Capítulo 30
— Você tem alguma ideia do que acabou de fazer? — Nathaniel pergunta, puxando uma das cadeiras para se sentar à minha frente e me olhar de forma intimidante.
Meus olhos se desviam para as mãos dele e para os anéis que ostenta, mas volto a encará-lo a seguir.
— Não fiz nada — afirmo convicta.
— Não fez nada? — Ele dá uma risada sem humor no fim da pergunta. — Nem você acredita nisso.
— Há alguma lei que me impeça de sonhar que todas as pessoas de Gaia sejam curadas? — desafio. — Do que você está me acusando?
Na sala quase vazia, nossas vozes ecoam ríspidas.
— Sou o Comandante da Guarda Real, percebo uma ameaça quando a vejo — as palavras saem agressivas. Nathaniel se desencosta da cadeira e se inclina na minha direção o que o faz parecer ainda mais ameaçador. — E, Emily, sei mais sobre você do que imagina.
O que ele pode saber?
Provavelmente está blefando, não posso demonstrar nenhum medo agora, tenho que enfrentá-lo.
— Acreditei quando você disse que não estava me perseguindo. — Mantenho a voz firme. — Parece que me enganei.
— E eu achei que você era uma pessoa inteligente, também me enganei — Nathaniel rebate. — Você achou o que? Que nós seríamos amigos? Que eu apoiaria isso no meu país?
Olho para o Nathaniel e a única coisa que vejo é uma pessoa fria e arrogante à minha frente, desfazendo qualquer boa impressão que ele me causou ontem.
A porta se abre quando ele parece que vai voltar a falar. Então, um soldado caminha na nossa direção e entrega um envelope para o Príncipe que nem sequer olha para ele, apenas o dispensa com um gesto.
Minhas mão estão tremendo e um mau pressentimento faz um nó se formar na minha garganta.
— Não vou perder tempo, Emily. Apesar de tudo — a voz dele está mais controlada agora —, quero chegar a um acordo com você. Claro, você não tem opção a não ser...
— Você não vai dizer o que eu fiz de errado? — pergunto, sem esconder a raiva.
— Não me interrompa quando eu estiver falando! — A voz dele baixa, mas afiada, faz um arrepio percorrer meu corpo. Por alguns segundos, talvez para desfrutar do choque que causou no meu rosto, ele fica apenas me olhando, me analisando. Com a cabeça um pouco inclinada, o maxilar bem marcado e os olhos estreitos dão a ele um ar muito perigoso. — Você vai consertar o que acabou de fazer e, para isso, vai passar uma imagem totalmente diferente.
— Por que eu faria isso se nem ao menos sei porque fui trazida para cá?
As palavras saem antes que eu consiga pensar sobre elas, e Nathaniel se levanta e joga alguns papéis na mesa e uma foto por cima deles.
Levanto-me rápido e pego a foto.
Lucas.
— Por ele. — A voz dele soa ameaçadora, os olhos me desafiando. — Como poderíamos deixar os cidadãos de Gaia saberem que uma Curada estava em um relacionamento sem autorização antes da maioridade? Ou ainda pior. Como poderíamos deixar eles saberem que você é uma Resistente? Nós podemos mandá-los para a cadeia agora, você sabe disso, não sabe?
Pego o papel por baixo da foto, é o prontuário da Olivia. Meu nome está escrito nele. Meu nome e o do Lucas.
Folheio, e vejo mais prontuários que provavelmente são de outros Resistentes que morreram no hospital.
O nome do Lucas está em todos.
Não é difícil saber quem nos entregou.
Anna.
Aperto os olhos sem querer acreditar.
Por que ela fez isso?
— O que você quer de mim? — pergunto, rendendo-me.
— Ótimo, era isso que eu queria ouvir — Nathaniel diz de forma prepotente. — Nós podemos ocultar o que aconteceu, afinal seria muito ruim se isso viesse a público. Não ruim para a Matriz, mas para todos os que concorreram na última Tômbola. Eles desacreditariam na justiça do resultado se descobrissem que neste momento você deveria estar na cadeia e não curada, e isso pode desanimar os cidadãos de Gaia e até causar mais revoltas. Por isso, você vai fazer exatamente o que eu disser a partir de agora. — Nathaniel se levanta e se aproxima de mim. — Primeiro, você vai terminar qualquer tipo de relação que tenha com o Lucas. Ele virá na próxima visita, e você vai dizer que cancelou todas as outras.
Preciso de alguns segundos para processar o que Nathaniel acabou de dizer.
Ele não pode fazer isso comigo.
— Por quê?
— Ele é um Resistente. Claro que ele tem esperança de reencontrá-la, não é verdade? E deve estar fazendo o que estiver ao alcance dele para isso.
— Não posso machucá-lo desta forma — digo, juntando todas as minhas forças para controlar as lágrimas.
Não quero parecer fraca na frente dele.
— Você vai ter que fazer isso. — Nossos olhos não se desviam. — Se quiser salvá-lo.
E essa ameaça arranca o ar dos meus pulmões, deixando-me totalmente sem reação.
Nathaniel pega a minha mão e tira o anel.
— É a única coisa que tenho do meu pai — digo, sem conseguir controlar as lágrimas que surgem nos meus olhos agora. — Por que você está fazendo isso?
— Você realmente não sabe, não é?
— Não sei o que?
Ele coloca o anel na minha frente, consigo ver o contorno da frase gravada nele.
— Tudo é possível — Nathaniel diz. — É uma das frases da Resistência. — Olho confusa para ele. — Seu pai era um Resistente, Emily. E mesmo sem saber, você seguiu os passos dele.
— O que? — pergunto, e tudo começa a girar à minha volta. — Não, ele não era.
— Ele era! — A convicção na voz dele me cala. — E se você não tivesse me intrigado ao ponto de ter conseguido isso aqui — fala, apontando para os prontuários e a foto do Lucas na mesa —, liberaria você, afinal, ninguém tem culpa de ser filho de um rebelde. Mas você também é uma.
Não posso argumentar contra as provas e não consigo suportar os olhos do Nathaniel em cima de mim, por isso, me viro e minha cabeça começa a vasculhar por qualquer indício sobre o meu pai.
Ele era mesmo um Resistente?
Ouço os passos do Príncipe indo até a porta, e quando volta, ouço-o arrastar a cadeira para onde ela estava.
Continuo paralisada.
— Vossa Alteza! — A voz do James preenche o ambiente. — Com licença, eu...
— Você falhou — Nathaniel o interrompe de forma agressiva, e me viro o mais rápido que consigo.
— Ele não fez nada — eu o defendo. — Ele não sabia de nada, você não pode culpá-lo.
— Tudo bem, Emily — James diz.
A decepção comigo está estampada no rosto dele.
— Você sabe o que ela fez, não sabe? — Nathaniel pergunta, ignorando o que falei. James confirma que sim. — Ótimo! Então, é simples. Você vai desistir da posição de Mentor da Emily. Agora, me dê o anel! — Pede a James.
— Você não pode fazer isso — digo, observando James colocar a mão no bolso do terno e entregar uma pequena caixa preta para o Príncipe.
Ele nem ao menos tenta contestar essa decisão.
— Posso e acabei de fazer. — A voz do Nathaniel soa arrogante enquanto me mostra a caixa do anel. — Dispensado.
— Sinto muito — digo para o James. — Eu não sabia, eu não sabia.
James apenas desvia os olhos dos meus, vira-se e caminha até a porta, sem dizer nada.
— O que você vai fazer? — pergunto ao Nathaniel, percebendo agora que não tenho mais Mentor.
— Resolver o problema que você criou. — Ouço a resposta enquanto ele caminha em direção à porta, mas ela se abre antes que ele chegue lá.
— Sério, Nathaniel? — o rapaz que vi ontem pergunta, e me surpreendo mais uma vez com o tom autoritário dele. — Você não pode ficar com esse problema nas mãos.
Pelos vistos, o problema sou eu.
Não consigo ouvir o que o Nathaniel responde, apenas vejo a porta se fechar e fico sozinha.
Toco no lugar vazio do anel do meu pai.
Então várias lembranças surgem na minha cabeça.
Os livros que ele se esforçava para conseguir me dar.
A ida dele para a Fronteira.
O anel.
E minha convicção de que ele não era um Resistente começa a se desfazer.
Ele deveria ter me dito o que aquela frase significava.
Mas não é culpa dele.
Respiro fundo todas as vezes que a vontade de chorar parece incontrolável, mas não vou dar esse prazer para o Nathaniel, e não demora muito para ele aparecer e me pedir para acompanhá-lo.
— Recomponha-se! — diz, abrindo a porta. Começo a avançar, mas ele coloca o braço impedindo-me de sair. Levanto minha cabeça e o encaro. — Espero que você seja boa atriz.
Com os seguranças da Escolta Real nos rodeando, Nathaniel me guia para uma sala onde estão todos os outros Curados e seus Mentores.
Procuro Amanda entre eles, e ela me olha com surpresa. Na verdade, todos nos olham com surpresa. Mas acredito que parecemos ambos tão tensos que ninguém se aproxima.
Jess parece começar a vir na direção do Nathaniel, mas desiste.
Então vejo o anel de diamante em todos eles, e constato que passamos mais tempo naquela sala do que eu imaginava.
Alguém anuncia meu nome, e não vejo nem o James nem nenhuma outra pessoa que possa ser meu Mentor.
Mas antes que eu consiga questionar o Nathaniel sobre isso, o nome dele também é anunciado.
Ele sobe comigo no palco e a surpresa toma conta do rosto das pessoas quando veem o Príncipe comigo.
Encontro James na multidão, que parecia só estar esperando ver como tudo isso ia acabar e vai embora.
Foi apenas uma frase que eu não sabia o que representava.
A frase que me trazia esperança sempre que meu pai a dizia para mim.
Colocou o Lucas em risco.
Atrapalhou os planos do James.
E agora vou ser obrigada a conviver com o Príncipe.
Ele vai ser meu Mentor.
Nathaniel tira o anel de esmeralda do meu dedo e o coloca na mesa junto com os outros anéis dos Curados que já passaram aqui antes de mim.
Todos os protocolos se embaralham na minha cabeça, mas sei que tenho que pronunciar o juramento sem errar.
E é isso que eu faço.
Digo cada palavra olhando nos olhos dele de forma desafiadora.
Nathaniel pega o anel de diamante que o James entregou para ele. O anel que é símbolo do Rei, símbolo da Matriz, símbolo da opressão, e o coloca no meu dedo.
Todos aplaudem.
O que ninguém sabe é que o meu chão se abriu mesmo debaixo dos meus pés neste momento.
https://youtu.be/W4umVHNJCWA
Eu vejo sua tempestade chegando
Eu vejo o chão desmoronando
Começando uma reação em cadeia
Eu vejo a escuridão rastejando
Eu vejo suas guerras, é o fim
É um jogo perigoso
(Dangerous Game | Klergy)
Quem ai ficou triste pelo James?
Preparados para ver Nathaniel como mentor da Emily?
TUDO É POSSÍVEL!
Até amanhã!
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