixa lá e sai devagar sem levantar suspeitas. Uma hipótese não aceitável, pois o cadáver deixaria um rastro de sangue.
2.1.2. Carrega o homem vivo, porém desmaiado e o mata no beco. Chamaria muita atenção carregar um homem desmaiado e, exigiria muita força física.
2.1.3. Atrai o homem até o beco e o mata lá. O mais provável, mas exigiria um “timing” perfeito, para que Nia e Miguel encontrassem o cadáver ainda fresco.
2.2. Nia envolvera-se no crime e calculou o tempo para encontrar o cadáver no beco, mas não era possível já que seu encontro com Miguel fora por acaso.
Essas hipóteses me fizeram considerar algo que antes eu não havia considerado: o assassino tinha um cúmplice, isso facilitaria todas as suas manobras. Havia o fato de quatro pessoas estarem mortas por conhecer o rosto do assassino, uma ou mais poderiam ter sido cúmplices.
Levantei-me e coloquei “cúmplice” no quadro de recados, depois me sentei no sofá novamente e continuei as anotações.
2.3. A marreta. A arma do crime era pesada e grande, considerando o estrago que fizera, não podia ser carregada sem passar despercebida. A não ser que ela ficasse escondida em algum lugar e o assassino ou seu cúmplice a buscasse depois. Porém, era preciso estar escondida, então o assassino conhecia o local. Talvez a arma ainda estivesse lá quando a perícia recolheu as provas, porém ela passou despercebida.
Uma falha terrível não ter analisado os prédios que faziam parte do beco e suas estruturas, mas era necessário pensar que o assassino poderia estar de sobretudo, com a marreta escondida na roupa. Não era prático, mas era uma possibilidade.
3. Morte no cinema. Essa era estranha, pois o assassino previra a sala na qual Nia e Miguel estariam, de quebra ainda acertou a fileira na qual a jornalista se sentaria. Poderia ser golpe de sorte? Sim. Era relevante o fato de a poltrona ser especial e estar onde, por lógica, seria um degrau. Talvez o assassino seguisse a linha de raciocínio de que o casal era recém formado, e como tantos outros, se sentariam na última poltrona para trocar carícias indecorosas. Era um filme propício para tal.
E se o assassino realmente soubesse onde se sentariam? Discretamente ele poderia ter se esgueirado por alguma passagem secreta, cinemas costumavam ter esses lugares, como saídas de emergência. Então era necessário considerar a vítima. Ela chegara ali morta ou viva? Se estava morta, ele teve todo o trabalho de carregá-la escada acima?
Não me daria ao trabalho de supor todas as possibilidades, era necessário averiguar a estrutura do shopping e entender os meios que o assassino poderia ter utilizado para chegar à sala de cinema. Entre uma sessão e outra havia dez minutos de intervalo, cinco destes gastos para a rápida organização da sala.
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