Capítulo 13
Há momentos em que não sinto nada, em que não tenho forças nem para pensar no que está acontecendo. Mas há outros em que sou atingida por muitos sentimentos ao mesmo tempo.
E nunca, em nenhum outro momento da minha vida, eu me senti tão sozinha.
Meus olhos se enchem de lágrimas de novo e respiro fundo algumas vezes, mas não consigo controlar os pensamentos, muito menos a dor que estou sentindo.
Minha mãe queria que eu ficasse com o Lucas e a família dele, e agora todo o esforço dela parece ter sido em vão.
Quando a doença avançou e ela tinha certeza que não iria se recuperar, saber que ele estaria do meu lado me protegendo e cuidando de mim era o único pensamento que a acalmava.
E então percebo que a história se repetiu.
Minha mãe não me deu escolha.
Lucas também não.
Mas de repente a imagem dela e do meu pai sorrindo surge na minha cabeça. Eles iriam querer isso, iriam querer me ver curada também.
E por mais que doa, eu sei que essa foi a forma que o Lucas encontrou de cuidar de mim.
Sinto um nó se formando na minha garganta mais uma vez e, antes que volte a desabar, passo mais um pouco de água no rosto e volto para o meu lugar, onde me deparo com uma bandeja com comida em cima da mesa.
Ignoro os pães e bolos. Apenas coloco água quente em uma xícara e abro a caixa com sachês de chá. Há tantos sabores que desisto de escolher e apenas tiro qualquer um a sorte.
Maçã e canela.
Seguro a xícara com as duas mãos até perceber que não preciso aquecê-las. Mas mesmo que a temperatura ambiente esteja agradável, continua sendo boa a sensação do líquido descendo quente pela minha garganta.
Depois de alguns minutos, alguns empregados retiram a comida da mesa e perguntam se preciso de alguma coisa. Peço apenas para desligarem a luz, encosto-me no assento e inclino minha cabeça para a janela.
Mas é impossível ver alguma coisa a esta velocidade e nesta escuridão. Além disso, também sei que não há muito para ver além de cidades em ruínas e florestas. E mesmo que este trem atravesse algum povoamento, isso seria feito por ferrovias subterrâneas.
No entanto, entre os Setores e a Matriz, há uma extensão de terra habitada conhecida como Fronteira, e todos os trens obrigatoriamente passam por lá.
A Matriz tentou muitas vezes acabar com este lugar, mas, depois de um tempo, desistiu.
Afinal, sempre haverá pessoas que não se encaixam nos Setores, e este submundo parece perfeito para elas. A Matriz continua oferecendo o antídoto e controlando-as, mas há um pouco mais de liberdade para quem quiser arriscar viver em um ambiente hostil.
Até onde sei, é um lugar sem leis, com prostituição, tráfico de drogas e contrabando, sustentado pelos corruptos da Matriz.
Também dizem que todos os líderes das facções criminosas de Gaia vivem na Fronteira. São mercenários que lutam contra o sistema e entre eles mesmos, mas ninguém sabe até que ponto isso é real.
Talvez seja apenas mais uma jogada do Rei para dar a esperança de que algo pode mudar, de que o povo tem a Resistência e as Facções e que uma revolução está sendo preparada. Assim, ninguém vai tentar criar outro movimento, e a Monarquia continuaria impune, uma vez que esses grupos simplesmente não existem ou não têm força suficiente para fazer alguma mudança.
E, por fim, tudo continuaria igual.
Ouvi falar de muitos cidadãos desesperados que recorreram à Fronteira para tentar encontrar tratamento para parentes ou amigos e voltaram, muitas vezes, de mãos e bolsos vazios.
Meu pai fez isso.
Mas ele simplesmente não voltou.
E não saber o que aconteceu com ele continua me fazendo sentir um grande vazio.
Por isso, a Fronteira não é um lugar que me desperte sentimentos bons, e estou prestes a vê-la, algo que nunca acreditei que aconteceria.
*
Adormeço e acordo tantas vezes que perco a noção do tempo, até as luzes, no vagão onde estou se acenderem.
— Você está se sentindo melhor? — Dra. Meredith pergunta.
— Sim, apenas um pouco...
— Cansada? — James questiona quando demoro para concluir a frase, e faço um gesto de cabeça concordando. — Infelizmente, nós vamos ter que tratar de alguns assuntos agora. Você precisa saber o que vai acontecer daqui para a frente.
Enquanto ele fala, não consigo deixar de reparar no quanto James é bonito.
Sua pele dourada do sol, contrasta com a minha empalidecida por causa dos meses de inverno. Os olhos azuis combinam com o tom castanho claro dos cabelos lisos que caem sobre a testa.
— Certo, eu tenho uma dúvida — digo, e vejo um pouco de animação no rosto dele com o meu interesse. — Por que eu preciso de um Mentor se eu era emancipada nos Setores?
— Vamos por partes — ele começa, enquanto ajeita um pouco o nó da gravata. — O acordo que você assinou previa a perda de sua emancipação ao ser a escolhida na Tômbola. Por isso, agora você está sob tutela da Matriz que é sua representante legal e responsável pelos seus bens até você completar dezoito anos. — Gostaria de saber a que bens ele está se referindo, mas não o interrompo. — Como seu Mentor, é meu dever acompanhá-la na Matriz como guia, instrutor e representante da sua equipe durante todo o primeiro ano. Vou ajudá-la com os protocolos e formalidades que serão exigidos de você ao longo dos próximos meses. Mas não se preocupe, em uma semana você já saberá fazer uma reverência e cumprimentar a Família Real de forma adequada. Além de todos os outros protocolos.
— Devo dizer que você não poderia ter um Mentor melhor, Emily — Meredith completa, roubando um sorriso discreto do James.
Limito-me a sorrir, mas o que sinto é apenas desinteresse em tudo o que foi dito até agora.
Mas, como sei que os dois estão se esforçando para se darem bem comigo desde a primeira palavra que dirigiram a mim, decido fazer um esforço e me mostrar interessada. Talvez, isso também me ajude a parar de pensar nos quilômetros que estou me afastando do Lucas e na dor de não ter conseguido me despedir de Clairy e do Mike.
O trem então começa a andar mais rápido do que antes, acho que apenas agora atingiu a velocidade máxima e a única que se vê do lado de fora é um manto negro.
Meredith coloca um tablet na minha frente e, quando a tela liga, aparece a frase: Setor 7, 2121, Emily Reid.
— Não se preocupe em decorar nenhuma das informações que verá agora — Meredith começa —, esse tablet é seu para você consultar sempre que tiver alguma dúvida.
A seguir, aparece outra página que ela pacientemente começa a explicar.
— Quando chegarmos às duas horas da manhã, você será encaminhada para o seu quarto no Centro Médico Especial da Matriz que está localizado na Muralha. Todos os outros dez Setorianos ficarão hospedados no mesmo lugar, mas vocês não vão ter contato até o fim do procedimento.
Enquanto detalha como serão meus próximos dias, subitamente uma dúvida vem à minha cabeça.
— Eu posso morrer? — A pergunta direta faz Meredith mostrar uma expressão divertida. — Sei que nunca aconteceu com pessoas do meu Setor, mas há alguma possibilidade de eu morrer durante o procedimento?
— Bem — a médica começa e devo dizer que estava esperando uma resposta negativa e não uma começada por esta palavra —, cada organismo reage de forma diferente. Não posso afirmar que não pode acontecer, mesmo depois de todos os exames que foram realizados, mas posso garantir que você estará sob os cuidados dos melhores médicos e enfermeiros de Gaia, com a tecnologia mais moderna e avançada da Matriz. Além disso, Dr. Hugh, o Diretor Médico responsável pela Cura, está à frente do procedimento há décadas, o que tem permitido o aprimoramento de todo o processo.
Dou um suspiro.
— Vou tentar não me preocupar — afirmo —, até porque não está no meu controle.
— Está no nosso, Emily! E você deve imaginar que tudo o que a Matriz menos quer é que algo aconteça a um dos escolhidos. Se for preciso, dispomos e usaremos todos os recursos para isso não acontecer.
E ela tem razão.
Isso não seria nada bom para a imagem da Matriz.
— E o dia da visita? — Mudo de assunto. — Como funciona?
— Essa vou deixar o James responder.
— A primeira visita acontecerá uma semana após o baile de Celebração do Anel.
Faço um cálculo rápido de cabeça.
— Daqui a catorze dias? — pergunto.
— Sim — confirma, afastando uma mecha do cabelo que caiu em cima do olho dele. — As visitas seguintes acontecerão todos os meses, durante um ano.
— E após o primeiro ano?
Claro que sei qual é a resposta, mas o desespero me faz ter esperança de que pode ter mudado.
— Não haverá visitas após o primeiro ano — responde hesitante, notavelmente preocupado com a minha reação.
Apenas engulo em seco.
Se a Resistência falhar, tudo o que Lucas e eu teremos serão doze horas nos próximos trezentos e sessenta e cinco dias.
Doze horas, quando nós poderíamos ter anos, décadas para nós dois.
Apenas doze horas.
Meu coração se contrai com força.
Como não digo nada, James e Meredith continuam me explicando todos os procedimentos e protocolos, até uma faixa de luz surgir no horizonte.
— É a Matriz?
https://youtu.be/8y4Sz8_Oq1M
O ar está frio
A noite é longa
Eu sinto que posso desvanecer no amanhecer
Desvanecer até desaparecer
Estou tão longe de casa
(Far From Home | Sam Tinnesz)
Enquanto a Emily está indo para a Matriz, atravessando a Fronteira, o que será que nossos mercenários favoritos, Letty e Thomas, estão fazendo?
Preparados para verem a Emily passar pelas sessões de tortur... ou melhor, de cura?
Até amanhã!
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