Capítulo 9
— Ainda dá tempo de mudar sua decisão, Emily — Clairy, a mãe do Lucas, fala baixinho para o filho mais novo, Mike, que está no sofá, não ouvir.
Ela se senta na minha frente na pequena mesa da cozinha e me oferece uma fatia de pão que educadamente recuso.
— Não vou voltar atrás, Clairy — afirmo convicta, encarando seus olhos cheios de preocupação. — Vocês são minha família, não me imagino indo para longe.
É difícil controlar a tristeza na minha voz quando digo isso e me lembro de como tudo mudou nos últimos três anos.
Eles são tudo o que eu tenho agora.
Clairy força um sorriso, e o suspiro que ela dá me diz que não vai insistir. A reação dela foi igual quando Lucas também decidiu ficar nos Setores.
— Tudo bem, Emily — comenta, enquanto passa a mão pelo cabelo preto e liso igual ao dos filhos. — Admito que queria que você e o Lucas ao menos tentassem ter uma vida melhor, mas respeito a decisão que tomaram. E nós vamos estar sempre aqui para você. — Ela segura a minha mão e me dá um sorriso carinhoso. — Está quase na hora. Você pode chamar o Lucas para mim, por favor?
Sorrio concordando, enquanto ela se levanta e vai na direção do Mike.
Ando pelo corredor e rapidamente estou no quarto do Lucas. Como a porta está aberta, fico observando-o vestir uma camiseta cinza de costa, até ele se virar para mim.
Lucas não fica surpreso, é quase um ritual diário vir até aqui a pedido da mãe dele, que sempre nos permite ter esses momentos a sós. Ela nos conhece, sabe que não faríamos nada que pudesse nos causar problemas. Além disso, quase sempre temos apenas alguns minutos antes de dar a hora de sair.
— Sonhei com você — digo, enquanto Lucas caminha na minha direção.
Ele fecha o zíper do moletom vermelho que faz os olhos dele se destacarem.
— Eu fazia isso no seu sonho? — pergunta, segurando meu rosto com as duas mãos suaves e mornas ainda do banho, inclinando-se para me beijar de forma delicada.
— Um pouco mais que isso — sussurro na boca dele quando Lucas se afasta um pouco.
Apesar de estar com os olhos fechados, sei o que minhas palavras provocaram pela forma como ele volta a me beijar.
Mas Lucas nunca deixa os nossos beijos ficarem muito intensos.
Nunca!
— Você dormiu bem? — pergunta.
Dou um suspiro.
— Pouco, como as outras noites — digo, o que faz com ele me olhe preocupado.
Mas, a verdade é que quase não dormi. Se as coisas derem errado hoje, tudo pode mudar.
Mas eu acredito na Anna.
Ela vai conseguir.
— E você tem mesmo certeza sobre a Testagem? — Lucas pergunta mais uma vez, parecendo saber que foi esse o motivo da minha insônia.
— É das poucas certezas que eu tenho, Lu — respondo, olhando-o nos olhos.
— Okay! Temos que ir! — fala baixinho, envolvendo-me em um abraço carinhoso, enquanto sinto o rosto dele na minha testa e um suspiro aflito. — Você está com febre.
— Só estou agasalhada demais — digo, para explicar porque minha pele está quente, mas sei que ele tem razão.
Meus olhos estão pesados e já senti alguns calafrios hoje.
Mas eu vou ficar bem.
Eu sempre fico.
E ele não precisa ficar preocupado, pelo menos até o resultado dos meus exames saírem.
Nesse momento, só quero continuar aqui nos braços dele. Mas o alarme toca, avisando que temos que ir.
Apesar disso, não conseguimos nos mover.
Só quando ouvimos a voz da Clairy nos chamando, Lucas se afasta, pega o casaco preto e o cachecol de lã cinza escuro que estavam em cima da cama já arrumada e, a seguir, a chave do carro e a carteira em cima da mesa de cabeceira.
Enquanto fazemos o caminho de volta para a sala, apresso-me a tirar um lenço do bolso ainda a tempo de cobrir o nariz antes de espirrar.
Lucas parece que vai dizer algo, mas se contém. Apesar do silêncio, consigo ver todas as dúvidas da minha decisão no rosto dele.
Juntamo-nos a Clairy e Mike e seguimos para o jipe.
*
Como fui dispensada das primeiras aulas para ir para a Testagem, sou a primeira a sair do carro, uma vez que a Unidade Central de Saúde é perto de onde moramos. Lucas segue o caminho habitual para deixar Mike na escola e Clairy no trabalho, e depois ir para o Instituto de Saúde do Setor 7 onde estuda Medicina.
Do lado de fora da Unidade, há muitos adolescentes acompanhados pelos pais, mas, como sou emancipada, não preciso estar com nenhum responsável.
Depois de mais de uma hora e meia sentada e esperando impacientemente ser chamada na recepção, eles confirmam minha identidade e me obrigam a assinar alguns papéis que não me deixam ler.
Segundo a atendente, basicamente é um termo de compromisso onde abro mão de tudo o que tenho se for a escolhida do meu Setor. Apenas uma formalidade, uma vez, que mesmo sem a assinatura eu seria obrigada a fazer o que eles querem.
— Quando esse número aparecer, você deve se dirigir para a sala indicada — a atendente avisa, entregando-me um papel com o número 127.
Na tela, o número que aparece é o 23, e me arrependo de não ter trazido um livro para ajudar a fazer o tempo passar mais rápido.
Sento-me em um lugar sem ninguém ao lado e torço para que a minha coleta seja feita pela Anna. Isso facilitaria muito para ela conseguir invalidar a amostra.
Se eu for atendida por outra pessoa, Anna vai ter que encontrar uma forma de conseguir ter acesso ao meu sangue. É muito mais trabalhoso para ela e os riscos de falhar são grandes.
Dez minutos se passam. Meia hora. Uma hora. Duas horas. Sinto o frio aumentar, o cansaço quase me faz fechar os olhos, mas a ansiedade me mantém acordada.
Tento não pensar em tudo o que pode errado e me concentrar nos números que mudam lentamente até faltarem apenas dois para eu ser chamada.
— Anna Reese — ouço a voz de uma das recepcionistas e tenho um pressentimento ruim —, compareça à sala administrativa.
Vejo Anna atravessar a recepção e entrar em uma porta no lado oposto de onde fazem a coleta enquanto mais um número é chamado.
Não!
Logo agora.
Meus olhos ficam fixos na tela, enquanto torço para que Anna volte para a sala de coleta antes de eu ser chamada. E só percebo o quanto estou nervosa quando um dos meus anéis cai ao chão.
Então o número 127 brilha na tela.
Inclino para pegar o anel e aproveito para fingir que não vi meu número aparecer para ganhar um pouco mais de tempo, mas quando a recepcionista grita meu nome não tenho como ignorar mais.
Olho de novo para tela, que indica a sala 13.
Levanto-me e começo a caminhar devagar para o corredor tentando acreditar que será um pouco mais difícil, mas Anna vai conseguir.
Ela tem que conseguir.
— Emily Reid? — um rapaz pergunta quando entro na sala indicada, mas reparo no nome da Anna na porta.
— Esta é a sala da enfermeira Anna? — pergunto.
— Sim, sou o enfermeiro substituto — responde —, a enfermeira Anna foi atender uma chamada telefônica na sala da administração.
Dou um suspiro longo, enquanto me sento na poltrona e estico o braço.
Se minha coleta ficar aqui até ela voltar, não deve ser difícil invalidá-la.
Desde que ele não esteja aqui.
O enfermeiro coloca as etiquetas nos tubos com tampas de cores diferentes e, a seguir, umedece um pedaço de algodão com álcool e o passa na parte de dentro do meu cotovelo.
— É difícil ver sua veia — comenta, parecendo nervoso. — Você tirou sangue recentemente?
— Sim — respondo, olhando para o ponto ainda vermelho e lembrando-me de como o Lucas nunca tem dificuldade em fazer a coleta. — Quer tentar o outro braço? — pergunto, tentando ganhar tempo.
O enfermeiro toca a veia do outro lado e ouço passos se aproximando.
— Peço desculpa — Anna diz entrando na sala. Nossos olhos se encontram e nos limitamos a fazer um gesto de cabeça em cumprimento. — Tive que atender uma chamada, mas posso assumir a partir daqui. Obrigada, Luke!
— Ótimo — o rapaz diz, parecendo aliviado. — Posso ficar para ver como você faz nesses casos?
— Veia difícil de puncionar? — Anna pergunta, e o enfermeiro confirma com a cabeça.
Anna também já está acostumada a puncionar minha veia, mas ela não diz isso para o enfermeiro. Em vez disso, ela amarra um torniquete de látex no meu braço e fecho a mão antes de ela pedir.
— Já consigo sentir — ela afirma, colocando o dedo indicador por cima da veia.
O enfermeiro faz o mesmo, mas ainda assim ele diz que continua difícil.
— Respire fundo — Anna pede, antes de enfiar a agulha.
No tempo que leva para encher três tubos de sangue, o enfermeiro tira algumas dúvidas com ela, mas noto que ela está um pouco distraída.
— Pode abrir a mão — Anna diz.
A seguir, ela tira o torniquete e, depois de encher mais um tubo, remove a agulha e me pede para pressionar o algodão no lugar puncionado, enquanto continua conversando com o enfermeiro.
Levanto-me da cadeira depois de Anna colocar um band-aid na punção e agradeço. Mas só respiro aliviada quando ouço o enfermeiro agradecer às explicações e deixar a sala junto comigo.
Anna vai ficar sozinha com as amostras.
Acho que conseguimos.
Sorrio quando ouço meu suspiro aliviado.
Vou até a estação do trem e sigo para a Universidade.
https://youtu.be/jdxjDUGIeJY
Diga a eles que o que eu esperava seria impossível
Impossível, impossível, impossível
Eu me lembro de anos atrás
Alguém me disse que eu deveria ter
Cuidado quando se trata de amor
(Impossible | James Arthur)
Esse capítulo no quarto do Lucas foi um dos primeiros que escrevi em 2014. Sempre quis mostrar um pouco mais de LuMily, espero que vocês estejam gostando.
Teorias sobre o que vai acontecer daqui pra frente? O que acontece com essas amostras?
Até amanhã! Outro capítulo novo...
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