Confissão
Eu sentia medo.
Tecnicamente, eu não tinha família para me ajudar, Nia estava casada e seus pais sequer se lembravam de minha existência. Eu estava acabado, humilhado, na sarjeta. Eu era um fracassado.
Quando chegamos à clínica, me obrigaram a descer da ambulância, de supetão. O resultado foi que caí e machuquei o rosto, e eu sequer resistia. Senti em meus ossos que nada de bom sairia daquela estadia.
Meus planos eram me afastar da cidade e me suicidar com estricnina, não havia mais motivos para viver. A maior parte do tempo eu sentia apenas tristeza, na outra parte, um vazio que não me deixava ter paz. Tudo saiu errado. Ao invés da morte, eu carregava a humilhação de ter confessado meus sentimentos para Nia e ela sequer ter se importado.
Talvez ela estivesse rindo de mim pelas costas, ou apenas aproveitando a comemoração de seu casamento, enquanto eu permanecia ali, com o rosto borrado de sangue, sentado em um banco no centro de uma sala toda branca. E ainda por cima algemado.
Perdi as contas de quanto tempo fiquei ali. Com toda a sinceridade eu estava sonolento demais para me concentrar. Era o resultado de todos os dias nos quais não dormi. Calculava mentalmente uma maneira de me deitar no chão e dormir quando vi a distinta, e bem vestida, figura de Nico entrar na sala.
Ele trouxe uma cadeira consigo, se sentou em minha frente e olhou no fundo de meus olhos.
— Isso pode ser do jeito fácil ou do difícil. Você me diz a verdade e eu te arranjo um advogado, ou, você mente e eu te deixo apodrecer aqui. — Seu tom era rude. A expressão, fria.
Mal sabia ele que eu não tinha motivos para mentir. Eu sequer tinha motivos para viver.
— Eu, Isac Nowaes Cordieri de Assis não tenho motivos para mentir ou omitir absolutamente nada. — O fitei com meu melhor olhar sincero e gélido.
— Então me confesse tudo o que fez. Talvez eu lhe arranje um advogado. Lembre-se que tenho provas e testemunhas de seus atos. — Sua voz tinha um ritmo calculado.
Tudo que se mexia era a boca, o restante do corpo dele estava absolutamente imóvel. Aquilo assustaria qualquer pessoa comum.
— Eu sempre amei Nia, e faria tudo por ela. Era costume nos encontrarmos em um bar na sexta à noite, bebíamos e passávamos um tempo juntos. Confesso que eu a amava há muitos anos, mas tentei respeitar seu tempo e seu espaço. No fundo eu achava que ela também gostava de mim, mas talvez eu estivesse errado — minha boca estava seca —, ela conheceu Miguel em uma noite que não pude ir ao happy hour. — Uma lágrima travessa saiu de meu olho e pousou no piso. — Fiquei preso em uma reunião de trabalho. Sei que eles se apaixonaram e ao mesmo tempo o assassino começou a agir. Nia ficou contente com o assunto que surgia para suas matérias. Gradualmente ela me esqueceu. Mas acontece que eu não confiava em Miguel, então resolvi segui-la, para defendê-la caso algo acontecesse. No começo foi pouco, mas precisei me dedicar mais, pois eles passavam mais tempo juntos.
Dei uma pausa. Nico nada disse.
— Aluguei um apartamento próximo ao dela, comprei a moto porque seria difícil segui-los a pé ou em uma bicicleta. O revólver era para caso extremo e o veneno... — Outra lágrima caiu no chão. Minha voz estava embargada. — O veneno era para mim.
— Para você? — Franziu o cenho.
— Você já amou alguém mais que a si mesmo? — Perguntei enquanto o encarava. — Já amo tanto que sua vida não valesse mais nada? Já amou a ponto de desafiar o mundo por aquela pessoa? Já amou alguém como amo Nia?
Ficamos nos encarando no silêncio daquela sala incomodamente branca.
— Não. — Respondeu por fim, e apesar de a expressão continuar gélida, havia algo diferente no tom de voz.
— Não — repeti —, claro que não. Então você não sabe qual é a sensação de sua vida valer nada. De estar oco. Não sabe como é ter sua felicidade arrancada de si. Ela se foi com alguém melhor e mais bonito que eu. Nunca a terei. — Não consegui mais segurar o choro e ele caiu na intensidade real de minha dor.
— Acalme-se. — Ele vacilou, e por alguns segundos sua postura se desfez.
Era um teatro. A pose de homem grosseiro era uma farsa.
— O veneno era para mim. Eu não tenho mais vontade de viver. Olhe para mim, por acaso já não estou quase morto? — Era a crua verdade.
— Você está péssimo. — Confessou. — Te segui por alguns dias e vi você seguindo eles. Minha próxima pergunta é: por que você não confiava nele?
— Não sei, talvez por instinto, ou por ciúmes, mas sempre pensei que há algo muito errado com aquele homem. É perfeito demais, e parece que a sorte o acompanha. Não parece? — Olhei para o sapato elegante no pé de Nico, ele tinha bom gosto.
— Não. — Ele blefava.
— Sim, parece. Porém, eu já havia desistido. Hoje seria meu último dia sobre a terra e você me atrapalhou! — Destilei meu ódio reprimido.
— Vou te providenciar assistência jurídica. — Foi tudo o que ele falou antes de sair.
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