Capítulo 21
— Espero que você já possa comer chocolate — James diz com um tom empolgado e me entrega uma caixa dourada com um laço vermelho, assim que eu abro a porta.
— Eu acho que sim — respondo esperançosa, já nem lembro qual o sabor do chocolate.
— Olha só para você! Você parece ótima. — O sorriso dele é verdadeiro, o que me faz sorrir de volta. — Sei que não deve ter sido fácil o que você passou, por isso, meu objetivo a partir daqui vai ser fazer você se esquecer de todas essas sessões de tortura.
— É muito gentil da sua parte — digo, fazendo um gesto para ele entrar. — E obrigada. — Mostro a caixa que tenho nas mãos.
— Fiz questão de dar a primeira caixa de chocolate — ele começa, e noto que os bombons têm formato de diamante —, mas devo dizer que ganhar chocolate todos os dias vai fazer você enjoar no primeiro mês.
— Vou ganhar chocolate todos os dias? — pergunto.
— E flores, livros, roupas, bolsas, sapatos, joias, eletrônicos... A lista é comprida, e você é obrigada a aceitar todos os presentes. — Enquanto fala, ele caminha em direção à mesa que uma equipe deixou posta há pouco. — Pelo aroma, esta comida parece estar deliciosa.
James avisa que vou precisar do resto do dia para ler um livro de protocolos e regras de etiqueta que devo seguir assim que me mudar para a Torre, por isso, não perdemos tempo e começamos a almoçar.
— Está muito empolgada com o que vai acontecer amanhã à noite? — Faço uma expressão confusa tentando me lembrar das transmissões, mas James não me deixa ficar na dúvida por muito tempo. — Você vai conhecer a Família Real — diz com uma casualidade que até me assusta, e devolvo para o prato o garfo que estava a caminho da minha boca.
— Você acha que vou estar preparada? — pergunto.
Não que eu me importe com o que a Família Real vai achar de mim, mas, porque, para passar despercebida, preciso não errar nenhum protocolo.
A última coisa que eu quero é chamar a atenção logo no primeiro dia.
— Se você se sentir insegura de como agir em algum momento, é só não entrar em pânico — James diz, parando para tomar um gole de água. — Vou estar atento a você, Emily, mas, se por um acaso eu não notar, você pode falar com qualquer outro Mentor. Claro, na frente da Família Real é melhor evitar erros, mas eles sabem que pode acontecer um ou outro e devem ter isso em consideração nos primeiros encontros.
Apesar de saborosa a comida, rapidamente perco o interesse no almoço, mesmo que James mude de assunto e conte coisas divertidas que normalmente acontecem aos Curados.
Ele até consegue me fazer rir um pouco.
— Não se preocupe demais, Emily. Você é linda, inteligente, educada e sua companhia é agradável. Nem essa tristeza que você tenta esconder o tempo todo tira seu brilho.
Sinto todo o sangue subir para o meu rosto.
— Não estou...
— É normal, sabe? — ele diz, interrompendo minha mentira. — Sua vida mudou. E apesar de ter sido para melhor, provavelmente você deve sentir falta de algo ou saudade de alguém. Mas tenho certeza que você vai se esquecer de tudo mais rápido do que imagina. — Tenho certeza que não, mas não discordo em voz alta. — Enquanto isso, espero que você me veja como um amigo e que confie em mim. Não precisa usar essa máscara o tempo todo.
— Obrigada — agradeço sincera.
Terminamos de almoçar e James se despede depois de trazerem o livro de protocolos que ele pediu da recepção.
E é na companhia desse calhamaço que passo o resto do dia.
*
Mais uma noite passada na Matriz.
Depois de um banho quente e demorado, seco meu cabelo e ignoro a nécessaire com maquiagem.
Dessa vez, escolho um vestido sem manga no tom de mostarda. Ele cai solto da cintura para baixo e gosto da combinação com a cor do meu cabelo.
— Você está linda — James comenta, aproximando-se de mim.
— Obrigada — digo envergonhada, estranhando o fato de um homem estar me elogiando tão abertamente.
Mas na Matriz é assim.
Não tem toque de recolher, não há fome, não há vírus, não existem restrições para relacionamentos. As pessoas ficam com quem querem, por uma noite, por um mês, antes mesmo de completarem dezoito anos.
Elas têm liberdade, algo que eu desconhecia.
— E você é uma de nós agora — James completa.
Sei que não diz por mal, mas ouvir isso faz uma onda de indignação passar por mim.
Nunca vou ser uma deles.
Nunca vou ignorar o fato de viver em um mundo dividido por doenças. E não estou falando da que corre no sangue de todos os cidadãos dos Setores e da Fronteira, mas a doença da cegueira e da indiferença da Matriz.
E definitivamente não é porque meu sangue está livro do vírus que o meu passado foi esquecido.
Nunca.
Mas não digo nada.
Não é fácil pensar antes de falar, nunca fui muito boa nisso, mas vou ter que aprender a usar o cérebro antes da boca enquanto espero que o Lucas cumpra rápido a promessa que fez.
Deixo o quarto onde passei os últimos dias para trás, seguimos até uma recepção e sentamo-nos quando nos pedem para esperar.
James comenta que teve muito trabalho esses dias para que tudo ficasse preparado para me receber. Afirma empolgado que minhas roupas ficaram incríveis, que espera que eu goste da decoração do meu novo apartamento e que está muito ansioso para me mostrar a Matriz.
Depois de olhar algumas vezes para o relógio nos últimos cinco minutos, ele se levanta do sofá.
— Fique aqui — James diz. — Vou tentar descobrir o motivo do atraso.
Pego uma revista na mesa de centro quando fico sozinha.
Na capa, o título Glamour grande em prateado se destaca. Dou uma lida rápida nas chamadas, e parece ser uma revista que mostra a elite da Matriz.
Os artigos são sobre as casas dessas pessoas ou o guarda-roupa delas. Há uma sessão de fofoca que expõe os casamentos e divórcios, e outra mostrando os casais que tiveram filhos.
Continuo folheando sem interesse até ver uma grande foto do Príncipe Nathaniel.
Ele não está usando o uniforme de Comandante da Guarda Real nem o traje da realeza, mas uma roupa muito simples: camiseta preta e calças jeans.
A única frase da página está entre aspas.
Por uma Matriz mais inclusiva.
Tem uma seta apontando para a página seguinte, deve ser uma entrevista.
— Ansiosa para conhecê-lo? — James pergunta antes que eu consiga virar a página.
Estava tão entretida que nem notei que ele tinha voltado.
— Não — digo rápido e me arrependo no mesmo segundo. — Quer dizer...
— Não se preocupe, todos devem estar ansiosos por este momento épico. Afinal, não é todo mundo que é formalmente apresentado para o Rei, a Rainha e o Príncipe de Gaia.
— Eu acredito — limito-me a dizer, enquanto fecho a revista e a coloco no lugar onde estava.
— Bem, é a nossa hora, Emily! Você está pronta?
— Acho que sim — digo sem convicção.
— Fantástico! — James estende a mão e me ajuda a levantar. Mas ele não se move, e preciso olhar para cima para encontrar os olhos dele. — Só queria que você soubesse que estou muito feliz por ser seu Mentor, tenho certeza que vamos nos dar bem. Agora vamos, tenho um mundo para apresentar a você. — Ele sorri, como se esta fosse a melhor notícia dos últimos tempos. — Há, já ia me esquecendo. Mantenha o suspense.
— Que suspense?
— Quando sairmos, haverá muitos fotógrafos. Não olhe diretamente para eles, foque na sua limusine. Até o dia da apresentação oficial na Celebração do Anel, só deverá haver especulações sobre os Curados.
— Combinado — digo, gostando da ideia de poder ignorar máquinas fotográficas por enquanto. — Mas por quê? — pergunto sem entender a estratégia.
— Para fantasiarem com você, criarem expectativas. — Não consigo controlar a expressão confusa no meu rosto. — Por exemplo, ouvi dizer que esse atraso foi porque uma das Curadas e o Mentor dela ficaram posando para os jornalistas. Todo o mistério à volta dela se desfez, e tenho quase certeza que poucos vão se interessar no dia da apresentação por já a terem visto.
— Entendi! — é a única coisa que digo, esforçando-me para não fazer nenhum comentário do qual possa me arrepender. Também preciso me controlar para não revirar os olhos.
Há poucos dias meu problema era lutar com a minha doença e com o vírus, tentar manter meus pacientes vivos enquanto eu não morria de fome e de frio.
E hoje a minha preocupação deve ser manter o suspense.
Isso está tão fora da realidade quando há pessoas lutando para conseguir sobreviver mais um dia.
Respiro fundo e acompanho James pelos corredores, que parece conhecer de cor, enquanto ele fala sobre coisas práticas como o cartão de crédito ao qual vou ter direito e a limusine com motorista disponível vinte e quatro horas por dia.
Quando chegamos no patamar de uma escada rolante, olho para baixo e vejo uma multidão de rostos se virando na nossa direção.
Sem se importar com isso e com o ruído de conversa de fundo, James ajeita a gravata e sorri.
Coloco a mão no corrimão, apesar de imaginar a quantidade de germes que há nele, mas preciso controlar a sensação de que vou perder o equilíbrio. Nunca fui o centro das atenções antes, acho que ainda não tinha me sentido tão constrangida e intimidada em toda a minha vida.
Claro, as pessoas sempre olham para mim por causa do meu cabelo ruivo, mas não tantas ao mesmo tempo e nem com tanto interesse e curiosidade.
Para piorar, meus olhos encontram uma grande tela na qual James e eu estamos aparecendo, ao vivo, para a Matriz e, logo à noite, algumas partes editadas serão mostradas para os Setores.
Sinto meu estômago se revirar ao imaginar o Lucas e a família dele vendo isso.
— O que devo fazer? — pergunto nervosa vendo a escada avançar rápido em direção às pessoas.
— Só sorria, querida.
James acena e cumprimenta as pessoas que se aproximam. Eu me limito a exibir um sorriso forçado e a ruborizar como forma de interação.
Atravessamos rápido o grande hall de entrada, e uma grande porta de vidro, que faz parte de toda a fachada transparente, se abre e deixamos a Muralha.
— Bem-vinda à Matriz! — James diz.
Meus olhos se estreitam tentando se habituar à luz do sol.
— Já fazia tempo que não via um dia tão ensolarado — comento, e James parece notar meu desconforto.
— Você vai se habituar. — E então tira um par de óculos de sol do bolso do blazer e os coloca no meu rosto. — Isso deve ajudar. Com o sol e com as pessoas — diz levantando o meu rosto. — Você é uma celebridade agora.
— Obrigada — agradeço com sinceridade pelos óculos.
E então reparo que tudo é diferente.
Uma brisa quente me envolve, trazendo um cheiro que provavelmente é do mar.
O motorista sai do carro estacionado à nossa frente.
— Boa tarde — diz, abrindo a porta traseira. — Senhorita Reid, estarei à sua disposição.
— Obrigada!
James é simpático e sorri com facilidade. Ele pergunta sobre a família do motorista que diz que estão todos bem e agradece sorrindo.
— Você foi muito bem — James diz, sentando-se ao meu lado. — Claro, isso não foi nada com relação ao assédio que você vai receber em outros ambientes. Aqui no Centro de Treinamento eles têm indicação para não serem invasivos.
Isto não me tranquiliza.
Nem um pouco.
Minhas mãos estão suando frio. Se vai ser assim a partir de agora, é melhor eu encontrar uma forma de controlar o nervosismo.
— Pode ir em frente — James avisa o motorista, e o carro começa a se mover. — O mais devagar que puder, para eu conseguir mostrar um pouco da Matriz para a senhorita Reid.
— Claro — o motorista concorda.
Subimos lentamente.
Tudo é incrivelmente limpo e colorido.
Prédios altos com painéis publicitários gigantes indicam os nomes das dezenas de lojas.
— Esta é a zona comercial — James começa. — Tudo o que sonhar, desde roupas a eletrônicos, você encontra aqui.
Em nada se parece com a zona comercial do meu Setor, onde tudo era ultrapassado ou usado e mesmo assim caro demais para que eu pudesse comprar algo além do essencial.
— Esta é a Av. Atlanta — James começa assim que atravessamos um cruzamento. — A rua mais cara e famosa da Matriz. São quilômetros de lojas, restaurantes e entretenimento, do centro até a praia. — O tom de voz dele soa empolgado. — Acho que vamos nos encontrar aqui muitas vezes.
Nas largas calçadas repletas de bancos e jardins, há uma multidão de pessoas bem vestidas com sacolas nas mãos.
Paramos em um semáforo, e James pede para eu olhar para a esquerda. Há uma grande praça, e, pelo que percebo, a rua é apenas para pedestres, e então um prédio surge.
— O lugar em que estou mais ansioso para trazer você — ele diz.
— É o cinema? — pergunto, sentindo uma empolgação verdadeira que me surpreende ao ver os grandes posters de filmes expostos do lado de fora.
Provavelmente qualquer Setoriano sonha em ir ao cinema.
O prédio é imponente. Não consigo ver a altura, mas conto pelo menos três andares. Na fachada, destacando-se dos demais prédios, há uma grande escadaria com um tapete preto. Os letreiros são em dourado. No entanto, essas cores vibrantes combinam de forma harmoniosa fazendo o lugar parecer elegante.
— Melhor pipoca da Matriz — James diz. — E a partir deste ponto começam os restaurantes, discotecas, teatros, casas de show... Toda a vida noturna acontece neste lugar.
James continua mostrando os pontos de interesse, até entrarmos na zona residencial.
Nela, também há lojas, centros comerciais e restaurantes, mas espalhados e em número bastante menor.
Quando chegamos ao nosso destino, reconheço a Torre, o prédio onde vou morar durante o próximo ano.
O motorista para o carro, e meu coração acelera quando vejo uma multidão do lado de fora.
— Parece que fizeram o mesmo aqui de novo — James diz com um tom não muito amigável, enquanto vejo uma garota cumprimentando e tirando fotos com os Puros. — Sabia que não deveriam ter escolhido ele como Mentor.
Meus olhos se viram para o rapaz ao lado dela, que também parece gostar da fama.
Após dez minutos esperando, nossa limusine começa a se deslocar devagar assim que a outra vai embora.
James abre a porta e me dá a mão para me ajudar a sair. Em meia hora esta é a segunda vez em que me sinto exposta demais.
Há flashes vindo de todas as direções.
À noite, quando for transmitido para os Setores, as pessoas vão tentar descobrir como estou, satisfeitas por terem conhecido uma Curada. Devo me tornar o assunto de muitas conversas. Algumas pessoas provavelmente falarão de mim com inveja. Outras com pena, pelo menos quem me conhecia um pouco mais.
Fecho os olhos e respiro fundo desfazendo todos os meus pensamentos enquanto atravessamos o corredor humano. Ouço o meu nome ser chamado algumas vezes.
Faça o jogo deles.
As palavras do bilhete do Lucas ecoam na minha cabeça.
Aceno de volta para uma criança, não consigo ignorá-la.
E sorrio.
— Você está pegando rápido o jeito, Emily! — James comenta satisfeito.
Entramos na Torre, e suspiro aliviada, embora, alguns funcionários, tenham se virado para nos olhar.
— O prédio tem quarenta andares, mas você terá acesso apenas a quatro — James começa a explicar. — O térreo, onde fica a recepção, restaurantes, cafeteria, farmácia e algumas lojas. O trigésimo oitavo andar, onde está o Centro de Beleza. O trigésimo nono, onde ficam os apartamentos dos Curados. E o último andar, onde há dois espaços para eventos, um terraço fechado e outro descoberto, além de duas piscinas infinitas.
— E os outros andares que você não citou?
— São escritórios administrativos onde ficam todas as equipes dos Curados e tudo relacionado a vocês.
James me guia para o elevador, mas para e tira uma chave do bolso.
— Esta é a sua caixa de correio — diz, entregando-me a chave. — Se aquela luz vermelha estiver verde, isso indica que há correspondências lá dentro. Agora, vamos, você vai ter uma vista incrível da Matriz — ele diz, e entramos no elevador panorâmico e não demora para começarmos a subir. — Palácio Real — James diz, apontando para a esquerda —, Muralha, Universidade, Palácio Nacional e ali está ele — sorri, olhando para o horizonte —, o mar.
— É lindo! — Sorrio, vendo o azul brilhante do mar se estender até o horizonte.
Seguro-me na barra cromada quando estamos altos o suficiente para eu sentir um pouco de vertigem.
Não sei quantos segundos se passam até o elevador entrar em uma parte fechada. Assim que a porta se abre, James dá a indicação de virarmos para a direita e, depois de alguns metros, paramos em frente a uma porta branca.
— Este é o seu apartamento!
https://youtu.be/u4FF6MpcsRw
Eu sou a Srta. Estilo de Vida dos Ricos e Famosos
Eu sou a Srta. Oh meu Deus, Aquela *Emily* é Sem Vergonha
Sou a Srta. Extra! Extra! Últimas Notícias
Você quer um pedaço de mim?
Bem, entre na fila com os paparazzi que estão me enlouquecendo
(Piece of Me | Britney Spears)
Chegamos à Matriz! E conhecemos um pouco mais...
O James é muito amorzinho, não é?
Algum palpite de quem é a curada deslumbrada posando para os paparazzi? E o Mentor dela?
Até amanhã!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro