3 - Som das ondas
A cada passo, Kiera praguejava mais e mais contra o príncipe. Por que ele correra com ela pela floresta, em vez de ficar perto dos guardas que lutavam contra os bandidos?
Um covarde. Um maldito covarde.
Agora ela tinha que correr por conta própria, completamente perdida, para salvar a própria vida.
O vento soprava entre as árvores, umedecendo o ar.
Kiera lançou um rápido olhar para cima; as nuvens se moviam velozes, carregadas, enchendo o céu azul e cobrindo o céu.
— Por aqui! Peguem a princesa e a tragam com vida!
Seu coração galopou; quem eram aqueles homens? O que significava o brasão de salamandra? Amaldiçoou Leopoldeison por agir como um covarde irracional e a arrastar pela floresta.
Não é hora de tentar encontrar respostas.
Ela acelerou, continuou correndo e perdeu a noção do tempo.
As primeiras gotas caíram sobre seu rosto e cabelos.
Deslizando pelo barranco, Kiera praguejou baixinho. Seus pensamentos ficavam mais confusos a cada segundo, tornando cada vez mais difícil correr.
Será que aquele era o plano dos bandidos?
Levá-la ao limite? Esgotá-la?
A chuva adensou, cegando-a. Amaldiçoou o clima instável do reino de Áquila. Estava ofegante, mas não podia se dar ao luxo de desacelerar. Ela precisava continuar.
Correu, correu, correu.
Estava encharcada até os ossos, o vestido de seda molhado e enlameado, com o tecido rasgado em vários lugares. Precisava encontrar um lugar seguro e permanecer viva, até que a guarda do príncipe a localizasse.
Kiera ouviu os gritos atrás dela, a mente cambaleando com desespero de encontrar uma saída. Tinha certeza de que as vozes pertenciam aos bandidos, e que eles tentariam capturá-la, toma-la. Para... Arruiná-la.
Corra. Corra.
Mas seu corpo parecia cada vez mais pesado, entorpecido pelo choque e pela exaustão.
Só que ela não se rendeu.
Ainda bem que estava acostumada a correr com os irmãos mais velhos; outras damas da corte já teriam desmaiado quilômetros atrás.
Uma flecha cantou no ar.
Kiera sentiu como se o ombro houvesse sido rasgado.
Os gritos ficaram abafados em sua garganta, o sangue ensopando a manga do vestido.
— Peguem-na!
Não! Não!
Ela lutou contra o dor e se embrenhou ainda mais na mata.
Kiera piscou quando um brilho passou por seus olhos. Primeiro, achou que fosse um relâmpago. Mas a luz continuou ali, dançando entre as árvores, como se fosse uma estrela pequenina.
Piscou com força.
O que quer que estivesse brilhando por entre as árvores e a chuva havia desaparecido.
Céus, havia veneno na flecha? Estava delirando?
Com todo o corpo trêmulo, buscou apoio no tronco de uma árvore.
Quase podia jurar que conseguia escutar as ondas do oceano; ou também seria uma alucinação causada pela dor? Aquilo era impossível. Estava longe da praia, do porto.
Continue, disse para si mesma. Continue, garota!
Kiera sabia que deveria afastar a névoa do torpor para ter uma chance de sobreviver.
Ela reuniu toda a força que tinha, arfando, ofegando, procurando por um abrigo, seguindo o som imaginário daquelas ondas. Sabia que não seria capaz de suportar, muito menos correr, por muito mais tempo.
Mais um pouco. Mais um pouco.
Não havia oceano, não havia mar, mas o som inconfundível das ondas estava ali, como um chamado, como um estourar em seu sangue.
No passo seguinte, seus pés e a barra do vestido se enroscaram em raízes entrelaçadas; Kiera tropeçou, escorregando pelos troncos.
— Aqui!
— A princesa está aqui!
Ela arregalou os olhos, o coração disparado no peito, as mãos procurando por qualquer pedra que pudesse arremessar nos bandidos.
Os homens com o brasão de salamandra surgiram, empunhando espadas e sorrisos vitoriosos.
— A ordem é para levá-la com vida!
Ordem de quem? E por quê?
Um milhão de perguntas giravam por sua cabeça.
Antes que os bandidos pudessem se mover um pouco mais, os ouvidos de Kiera captaram outros sons e movimentos acima deles.
Em um piscar de olhos, outros homens saltaram pela floresta, rodeando os bandidos. Também empunhavam espadas, e o ruído do choque das lâminas se misturava ao vento, à chuva e à respiração ofegante da princesa.
Quem são esses outros homens?
As roupas dos recém-chegados eram diferentes, e não havia nenhum brasão de salamandra. Era uma combinação de casaco, calças com ligas coloridas, sapatos de fivela e faixas com franjas, com facas embainhadas.
Bem diferente da vestimenta negra e quase militar dos bandidos.
Eles gritavam e berravam um com o outro, as lâminas das espadas retinindo do ar.
Kiera mal conseguia entender o que diziam; e não era hora de perder tempo com perguntas.
Tateando o chão, Kiera buscou por qualquer coisa em que pudesse se apoiar e se levantou. Os músculos berravam de dor. Aguente. Mais um pouco. Ela tomou fôlego, pronta para correr para longe da luta.
E, assim que se virou, colidiu com o peitoral de outro homem.
O choque quase a fez cair para trás; as mãos dele foram ágeis, fortes, e a seguraram pelos braços antes que ela cambaleasse.
Havia calor nos dedos dele, uma quentura confortável que atravessou o tecido molhado do vestido, acariciando e confortando a pele dela.
Confusa, Kiera ergueu o rosto.
Um arquejo baixo saiu de sua boca.
Era ele.
O homem que vira no mercado.
O homem que parecia carregar fogo nos olhos.
Ela ficou estranhamente aliviada por ver que não havia nenhum brasão de salamandra nas roupas dele.
Ao longe, os sons da batalha pareciam se distanciar.
Sua visão começou a escurecer, e Kiera cambaleou enquanto tentava se soltar dele. Mas a dor e o torpor apenas aumentavam. O homem olhava para ela, a ardência impetuosa das íris substituída por um choque genuíno que ela nunca tinha visto em nenhum homem antes.
Não em um homem como ele.
— Eu... Eles estão atrás de mim... Não tenho para onde ir... Eu... — Kiera mal sussurrou as palavras; a inconsciência a engoliu como uma onda inevitável, e ela desabou nos braços dele.
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