Capítulo 11
A semana passou tranquila.
Quer dizer, mais dois pacientes não resistiram, mas nenhum deles era Resistente, então, ficamos sempre no hospital.
Também fiz o tratamento que o Lucas passou e estou me sentindo muito melhor da sinusite.
Sem febre. Sem espirros. Sem dor de cabeça.
Os exames mais específicos vão demorar um pouco mais para saírem e revelarem quais outras infecções posso ter, mas, no momento, eu me sinto bem.
— Estes relatórios já estão assinados? — Rachel pergunta para o Lucas.
Ficamos esperando ele tirar os olhos que estão fixos em algum ponto do papel na frente dele e responder, mas ele parece que não ouviu.
E isso tem acontecido muitas vezes ultimamente.
— Lucas — digo, trocando um olhar com Rachel.
— Desculpe — ele pede com um sorriso tímido, e Rachel aponta para os relatórios. — Sim, estão assinados, você pode levá-los.
— Certo — ela diz. — Volto para buscar os restantes daqui a pouco.
— Obrigado, Rachel.
— Então, animada, Emily? — Rachel pergunta, desviando a atenção para mim.
— Com o que? — pergunto confusa.
— É hoje que vamos saber quem foi o escolhido da Tômbola, não é?
— Ah, sim! A Tômbola — respondo, aliviada por saber que não tenho chance de ser a escolhida. — Essa pilha de relatórios tira o ânimo para qualquer coisa — justifico minha falta de empolgação.
Mas a verdade é que sei que a comitiva da Tômbola da Matriz não vai entrar aqui no Hospital para me levar.
— Imagino — Rachel diz. — Bem, boa sorte!
Enquanto caminha até a porta organizando os relatórios nos braços dela, Rachel não faz a mínima ideia de que tudo o que eu menos quero é sorte.
— O que está acontecendo? — pergunto para o Lucas quando ficamos sozinhos, pegando mais um relatório da pilha que falta avaliar.
Apesar de saber que o problema entre ele e a Anna parece ter sido resolvido, pelo menos não notei nenhum clima ruim entre os dois, é impossível não ver que o Lucas tem andado bastante preocupado e inquieto.
— Estou cansado, Em — diz, e então levanta os olhos para me encarar. — Agora entendo quando você já começa o dia com sono e exausta.
— Você está tendo insônia? — pergunto, e ele concorda com a cabeça.
Tem algo que realmente o está preocupando, e tenho quase certeza que estou envolvida nisso. Ele está assim desde o dia da Testagem, o mesmo dia em que pegou os resultados do meu exame.
Ele deve se sentir culpado por não ter me obrigado a participar da Tômbola, e não quero que ele se sinta mal por mim.
— Se quiser aparecer lá em casa de madrugada para fazermos companhia um ao outro, não vou me importar — resolvo provocar para tentar tornar o clima menos pesado. — Podemos dividir uma xícara de chá e um edredom.
Lucas me olha e me dá um sorriso lindo.
— Seria perfeito, Em!
E só de imaginar isso acontecendo, sinto o rosto corar. Mas claro que ele disse que seria e não que será.
Ele não vai aparecer.
— Quando acabarmos, quero que me conte o que você tem — digo. — Mas não vou mais distrair você, não podemos deixar nenhum erro passar nesses relatórios.
— Você acabou de falar de dividir um edredom e agora está preocupada em não me distrair? É um pouco tarde para isso.
— Desculpa — peço, sem qualquer tom de arrependimento, e me esforço para me concentrar no trabalho.
*
Os minutos passam acelerados enquanto confiro cada relatório minunciosamente.
Apesar de focada, é impossível não notar que Lucas vira o olhar para a porta sempre que ouve passos no corredor.
Será que há alguma chance de eu ter sido a escolhida? Não, a Anna teria me falado.
Mas o Lucas está tão distraído que tem passado o dobro de tempo em cada relatório antes de assiná-lo.
Olho para a pilha, e vejo apenas dois. Ainda bem, eu estou exausta.
Assim que começamos a analisar os últimos, passos acelerados no corredor fazem o Lucas ficar alerta e, depois de duas batidas na porta, ela se abre sem esperar pela permissão.
— Desculpa entrar assim — Anna diz. A expressão dela está assustada.
Levanto-me rápido da cadeira e vou até ela.
— O que aconteceu? — pergunto, começando a me assustar.
Todo o nervosismo que não senti o dia inteiro resolve me dominar agora. E só vejo um motivo para ela estar agindo dessa forma.
— Anna? — Lucas pergunta, aproximando-se de nós duas.
— Eles estão aqui, Lucas. — A voz dela mostra tantas emoções, que sinto que algo está muito errado. A Anna é sempre muito contida. — Vocês têm dez minutos, e então você precisa ir para a recepção — diz a última parte olhando para mim.
— O que? — pergunto, sem controlar o desespero na minha voz. — É o que estou pensando?
— A comitiva da Matriz está aqui — Anna avisa —, você foi a escolhida na Tômbola deste ano.
— Não pode ser — digo. — Você disse que tinha conseguido invalidar a amostra — sussurro a frase aproximando-me ainda mais da Anna para que ninguém possa ouvi-la.
— Eu não disse isso. Na verdade, Emily, eu nem ao menos tentei — Anna diz. — Eu não fiz nada na sua amostra.
Ela olha para o Lucas.
— Eu falo com ela — Lucas diz. — Desculpa, Anna — ele pede, e não entendo mais nada do que está acontecendo.
Minha visão escurece de repente e preciso me apoiar na mesa quando toda a sala gira ao meu redor.
— Você sabia disso? — pergunto para o Lucas, mas não consigo ver o rosto dele, as lágrimas estão embaçando minha visão. A voz da Anna dizendo nem ao menos tentei continua se repetindo na minha cabeça. — Por que a Anna fez isso? Por que ela fez isso comigo, Lucas? Ela quis me mandar para longe...
— Não, Emily — Lucas me interrompe. — A Anna nunca faria isso.
— Então por que ela nem ao menos tentou? — Enxugo as lágrimas e o encaro. Lucas fecha os olhos e fica em silêncio enquanto meu coração bate cada vez mais rápido quando imagino a resposta que vou ouvir. — Lucas? Por que ela fez isso?
Ele respira fundo e então fixa os olhos castanhos nos meus.
E tudo o que vejo é culpa.
— Porque eu pedi — ele responde.
— O que? — pergunto, afastando-me dele.
Eu devo estar tendo um pesadelo, isso não pode estar acontecendo.
— Sinto muito, Em — Lucas diz. — Quando vi seu exame naquele dia... Você estava adoecendo de novo, eu precisava fazer algo. Consegui falar com a Anna por telefone e pedi para ela não invalidar sua amostra e que eu explicaria depois.
Ela atendeu uma ligação antes de eu ser chamada para a coleta.
Então me lembro de outra coisa que ela disse no dia em que eles brigaram.
Mas você deveria ter me dito isso antes.
— Você mentiu para ela? — Não espero ele responder, todos os pensamentos passam rápidos demais na minha cabeça. — Você mentiu para mim quando perguntei porque vocês tinham brigado?
— Não menti — ele responde. Repasso a conversa na minha cabeça, e ele tem razão. — Eu iria contar toda a verdade, mas você não insistiu. E havia mais probabilidade de você não ser a escolhida, por isso, achei melhor poupar você da ansiedade.
E isso explica a forma como ele tem agido na última semana.
O espaço começa a dar a sensação de pequeno demais para nós dois. Não consigo nem ao menos olhar na direção do Lucas.
— Não pedi que você me salvasse. — Esforço-me para colocar raiva em cada palavra, estou quase gritando. Mas quando levanto o olhar e vejo os olhos dele, a imagem arranca o ar dos meus pulmões. Eles estão brilhando, vermelhos, apesar de a expressão dele não mostrar arrependimento. — Você sabe o que eu queria — digo sentindo uma lágrima escorrer pelo meu rosto. — Eu só queria você, só queria nós.
Preciso do abraço dele que sempre me confortou em todos os momentos difíceis da minha vida. Preciso do meu amigo, da pessoa que amo e que eu achava que jamais me trairia da forma como ele acabou de fazer.
Eu nunca o faria sofrer como ele está me fazendo sofrer agora.
— Nós vamos ficar juntos de novo — ele diz.
— Faltavam apenas alguns meses para isso. — Minha voz é um pouco mais alta que um sussurro.
Faltavam só alguns meses para morarmos juntos, para eu tê-lo por completo.
E ter a certeza que isso não vai mais acontecer dói.
Dói muito.
— Nós vamos ficar juntos de novo! Você tem que acreditar em mim.
— Não, Lucas. Não vamos voltar a ficar juntos. Esta foi só a solução que você encontrou para me tirar do seu caminho — acuso.
Ele sabe que estou me referindo à Resistência e a todos os ideais de revolução que ele sempre alimentou.
— Você não vê, Emily? — Lucas pergunta, com a voz carinhosa e embargada. — Você é a pessoa mais importante da minha vida. E mesmo sabendo que a dor que estou sentindo neste momento é quase insuportável, mesmo vendo a dor que estou causando em você e sabendo que é pior do que tinha imaginado, eu faria mil vezes de novo para salvar você. — Um silêncio cai entre nós. O mais assustador é que eu só consegui ouvir eu te amo em cada uma das palavras que saiu da boca dele. Como não falo nada, Lucas continua: — Eu prefiro que estar longe de você, mas ver você viva e sem adoecer todas as semanas, a ver você com risco de morrer de um dia para o outro. E nós vamos ficar juntos de novo. Você tem que acreditar em mim! — ele pede em um sussurro desesperado.
Tiro o anel com o símbolo do infinito, o símbolo do nosso amor. O anel que em poucos meses passaria para o dedo do compromisso.
Pego a mão dele e coloco o anel que ele me deu quando a nossa vida parecia simples e previsível. Quando nada parecia que iria ficar entre nós.
Uma lágrima escorre pelos olhos castanhos dele, que se desviam dos meus, e Lucas dá um suspiro triste.
Mas a única certeza que tenho neste momento é que apenas um amor maior do que eu consigo imaginar é capaz de fazer o que ele acabou de fazer.
— Quero este anel de volta — digo surpreendendo a ele e a mim. Preciso acreditar. Preciso ler nas entrelinhas de tudo o que não foi dito aqui. Preciso me agarrar à ideia de que ele já tem algo planejado, mesmo que isso me deixe ainda mais preocupada. Mas eu o amo tanto, que nada me faria desistir da gente. — Acredito em você. — Ele dá um meio sorriso e suspira aliviado.
Além disso, tenho uma promessa a cumprir.
Lucas olha para o relógio.
Ele chega mais perto de mim, coloca uma mão no meu rosto. Estou tão desesperada pelo toque dele que meus olhos se fecham e trazem as lembranças de todas as outras vezes que ele me tocou dessa forma carinhosa.
Mesmo que a porta esteja destrancada, Lucas me beija.
— Eu te amo — ele sussurra, e sussurro o mesmo algumas vezes para ele enquanto enxugo as lágrimas.
— Não quero ir, Lucas. Não quero ficar longe de...
Não tenho nem forças para terminar a frase.
— Você precisa ir — Lucas diz, mas me abraça como se não fosse deixar me levarem. — Você vai se livrar desse vírus, você vai ficar bem.
— Não — desabo em lágrimas.
Sei que ele está chorando também, enquanto beija várias vezes minha testa.
— É hora de ir — Anna diz, abrindo a porta e me separo do Lucas, enxugando o rosto. Assim que passo por ela, Anna me chama, fazendo-me parar. — Nunca quis que você fosse para longe — diz, e sinto meus olhos se encherem de culpa.
— Desculpa ter duvidado de você.
— O Lucas realmente ama você, e isso me fez perdoá-lo por não me ter dito a verdade. E não se preocupe, nós vamos nos reencontrar de novo.
Eu a abraço, algo que nunca fizemos antes. Mas é rápido e seguimos em direção à recepção.
Na sala de descanso, tiro o jaleco e visto meu casaco.
Então me lembro de algo que faz meu coração se aperta um pouco mais.
— Diga para a Clairy e para o Mike que os amo — peço com a voz embargada.
Lucas concorda com a cabeça, e seguimos hesitantes até a recepção.
Após um Oficial ler meu cartão de identificação para confirmar que sou eu, um rapaz se aproxima de mim com um sorriso.
— Olá, Emily — ele diz, e ouço toda a sala ficar em silêncio para ouvi-lo. — Parabéns, você foi a escolhida da Tômbola deste ano! Meu nome é James Christopher, serei seu Mentor nos próximos meses.
https://youtu.be/v27COkZT4GY
Oh, querido, todas as luzes da cidade
Nunca vão brilhar tanto quanto os seus olhos
Eu trocaria todas elas por mais um minuto
Mas o carro está lá fora
(Car's Outside | James Arthur)
Se eles soubessem tudo o que vai acontecer daqui para a frente... Passa um filme na cabeça de vocês também?
E qual é a cor do pano para o Lucas?
Cada dia mais perto do nosso Príncipe!
Até amanhã!
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