Capítulo 48
O choro fica cada vez mais alto e, assim que me aproximo, vejo Nina.
Ela se vira quando nota que estou me aproximando.
— Vá embora — grita.
Claro que não vou fazer o que ele está pedindo, mas também não sei como agir.
Preciso manter a calma, ou melhor, preciso tentar parecer calma. Minhas mãos estão tremendo e meu coração bate descompassado.
Não acredito que isso está acontecendo.
— Nina, sou eu, a Emily — falo, tentando ganhar tempo para pensar em algo melhor para dizer.
— Sei que é você. Mas não quero falar com ninguém, só quero ficar sozinha — ela diz com a voz tremida, apesar de tentar parecer decidida.
Como a Resistência me disse, as coisas poderiam estar ruins no Setor da Nina. Por isso, não é difícil imaginar que, hoje tendo sido o dia da visita, provavelmente ela recebeu uma má notícia.
— Deixo você sozinha quando se afastar do parapeito — minto, não tenho intenção de fazer isso. — É perigoso, você pode se desequilibrar — falo, tentando parecer acreditar que ela não tinha a intenção de pular do terraço.
Nina começa a chorar de forma compulsiva e me aproveito para me aproximar.
— Se eu fosse pular, já o teria feito — ela diz, convicta, apesar de as palavras se misturarem ao soluço.
— Eu sei, Nina — respondo, suspirando aliviada quando ela desaba no chão. — O que aconteceu? — pergunto, observando a garota frágil abraçando as próprias pernas como se quisesse se manter inteira.
Já fiz isso tantas vezes.
— Você não entenderia. — É a resposta que ela me dá.
Claro, a Emily que ela está habituada a ver não entenderia.
A Emily que vai para todas as festas com roupas extravagantes e beija o Príncipe é igual a todas as outras pessoas.
A Emily que parece não ligar para o passado e ostenta com orgulho esse anel de diamante não se importaria com ela ou com o que está acontecendo no Setor de onde ela veio.
— Acho que nós temos mais em comum do que você imagina — respondo, vendo-me no desespero dela.
Afinal, era essa a ideia que eu tinha de todos os outros Curados quando cheguei aqui. Que todos eram felizes. Que todos se esqueciam dos Setores.
E não é assim.
Não com a Nina.
Não comigo.
— Como o que? — Nina pergunta, a voz se quebrando, os olhos inundados em lágrimas e tristeza.
Não posso dizer que ambas estamos infelizes, isso não é suficiente. Tento me lembrar do que dizia na revista sobre ela. Por isso, vasculho rapidamente as memórias daquele dia na praia.
— Nós somos órfãs — digo, feliz por ter me lembrado de algo importante.
Essa informação faz com que eu ganhe a atenção dela. Nina enxuga os olhos com suas mãos delicadas.
— Eu sinto muito — ela diz, pegando o lenço de papel que entrego para ela. — É horrível ser órfã.
— Nunca para de doer. — Nina balança a cabeça concordando e me sento quando sinto que ela me deu abertura. — Mas tudo bem, já foi há muito tempo — digo, sorrindo para desfazer o sentimento de compaixão que ela demonstra estar sentindo por mim apesar da própria dor.
— Você também tem irmãos? — ela me pergunta.
— Não — respondo. — Você tem três, não é?
Nina cai no choro de novo, e isso deixa claro o motivo do desespero dela.
Talvez ela já não tenha três irmãos e descobriu isso na visita de hoje.
Meu primeiro impulso é abraçá-la e é isso que faço. Nina apenas se aconchega nos meus braços enquanto o choro a consome. Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto.
Já fazia tempo que não chorava por causa do sofrimento de outra pessoa, e percebo que isso é uma das coisas que não sinto falta da vida antiga.
Nunca fui muito boa em lidar com a dor dos outros.
Mas fico feliz por Nina estar tendo de mim nesse momento algo que eu queria de alguém.
— Não queria pular — ela diz. — Só queria sentir a morte por perto de novo. Você se lembra como era? Achar que poderia morrer em qualquer momento?
— Sim — digo com algumas imagens surgindo na minha cabeça.
— Eu tinha aquela sensação quando vivia com os meus pais e os meus irmãos. Nós víamos as pessoas morrendo o tempo todo. Nossos vizinhos, nossos parentes. E então meu pai e depois a minha mãe. — Nina faz uma pausa demorada e respira fundo algumas vezes quando peço para ela fazer isso. — Hoje soube do meu irmão mais novo. — Ela luta para conseguir falar entre soluços.
— Sinto muito, Nina. — Tento manter o controle da minha voz, mas ela falha no final. — Sinto muito mesmo.
— Todos eles vão morrer e vou continuar viva. Não é justo, Emily — ela conclui.
— Não, Nina — digo, segurando o rosto dela e fazendo com que ela olhe para mim. — Não é justo eles continuarem com o vírus e morrerem, mas você estar viva e curada é mais do que justo.
Quero dizer para ela ter um pouco de esperança, mas como posso pedir esperança para alguém que já perdeu tantas pessoas que amava. Só restam mais duas pessoas da família dela e, do jeito que as coisas continuam no Setor 3, Nina pode perdê-los antes que a Resistência consiga fazer alguma coisa.
— É difícil viver sabendo que meus irmãos estão passando fome, que estão exaustos de tanto trabalhar e que podem morrer em qualquer momento — Nina desabafa.
Parece que nós temos mais em comum do que eu imaginava.
Não suporto a ideia de o Lucas e a família dele estarem passando pelo mesmo.
— Você acha que a situação pode mudar? — pergunto, e Nina fica em silêncio. — Você acredita que talvez, um dia, alguém fará algo por nós?
Nina dá um suspiro triste.
— Se você tivesse vindo de onde eu vim, não acreditaria nisso.
— Nós viemos do mesmo lugar, Nina. Eu era estagiária de enfermagem em um hospital de cuidados paliativos, convivia com a morte, com a injustiça, com a sensação de impotência todos os dias.
— E ainda assim você tem esperança? — ela pergunta desanimada. — Você acredita que alguém se importa com a gente?
— Preciso acreditar, porque a esperança é a única coisa que me dá forças para enfrentar mais um dia. — Nina está bem mais controlada agora, e tenho toda a atenção dela. — Quero que você me prometa uma coisa.
Queria dizer para ela que há um plano, mesmo sem saber ainda que plano é esse.
Queria explicar os motivos de eu ainda ter esperança, mas não posso envolvê-la nisso, é perigoso demais.
— O que? — Nina pergunta sem ânimo.
— Quero que você me prometa que sempre que for difícil demais aguentar a saudade dos seus irmãos e dos seus pais você vai me procurar. Você me promete isso? — Ela abaixa a cabeça. — Você pode confiar em mim, nunca vou julgá-la.
— Por que você está sendo tão legal comigo? — Nina pergunta, encarando-me com seus grandes e expressivos olhos castanhos e, nesse momento, com lágrimas transbordando neles.
Aproveito para tirar uma mecha do cabelo castanho dela que estava grudado nas lágrimas na bochecha.
— Porque eu me vejo em você — respondo. — Porque nós somos muito parecidas.
— Você não parece infeliz o tempo todo — ela comenta, desconfiada.
— Não pareço na frente das câmeras, das pessoas. Mas eu estava aqui sozinha e triste porque hoje não recebi nenhuma visita — digo, lutando contra as lágrimas que caem apesar do meu esforço. — Você me promete?
— Eu prometo — ela diz me abraçando e sinto um aroma doce de laranja no cabelo dela. — Quando você se sentir assim também, pode me procurar. E sinto muito por você não ter recebido nenhuma visita.
— Tudo bem! Nós vamos ficar bem — sussurro, mesmo que isso pareça ser uma realidade distante.
Deitamos e ficamos olhando para o céu em silêncio, cada uma imersa nos seus próprios problemas, nas suas próprias feridas.
A dor de Nina é quase tátil, ao contrário da minha que tranquei em algum lugar dentro de mim e escondo sempre que é necessário.
Mas a intensidade deve ser a mesma.
E algo que a Nina disse não sai da minha cabeça.
Na verdade, não me lembro de como é a sensação de poder morrer em qualquer momento. Não me lembro porque essa sensação nunca virou lembrança.
Ela está em todas as ameaças que Nathaniel me faz, está na minha decisão de aceitar fazer parte da Resistência, está no meu amor pelo Lucas.
Por isso, não me lembro dela, eu vivo com ela.
E é ela que me move.
https://youtu.be/lL2ZwXj1tXM
De vez em quando tentamos
Apenas continuar vivos
Talvez a gente dê a volta por cima
Porque não é tarde demais
Nunca é tarde demais
(Never Too Late | Three Days Grace)
Vontade de colocar a Nina e a Emily em um potinho e proteger do mundo?
Obrigada por continuarem comigo e os Resistentes em Gaia! Amo cada surto nos comentários, cada mensagem carinhosa ♥ Vocês fazem tudo valer a pena!
Até amanhã!
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