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Capítulo 61

Kyle acabou com o meu humor, e saber que estou prestes a rever o Nathaniel ainda torna tudo pior.

Além disso, minha mão está doendo. Droga, nunca achei que dar um tapa em alguém fosse tão doloroso.

Nathaniel sai do carro e faz um gesto para os seguranças não se aproximarem. Ele está dirigindo, algo que tem acontecido com mais frequência.

— Achei que iria ficar feliz ao me ver — diz, assim que paro na frente dele com a cara fechada.

Claro, a expressão prepotente no rosto dele me deixa ainda mais irritada.

— Trinta minutos atrasado — digo chateada.

Se ele tivesse sido pontual, eu não teria passado por aquilo com o Kyle.

— Se estivesse com o celular ligado, saberia o motivo.

Tenho cumprido a promessa que fiz a mim mesma: não vou deixá-lo me controlar pelo celular também. Por isso, na maior parte das vezes o aparelho está no silencioso, desligado ou descarregado.

— O que você quer? — pergunto quando ele abre a porta do passageiro.

Tenho vontade de ir embora e deixá-lo falando sozinho, mas não posso fazer isso, não na frente da escolta dele.

— Tenho algo para mostrar para você — responde. — É do seu interesse.

Meu suspiro sai irritado.

Não quero dar o braço a torcer, mas não vou aguentar ficar mais nem um minuto sem saber o que ele quer comigo.

E, quando se trata do Nathaniel, sei que não posso abusar muito da paciência dele, pois corro o risco de ele ir embora e me deixar aqui na curiosidade.

Entro, ele fecha a porta e passa rápido pela frente do carro. Quando se senta ao meu lado, o perfume dele me envolve. O mesmo da última noite em que nos vimos.

— O que aconteceu? — Nathaniel pergunta depois de me analisar literalmente da cabeça aos pés.

— Nada — respondo, me controlando para não dizer que não é da conta dele.

— Você está tremendo, Emily. Não acredito que seja só por causa do meu atraso. — A voz do Nathaniel agora soa preocupada, mas os olhos parecem se estreitarem de raiva de repente. — Ele fez alguma coisa? Kyle? Ele estava próximo daqui...

— Sei me defender sozinha — interrompo-o, lembrando-me do tapa que não me arrependo de ter dado.

— Não duvido, principalmente se a outra pessoa estiver usando uma gravata — ele diz, fazendo-me corar de vergonha com a lembrança da outra noite. — Mas se ele fez algo...

— Para — digo, colocando o cinto de segurança e ignorando o comentário sobre a gravata. — Você não tem que se preocupar comigo.

Além disso, ele é exatamente igual ao Kyle.

É triste, mas a realidade é que estou cercada por pessoas que querem me desestabilizar ou destruir de alguma forma.

— Sou seu Mentor, Emily — Nathaniel insiste. — E meu dever é manter você segura e protegida aqui na Matriz. Por isso, se não quiser me contar o que aconteceu, a única alternativa que me resta é falar com ele.

— Não! — Consigo sentir o desespero na minha voz. A última coisa que eu quero é que o Kyle insinue que estou envolvida com a Resistência para o Nathaniel. Até porque não faço a menor ideia do que ele sabe. — Não foi nada demais — afirmo, e resolvo explicar antes que ele realmente fique curioso e vá atrás do Kyle para saber o que aconteceu. — Ele debochou do fato de eu ser órfã e perdi a cabeça. Quando percebi já tinha dado um tapa nele.

Nathaniel fica me olhando, parecendo estar processando a informação.

— Ok! — diz, com uma expressão contida. — Mas se ele voltar a fazer algo que você não goste, qualquer coisa, por favor, me diga. — A expressão furiosa no rosto dele se desfaz e acho que consigo ver um sorriso enquanto ele dá a partida no carro e nos afastamos devagar do Campus. — Eu adoraria ter visto isso.

Claro que ele tinha que estragar o momento com algum comentário.

— Ele gosta de me provocar — digo, em minha defesa.

— Não deve ser pessoal — Nathaniel comenta —, mas o Kyle está direcionando a atenção dele para a pessoa errada. — Consigo ouvir todos os tons de ameaça na última frase, mesmo sem saber porque o Nathaniel finge que se interessa com o meu bem estar quando nós dois sabemos que ele não se importa comigo.

E, sobre o Kyle, a verdade é que eu também achava que não era pessoal. Sei dos problemas que ele tem com outros Mentores e Curados. Mas hoje, o Kyle deixou claro que a implicância comigo é diferente.

É pessoal sim.

E relacionada com a Mia.

Tento refazer a conversa e tentar ligar os pontos. Ele insinuou que estou envolvida com a Resistência, e pediu para deixar a Mia longe disso.

E a única possibilidade que me vem à cabeça é que a Mia de alguma forma está ou esteve ligada aos Resistentes também.

E é algo que não posso simplesmente perguntar a ela. Nem ao menos sei qual a relação dela com o Kyle.

— Você se importa que eu coloque música? — Nathaniel pergunta quando não respondo ao comentário. O que é ótimo, não quero é continuar pensando no Kyle.

— Não — respondo, observando-o ligar o painel multimídia do carro.

Depois de mexer em alguns botões, o som ecoa em um volume baixo. Ao contrário das últimas vezes em que estivemos juntos, ele parece bastante mais calmo e eu até diria que está descontraído.

Não pergunto para onde está me levando, mas logo a seguir vejo a praia a nossa esquerda.

O mar está agitado e consigo ver as folhas das palmeiras balançando com o vento. Nos últimos dias, o tempo tem andado nublado, mas é a primeira vez que o sol desapareceu e o céu, quase sempre azul, está praticamente todo cinza.

Quando chegamos à frente de um grande portão gradeado e ladeado por soldados armados, um dos seguranças da Escolta Real libera o caminho e entramos.

Reparo no brasão da monarquia dourado no muro, o que indica que é uma propriedade Real.

Apenas um dos carros da escolta nos acompanha para o estacionamento subterrâneo. Deve ser horrível ter sempre alguém por perto, embora Nathaniel não pareça se importar com isso. Deve estar acostumado.

Ele estaciona o carro, e pegamos um elevador.

Mas ao contrário do que eu estava esperando, quando a porta se abre, vejo uma sala de estar e não o hall de uma repartição qualquer.

Sinto o aroma cítrico suave e agradável, e a temperatura muito baixa.

Ao lado do elevador, Nathaniel digita um código em um teclado integrado na parede e as luzes brancas esmaecem para uma intensidade confortável e aconchegante.

No visor, consigo ver informações sobre a temperatura externa, velocidade do vento, altura das ondas e probabilidade de chuva.

Noventa por cento de probabilidade de chuva.

Desvio o olhar para a sala de estar.

Quase tudo é branco, preto ou cinza. E de todas as outras casas que já visitei aqui na Matriz, esta é a que tem a aparência mais moderna. A decoração é minimalista, contrastando com grandes quadros nas paredes, todos com as cores preto e branco predominando.

A sala de estar tem vista panorâmica para a praia que encaro impressionada.

— Essa paisagem é surreal — penso em voz alta, fazendo o Nathaniel sorrir.

— Bem-vinda — ele diz. — Você quer alguma coisa? — pergunta, e balanço a cabeça negativamente.

— Você mora aqui?

— Não oficialmente. Na verdade, divido meu tempo entre o Palácio Real e esta casa.

— Por quê? — a pergunta sai rápido demais.

Afinal, a casa da família do Nathaniel no Monte Dourado parece um lugar saído de um conto de fadas.

— Nada de extraordinário, apenas gosto de estar sozinho e perto do mar.

— Sozinho? — pergunto, cética. — Você nunca está sozinho, tem uma dúzia de soldados e seguranças lá fora, e deve ter a mesma quantidade de funcionários aqui dentro.

— Não tem nenhum. — Meu olhar para ele mostra minha desconfiança. — Não é porque sou o Príncipe de Gaia que não posso limpar e cozinhar por alguns dias. — O olhar dele tem um tom divertido. — Ou pedir uma pizza.

Lembro-me do risoto que ele fez para mim, por isso, sei que ele está falando a verdade.

Isso pode ter a ver com o serviço militar, onde ele provavelmente deve ter sido obrigado a se virar sozinho.

— Estou impressionada — confesso, e Nathaniel me devolve um sorriso divertido.

— Se em vez de me julgar o tempo todo você tentasse me conhecer um pouco mais, acho que iria se surpreender.

Enquanto passa a mão bagunçando o cabelo, reparo pela primeira vez na expressão dele e a única coisa que vejo é cansaço.

Nathaniel tem olheiras debaixo dos olhos e não sustenta aquela postura rígida da qual ele raramente abre mão.

Eu queria saber o motivo, mas é melhor não tocar no assunto.

— Sobre os livros — digo, lembrando-me de que ainda não tinha conseguido agradecer. — Você não precisava fazer aquilo, mas eu realmente amei! Principalmente a foto que você escolheu de nós dois, nos representa tanto.

Não consigo não ironizar a situação.

— Tinha certeza que você iria gostar — Nathaniel comenta. — E não duvido que, se for agora na sua casa, vou encontrar esse porta-retratos na sua mesa de cabeceira.

Dou uma risada.

— Obrigada! — Minha voz soa sincera demais, e o brilho nos meus olhos denuncia que é um agradecimento genuíno. — Você não faz ideia do que significa para mim.

O sorriso que ele me devolve também parece sincero.

— Fico feliz que você tenha gostado.

Nathaniel se aproxima de mim enquanto me olha nos olhos, e me assusto quando sinto meu coração acelerar com a proximidade.

— Reparação histórica — digo rápido, quando o vejo desviar os olhos para a minha boca. — É um crime alguém ser privado de livros. — Isso é a primeira coisa que me vem à cabeça para interromper o que quer que esteja acontecendo.

O olhar do Nathaniel agora se estreita e ganha um ar perigoso.

Acho que passei dos limites, mas apenas o encaro de volta.

— Cuidado com o que fala — ele avisa. — Você pode me pegar de mau humor qualquer dia.

— Estou mentindo? — insisto.

— Você acabou de chamar minha família de criminosa e está pedindo para eu concordar com isso?

— Você acharia o mesmo se tivesse sido privado a vida toda. O que há de tão perigoso nos livros para serem restritos? — pergunto. — Não precisa responder, essa é fácil. Uma sociedade pouco crítica é o pilar que sustenta esse Sistema, não é?

— Guarde esse pensamento para você, a não ser que queira ainda mais problemas — ele diz. — Mas, até onde sei, você não precisou de muitos livros para tirar essa conclusão.

Então me lembro da dedicatória do meu pai.

Os livros ajudam você a fugir da realidade... ou a mudá-la. A escolha é sua.

— Eu precisei só de um — afirmo, sentindo meus olhos brilharem.

Desvio rapidamente meu olhar do dele, enquanto respiro fundo para não deixá-lo me ver vulnerável.

Eu daria qualquer coisa para ter aquele livro de volta.

— Emily — Nathaniel me chama.

Me recompor é algo que tenho feito com bastante facilidade ultimamente. Engolir o choro, forçar um sorriso é parte do meu dia a dia.

Por isso, volto a encará-lo e, quando parece que ele vai continuar a falar, interrompo-o. Não quero ouvir o que ele tem a dizer. Por algum motivo, sinto que não posso deixá-lo continuar.

— Obrigada mais uma vez!

Nathaniel concorda com a cabeça e percebo que ele desistiu do que iria dizer.

— Você se importa de me aguardar enquanto mudo de roupa?

— De forma alguma, Vossa Alteza — respondo.

— Quando é que você vai parar de me chamar assim? — ele pergunta com um sorriso brincando na boca dele.

— Está no livro de protocolos, página sessenta e um, sempre chamar o Príncipe pelo pronome de tratamento adequado — respondo.

— Tenho quase certeza que isso está escrito na página setenta e três — diz debochado, rindo no final, enquanto sobe a escada larga em L, em vidro elegante na sala.

Tenho vontade de rir também, porque até eu começo a achar engraçado chamá-lo desse jeito e volto a olhar para as ondas hipnotizantes enquanto ele me deixa sozinha.

E só agora percebo que me esqueci de fazer a pergunta mais importante.

Por que ele me trouxe na casa dele?

https://youtu.be/9nIOx-ezlzA

É uma maldita chama no escuro
E você acendeu ela
Oh, não consigo
Te impedir de colocar raízes na minha terra dos sonhos
Minha casa de pedra, sua hera cresce
E agora estou coberta de você
(Ivy | Taylor Swift)

Rolou ou não rolou um clima ali?

Não se esqueçam de votar se gostaram do capítulo ❤

Até amanhã!

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