Capítulo 41
Nas últimas semanas, depois do reencontro com o Lucas, preenchi meu tempo de todas as formas que consegui. Não só para manter minha cabeça ocupada, mas porque ele precisa acreditar que mudei.
Por isso, apareci em todos os eventos e, em todos eles, encenei na perfeição uma adolescente deslumbrada com a Matriz e com o Príncipe.
Não se tornou mais agradável, mas é cada vez mais fácil colocar a máscara e mantê-la sempre que vejo câmeras apontadas para mim.
Guardei o bilhete no cofre e tentei nunca mais pensar nele. Não quero saber se foi uma ameaça ou uma brincadeira de mau gosto, não vou mais me preocupar com isso.
E por não querer ficar trancada no apartamento, aceitei o convite da Mia para passar a tarde no shopping fazendo compras.
Por isso, aqui estou eu, na famosa Rua Atlanta, no meio das quatro palmeiras imperiais em frente ao maior Shopping Center da Matriz. Começo a subir a escadaria da entrada que é coberta por uma meia cúpula envidraçada gigante.
Assim que chego no patamar do segundo lance de escadas, vejo que Mia já está me esperando e vou até ela.
— Obrigada por ter vindo — ela diz educada, envolvendo-me em um abraço.
Olho à volta e reparo que Mia não se parece com ninguém. Ela tem um estilo próprio, que a torna única.
Hoje, está usando um vestido preto folgado com estampa de cereja um pouco abaixo do joelho, fenda do lado direito e tênis branco. O cabelo cor de mel brilhante está preso em um coque baixo despojado com alguns fios soltos no rosto e na nuca.
— Ainda bem que vim com sapatos confortáveis — comento. — Este lugar é enorme.
— Mesmo que passasse um dia inteiro aqui, não conseguiria ver todas as lojas — Mia afirma convicta. — O que você quer comprar?
— Não pensei em nada específico — respondo.
A verdade é que não preciso de nada. Meu closet tem tanta roupa que acho que é possível usar uma por dia por um ano sem repetir, assim como calçados e acessórios.
— Nesse caso, vou levá-la a um lugar que tenho certeza que você vai amar.
Enquanto avançamos pelos corredores largos, as pessoas nos param o tempo todo para me cumprimentar ou tirar uma foto comigo.
No Campus, eles já se habituaram, mas em todos os outros lugares continua sendo assim.
Não me incomoda, embora eu não entenda porque alguém iria querer uma foto ao meu lado para postar nas redes sociais.
Felizmente, até o Nathaniel já me falou que é melhor eu não ter nenhuma conta. Seria horrível que eu fosse obrigada a expor ainda mais minha vida e correr mais um risco desnecessário. Além da mentira, já que não poderia ser eu mesma.
— Desculpa — peço para a Mia depois da quarta vez que alguém nos aborda.
Mas ela é compreensiva e até se oferece para tirar as fotos da outra pessoa comigo.
— Não tem problema, Emily — Mia diz com um sorriso divertido. — É o que acontece quando você anda com uma celebridade. Mas estamos quase chegando. — Depois de alguns metros, vejo uma loja enorme. — Bem-vinda à maior livraria de Gaia.
É impossível não sorrir.
— Nunca vi tantos livros juntos — digo, assim que entramos na loja espaçosa.
Adoro a sensação de estar rodeada por tantos mundos diferentes, por tantos personagens, por tantas histórias.
Livros são portais, meu pai costumava dizer. E há milhares aqui.
É mágico.
O carpete preto e a luz ambiente aconchegante dão uma sensação de acolhimento ao lugar, e os pufes e sofás confortáveis me fazem ter vontade de não sair mais daqui.
— Temos a tarde toda para ver um por um — Mia me encoraja.
Procuramos a sessão de ficção, e minha vontade é realmente pegar cada livro para ler a sinopse.
— Posso indicar alguns — ela se oferece, quando vê que não consigo escolher. — De que gênero você gosta?
— Acho que qualquer gênero, desde que não tenha drama — aviso, enquanto Mia se dirige para uma seção. — Já tenho o suficiente na minha vida.
— Achava que a sua vida era um romance clichê com um toque de conto de fadas — ela diz, e dou uma risada alta.
— Eu iria gostar que fosse assim, mas está mais para um romance dramático com um pouco de suspense e mistério — comento, pegando um livro com capa ilustrada, na qual duas garotas estão de costa e de mãos dadas e o viro para ler a sinopse.
— Este livro é maravilhoso, sem drama, é romântico e você vai rir bastante — ela comenta.
Depois de pegarmos muitos outros livros ao ponto de já não aguentarmos o peso nos braços, sentamo-nos no chão para decidir quais comprar.
Mia até lê em voz alta as sinopses e alguns diálogos dos livros que ela gosta para tentar me convencer.
E adoro a forma como ela faz com que eu me esqueça dos meus problemas, sem dúvida, ela está começando a se tornar minha companhia preferida aqui na Matriz.
Junto com a Amanda.
Nem ao menos sinto o tempo passar.
— São quase dezoito horas, Emily — Mia diz assustada, olhando para o celular. — Vamos, vou levar você a um lugar com uma vista incrível.
Escolho apenas cinco livros, e ela também encontra o que estava procurando, um presente para uma amiga. Pagamos e deixamos a livraria.
Depois de seguirmos por um caminho não muito movimentando, entramos em um elevador panorâmico.
— Tenho uma reserva — Mia diz para a recepcionista. — Davis. Mia Davis.
O sobrenome dela não me soa estranho, mas não consigo me lembrar onde o ouvi.
Estamos em um lounge no terraço do shopping e uma música ambiente agradável soa de fundo. Há poucas pessoas aqui, parece ser um local bastante seletivo.
Somos levadas para uma mesa com vista para o Palácio Real e a Torre.
— Você se importa se eu fizer uma chamada? — Mia pergunta. — Não vou demorar.
— De forma alguma — respondo, e ela deixa as sacolas e a bolsa na cadeira, afastando-se rápido da mesa com o celular na mão.
Pego empolgada um dos livros que comprei hoje.
Passo o dedo na capa que tem texturas diferentes: a parte em alto-relevo brilha mais e é mais lisa. Leio a sinopse mais uma vez, e não resisto quando sinto o cheiro delicioso do papel.
Abro o livro em uma página qualquer, aproximo-o do nariz e inspiro devagar.
Impossível não sorrir.
Não fazia isso com meus livros do Setor, por causa do risco de desencadear uma crise de rinite. Eles eram velhos e ficavam perigosamente úmidos no inverno.
Guardo-o e pego outro livro. Este é um pouco mais grosso.
Depois de ler a sinopse e folheá-lo, o cheiro das folhas amareladas chega ao meu nariz e mais uma vez não resisto. Fecho os olhos, inspiro o livro e sorrio de novo.
— Não sabia que você tinha um vício. — Assusto-me ouvindo essas palavras. E não, não acredito que ele está aqui. Ele não pode estar aqui. Levanto devagar os olhos do livro e confirmo que é o Nathaniel mesmo à minha frente. — É a terceira vez que você cheira um livro em dois minutos.
— Que exagero — respondo na defensiva, sentindo o rosto corar de vergonha e tentando me lembrar se foram três vezes mesmo, enquanto devolvo o livro para a sacola junto com os outros. — Foram só duas — afirmo, segura.
— Por favor, não pare por minha causa. — Nathaniel pede, e vejo um sorriso brincar na boca dele. — É adorável.
Estou pensando em uma resposta ácida, mas vejo Mia se aproximar com um rapaz que já conheci antes.
É o amigo da Dra. Meredith.
— Viu quem encontrei no saguão? Que coincidência, não é? Eles estavam chegando e avisei que você estava aqui. — Sorrio para a Mia para não mostrar que preferia que ela não tivesse feito isso. — Vocês já se conhecem?
— Já nos encontramos em um dos Bailes — o rapaz diz, fazendo um cumprimento cordial com a cabeça enquanto me esforço para lembrar o nome dele. — Como vai, Emily?
— Matt — digo, feliz por ter me lembrado. Na noite em que nos conhecemos, notei os olhos azuis muito mais claros que os meus, que se destacam na pele negra com algumas sardas espalhadas pelo nariz e maçã do rosto. Mas de dia é tão mais acentuado. Duas coisas que temos em comum, e mal consigo desviar o olhar dele, a combinação é realmente linda. — É um prazer reencontrar você — digo, com um sorriso simpático para contrastar com a recepção fria que dei para o meu Mentor.
Vejo Nathaniel estreitar os olhos para mim desconfiado, ele sabe que nunca sou tão simpática. Então sorri de forma divertida, acho que percebeu que fiz de propósito.
— Vocês se importam de se juntarem a nós? — Nathaniel pergunta.
— Não quero atrapalhar vocês — digo, desviando os olhos para o Matt e esperando que ele diga que realmente atrapalhamos só para ter uma desculpa para ir embora.
— Não se preocupe — Matt responde. — Será um prazer ter a companhia de vocês duas.
Tento esconder a decepção no meu rosto.
A tarde estava sendo tão agradável com a Mia, mas minha felicidade parece durar pouco neste lugar.
Ela vai na frente com Matt, enquanto pego minhas sacolas e me levanto da mesa. Nathaniel faz questão de levá-las enquanto me guia pelos corredores entre as mesas.
Observo muitos rostos virados na nossa direção, algumas pessoas parecem discretamente tirar fotos com seus celulares, mas nenhuma delas nos aborda.
É impossível não notar o olhar de admiração e respeito que elas lançam para ele.
Nathaniel está usando uma roupa casual: calças jeans azul desbotada, camiseta cinza e um blazer preto esportivo com as mangas arregaçadas. Um tênis de grife e um cabelo mais desgrenhado que o habitual completam o look dele.
Ele é lindo.
Rico.
Poderoso.
E príncipe.
E isso acaba manipulando a percepção que as pessoas têm dele. Estou aprendendo a não julgar essa ilusão. As pessoas tendem a se deixar deslumbrar por beleza, dinheiro e poder.
Mas conheço a parte sombria do Nathaniel, e depois de tudo o que ele já me fez passar, estou imune ao resto.
Passamos pela recepção, seguindo para o outro extremo do andar. Se Mia não tivesse saído para fazer a chamada, provavelmente eles teriam vindo para este lado e não teríamos nos encontrado.
Teria sido ótimo.
— Espero que você goste da vista — Nathaniel diz assim que chegamos.
E não é uma mesa.
É uma sala privada com uma vista incrível para o mar e uma varanda convidativa. Há uma grande televisão na parede, e os sofás espalhados e as cadeiras da mesa parecem ainda mais confortáveis do que as do salão principal.
Não demora para um funcionário vir nos atender.
Pego o cardápio que ele me entrega, e há uma longa lista de bolos, pães, tortas, pizzas e salgados. Leio apenas para constatar que não sei o que é a maioria pelo nome.
— Não consigo me decidir — digo para Mia, quando a vejo pousar o cardápio na mesa depois de ter escolhido, com esperança de que ela me sugira algo.
— Por que escolher apenas uma coisa se você pode ter tudo? — Nathaniel me pergunta, e vejo o sorriso contido da Mia enquanto troca um olhar com o Matt. — Por favor, traga o menu de degustação. Tudo bem para vocês? — ele pergunta, e Mia e Matt concordam.
— Ótima escolha — o garçom diz. — E para beber?
Isso é mais fácil de decidir, apesar da lista interminável de sabores.
— Chá de hortelã e frutos vermelhos — digo, depois de todos eles já terem pedido.
Na televisão, está passando um jornal que também é transmitido nos Setores. Ele só passa notícias alegres e supérfluas, mostrando uma Gaia totalmente irreal.
A notícia agora se foca nos preparativos para o Festival de Verão e fala quais serão os primeiros dias em que o mar vai estar bom para mergulho.
A seguir, passa o trailer do filme que vai estrear amanhã no cinema.
— Estou tão ansiosa para ver — Mia diz assim que o trailer começa.
— Parece ser bom — Matt comenta.
Ficamos em silêncio durante o trailer, é um filme de romance no qual o protagonista consegue viajar no tempo.
Esse é um poder que eu queria ter para poder corrigir todas as vezes que minha impulsividade me causou problemas.
No fim da notícia, o repórter faz questão de frisar que todos os Curados vão receber convites especiais para a pré-estreia com direito a um acompanhante.
— Você quer vir comigo? — pergunto à Mia.
— Você não vai convidar seu Mentor? — ela devolve a pergunta constrangida, fazendo o Nathaniel sorrir.
— Não, tenho certeza que a Sua Alteza Real é muito ocupada para me acompanhar ao cinema. Não é? — pergunto.
— Infelizmente, tenho um compromisso no mesmo horário — Nathaniel responde. — Mas não duvido que a Mia será uma ótima companhia.
— Nesse caso, vou adorar ir com você — Mia diz, ainda um pouco sem graça.
— Prometo compensar minha indisponibilidade e levá-la ao cinema em breve para uma sessão privada.
— O que? — pergunto rápido demais. — Apenas nós dois?
Nathaniel apenas sorri em resposta.
Será que ele pode fazer isso?
Claro que pode!
O menu de degustação chega, e me surpreendo com a quantidade e variedade de comida.
Tudo em miniatura: tortas, pães, bolos, salgados.
Os três me dizem empolgados os nomes de cada uma que eu pego para provar.
Não consigo deixar de notar o olhar do Nathaniel em mim com expectativa todas as vezes que coloco um novo na boca. Ele sorri satisfeito sempre que aprovo algum.
Da mesma forma em que é arrogante e frio, ele consegue ser gentil e divertido.
E essas mudanças de humor no Nathaniel me deixam nervosa.
Tento não pensar muito nisso e apenas observo como a conversa entre eles flui fácil.
Descobri que vários eventos importantes estão se aproximando, que todos estão ansiosos pela inauguração de uma casa noturna no fim de semana e que eles realmente não se importam com o que acontece no resto do país, com as pessoas que neste momento estão lutando pela vida e perdendo essa luta. Eles não se importam com o vírus que corre no sangue de noventa por cento da população de Gaia. Eles não se importam que crianças estejam com fome ou passando frio.
Eles simplesmente nos ignoram!
É difícil controlar minha vontade de jogar na cara deles o quanto são fúteis, alienados e egoístas.
Por isso, agradeço mentalmente quando nos levantamos depois de comer, vamos até a varanda na hora do pôr do sol e aproveito para arrastar a Mia para um canto. Ficamos em um silêncio confortável que eu realmente precisava.
— É por isso que eu raramente deixo minha máquina fotográfica no carro — Matt reclama. — Essa luz está perfeita para umas fotos de silhueta.
— É uma pena — Mia diz. — Certeza que a Emily e o Nathaniel ficariam lindos nas suas fotos.
— Você é fotógrafo? — pergunto.
— O melhor de Gaia — Nathaniel responde enquanto me encara de forma intensa, fazendo-me desviar o olhar dele.
— Que exagero, Nate — Matt diz. — Mas agora que a Mia sugeriu, eu iria adorar fazer um ensaio com vocês dois. O que acham?
— Só dizer o lugar e a hora — Nathaniel diz para o amigo, e a única coisa que posso fazer é concordar.
— Acho que já atrapalhamos demais vocês — digo, quando os tons de laranja dão lugar a um azul escuro no céu.
— Não atrapalharam, a companhia foi maravilhosa — Nathaniel diz com um sorriso desafiador para mim. — Gostaria de poder levá-la para casa, mas vou precisar ficar um pouco mais com o Matt.
— Não se preocupe, eu a deixo na Torre — Mia diz —, ou qualquer outro lugar que ela queira ficar.
— Foi um prazer — digo com um sorriso para o Matt. — Vossa Alteza — cumprimento o Nathaniel formalmente, fazendo a reverência antes de me virar e andar em direção ao elevador.
— Vossa Alteza? — Mia pergunta baixinho com várias interrogações no rosto dela. — Achava que vocês já estariam mais íntimos. Mas pelo sorriso e pela forma como o Nathaniel olhou para você enquanto fazia a reverência, acho que ele gosta disso.
— Disso o que?
Mia dá uma risada.
— Submissão.
Agora quem ri sou eu.
Não sou submissa, muito pelo contrário. Estou fazendo o oposto do que ele queria. Mas não digo isso para a Mia.
Porém, sei que ele gosta da provocação.
E odeio isso!
Entramos no elevador, saímos no estacionamento subterrâneo e Mia me leva para a Torre. Despedimo-nos e combinamos de nos encontrarmos no dia seguinte para ir ao cinema.
No quarto, coloco a temperatura do ar-condicionado no mínimo e pego um dos livros que comprei.
Por alguns momentos, nas páginas amareladas sou levada para um outro mundo totalmente diferente do meu, e é incrível como isso anestesia as minhas dores.
Mas depois de alguns capítulos, não consigo manter a concentração, e adormeço pensando no Lucas.
https://youtu.be/4Mu-GhLFyTs
Estou sempre dando o meu melhor para não despedaçar
Esta energia está matando minhas vibrações agora
Às vezes, eu só quero afogar
Todos os pensamentos em minha mente
Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo
Eu gostaria que isso parasse, e tentei
Mas a vida é uma droga
(Empty | Olivia O'Brien)
Querem um capítulo com essa sessão de cinema privada de NaMily?
Esse capítulo está cheio de indícios... pegaram? kkk
Até amanhã!
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