Capítulo 4
Depois de alguns passos para longe do carro, meu pé afunda na neve que deve ter uns vinte centímetros, enquanto passo as alças de uma das mochilas vazias pelos ombros e entrego a outra para o Lucas que está ao meu lado.
Isso é assustador.
Parte de mim se arrepende de ter vindo. Mas, se for para fazê-lo desistir, então tenho que ir até o fim, mesmo que isso signifique estar assustada quase ao ponto de ter um ataque cardíaco.
Lucas segura minha mão de forma protetora, e andamos por entre as árvores. Avançamos devagar, a neve acumulada pesa em nossos pés. E está tão frio que não demora muito para eu começar a tremer.
Depois de alguns minutos, vejo a névoa começar a ficar cada vez mais clara com a iluminação dos postes de luz, sinal de que estamos nos aproximando da rua onde Olivia morava.
Lucas para um pouco enquanto olha para o relógio.
— Faltam alguns segundos — ele avisa, e me preparo.
Apesar disso, meu coração dispara quando a sirene do toque de recolher ecoa alta em todo o Setor.
Ótimo!
Agora os riscos são ainda maiores.
Apenas um pequeno grupo de pessoas tem licença para estar a esta hora nas ruas. Lucas e eu temos uma por causa da nossa profissão e do nosso horário de trabalho. Mas além da licença, temos que respeitar o itinerário estabelecido para nós. Não seria muito fácil explicar o que estamos fazendo longe do hospital e fora do caminho das nossas casas ou de alguma outra unidade de saúde do Setor 7.
Além disso, uma das leis da Matriz que somos obrigados a seguir é que não podemos ter relacionamentos amorosos antes dos dezoito anos.
Lucas já é maior de idade, mas ainda faltam alguns meses para o meu décimo oitavo aniversário. Também temos que oficializar a nossa relação e ter um documento que prove que estamos cumprindo as leis.
— Você quer me esperar aqui? — Lucas insiste, e apenas o encaro em silêncio, o que ele sabe que é um não. Sem demorar ainda mais, avançamos e procuramos a casa de Olivia pela rua. — Número 374 — ele diz, quando a primeira casa aparece.
Olho para o número encravado na porta e constato que esta é a casa 345, por isso, não estamos muito longe.
Depois de alguns metros, sinto todo o meu corpo se arrepiar quando ouço o ruído de um carro se aproximando. Não há nenhum lugar onde possamos nos esconder, e correr de volta para o carro não é uma opção.
— Aja naturalmente — Lucas sussurra para mim, soltando minha mão.
Ele já deve ter passado por isso tantas vezes que, provavelmente, nem sente mais o corpo se encher de adrenalina.
Mas quanto mais o carro se aproxima e a luz dos faróis ilumina nosso caminho, mais rápido meu coração bate e tenho a sensação de que ele vai sair pela boca. Todos os músculos do meu corpo estão tensos, preparados para encarar o perigo ou fugir.
Assim que nos alcança, o carro cinza passa devagar por nós.
Por um momento, o ruído do motor me faz sentir que ele desacelerou e vai parar.
Se não for a polícia, pode ser algo pior.
Mas também pode ser só alguém que se atrasou no horário de recolher e quer apenas chegar em casa antes de ter problemas.
Forço-me a respirar devagar e solto um suspiro aliviado quando o carro passa pela gente.
Assim que se afasta cada vez mais, o caminho fica novamente silencioso e pouco iluminado, como em um filme de terror.
Lucas para, e vejo o número que ele falou há pouco. A casa cinza é igual a todas as outras desta rua. Pequena, quadrada, com uma porta e uma janela na frente.
Ele pega a chave do envelope, coloca-a na fechadura e a vira com cuidado. Mas está tão silencioso que o barulho alto da chave rodando a engrenagem parece que vai chamar a atenção de toda a vizinhança.
Sinto um alívio quando a porta se abre e, do lado de dentro, Lucas acende uma lanterna.
— Você está bem? — pergunta com um tom de voz preocupado.
— Descobri que meu coração está saudável — respondo, agradecida por estar momentaneamente abrigada do frio e dos perigos da rua. Quando vejo que o olhar dele continua preocupado, respondo: — Eu estou bem, Lucas.
— Você também tem uma lanterna na mochila — ele avisa. — É melhor não acendermos as luzes para não chamar a atenção.
— Isso fica cada vez melhor — comento irônica.
— Você ainda não viu nada — avisa, e sinto um arrepio passar por mim.
Por dentro, a casa também é simples, como todas as outras.
Aqui na sala, há apenas um sofá, uma estante, uma televisão pequena e um porta-retratos.
Na foto, Olivia parece bem mais nova ao lado do marido. Ele está segurando a mão dela, e um anel no dedo do compromisso se destaca. Olivia disse que o tirou para dormir e não se lembrou de pegá-lo quando foi às pressas para o hospital.
Por isso, o anel deve estar no quarto dela e vou tentar encontrá-lo. Foi a única coisa que ele deixou para ela, o símbolo do amor dos dois.
Toco nos meus anéis e paro no que o Lucas me deu. Involuntariamente, contorno com a ponta do dedo o símbolo do infinito e suspiro olhando para ele.
Sei que ainda não oficializamos o nosso relacionamento, mas ele não é menos real por causa da falta de um papel.
Por isso, sou contra o que estamos fazendo aqui. Quando o Lucas tenta mudar o mundo, sinto que posso perdê-lo em qualquer momento. Não que eu não queira quebrar o sistema e tentar retirar este governo do poder. É claro que quero. Mas não vejo como isso seria possível.
Nós temos o vírus.
Se eles se recusarem a nos dar o antídoto, morremos.
É simples.
Mas, apesar de a Matriz afirmar que a Cura é tão cara e complexa que só consegue conceder onze por ano na Tômbola, a Resistência acha que é possível curar todo mundo.
E é esse o plano deles: descobrir a Cura definitiva.
Lucas acredita neles.
Eu continuo achando impossível.
— Pegue tudo o que você encontrar de valor — ele diz, cortando meu pensamento. — Joias, dinheiro, remédios, baterias, livros, enlatados, eletrônicos.
Apenas concordo com a cabeça.
Mas, para deixar claro, Lucas e eu não estamos roubando Olivia.
Nunca faríamos isso.
Estamos roubando a Matriz, uma vez que a Olivia deu permissão para a Resistência quando estava viva.
Ela sabia que quando morresse tudo o que tinha seria confiscado pelo Rei e colocado à venda, o que não é justo. A Matriz deveria distribuir para as pessoas que estivessem precisando.
Mas justiça é apenas uma teoria que nunca foi posta em prática em Gaia.
Pelo menos não para nós que temos um vírus correndo nas veias e moramos nos Setores ou na Fronteira.
Os Puros, como eles se chamam, habitantes da Matriz, cujo sangue é livre de doenças e imune aos nossos vírus, têm uma imagem um pouco distorcida sobre o que é justiça, o que é certo ou errado.
Enfim!
Mas, apesar da permissão da Olivia, não podemos levar tudo, para não dar nas vistas. Por isso, vamos pegar apenas o essencial.
E procurar o mais importante: as baterias, pistolas, munições e principalmente o mapa, que não podem ser encontrados pela Matriz.
Saímos da sala depois de ver que não tem nada ali que poderia ser útil e entramos em um corredor escuro e úmido.
— Avise-me se encontrar a caixa com a entrega e o mapa — Lucas pede, abrindo a porta e focando o ambiente com a lanterna, e me deixando sozinha logo a seguir.
O quarto tem cheiro de umidade e madeira, e é tão simples quanto à sala. Por cima da cama, há outra imagem emoldurada. Mas não são pessoas desta vez, é uma paisagem de montanha desbotada e corroída nos cantos.
Foco na lateral da cama e vou até a mesa de cabeceira.
Abro a gaveta esperançosa, mas noto que também não há muitas coisas. Pego algumas moedas e as caixas de remédio. Isso certamente será útil.
E apesar de Olivia ter dito que a aliança estava na mesa de cabeceira, não a encontro.
Vou até o armário e procuro por outras coisas da lista da Resistência, e encontro uma caixa grande.
Abro-a rápido, esperando que seja o que estamos procurando, mas minha esperança se desfaz mais rápido ainda.
O que vejo são várias cartas presas com uma fita vermelha. Por baixo, encontro documentos e correspondências oficiais, nenhuma munição ou mapa. Retiro tudo e a única coisa que sobra é uma chave dourada pequena.
Com um suspiro decepcionado, devolvo tudo para a caixa e fecho o armário.
Foco com a lanterna nos cantos do quarto, e algo brilha. Sorrio quando tenho certeza que é a aliança. Sei que Olivia ficaria feliz por levar com ela algo que seu marido lhe deu.
Como não encontro mais nada, sigo para a cozinha e vejo Lucas verificando as gavetas do armário. Ele não se vira quando me ouve chegar.
— Você encontrou? — pergunta.
— Não — respondo, e espirro logo a seguir.
Desta vez, não consegui tirar o lenço antes, e Lucas me lança um olhar apreensivo.
— Você pode ver o que tem no outro armário? — A voz dele soa preocupada e urgente, afinal, quanto mais o tempo passa, mais longe estamos do toque de recolher.
Abro uma das gavetas no móvel que ele indicou e preciso abafar um grito enquanto dou um pulo para trás. Meu coração bate descompassado e sinto todo o meu corpo tremer.
Algo pulou em cima de mim.
Em poucos segundos, Lucas está do meu lado perguntando o que aconteceu.
— Um rato — respondo, fazendo uma expressão de nojo.
Ele suspira aliviado e volta para o armário que estava vasculhando. Afinal, estamos habituados a isto.
Ilumino a gaveta aberta perguntando-me se não haverá outros bichos nojentos lá dentro. Mas tenho um pouco de sorte e só encontro algumas pilhas, velas e isqueiros.
Lucas vai até o banheiro e faz a inspeção rapidamente.
E não encontra nada.
— Não podemos ir embora sem encontrar a caixa para a Resistência — Lucas diz. — Vou olhar mais uma vez o resto da casa.
Ele está se afastando quando eu foco a luz da lanterna em toda a cozinha, até encontrar algo.
— Está trancada, Lucas — aviso, vendo um cadeado prendendo os dois extremos de uma corrente em um buraco improvisado no armário por baixo da pia.
— Acho que você encontrou — ele diz, abrindo uma das gavetas. Observo-o pegar uma faca grande e enfiá-la no meio das portas forçando-as a se abrirem.
Ele tenta algumas vezes sem sucesso. A corrente não é tão grossa, mas tenho certeza que ele não está usando toda a força para não fazer barulho.
Então me lembro de algo.
— Espera — digo, e Lucas retira a faca e me espera continuar a falar. Abaixo-me e ilumino o cadeado, constatando que ele é dourado. — Acho que sei onde está a chave.
Corro até o quarto, abro o guarda-roupa e pego a chave de dentro da caixa. Volto o mais rápido que consigo e a entrego para o Lucas, que não demora a enfiá-la e, quando a gira, o cadeado se abre.
Ele tira a corrente e, por trás dos produtos de limpeza, encontramos a caixa que a Anna mencionou.
Começamos a guardar tudo nas mochilas, e estremeço quando pego uma pistola nas mãos. Nunca tinha visto uma tão de perto, e é assustadora. Tenho certeza que jamais conseguiria usar uma dessas.
Lucas pega a arma, e me surpreende quando noto que ele sabe manuseá-la.
— Só verificando se está descarregada — ele diz, voltando a inserir o pente de munição e guardando a pistola na bolsa dele. — Temos que ir, Emily — ele avisa, depois de apontar o foco da lanterna para o relógio no seu braço, e decido perguntar onde ele aprendeu a manusear uma pistola depois.
Olho para o anel na mão dele iluminado pela luz branca. Um anel igual ao meu, com o símbolo do infinito no dedo que representa o futuro.
Seguimos pelo corredor e, quando chegamos à sala, ouço o ruído do motor de um carro se aproximando.
Lucas para.
Eu paro.
Apontamos nossas lanternas para o chão sem desligá-las.
https://youtu.be/-T5eYF9WiRI
Não há rendição
E não há escapatória
Somos nós os caçadores?
Ou somos nós a presa?
Este é um jogo selvagem de sobrevivência
(Game of Survival | Ruelle)
Alguém querendo um anel com símbolo do infinito também?
E o Lucas já todo rebelde sabendo manusear uma pistola é sexy, sim, claro ou com certeza?
Até amanhã!
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